RESUMO: O presente trabalho tem como tema a análise sobre a multiparentalidade no Direito Brasileiro, com isso tem como área de concentração o Direito Civil, especificamente o Direito de Família. O objetivo geral da pesquisa é discorrer sobre a multiparentalidade no Direito Brasileiro, apresentando o entendimento de diversos doutrinadores, o posicionamento dos tribunais superiores e a possibilidade do seu reconhecimento extrajudicial. Já os objetivos específicos são: (1) apresentar o conceito de família; (2) discorrer sobre os princípios do Direito de Família; (3) apontar as principais considerações sobre o parentesco e descrever como a pluriparentalidade é reconhecida no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente demonstrar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a temática. No que se refere à justificativa para a escolha do tema constata-se sua relevância para a comunidade acadêmica, para o autor e para a sociedade, visto que regulamentar situações fáticas existentes, proteger os interesses das crianças, assegurar a manutenção e o reconhecimento das relações parentais é essencial para, cada vez mais, reconhecer a pluralidade das famílias existentes na sociedade. Em relação à metodologia quanto à abordagem é uma pesquisa qualitativa, quanto aos objetivos é uma pesquisa exploratória e quanto os procedimentos é uma pesquisa bibliográfica. Por fim, em relação aos resultados conclui que a parentalidade simultânea é um instituto do Direito de Família que permite a coexistência de mais de um pai ou mais de uma mãe, sendo que os vínculos serão o biológico e o socioafetivo e seu reconhecimento foi permitido através da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal (repercussão geral).
Palavras-chave: Direito de Família. Parentesco. Princípios do Direito de Família.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo versa sobre a multiparentalidade no Direito Brasileiro. Assim, pretende apresentar o conceito de família, os princípios do Direito de Família, as principais considerações sobre o parentesco e como a multiparentalidade é tratada no Direito Pátrio, sendo que a área de concentração da pesquisa é o Direito de Família.
A família é um conceito amplo que se encontra descrito no artigo 226 da Constituição Federal de 1988 e, em resumo, é a base da sociedade e tem especial proteção do Estado, sendo que ela compreende a união entre os parentes consanguíneos, os afins e demais pessoas que apresentam vínculo afetivo. Dessa forma, o parentesco é o vínculo existente entre pessoas que apresentam relação de descendência, ou aproximação com os parentes do cônjuge (afinidade), ou em razão de uma ficção jurídica ou devido a uma conexão afetiva. Diante disso, em decorrência da afetividade e da dignidade da pessoa humana, o Direito de Família começou a reconhecer a possibilidade jurídica de coexistência entre a paternidade socioafetiva e biológica para garantir a manutenção ou o reconhecimento de vínculos parentais, conhecida como multiparentalidade.
Nesse sentido, nota-se que a estruturação da família se materializa de diversas maneiras com base em laços genéticos, afetivo ou jurídicos, podendo surgir ainda em razão do casamento ou da união estável, permitindo que as sociedades de fato ou a convivência pelo afeto que existiam na realidade, mas não eram devidamente reconhecidas pelo Direito de Família fossem regularizadas. Com isso, questiona-se: O que é multiparentalidade e como se dá o seu reconhecimento no ordenamento jurídico brasileiro?
Destarte, a multiparentalidade é um instituto do Direito de Família que reconhece a coexistência entre dois tipos de vínculos de parentesco: o biológico e o socioafetivo, sendo que um é complementar ao outro e foram devidamente reconhecidos pelo ordenamento jurídico nacional para regulamentar situação fáticas preexistentes. Além disso, trata-se de situação plenamente reconhecida pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal.
A justificativa para escolha do tema fundamenta-se em sua relevância para a comunidade acadêmica, para o autor e para a sociedade, visto que regulamentar situações fáticas existentes, proteger os interesses das crianças, assegurar a manutenção e o reconhecimento das relações parentais é essencial para, cada vez mais, reconhecer a pluralidade das famílias existentes na sociedade.
O presente artigo tem como objetivo geral discorrer sobre a multiparentalidade no Direito Brasileiro, apresentando o entendimento de diversos doutrinadores, o posicionamento dos tribunais superiores e a possibilidade do seu reconhecimento extrajudicial. Os objetivos específicos são: (1) apresentar o conceito de família; (2) discorrer sobre os princípios do Direito de Família; (3) apontar as principais considerações sobre o parentesco e descrever como a multiparentalidade é reconhecida no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente demonstrar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre a temática.
No que se refere à metodologia, constata-se que quanto à abordagem é quantitativa, quanto aos objetivos é exploratória e quanto aos procedimentos emprega a pesquisa bibliográfica, sendo que as principais referências bibliográficas selecionadas foram: Christiano Cesattari (2017); Maria Berenice Dias (2021); Carlos Roberto Gonçalves (2020); Rolf Madaleno (2022); Flávio Tartuce (2020): Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2020); Noberto Luiz Nardi (2017); Ana Carolina Brochado Teixeira, Renata de Lima Rodrigues (2010), bem como a Constituição Federal de 1988, o Código Civil, o Estatuto da Criança e do Adolescente e julgados do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, o trabalho é composto por 4 (quatro) capítulos, além da presenta introdução, sendo eles: (1) Família: conceito espécies; (2) Os princípios basilares do Direito de Família; (3) As principais considerações sobre o Parentesco e (4) A multiparentalidade no Direito Brasileiro, além da conclusão e referências bibliográficas.
2.FAMÍLIA: CONCEITO E ESPÉCIES
Preliminarmente, importante conceituar Direito de família. Trata-se do ramo jurídico que apresenta maior aplicabilidade e execução, visto que está diretamente relacionado com a vida e o desenvolvimento humano, afinal todos os indivíduos originam-se de um organismo familiar e a ele permanecem vinculados até o fim de sua vida, ainda que venham construir um novo conglomerado familiar através de união estável ou casamento civil.
Dessa forma, o Direito de Família deve ser compreendido como a reunião das normas jurídicas (princípios e regras) que regulamentam as relações interpessoais ou patrimoniais ou assistenciais estabelecidas através de vínculos consanguíneos, civis ou afetivos como, por exemplo, casamento, união estável, adoção e todas as formas admitidas em Direito para constituição e reconhecimento do vínculo familiar.
Além disso, o vínculo econômico não é o principal objetivo das relações estabelecidas nesse ramo, sendo ele orientado por interesses morais e de bem-estar coletivo, além de sua proteção ser uma função do Estado, nos termos do artigo 226 da Constituição Federal de 1988. O Direito de Família regulamenta também institutos considerados complementares como é o caso da tutela e curatela (gestão de bens, proteção e representação legal das pessoas consideradas absolutamente incapazes ou administração de bens e representação legal das pessoas relativamente incapazes, respectivamente).
Assim, após definir Direito de Família, essencial descrever o que é Família. Levando-se em consideração a conceituação do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, nota-se que Família é a base da sociedade e, por essa razão, apresenta proteção especial do Estado materializando-se como um núcleo social originário, sendo uma comunidade formada por pessoas que se unem através de vínculos parentesco naturais, por afinidade ou por vontade expressa (afetividade).
Com isso, a Constituição Federal de 1988 ao tratar sobre o tema família começou a descontruir o paradigma estabelecido anteriormente, de maneira que passou a reconhecer a união estável como entidade familiar, assim como a comunidade entre qualquer dos pais e seus descendentes e reconheceu a igualdade entre homens e mulheres, visto que os direitos e deveres decorrentes da sociedade conjugal são exercidos por ambos de forma equitativa.
Ocorre que, mesmo com as inovações apresentadas pela Constituição Federal de 1988, o Direito de Família ainda não comtemplava a totalidade de entidades familiares que deveriam ser tuteladas pelo ordenamento jurídico brasileiro, dessa forma, os juristas e doutrinadores perceberam que o principal elemento que constitui os vínculos familiares é o afeto, sendo que esse afeto é aquele sentimento especial que se materializa por meio do sentimento que aflora da convivência no dia-a-dia. (DIAS,2021)
Nesse contexto, o Direito de Família superou a concepção de família com base no parentalismo para compreender que esse laço nasce do afeto, superando também o aspecto biológico para dar lugar aos laços psicológicos, o afeto especial decorrente de uma relação estável, com coabitação, intuito de construir uma família, com proteção, solidariedade, interdependência econômica e visando uma vida comum. Todavia, embora os vínculos citados sejam consideráveis para o reconhecimento da entidade familiar, eles não são indispensáveis para a caracterização da família, posto que existem grupos que podem ser reconhecidos dessa maneira, mas não contemplam todos os “requisitos”. (MADALENO, 2022).
Diante disso, o Direito de Família passou a reconhecer a família matrimonial (instituída por meio do casamento), a família informal (constituída através da união estável), família monoparental (formada por um dos pais e os –biológicos ou adotados – ou seja, composto pela mãe e os filhos ou o pai e os filhos), família anaparental (baseada na socioafetividade e definida pela ausência das figuras materna e paterna e representada pela convivência entre parentes colaterais ou pessoas sem vínculo sexual que se unem e estruturam com propósito de constituir família) e família reconstituída (originada da união entre um ou duas pessoas que já foram casadas e possuem filhos provenientes das relações anteriores).
Ademais, existe a família paralela (situação em que um dos indivíduos apresenta duas relações ao mesmo tempo, porém uma delas se iniciou primeiramente), família natural (arranjo familiar composto pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes – artigo 25 do Estatuto da Criança e do Adolescente), família eudemonista (visa a realização pessoal de seus membros, pautada no afeto recíproco, na consideração e no respeito mútuo independente do vínculo biológico).
Outrossim, existem ainda a família homoafetiva (união entre pessoas do mesmo sexo), família extensa ou ampliada (representada pelos parente próximos que têm vínculo de afinidade e afetividade com o casal e seus filhos – parágrafo único do artigo 25 do ECA), família substitutiva (casais, homens ou mulheres que se candidatam a adoção – artigos 19, parágrafo 3º e 28 do ECA) e família poliafetiva (relação entre mais de duas pessoas que convivem de forma afetiva sem exclusividade comum dos vínculos conjugais em geral).
Face ao supramencionado foram descritos o conceito de Direito de Família e a definição de família, além disso foram apresentadas as espécies existentes de instituto que são contempladas pelo direito pátrio.
3.PRINCÍPIOS BASILARES DO DIREITO DE FAMÍLIA
Inicialmente, considerando a temática central da pesquisa, fundamental apresentar os princípios basilares do Direito de Família, sendo que os doutrinadores utilizados para definição dos axiomas essenciais desse ramo do Direito são Rolf Madaleno (2022), Maria Berenice Dias (2021), Carlos Roberto Gonçalves (2020), Flávio Tartuce (2020) e Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2020).
Dessa forma, os princípios do Direito de Família considerados essenciais por esse estudo são: da Dignidade da Pessoa Humana; da Igualdade; da Autonomia Privada; da Liberdade; da Monogamia; da Diversidade Familiar; da Afetividade; da Igualdade de Filiação; da Proteção da Pessoa com Deficiência; da Solidariedade e Reciprocidade; da Proteção Integral à Criança, ao Adolescente, aos Jovens e Idosos; da Proibição do Retrocesso Social; da Paternidade Responsável e do Planejamento Familiar; da Comunhão Plena de Vida; da Liberdade de Construir uma Comunhão de Vida Familiar; do Maior Interesse da Criança e do Adolescente; da Função Social da Família; da Convivência Familiar e da Intervenção Mínima do Estado no Direito de Família.
Assim, interessante discorre resumidamente sobre cada um desses axiomas. A Dignidade da Pessoa Humana dentro do Direito de Família impõe que as pessoas que integram essa microestrutura social têm direito à defesa intransigente, de forma que toda a sociedade deve respeitar esse núcleo de pessoas e cabe ao Estado defender esses cidadãos, assim como os seus interesses devem ser respeitados, a sua vivência deve ser solidária com o respeito entre todos (MADALENO, 2022).
No texto constitucional existem algumas disposições em relação ao Direito de Família em que o princípio da Dignidade da Pessoa Humana é claramente reconhecido, como é o caso do artigo 226, parágrafo 7º (prevê que o planejamento familiar tem como fundamento esse axioma), o artigo 227 (define que é obrigação da família e do Estado assegurar essa garantia às crianças e adolescente) e artigo 230 (assegura essa mesma proteção aos idosos) (MADALENO, 2022).
O Princípio da Igualdade, formal e substancial, é a prerrogativa de que não existirá qualquer distinção entre os indivíduos em virtude do gênero, orientação sexual, religião, etnia, dentre outros aspectos, todavia precisa levar em consideração circunstâncias relacionadas às diferenças sociais, econômicas e psicológicas. Com isso, cabe à lei e ao Estado tratar os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual na medida de sua desigualdade para assegurar a igualdade substancial (ou material) (MADALENO, 2022).
Já o Princípio da Autonomia Privada aponta que as relações familiares devem ser pautadas em questões jurídicas e não patrimoniais, isto posto, após a vigência da Constituição Federal de 1988, houve uma diminuição dos freios e restrições que esse ramo do direito apresentava para que os envolvidos tenham mais liberdade de decisão (autonomia de vontade), além disso a intervenção judicial na família foi reduzida de maneira que é possível, por exemplo, a realização de divórcios extrajudicial e a dissolução da união estável também extrajudicial (MADALENO, 2022).
No que se refere ao Princípio da Liberdade no Direito de Família, observa-se que ele tem relação com a capacidade da pessoa fazer escolhes. Alguns exemplos são: o poder de decidir constituir uma família; a faculdade de optar pelo casamento ou pela união estável, sendo que o ordenamento jurídico veda qualquer tipo de interferência de pessoa pública nessa esfera privada e os indivíduos apresentam soberania de decisão sobre o planejamento familiar; o controle de eleger o regime de casamento de sua preferência (salvo nos casos em que a lei estabelece um regime); a possibilidade de em caso de divórcio ou separação ou dissolução da união estável escolher entre a vida judicial e a extrajudicial. (MADALENO, 2022).
Destarte, o Princípio da Monogamia importante salientar que ele não é um axioma do direito estatal de família, mas uma diretriz decorrente da proibição de existência de múltiplas relações matrimoniais resguardadas pelo Estado, com isso trata-se de um imperativo cultural, de uma prática social e de uma norma moral. Ademais, manifesta-se como um dever dos cônjuges (artigo 1.566, inciso I do Código Civil), um desdobramento da lealdade existente entre os companheiros (artigo 1.725 do Código Civil) e uma função ordenadora da família (MADALENO, 2022).
Acrescenta-se que, nas palavras de Maria Berenice Dias (2021, p.64):
Em atenção ao preceito monogâmico, o Estado considera crime a bigamia (CP 235). Pessoas casadas são impedidas de casar (CC 1.521 VI) e a bigamia torna nulo o segundo casamento (CC 1.548 II e 1.521 VI). Inclusive - por incrível que pareça — é anulável a doação feita pelo adúltero a seu cúmplice (CC 550).
O Princípio da Diversidade Familiar ou pluralismo das entidades familiares sustenta que, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, a formação da família passou a ser possível através do casamento e da união estável, visto que o primeiro deixou de ser o único meio de construção do vínculo familiar. Dessa maneira, constata-se que o Estado passou a reconhecer diversas outras possibilidades de arranjos familiares, conforme apresentado no capítulo anterior, como é o caso da família monoparental (um dos pais e os descendentes), da família paralela (decorrente de uniões simultâneas) e outras configurações unidas pelo elo do afeto (MADALENO, 2022).
Destaca-se que, o Princípio do Afeto é um dos mais importantes para o Direito de Família, uma vez que o afeto é considerado a mola propulsora da construção e estabelecimento dos laços familiares, assim como das relações interpessoais movidas pela existência dos sentimentos de carinho e amor. Outrossim, nota-se que a afetividade rege a edificação dos vínculos de filiação, do casamento ou união estável e de parentesco, pois não existe mais a exigência de vínculos consanguíneos para o reconhecimento da paternidade, por exemplo, existindo atualmente a socioafetividade que equivale aos laços de sangue, nos termos da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário 898.060-SC (MADALENO, 2022).
Evidencia-se que, o Princípio da Igualdade de Filiação encontra fundamento legal no artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal de 1988 e no artigo 1.596 do Código Civil, sendo que estabelece a paridade entre os filhos havidos ou não do casamento ou da união estável, que foram adotados ou reconhecidos através da socioafetividade de maneira que não existe qualquer tipo de distinção entre eles, com isso todos têm os mesmos direitos e qualificações (MADALENO, 2022).
O Princípio da Proteção da Pessoa com Deficiência tem origem na Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, sendo que o referido diploma internacional foi ratificado pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo nº 186 de 09 de junho de 2008 e deu origem à aprovação da Lei nº 13.146 de 06 de Julho de 2015, conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (MADALENO, 2022).
Com isso, a mencionada legislação é responsável por tutelar a igualdade, o exercício de direitos e as liberdades fundamentais dessas pessoas, com o objetivo de promover a inclusão social e a cidadania, bem como a equidade de oportunidades e de tratamento. Por isso, o referido princípio assegura à pessoa com deficiência o mesmo tratamento das outras e assegura a luta contra a discriminação (MADALENO, 2022).
Ressalta-se que os Princípios da Solidariedade e da Reciprocidade são complementares, posto que o primeiro determina que os componentes da entidade familiar devem prestar auxílio entre si para garantir a dignidade humana, além de implicar no respeito e na consideração mútua de forma que a solidariedade deve ser patrimonial, afetiva e psicológica. Decorrente disso surge a reciprocidade (deveres recíprocos) que representa exatamente a obrigação dos pais em educar os filhos durante a vigência do Poder Familiar, sendo que quando eles alcançarem a velhice a responsabilidade será dos filhos em cuidar dos pais, sendo que nessa lógica também se encaixa a obrigação alimentícia, conforme artigos 229 da Constituição Federal de 1988 e 1.696 do Código Civil (DIAS, 2021).
O Princípio da Integral Proteção da Criança, do Adolescente, dos Jovens e dos Idosos implica que os direitos assegurados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 sejam aplicadas às crianças, aos adolescentes, aos jovens e aos idosos, pois são categorias de indivíduos que se encontram em vulnerabilidade e fragilidade em comparação com outros cidadãos por serem pessoas em desenvolvimento ou que já não estão no seu auge físico e fisiológico merecendo tratamento especial (DIAS, 2021).
Ademais, as crianças, os adolescentes e os jovens apresentam prioridade absoluta na proteção a direitos como vida, saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, assim como têm assegurado que não serão expostos a situações de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. No que tange à proteção especial do idoso a Constituição garante que é dever da sociedade, da família e do Estado defender a dignidade dessas pessoas, promover seu bem-estar para lhe certificar o respeito ao seu direito à vida, determinar a adoção de política públicas para amparar os idosos através de programas governamentais (DIAS, 2021).
Relativamente ao Princípio da Proibição do Retrocesso Social, observa-se que quando a Constituição garante especial tratamento à família acaba por estabelecer as diretrizes do Direito de Família em 3 (três) eixos principais, sendo eles: (1) a igualdade de gêneros na estrutura familiar; (2) o reconhecimento do pluralismo de entidades familiares que merecem proteção estatal e (3) o tratamento igualitário entre a prole. Portanto, essas normas de direito subjetivo passam a ter proteção constitucional e, assim se torna impedimento para retrocessos sociais, visto que essas normas não podem sofrer qualquer tipo de limitação ou restrição por leis infraconstitucionais (DIAS, 2021).
O Princípio da Paternidade Responsável e Planejamento Familiar designa que a decisão de realizar o planejamento familiar (escolhas para preparar a chegada de um filho e conhecimento sobre prevenção de gravidez não planejada) é livre do casal, com fundamentação na dignidade da pessoa humana e na paternidade responsável, que representa o respeito das determinações dos artigos 226 e 227 da Constituição Federal, para assegurar um crescimento tranquilo e respeitoso às crianças, adolescentes e jovens (GONÇALVES, 2020).
Vale destacar que o Princípio da Comunhão Plena de Vida tem base no afeto existente entre os cônjuges ou companheiros que apresentam igualdade de direitos e deveres, conforme artigo 1.511 do Código Civil, representando a ideia de intimidade e solidariedade que deve existir no casamento ou na união estável, além do mais o referido axioma veda qualquer interferência de pessoas jurídicas de direito público ou privado na esfera íntima da família, nos termos do artigo 1.513 do Código Civil (GONÇALVES, 2020).
Urge salientar que o Princípio da Liberdade de Construir uma Comunhão de Vida Familiar pressupõe que o casal que está construindo uma vida juntos, através do casamento ou da união estável, tem o direito de tomar as decisões que preferir sem qualquer interferência, sendo que essas providências são, por exemplo, o planejamento familiar (artigo 1.565 do Código Civil) de forma que o Estado somente pode intervir para assegurar o acesso a recursos educacionais e científicos para exercício dessa garantia (artigo 226, parágrafo 7º da Constituição Federal de 1988); aquisição e administração do patrimônio familiar de maneira autônoma (artigo 1.642 e 1.643 do Código Civil); a escolha do regime de bens mais adequado para suas necessidades (artigo 1.639 do Código Civil, dentre outras escolhas (GONÇALVES, 2020).
O Princípio do Maior Interesse da Criança e do Adolescente origina-se das disposições do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, posto que impõe como obrigação do Estado, da família e da sociedade a absoluta prioridade das crianças e dos adolescentes, sendo que em razão dessa norma o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 3º, apresenta que eles gozam de todos os direitos fundamentais concedidos à pessoa humana, sem que ocorra qualquer prejuízo a sua proteção integral, de forma que a lei e outros meios legais (como, por exemplo, políticas públicas) garantem acesso a oportunidades e facilidades para alcançar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social com liberdade e dignidade (TARTUCE, 2020).
No tocante ao Princípio da Função Social da Família evidencia-se que ela é uma unidade fundamental da sociedade que tem especial proteção do Estado, com isso sua principal função é funcionar como um meio para a busca pela felicidade nas relações interpessoais. Com isso, as relações familiares precisam ser analisadas em conformidade com o contexto social, político, histórico e regional de maneira que eventuais mudanças devem ser agregadas ao Direito de Família como, por exemplo, a noção de afetividade que transformou positivamente os laços familiares com o reconhecimento da paternidade socioafetiva e as mudanças coletivas que levaram à ampliação/abrangência do conceito de família (TARTUCE, 2020).
Importante frisar que o Princípio da Convivência Familiar prevê que a regra é a convivência entre os membros da mesma família, sendo assim o afastamento dos filhos da relação com os pais somente deve ocorrer em casos extremos e de interesse superior como, por exemplo, em caso de adoção ou destituição do Poder Familiar por descumprimento de algumas determinação legal, com isso o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 23, assegura que questões financeiras e econômicas não são motivação suficiente para obstar a convivência familiar e promover a perda ou suspensão do Poder Familiar (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020).
O último axioma que merece ser trazido à baila é o Princípio da Intervenção Mínima do Estado no Direito de Família. De acordo com suas disposições, apesar do Direito de Família em muitas situações apresentar características públicas, isso não é um permissivo para que o Estado interfira diretamente no ambiente familiar, uma vez que esse tipo de relação é regida pelo afeto, sendo que o papel estatal é fornecer assistência e apoio de forma que a sua intervenção somente se justifica em casos de ameaça de lesão ou lesão ao interesse jurídico dos membros da família (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020).
Diante do exposto, resta claro que foram apresentados os princípios que regulamentam o Direito de Família, sendo que foram utilizados livros dos doutrinadores Rolf Madaleno (2022), Maria Berenice Dias (2021), Carlos Roberto Gonçalves (2020), Flávio Tartuce (2020) e Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2020) com a finalidade de identificar o maior número de axiomas possíveis.
3.PRINCIPAIS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PARENTESCO
Considerando a temática central da pesquisa, observa-se que discutir os principais pontos que envolvem o parentesco como, por exemplo, o seu conceito, suas modalidades e seus efeitos é essencial para a melhor compreensão da temática.
Salienta-se que, conforme citado anteriormente, a família é a primeira estrutura social que o indivíduo pertence e tem contato, sendo que ela representa uma estrutura fundamental formada pelos pais com seus filhos e consolidada pela construção de vínculos afetivos, sendo que atualmente o ordenamento jurídico pátrio reconhece sua pluralidade merecendo proteção especial do Estado.
Assim, da construção familiar se desdobra o instituto do parentesco que se materializa como a relação jurídica que estabelece vínculo entre as pessoas em razão da descendência umas das outras ou de um agente comum (consanguinidade), em decorrência da celebração do casamento ou da vivência em união estável ou pela socioafetividade (afinidade) ou pelo reconhecimento de um vínculo legal pela adoção ou outra origem (civil) (GONÇALVES, 2020).
Nesse sentido, Flávio Tartuce (2020, p.1.991) aponta que parentesco pode ser definido como “o vínculo jurídico estabelecido entre pessoas que têm mesma origem biológica (mesmo tronco comum); entre um cônjuge ou companheiro e os parentes do outro; e entre as pessoas que têm entre si um vínculo civil”.
Vale ressaltar também a definição de parentesco apresentada por Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2020, p.2.069) que consideram parentesco como “a relação jurídica, calcada na afetividade e reconhecida pelo Direito, entre pessoas integrantes do mesmo grupo familiar, seja pela ascendência, descendência ou colateralidade, independentemente da natureza (natural, civil ou por afinidade)”.
Dessa forma, a partir da conceituação do instituto nota-se que as modalidades de parentesco são: o consanguíneo ou biológico ou natural, o por afinidade e o civil. O parentesco consanguíneo, biológico ou natural é aquele que se materializa através da existência de um vínculo biológico ou de sangue, visto que as pessoas com esse tipo de parentesco apresentam o mesmo tronco (TARTUCE, 2020).
Já o parentesco por afinidade é estabelecido em virtude da celebração do casamento ou pela constituição de uma união estável e compreende os cônjuges e companheiros e os parentes da contraparte, sendo que “deve ser atentado o fato de que marido e mulher e companheiros – inclusive homoafetivos –, não são parentes entre si, havendo outro tipo de vínculo, decorrente da conjugalidade ou da convivência” (TARTUCE, 2020, p.1991).
Evidencia-se que, o parentesco por afinidade na união estável foi uma novidade prevista pelo Código Civil de 2002 em seu artigo 1.595. Além disso, interessante enfatizar que essa modalidade de parentesco apresenta limitações, posto que se restringe aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou do companheiro (nos termos do artigo 1.595, parágrafo 1º do Código Civil). Ademais, ainda sobre o parentesco por afinidade Flávio Tartuce (2020, p.1.991-1.992) aponta que:
há parentesco por afinidade na linha reta ascendente em relação ao sogro, à sogra e seus ascendentes até o infinito. Na linha reta descendente, em relação ao enteado e à enteada e assim sucessivamente até o infinito. Na linha colateral, entre cunhados. Na linha reta, até o infinito, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável, havendo um vínculo perpétuo (art. 1.595, § 2.º, do CC). Nessas últimas relações há impedimento matrimonial, como visto (art. 1.521, inc. II, do CC).
Outrossim, em relação ao parentesco civil enfatiza-se que ele decorre de outras origens além dos vínculos de sangue ou afinidade, conforme define o artigo 1.593 do Código Civil. A principal maneira de constituir o parentesco civil é através da adoção, contudo a jurisprudência e a doutrina atualmente reconhecem a possibilidade de configuração do parentesco civil através da reprodução heteróloga (doação de material por terceiro) e pela socioafetividade (manifestada através da posse do estado de filho e o reconhecimento da existência de vínculo afetivo) (TARTUCE, 2020).
Nessa perspectiva, interessante frisar os enunciados 103 da I Jornada de Direito Civil, o 256 da III Jornada de Direito Civil e o 519 da V Jornada de Direito Civil, nas palavras de Flávio Tartuce (2020, p.1992):
Em complemento, o Enunciado n. 256 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil: “a posse do estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil”. Na V Jornada de Direito Civil, de 2011, aprovou-se o seguinte enunciado sobre o tema: “O reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai (s) e filho (s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais” (Enunciado n. 519).
Outro ponto que merece ser trazido à baila quando o assunto é parentesco é a sua classificação em razão das linhas e graus. O parentesco em linha reta encontra fundamentação legal no artigo 1.591 do Código Civil, sendo que deve ser compreendido como as pessoas que apresentam uma relação de ascendência ou descendência. Assim, parentes consanguíneos na linha reta são descendentes uns dos outros sem que existam limitação de grau como, por exemplo, neto, filho, pai e avô (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020).
Nas palavras de Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2020, p.2.076) o parentesco consanguíneo, o parentesco civil e o parentesco por afinidade quando se fala em linhas:
Assim, cada linha é subdividida, como veremos, em graus, de maneira que, dada a proximidade, o pai (1º grau) é parente mais próximo do que o avô (2º grau). Subindo ou descendo, não importa, os indivíduos serão considerados parentes em linha reta, ad infinitum (....)
Por equiparação constitucional, pensamos que esse mesmo raciocínio poderá ser aplicado ao parentesco civil — decorrente, como dito, não do liame genético, mas do reconhecimento jurídico — como se dá entre pai adotante e filho adotado (parentes em linha reta de primeiro grau).
E, nesse mesmo diapasão, também no parentesco por afinidade afigura-se possível tal análise, como na hipótese da sogra em relação ao genro ou do padrasto em relação à enteada (parentes por afinidade em linha reta). Neste último caso, dadas as suas especificidades, é forçoso convir que, embora aceitável, não há tanta utilidade na contagem de graus.
O parentesco em linha colateral é regulamentado pelo artigo 1.592 do Código Civil de maneira que são parentes nessa configuração as pessoas provenientes do mesmo tronco, sem que exista descendência entre elas. Na horizontal, são parentes por sangue em linha colateral as pessoas que, não descendem umas das outras, porém derivam do mesmo tronco comum como, por exemplo, irmãos (colaterais de segundo grau) e tios/sobrinhos (colaterais de terceiro grau) (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020).
Ressalta-se que, segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2020, p.2.076) no caso da linha colateral o parentesco civil e o parentesco por afinidade:
O parentesco civil, por sua vez, por inserir a pessoa no contexto familiar como se descendência genética houvesse, amolda-se a essa perspectiva de análise (ex.: o meu irmão é parente colateral de segundo grau, não importando se foi adotado ou não).
Finalmente, no parentesco por afinidade, a linha colateral restringe-se à relação de cunhado (cunhado é parente por afinidade na linha colateral).
A única modificação substancial do Código Civil de 2002, em relação à disciplina normativa anterior foi precisamente a redução do limite legal do parentesco por colateralidade, que passou do sexto grau para o quarto grau civil.
Trata-se de um critério que acompanha a tradicional regra do direito à herança
No que se refere ao parentesco quanto aos graus sua normatização encontra-se no artigo 1.594 do Código Civil, sendo que o critério essencial para determinação dos graus é o número de gerações, sendo que “tanto no parentesco em linha reta quanto no colateral, sendo que, nesse último, é preciso subir até o ascendente comum e descer até encontrar o outro parente, eis que, como já dito, os parentes colaterais não descendem uns dos outros.” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2020, p.2.077).
Por último, os efeitos do parentesco são: estabelecer o dever recíproco ao pagamento da obrigação alimentícia; obstar a celebração de casamento entre parentes; provocar, normalmente para um terceiro, os encargos de tutoria e curadoria; conceder legitimidade para os parentes no caso de defesa dos direitos da personalidade da pessoa falecida e orientar a ordem de sucessão hereditária apresentando os beneficiários da herança (SCHREIBER, 2020).
Interessante frisar que o parentesco tem repercussão em outras áreas do direito além do cível como, por exemplo, no direito constitucional quando determina impedimentos na ordem política (artigo 14, parágrafo 7º da Constituição Federal de 1988); no direito administrativo por impedir que o servidor público mantenha parentes até o segundo grau em cargo ou função de confiança (Lei nº 8.112/1990, artigo 117, inciso VIII); no direito processual civil a proibição de parentes colaterais até 3º grau sejam testemunha em processos, salvo em caso de interesse público ou impossibilidade de obter outro meio de prova (artigo 447, parágrafo 2
º do Código de Processo Civil) e no direito penal isenta de pena os crimes contra o patrimônio praticados contra ascendentes, descendentes (artigo 181 do Código Penal) (SCHREIBER, 2020).
Diante do exposto, foram descritos o conceito, modalidades, classificação e efeitos do parentesco, sendo que aspectos são essenciais para compreensão da temática central da pesquisa.
4.A MULTIPARENTALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO
Precedentemente, nos termos do que restou evidenciado anteriormente, nota-se que o afeto (de acordo com o princípio da efetividade) passou a ser um dos elementos mais significados do Direito de Família tendo, inclusive, possibilitado a ampliação do conceito de família e o reconhecimento de diversos tipos de entidades familiares. Outrossim, o afeto também passou a ser um integrante importante na definição dos vínculos parentais como é o caso da socioafetividade (citada anteriormente).
A multiparentalidade é um tema que vem ganhando destaque no Direito de Família em razão da possibilidade de adoção por casais homoafetivos, visto que uma criança passaria a ter dois pais ou duas mães em seu registro de nascimento, no entanto o assunto também vem ganhando espaço em razão do reconhecimento da parentalidade sociafetiva de forma complementar à parentalidade biológica com o registro de dupla paternidade ou dupla maternidade.
Além disso, em razão do aumento do número de famílias mosaico (junção de família compostas for um dos pais e os filhos, podendo ser decorrente de divórcio ou dissolução de união estável ou pais solteiros) a parentalidade biológica tem colidido com a parentalidade socioafetiva, assim visando o melhor interesse da criança, em razão da evolução do conceito de família, a constante desenvolvimento do Direito de Família e das mutações sociais, a doutrina e a jurisprudência têm cada vez mais considerando a possibilidade de manutenção dos vínculos biológicos e afetivos de forma concomitante (NARDI,2017).
Dessa forma, a multiparentalidade é um importante mecanismo para tutelar a realidade de muitas famílias brasileiras que além dos laços sanguíneos desenvolveram os laços afetivos, afinal o Direito de Família superou a concepção de família com base no parentalismo para compreender que esse laço nasce do afeto, superando também o aspecto biológico para dar lugar aos laços psicológicos, o afeto especial decorrente de uma relação estável, com coabitação, intuito de construir uma família, com proteção, solidariedade, interdependência econômica e visando uma vida comum (MADALENO, 2022).
Com isso, a multiparentalidade é caracterizada quando uma pessoa possui dois pais ou duas mães reconhecida pelos vínculos biológico e socioafetivo, em razão da necessidade de valorização dos vínculos socioafetivos e do Princípio da Afetividade dentro do conceito de família e das relações familiares. Além disso, nada impede que uma pessoa solicite o reconhecimento de três mães e um pai, sendo uma delas registral, outra biológica e uma terceira socioafetiva e todas apresentarem pretensões de registro da maternidade (NARDI,2017).
Nesse sentido, é o conceito que apresenta Carlos Roberto Gonçalves (2020, p.388) de maneira que define a pluriparentalidade como “no fato de o filho possuir dois pais, ou mães, reconhecidos pelo direito, o biológico e o socioafetivo, em função da valorização da filiação socioafetiva”.
Destarte, observa-se que o reconhecimento da parentalidade simultânea é decorrente do reconhecimento do vínculo de filiação entre duas ou mais pessoas, sendo que o seu cabimento ou não será analisado sob o ponto de vista no melhor interesse do filho, permitindo que um mesmo indivíduo tenha uma multiplicidade de pais ou mães, assim como terão que cumprir com os encargos decorrente do Poder Familiar e o filho terá o mesmo direito de seus irmãos. (CASSETTARI, 2017)
A doutrina vem discutindo muito sobre a pluriparetalidade, considerando-a apta a produzir efeitos no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse contexto, as doutrinadoras Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (2014, p.204) acreditam na possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade:
Em face de uma realidade social que se compõe de todos os tipos de famílias possíveis e de um ordenamento jurídico que autoriza a livre (des)constituição familiar, não há como negar que a existência de famílias reconstituídas representa a possibilidade de uma múltipla vinculação parental de crianças que convivem nesses novos arranjos familiares, porque assimilam a figura do pai e da mãe afim como novas figuras parentais, ao lado de seus pais biológicos. Não reconhecer esses vínculos, construídos sobre as bases de uma relação socioafetiva, pode igualmente representar ausência de tutela a esses menores em formação.
Importante ressaltar que o tema já foi alvo de discussão no Supremo Tribunal Federal, através do julgamento do Recurso Extraordinário nº 898.060 SC, e reconhecida a repercussão geral do tema (Enunciado 622). No julgamento do mencionado recurso, o referido órgão jurisdicional decidiu que a paternidade socioafetiva, reconhecidamente declarada em registro ou não, não obsta o reconhecimento do vínculo de filiação concomitantemente ao biológico, bem como deverão ser reconhecidos todas as suas consequências jurídicas – patrimoniais e extrapatrimoniais – ou seja, foi reconhecida a possibilidade de colação da parentalidade socioafetiva e biológica, o que significa ser plenamente cabível a pluralidade de vínculos familiares e a ocorrência da multiparentalidade.
Acentua-se que, na mencionada decisão, o Supremo consolidou a predominância da responsabilidade do pai biológico sobre o pai afetivo, mesmo que ele não tenha convívio com o filho e mesmo que o exercício da paternidade tenha sido realizado pelo socioafetivo, sendo reconhecida a possibilidade de acréscimo registral ou o reconhecimento da filiação biológica com todos os efeitos jurídicos decorrentes da parentalidade como: reconhecimento de parentalidade paralela entre filiação socioafetiva e biológica; alteração de nome e registro da dupla filiação; guarda e convivência; alimentos; pagamento de alimentos em caso de pais idosos; herdar o patrimônio dos indivíduos que o vínculo de parentesco foi reconhecido; direitos previdenciários e securitários.
Diante disso constata-se que, a referida decisão do Supremo Tribunal Federal, resumidamente, reconheceu a relevância jurídica da socioafetividade, isto é, da manifestação na vida social da paternidade em razão de vínculos afetivos; consagrou o reconhecimento da inexistência de hierarquia entre a paternidade socioafetiva e a biológica, sendo perfeitamente possível a coexistência entre elas e o reconhecimento da possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade (SCHREIBER, 2020).
Evidencia-se que o Superior Tribunal de Justiça, em conformidade com a decisão mencionada, vem reconhecendo a coexistência da paternidade socioafetiva e do vínculo biológico, entendendo não existir qualquer restrição de registro e reconhecimento dos dois tipos de vínculos parentais, conforme julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.622.330 RS e Agravo Interno e Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 1607056/SP.
Ademais, em 2017, a Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça apresentou o Provimento nº 63 com o intuito de instituir modelos únicos para emissão de certidão de nascimento, de casamento e de óbito, assim como foi responsável por permitir o reconhecimento extrajudicial pelos Cartórios de Registro Civil de Pessoas Naturais, de maneira voluntária e a averbação, da paternidade e da maternidade socioafetivas.
Frisa-se que o artigo 10, do referido Provimento, institui que o reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas com mais de 12 (doze) anos dever ser realizado parente o Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, sendo que ele será irrevogável, com isso somente poderá ser desconstituído perante o Poder Judiciário quando restar comprovado vício de vontade, fraude ou simulação. Além do mais, podem requerer o reconhecimento de filho as pessoas maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente de qual seja seu estado civil; não é possível esse tipo de reconhecimento de irmãos entre si, nem entre os ascendentes e o suposto pai ou mãe deve ser 16 (dezesseis) anos mais velho que o pretendido filho.
Considerável ressaltar que a paternidade ou a maternidade socioafetiva deve se demonstrar estável e devidamente exteriorizada socialmente, assim como o oficial de registro deve atestar a existência do vínculo pretendido através de uma apuração objetiva verificando objetivamente os elementos concretos.
Assim, cabe ao requerente atestar a afetividade por meio de todos os meios de prova admitidos em direito, principalmente por documentos como por exemplo: registro escolar tendo como responsável pelo aluno o pai ou mãe socioafetivo; inscrição do filho em plano de saúde ou órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma casa; inscrição do requerente como dependente em entidades associativas; registros fotográficos de celebrações relevantes e declaração de testemunhas com firma reconhecida.
Vale destacar que a ausência desses documentos não impede o reconhecimento da sociofetividade extrajudicial, no entanto cabe ao oficial de registro informar como atestou a existência desse vínculo, bem como os documentos arrolados para comprovação das circunstâncias devem ser devidamente arquivados (originais ou cópias) anexados ao requerimento.
Face ao exposto, foi devidamente explorado conceito de multiparentalidade, as motivações para o seu reconhecimento e o posicionamento dos tribunais acerca do assunto, sendo que se trata de um tema pacificado na jurisprudência e na doutrina, bem como em 2017 do Conselho Nacional de Justiça simplificou seu reconhecimento, uma vez que ele passou a ser realizado também de maneira extrajudicial nos cartórios competentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo do presente trabalho, plenamente atingido, foi discorrer sobre a multiparentalidade no Direito Brasileiro, apresentando o entendimento de diversos doutrinadores, o posicionamento dos tribunais superiores e a possibilidade do seu reconhecimento extrajudicial, para tanto preocupou-se em apresentar o conceito de família, descrever os princípios do Direito de Família, apontar as principais considerações sobre o parentesco e definir como a multiparentalidade é tratada no Direito Brasileiro.
Nesse sentido, observa-se que o Direito de Família, acompanhando a evolução da sociedade e as mutações sofridas nas formas de manifestação e constituição da família, começou a ampliar seu conceito para cada dia mais, contemplar as mais diversas formas de manifestação do afeto e união de pessoas em torno de diversas formas de vínculo. Assim, visando contemplar a diversidade familiar, o ordenamento jurídico brasileiro passou a reconhecer as famílias matrimoniais, informais, monoparentais, anaparentais, reconstruídas, paralelas, naturais, eudemonistas e homoafetivas.
Ademais, fazendo um copilado de diversos autores - Rolf Madaleno (2022), Maria Berenice Dias (2021), Carlos Roberto Gonçalves (2020), Flávio Tartuce (2020) e Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2020) – observa-se que os princípios do Direito de Família que merece destaque são: da Dignidade da Pessoa Humana; da Igualdade; da Autonomia Privada; da Liberdade; da Monogamia; da Diversidade Familiar; da Afetividade; da Igualdade de Filiação; da Proteção da Pessoa com Deficiência; da Solidariedade e Reciprocidade; da Proteção Integral a Criança, ao Adolescente, aos Jovens e Idosos; da Proibição do Retrocesso Social; da Paternidade Responsável e do Planejamento Familiar; da Comunhão Plena de Vida; da Liberdade de Construir uma Comunhão de Vida Familiar; do Maior Interesse da Criança e do Adolescente; da Função Social da Família; da Convivência Familiar e da Intervenção Mínima do Estado no Direito de Família.
Importante salientar que as modalidades do parentesco são: o consanguíneo ou biológico ou natural, o por afinidade e o civil, sendo que dentro delas existem duas classificações: a divisão em linhas (reta e colateral) e em graus (1º, 2º, 3º e 4). Além disso, constata-se que existem desdobramentos da existência de parentesco como, por exemplo, o surgimento da obrigação de pagar alimentos de maneira recíproca; o impedimento de que o casamento entre parentes aconteça e o estabelecimento da ordem de vocação hereditária que irá definir a preferência dos parentes que são beneficiários da herança.
Enfatiza-se que a multiparentalidade é o reconhecimento da possibilidade da paternidade/maternidade biológica e a socioafetiva serem aceitas concomitantemente no registro de nascimento de uma pessoa, materializando a dignidade da pessoa humana, o afeto, a garantia e manutenção dos vínculos de parentesco. Isso significa que a pluriparentalidade resulta da confirmação do vínculo de filiação entre duas ou mais pessoas, respeitando o melhor interesse do filho, permitindo a multiplicidade de mães ou pais, assim como implica em todos os encargos decorrentes do reconhecimento da maternidade/paternidade.
Por fim, conclui-se que, a multiparentalidade passou a ser avaliada pelos juristas brasileiros, visto que cabe ao Direito tutelar e resguardar necessidades e anseios da sociedade, com isso visando preservar o direito dos menores, de todos os indivíduos que de alguma forma se interessarem pelo reconhecimento da maternidade ou paternidade socioafetiva e visando proteger os direitos das crianças adotadas por casais homoafetivos, a parentalidade simultânea passou a ser devidamente reconhecida pela comunidade jurídica e regulamentada pelos tribunais superiores, sendo apta para produzir efeitos.
REFERÊNCIAS
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BRASIL, Presidência da República, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL, Presidência da República, Constituição Federal de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso dia 04 de Maio de 2022.
BRASIL. Código Civil. Lei N.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Vade Mecum RT/ obra de autoria da Editora Revista dos Tribunais RT. 14. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais RT, 2018.
BRASIL. Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm >. Acesso dia 03 de Maio de 2022.
CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. – 3. ed. rev., atual., e ampl. – São Paulo: Atlas, 2017.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias - 14. ed. rev. ampl. e atual. — Salvador: Editora JusPodivm, 2021.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de família. - Direito civil brasileiro vol. 6 – 17. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
MADALENO, Rolf. Manual de direito de família. – 4. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022.
NARDI, Norberto Luiz. Direito Acontecendo na União Estável - Volume 9/Norberto Luiz Nardi, Marília Possenatto Nardi, Vinicius Possenatto Nardi. – São Paulo: LEDRIPRINT EDITORA, 2017.
RIZZARDO, Arnaldo. Direitos de Família. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.
SCHREIBER, Anderson. Manual de direito civil: contemporâneo. – 3. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
STOLZE, Pablo; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil – volume único. – 4. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. O direito das famílias entre a norma e a realidade. São Paulo: Atlas, 2014.
Graduanda do curso de Direito da Faculdade FASEH – Faculdade da Saúde e Ecologia Humana
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIAR, Andreia Carla Afonso. Uma análise sobre a multiparentalidade no direito brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 ago 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59069/uma-anlise-sobre-a-multiparentalidade-no-direito-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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