Introdução
A Constituição Federal de 1988 (CF) dispõe que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é de competência dos Estados e do Distrito Federal, conforme disposto no art. 155, II, da CF.
Para facilitar a explicação, será usado o termo “Estados” englobando “Estados e Distrito Federal”.
Sendo um imposto de função predominantemente fiscal (MACHADO, 2010), o ICMS representa a maior fonte de arrecadação dos Estados (SABBAG, 2010) e, além de custear o Estado, o imposto citada ainda é repartido com os Municípios.
Art. 158. Pertencem aos Municípios:
[...]
IV – vinte e cinco por cento do produto da arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios:
I - 65% (sessenta e cinco por cento), no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 108, de 2020)
II - até 35% (trinta e cinco por cento), de acordo com o que dispuser lei estadual, observada, obrigatoriamente, a distribuição de, no mínimo, 10 (dez) pontos percentuais com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 108, de 2020).
(Grifos nossos)
Dessa forma, resta-se demonstrada a importância do ICMS para a arrecadação como um todo.
Assim, deve-se ter extremo cuidado ao alterar leis e dispositivos constitucionais para que as possíveis perdas financeiras sejam mitigadas. Surgindo, então, a necessidade de entender melhor o Diferencial de Alíquotas do ICMS e suas recentes alterações.
Do DIFAL
Antes da Emenda Constitucional (EC) 87/2015, em operações interestaduais, o ICMS era recolhido da seguinte forma:
(i) Sendo destinatário não contribuinte do imposto, ICMS apenas para Estado de origem.
(ii) Sendo destinatário contribuinte do imposto, Diferencial de Alíquotas (DIFAL) para o Estado de destino.
Contudo, pelo aumento do número de vendas pela internet e das entregas interestaduais, fez-se necessário criar uma solução para o recolhimento do ICMS de forma que a relação ficasse mais equilibrada.
A solução encontrada foi adotar o DIFAL para todos os casos (destinatário contribuinte ou não), fazendo com que o imposto seja repartido entre os Estados participantes da relação independentemente do tipo de operação, garantindo, assim, a competitividade entre eles.
Vejamos o disposto na CF.
Art. 155 (…) §2 º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
VII – nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;
(Grifos nossos)
Sendo assim, existe DIFAL em operações para fora do Estado e para consumidor final. Aplica-se a alíquota interestadual (4%, 7% ou 12%) para o Estado de origem e, para o Estado de destino, o diferencial de alíquota (alíquota interna - alíquota interestadual).
É válido ressaltar que o art. 99 foi adicionado ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para compensar os Estados mais ricos pelas futuras perdas de arrecadação. Mensurando percentuais de 20% até 100% para o DIFAL pelo prazo de cinco anos, findado em 2019.
A respeito da responsabilidade pelo recolhimento do DIFAL, o art. 155, §2 º, VIII, da CF, dispõe que é (i) do destinatário, quando este for contribuinte do imposto e (ii) do remetente, quando o destinatário não for contribuinte do imposto.
Da Base de Cálculo
Existem dois tipos de base de cálculo (BC), simples ou dupla, podendo até existir adaptações em determinado Estado. Alguns utilizavam a mesma base independente de o destinatário ser contribuinte ou não; outros, duas bases.
A exemplo de São Paulo[1], após mudanças na Lei Kandir, alguns Estados fizeram alterações em suas leis estaduais quanto à BC.
Sendo assim, adota-se a mesma base de cálculo seja para consumidor contribuinte ou não, chama-se “base de cálculo única”, tal método consiste em usar a mesma base de cálculo usada na operação de origem.
Para exemplificar, o ICMS de uma mercadoria (R$ 1.000,00) de São Paulo (SP) com destino à Bahia (BA) para não contribuinte será feito da seguinte forma:
(i) Para SP: R$ 1.000,00 x 7% = R$ 70,00 (alíquota respectiva de SP para BA em operação interestadual).
(ii) Para BA, supondo que a alíquota interna seja 18%, temos: R$ 1.000,00 x (18% – 7%) = R$ 110,00.
Adota-se outra metodologia de cálculo do DIFAL contribuinte e não apenas o valor da operação, chama-se “base de cálculo dupla”, tal método consiste em usar uma base de cálculo para a origem e uma para o destino, objetivando retirar o ICMS de origem da BC.
O cálculo da base de cálculo do DIFAL é feito da seguinte forma: (valor da operação - ICMS destacado)/(1 - alíquota interna).
Para exemplificar, o ICMS de uma mercadoria (R$ 1.000,00) de São Paulo (SP) com destino à Bahia (BA) para contribuinte será feito da seguinte forma:
(i) Para SP: R$ 1.000,00 x 7% = R$ 70,00 (alíquota respectiva de SP para BA em operação interestadual).
(ii) Para BA, supondo que a alíquota interna seja 18%, temos: R$ 1.000,00 - R$ 70,00 = R$ 930,00; R$ 930,00/1-18% = R$ 1.134,14 (base de cálculo).
ICMS BA: (BC x alíquota) - ICMS origem => (R$ 1.134,14 x 18%) - R$ 70,00 = R$ 134,14
Da judicialização
Após judicialização do Convênio ICMS 93/2015 (dispõe sobre procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada), muitos contribuintes conseguiram liminar no Judiciário para que o recolhimento fosse a partir de 2023. Contudo, algumas liminares que adiavam a cobrança foram cassadas[2].
Em fevereiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou inconstitucional a cobrança do DIFAL para consumidor não contribuinte sem advento de lei complementar.
O STF entendeu que a EC 87/2015 criou uma nova relação jurídico-tributária entre o remetente do bem/serviço (contribuinte) e o Estado de destino nas operações com bens/serviços destinados a consumidor final não contribuinte (ADI 5469 e RE nº 1.287.019/DF).
Para a criação da lei e organização dos cofres estatais, o STF modulou os efeitos da decisão para que sua vigência ocorresse a partir de 2022, ressalvadas as ações judiciais já em andamento (SILVA; SILVA, 2022).
Originou-se, assim, a segunda luta dos contribuintes: a edição de uma lei complementar.
Finalmente houve a sanção da Lei Complementar nº 190/2022 (5/1/2022) regulamentando as operações e prestações interestaduais destinadas ao consumidor final não contribuinte, reflexo direto na Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir).
Contudo, a LC 190/202 somente poderia entrar em vigor apenas após 90 dias (Princípio da Noventena. Já finalizado) e no próximo exercício financeiro (Princípio da anterioridade do exercício financeiro. Apenas em 2023), conforme art. 150, III, da CF.
Ainda sobre o tema, Igor Mauler Santiago (2022) explica que a decisão do STF é paradoxal. Mesmo que os argumentos trazidos pelos Estados nas ADIs fossem validados e, consequentemente, as anterioridades retiradas da lei complementar, as leis estaduais que lhe são preexistentes não estariam autorizadas a incidir a partir de 5/1/2022.
A linha de raciocínio seguida foi: se a lei estadual é válida antes mesmo da edição da lei complementar, não haveria razão para suspender a sua vigência, aplicando-se ao caso o art. 24, § 3º, da CF (competência legislativa plena). Se existem lacunas para a validade, o defeito não pode ser sanado a posteriori.
Não obstante, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) editou o Convênio ICMS nº 236/2021 que conferiu efeitos imediatos as disposições conferidas pela LC 190/2022 (Cláusula Décima Primeira) (SILVA; SILVA, 2022). Claramente o Convênio confrontou a CF e foi além dos termos da LC 190/2022.
A defesa apresenta pelos Fiscos Estaduais seguiu o entendimento de que o DIFAL já estava previsto desde a EC 87/2015, não havendo razões para a anterioridade, pois supostamente não houve a instituição/majoração de tributo, além do prejuízo financeiro.
Destaca-se que não seguimos tal entendimento. Pelo contrário, entendemos que, como houve o reconhecimento da inconstitucionalidade, a exigência do DIFAL veio a ser regularmente exigida após a edição da LC 190/2022, que segue os princípios constitucionais normalmente.
A título de aprofundamento, a Secretaria da Fazenda do Estado do Rio de Janeiro informou que, durante 01 de janeiro de 2022 e 04 de abril de 2022, apesar de a responsabilidade pelo pagamento pelo remetente estar dispensada em razão do prazo de adaptação, a legislação tributária estadual prevê que o DIFAL devido nas operações interestaduais destinadas a não contribuintes deverá ser recolhido pelo destinatário das operações e prestações, na condição de responsável solidário pelo ICMS, conforme previsão constante no art. 19, IV, da Lei 2.657/1996, acrescentado pela Lei Estadual nº 7.071/2015.
Sendo assim, inexistindo o destaque do ICMS em favor do Rio na nota fiscal, emitida pelo fornecedor localizado em outra unidade federada, é dever deste fornecedor, de acordo com o disposto nos artigos 4º, IV e 6º, III, da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), informar ao seu cliente a existência da obrigação tributária em relação ao Fisco fluminense[3].
Conclusão
Em meio à diversidade de fatos geradores e recolhimentos, discussões sobre a(s) reforma(s) tributária(s) costumam voltar à tona, pois reformas poderiam facilitar a arrecadação.
A citada alteração da Lei Kandir ainda não é a reforma, claramente, mas pode indicar uma luz, tendo como base que a alteração da legislação sobre o ICMS teve um prazo de adaptação.
É certo que, mesmo depois de findado o prazo de cinco anos, ainda houve e está havendo um período de incerteza sobre a forma como proceder com a cobrança do DIFAL para contribuinte, tanto que a lei complementar sobre o tema só veio a ser publicada em 2022.
Apesar da dificuldade inicial, os benefícios do DIFAL são inegáveis para o Fisco, mas também para o pequeno contribuinte, uma vez que facilita e concentra o recolhimento em grandes contribuintes, que usualmente contam com suporte de escritórios de Contabilidade e de Direito.
Referências
SILVA, Eduardo. SILVA, Eduardo Correa da. Difal do ICMS em 2022: entenda o que é e por que causa polêmica. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/difal-entenda-o-que-e-por-que-causa-polemica-15032022. Acesso em 27/05/2022.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
SANTIAGO, Igor Mauler. Ainda o Difal: com teses frágeis, estados perdem ou ganham e não levam. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-mai-18/consultor-tributario-difal-teses-frageis-estados-perdem-ou-ganham-nao-levam. Acesso em 26/05/2022.
[1] Para maiores informações sobre São Paulo, acessar: https://www.fius.com.br/difal-sp-nova-metodologia-de-calculo-nas-aquisicoes-de-ativo-uso-e-consumo-por-contribuintes-e-regulamentada/. Acesso em 25/05/2022.
[2] Para informações complementares, acessar: https://arquivei.com.br/blog/difal-2022-operacao-interestadual-destinada-a-consumidor-final-nao-contribuinte/. Acesso em 25/05/2022.
[3] Para informações complementares, acessar: https://portal.fazenda.rj.gov.br/difal/. Acesso em 25/05/2022.
Bacharel em Direito pela faculdade Imaculada Conceição do Recife - FICR. Pós-graduada em Direito Tributário Municipal pelo IAJUF. Advogada.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALDAS, Mirela Reis. DIFAL: alterações legislativas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2022, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58966/difal-alteraes-legislativas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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