RESUMO: Os desafios e as conquistas da implementação do Serviço de Acolhimento Familiar em Porto Alegre/RS é tema deste estudo, com o objetivo de trazer uma análise crítica, considerando desde os processos iniciais com a atuação da sociedade civil, passando pela elaboração da Lei Municipal, assim o seu desenvolvimento na prática. Para tanto, a metodologia utilizada foi o método indutivo qualitativo quanto à abordagem, com caráter exploratório. Quanto aos procedimentos técnicos, trata-se de uma pesquisa de campo, por meio de entrevista realizada à coordenadora do Serviço de Acolhimento Familiar de Porto Alegre (SAF). Em relação aos procedimentos técnicos, opta-se pela escolha do método etnográfico e pesquisa bibliográfica, assim como pela pesquisa documental. Por meio deste artigo busca-se, além de reconhecer os desafios e conquistas do serviço de acolhimento familiar, refletir sobre a dificuldade em avançar bem como os pontos nos quais se é necessário fazer uma mudança tanto na prática quanto de cultura interna nos parâmetros institucionais. Dentre os resultados obtidos, entende-se pela necessidade de fazer escolhas diferentes, tais como o investimento, principalmente do Município em políticas públicas direcionadas ao acolhimento familiar, através de sua participação ativa. Entretanto, para isso, será necessário a tomada de medidas na sua reestruturação interna. Assim como a importância da co-responsabilização de toda a rede de proteção das crianças e adolescentes.
Palavras-chaves: Acolhimento Familiar. Institucionalização. Porto Alegre. Implantação. Desafios. Conquistas.
ABSTRACT: This article is about the challenges and achievements of implantation the Foster Care in Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brazil. This study aims to provide an critical analysis, considering from the initicial process with the action of civil society, for the elaboration of the Municipal Law, as well as all process of the implementation. Therefore, the methodological proposal is based on the inductive qualitative as approach, eith an exploratory character. The technical procedure is fiel research, through an interview with the Foster Care Coordinator in Porto Alegre/RS. The technical procedure is ethnographic method and bibliographic research, as well as documental research. This article has the aims of recognize the challenges and achievements about the Foster Care on the Municipality, to reflect about the difficulty to moving forward and, also, about the points that it´s necessary to make a big change both in practice and in internal culture of institucional parameters. Among the results obtained, it´s understood the need to make diferente choices, such as investment, mainly by the Municipality in publibc policies aimed at family reception, throught it´s active participation, however, for this it will be necessary to take urgente measures in the internal restructuring. As wel assl the importance of co-responsibility of the entire newwork for the protection of children and adolescentes.
Keywords; Foster care. Institucionalization. Porto Alegre. Implementation. Challenges. Achievements.
1.INTRODUÇÃO
Com a disposição da Lei nº 8.069/90, art. 19, §1º, art. 34, §1º e art. 88, VI, a implantação do acolhimento familiar em todo país trouxe a oportunidade das crianças e adolescentes terem uma família do coração, da visibilidade do afeto nas relações familiares e da necessidade da quebra paradigmática da cultura da institucionalização. Neste sentido, viu-se a imprescindibilidade da implantação dessa modalidade de acolhimento em Porto Alegre/RS, questão na qual tratar-se-á este artigo.
O presente trabalho se delimita a discutir as conquistas e desafios da implementação do acolhimento familiar na Capital, a fim de responder quais os entraves que necessitam de maior atenção para que o acolhimento familiar possa crescer. Nesta perspectiva, os objetivos específicos são: refletir e desconstruir sobre a cultura da institucionalização na Capital, demonstrar os benefícios do acolhimento familiar em relação ao institucional, apresentar alternativas para o auxílio na implementação do acolhimento familiar, tendo como exemplo o que já vem sendo estudado no Brasil e internacionalmente e, por fim, compreender e destacar os desafios e obstáculos que impedem o Poder Público em investir no acolhimento familiar. Assim, a intenção deste artigo é trazer à tona a realidade da institucionalização de Porto Alegre/RS para que se possa entender quais são as medidas necessárias a serem realizadas nos próximos anos.
A escolha em dar continuidade nesse tema, o qual a autora estuda desde sua graduação, sendo o assunto de seu trabalho de conclusão de curso, deu-se em razão do entendimento que cada criança/adolescente é a esperança de um futuro melhor e que em cada uma delas, que hoje se encontra institucionalizada, há um coração que espera por uma família que possam acolhê-las, compreendê-las e lhe dar afeto, até que possam retornar para suas famílias de origem, ou se não for possível, encontrar uma família substituta. Além da compreensão da importância da convivência familiar e comunitária e do afeto nos laços familiares.
Dessa maneira, partiu-se de uma abordagem da narrativa histórica da institucionalização, trazendo como questionamento o status quo institucional, bem como o desenvolvimento da visão das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e, assim, a necessidade e priorização do acolhimento familiar como solução alternativa à velha cultura da institucionalização. Após, apresenta-se sobre o processo de implementação do Serviço de Acolhimento Familiar em Porto Alegre/RS através de entrevista com a coordenadora, Suzana Morais Pellegrini, no qual são referidas as principais conquistas e desafios. Nesta perspectiva, expõe-se uma breve análise da legislação municipal nº 12.520/19, refletindo-se sobre a necessidade de iniciativa e atuação da co-responsabilização do Ministério Público, Judiciário e, principalmente, Poder Executivo Municipal na Capital, momento em que pode-se compreender melhor sobre a urgência da priorização do investimento nessa política pública, a qual é preferencial ao acolhimento institucional, como disposto em Legislação Federal.
E, por fim, são expostos os métodos de auxílio para o melhor desenvolvimento do acolhimento familiar em Porto Alegre/RS, ao modo que se possa contar com a participação ativa do Poder Público Municipal e, especialmente, da Secretaria Municipal da Assistência Social, a fim de que, paulatinamente, assim como em outros Estados, as crianças e adolescentes hoje institucionalizadas por anos, sem referência de uma família, sem um cuidado especializado, possam ser vistas com este olhar e cuidado que o acolhimento familiar é capaz de oferecer. Dessa forma estaremos, também, respeitando o direito à convivência familiar e comunitária disposta no art. 227 da CF (Constituição Federal) e art. 19, do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), bem como os acordos internacionais.
2. A RUPTURA PARADIGMÁTICA DO ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL AO ACOLHIMENTO FAMILIAR
O direito à convivência familiar e comunitária garante que toda criança e adolescente possua o direito de ser criado e educado em um ambiente familiar e comunitário seguro e saudável, a fim de garantir o seu desenvolvimento em todos os níveis. No entanto, sabe-se que na prática não acontece exatamente assim, principalmente em virtude das infrações históricas e da visão distorcida que se tinha da criança como um adulto em miniatura, bem como da visão assistencialista das Casas de Misericórdias, períodos nos quais os direitos das crianças e adolescentes não eram respeitados e sequer reconhecidos.
Conforme Rizzini (et al., 2006), atualmente, as principais causas de afastamento da família de origem são violações de direitos da criança, como violência familiar, negligência, abuso físico e emocional, exploração sexual ou trabalho infantil, além da ineficácia ou falta de políticas públicas necessárias e de suporte à família, dificuldades de gerar renda e de inserção no mercado de trabalho, bem como a insuficiência de creches e escolas públicas em horário integral para que os pais possam trabalhar. Portanto, percebe-se que o afastamento das crianças e adolescentes de suas famílias no Brasil se configura por uma falta de garantia ao acesso aos direitos básicos dos cidadãos, bem como uma reflexão da desigualdade socioeconômica.
Desta forma, o acolhimento institucional apenas se justificaria pelo conceito da Doutrina da Proteção Integral, ou seja, como forma de defesa, de amparo às crianças e adolescentes e às famílias nas situações acima descritas, com foco na reintegração familiar e na transitoriedade, através de um trabalho especializado e articulado em rede pelas equipes técnicas. Isso tudo com o objetivo de fortificar e reestabelecer a convivência familiar e comunitária, preferencialmente em suas famílias de origem.
Contudo, evidentemente, a institucionalização de crianças e adolescentes foi normalizada no pólo oposto, de forma na qual não há foco na reintegração familiar, bem como os infantes passam anos de suas vidas neste ambiente que propicia a fragilidade de criação de vínculos duradouros.
Sendo assim, conforme se verifica em muitos estados e municípios do Brasil, tal como em Porto Alegre/RS, objeto de estudo do presente trabalho, o acolhimento institucional vem sendo utilizado como uma rota de fuga para as questões em que o Poder Público prefere se omitir ao invés de se sensibilizar e mobilizar-se diante do cenário atual, propondo e investindo em políticas públicas necessárias.
Nesse sentido, importante trazer atenção à realidade da institucionalização das crianças e adolescentes e, mais especificamente, na Capital, a fim de questionar se o Poder Executivo Municipal e, todos nós, defensores dos direitos das crianças e dos adolescentes: estamos realmente pensando nelas ou, mais uma vez, está se mascarando a situação e os problemas que precisam ser enfrentados diante do impasse da desinstitucionalização no Brasil.
2.1 A CULTURA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES EM DISCREPÂNCIA COM O DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA
A institucionalização de crianças e adolescentes é uma prática enraizada há séculos não somente no Brasil, mas em outros países como Estados Unidos, França, Portugal e Inglaterra. Segundo Ariès (1981), esta prática se tornou aceitável a partir do século XVII, quando as crianças começaram a serem educadas nas escolas, a fim de aprender um ofício.
Em relação ao Brasil, Bento (2010) explica que o abandono de crianças e adolescentes possui raízes na colonização portuguesa em razão da catequização dos índios nativos pelos jesuítas, separando-os de suas famílias, dando origem, assim, às primeiras instituições de acolhimento.
Contudo, foi a partir do século XVII que as famílias com melhores condições econômicas começaram a enviar seus filhos para as escolas internas com fins educacionais (KREUZ, 2012). Por outro lado, as genitoras com parcas condições financeiras deixavam seus filhos sob cuidados de amas de leite, nas portas de igrejas, hospitais ou nas praças e ruas, o que passou a preocupar as autoridades em razão do aumento de abandono dos bebês pelo país (MARCÍLIO, 2009). Observa-se, assim, que o abandono de crianças é um fenômeno praticado ao longo da história da humanidade, percebido em diferentes séculos e civilizações.
Ainda, ao longo da história do Brasil, principalmente durante o período colonial ocorreram mudanças importantes em relação às instituições de acolhimento, especialmente em razão do surgimento das primeiras roda dos expostos, em Salvador/BA, bem como no Rio de Janeiro/RJ, nos anos de 1726 e 1738 (COSTA, 2012; KREUZ, 2012). Esse foi um período marcado pela visão assistencialista e caritativa à infância pelas Santas Casas de Misericórdia.
Portanto, verifica-se que a prática de institucionalização de crianças e adolescentes passou a ser um costume pela sociedade e uma atividade decorrente do Estado na tentativa de não se envolver nos cuidados e proteção obrigatórios aos infantes, deixando com que a Igreja Católica tomasse frente à proteção dos infantes, o que, em verdade, deveria ser preocupação do Sistema Governamental.
Foi então, a partir da Constituição Federal de 1998 (art. 227), que o direito à convivência familiar e comunitária passou a ser garantido às crianças e adolescentes no Brasil, bem como com a mudança paradigmática do pensamento de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos em desenvolvimento peculiar. Assim como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Declaração dos Direitos da Criança (1959), a Convenção dos Direitos da Criança (1989) e, em decorrência destes, o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990).
A partir de 1990, tem-se um período marcado pela proteção integral à infância e juventude, voltado a uma visão mais humanizada. Nesse contexto, passa-se a repensar sobre a institucionalização de crianças e adolescentes, sendo estabelecida a excepcionalidade e a temporariedade dessa prática, conforme o art. 101, parágrafo único, do ECA.
Tais fatores se solidificaram após a realização da pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), em 2004, na qual revelou que o tempo mínimo e a excepcionalidade do acolhimento institucional vinha sendo descumprido em grande parte das instituições, de forma a violar o direito à convivência familiar e comunitária, bem como a manutenção prioritária na família de origem (SILVA, 2004).
Os dados acima citados apenas evidenciam a história da cultura da institucionalização, a qual normalizou a prática de retirar crianças e adolescentes de suas casas e entregar às instituições por longo período de tempo, causando sérios danos às crianças e adolescentes, principalmente no plano emocional, em razão da falta de criação contínua de vínculos e afeto bem como pela transferência de responsabilidade, conforme leciona Kreuz (2012, p. 54):
[...] Essas crianças vivem num círculo de perdas, separações e abandonos, com evidentes consequências negativas para o seu desenvolvimento. Os vínculos são sempre temporários, frágeis, instáveis, inclusive com os demais acolhidos. Alguns saem, retornando para as famílias, encaminhados para famílias substitutas, enquanto outros permanecem, quando não ficam transitando entre uma instituição e outra.
Ademais, com passar do tempo e com o desenvolvimento da sociedade, da visão de família e das crianças e adolescentes, as políticas se modificaram. No século XVII, por exemplo, acreditava-se que, ao institucionalizar a criança, haveria uma forma mais rápida de aprendizado e disciplina, o que hoje não acredita-se mais. A Educação Infantil foi reconceitualizada, pois a própria pedagogia e a base de ensino nas escolas passou a ser percebida de forma diferente (FULLY, VEIGA, 2012). Assim como seus direitos passaram a serem reconhecidos, a criança passou a ser vista não mais como um objeto de providências, mas como um sujeito de direitos privilegiados, que possui desejos, necessidades e um tratamento diferenciado. Ao mesmo tempo, as famílias mudaram seus conceitos e seu comportamento, passando a entender, cada vez mais, a importância do desenvolvimento do afeto nas relações familiares (KREUZ, 2012).
Sendo assim, fato é que os conceitos de educação e de família se modernizaram, o que se aplicava no período assistencialista, aquela visão de mundo, hoje não há mais sentido de ser, pois não funciona, assim como a prática enraizada da cultura da institucionalização que permeia a mesma base.
Dessa forma, em contraponto a essa cultura, como solução alternativa através de um olhar mais humanizado, o ECA normatizou o acolhimento familiar que se baseia em um acolhimento no qual a criança ou adolescente será cuidado a partir de suas especificidades, através de uma família acolhedora cadastrada no serviço de acolhimento familiar de sua cidade pelo período de até dois anos, conforme definido em lei.
2.2 O ACOLHIMENTO FAMILIAR COMO UMA MUDANÇA PARADIGMÁTICA
A partir do advento da Lei 12.010/09, o acolhimento familiar foi estabelecido como preferencial ao acolhimento institucional a fim de que seja garantido o direito à convivência familiar e comunitária às crianças e adolescentes, bem como seu pleno desenvolvimento em todos os aspectos e, principalmente, no âmbito emocional, através do afeto, carinho, atenção e cuidado especializado.
Nesse sentido, percebe-se que o acolhimento familiar surgiu como uma solução alternativa ao acolhimento institucional, ou seja, à realidade do país no que tange à cultura da institucionalização de crianças e adolescentes (apresentada especialmente pela pesquisa do IPEA). Além disso, o acolhimento familiar apresenta-se como uma estratégia de retomar o que foi definido em lei: a atenção à reintegração familiar e ao direito à convivência familiar e comunitária através da criação de vínculos, o que não se tem com a institucionalização.
Por todos os elementos e justificativas apresentados, a situação das instituições, atualmente, não cumpre a sua razão de existir e nem mesmo vai ao encontro das necessidades das crianças e adolescentes acolhidos, isto é, ser uma medida de transição e de reintegração familiar através do cuidado e do olhar especializado com cada bebê, criança e adolescente, com cada ser humano.
Dessa forma, ao contrário do que se verifica na medida de acolhimento institucional, o acolhimento familiar, além de garantir o direito à convivência familiar e comunitária, se atenta à criação e fortalecimento de vínculos, bem como à elaboração do rompimento destes de forma saudável quando ocorre a saída da criança ou adolescente da família acolhedora para a família de origem ou adotiva (informação verbal) [1]. Além disso, os acolhidos aprendem como se desenvolver em família, como é ter uma relação familiar saudável, assim como associam e reconhecem o afeto – o que gera a ressocialização e inserção automática do jovem na sociedade, possuindo de forma integral mecanismos para sua conduta em meio social, pois ele passa a não se sentir mais excluído – o que não ocorre na institucionalização, que o excluí, disassocia da sociedade e segrega em mais uma camada. Essa camada, muitas vezes, traz consequências seríssimas, como a falta de identidade e empatia deste jovem, dessa criança ou adolescente que jamais teve uma “cultura familiar” e de afeto introjetada em sua vida, justamente pela falta de convívio.
Por tais razões, estar em acolhimento familiar ajuda as crianças e adolescentes a desenvolverem uma rede de apoio e conexões seguras que podem perdurar por toda a vida, auxiliando, também, no processo de educação e busca de emprego na vida adulta, a fim de que possam se estabilizarem e construir seu futuro de uma maneira mais justa.
3. UMA NARRATIVA DA IMPLANTAÇÃO DO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO FAMILIAR EM PORTO ALEGRE/RS
A fim de trazer uma narrativa histórica sobre a implementação do Serviço de Acolhimento Familiar em Porto Alegre/RS, realizou-se uma entrevista à assistente social e coordenadora do SAF da Capital, Suzana Morais Pellegrini, em junho de 2021, a qual explicou que a partir da percepção e da necessidade de um olhar mais especializado para as crianças e adolescentes, se viu a imprescindibilidade da criação de um serviço de acolhimento familiar. Acrescenta, ainda, que essa movimentação se deu a partir de questionamentos de atuantes e incentivadores na causa da infância a partir da Comissão dos Direitos da Criança e Adolescente da OAB/RS e juventude para que o serviço tomasse forma.
Não obstante, nesse processo, em 2017, iniciou-se a elaboração de um projeto de lei para apresentar ao Poder Executivo Municipal, no qual a autora deste artigo teve a oportunidade de participar como ouvinte no período em que era estagiária do Juiz da 2ª Vara da Infância e Juventude. Neste momento, o Magistrado juntou toda a equipe para a continuação da elaboração do projeto de lei e, após a formulação, se deu o encaminhamento para apresentação para o Prefeito da época.
Ainda, ressalta-se que nessas reuniões houve a participação de protagonistas, os quais foram mencionados na entrevista como os representantes da FASC, assim como pelo CMDCA (Conselho Municipal da Criança e do Adolescente), bem como pela participação do Ministério Público. Além dos órgãos mencionados, a coordenadora refere a relevância da atuação do Juizado da Infância e Juventude que vem sendo de extrema importância para as vinculações e capacitações das famílias acolhedoras, como para as divulgações através do TJRS, sendo destacado pela entrevistada que foi o meio de divulgação que mais captou famílias acolhedoras até o momento. E, por fim, o apoio do Poder Executivo na Câmara, o que culminou na elaboração e aprovação da Lei nº 12.520/19 pelo Prefeito em exercício no mandato.
De acordo com os relatos da Suzana, em razão do acolhimento familiar ser uma forma de política pública diferenciada, a qual oferece um cuidado de maior qualidade e referência para as crianças e adolescentes, por ter um custo menor para o Poder Público do que o acolhimento institucional, bem como pelo momento histórico da aprovação da Lei nº 12.010/09 e pela mobilização dos atores fundamentais citados acima, permitiu-se que houvesse o convencimento da Câmara.
Entretanto, ressalta-se que até a aprovação da Legislação, o projeto de lei ficou “aguardando em gaveta”, curiosamente, cerca de 1 ano, ainda que já fora evidenciado ser o melhor formato de acolhimento para criança e adolescente (informação verbal[2]; BREGAGNOL, 2018). Desta forma, em determinado momento, por pressão e por ser uma legislação que não mais poderia esperar, demonstrado os benefícios econômicos garantidos aos cofres municipais pela implantação do acolhimento familiar, o projeto de lei foi aprovado (informação verbal)[3].
Desta forma, dando sequência à implementação, a partir de um edital público, a rede João Paulo II se dispôs a iniciar o SAF. Uma vez que a parceria foi assinada, em outubro de 2019, tendo o seu período de contratação e capacitação da equipe decorrida desde então, houve um período em que foi demarcado pela transição de trabalhadores na equipe técnica, em razão de diversos fatores, como licença à maternidade de praticamente toda a equipe, pandemia e entre outros fatores de instabilidade. Entretanto, a partir de janeiro de 2021, a equipe técnica passou a se consolidar, principalmente com o ingresso de Suzana como coordenadora obtendo carga horária exclusiva para o serviço de acolhimento familiar, sendo possível, assim, a realização de um trabalho mais especializado.
Neste sentido, verifica-se que um ponto de sucesso foi a coordenação exclusiva no SAF por parte de Suzana, pois este é um fator de extrema importância, sendo uma nova etapa da implementação. Assim como o apoio da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB/RS que está ajudando junto à divulgação do serviço.
Além disso, em razão do serviço de acolhimento familiar ser uma modalidade de acolhimento totalmente fora dos padrões, Suzana acrescenta que é um trabalho artesanal, sendo necessário se atentar às especificidades de cada criança/adolescente, bem como trabalhar com a família acolhedora e família de origem ao mesmo tempo e, por isso, a importância do desenvolvimento de habilidades multidisciplinares dos funcionários. Nesse sentido, a coordenadora evidencia que é importante ter uma equipe fortalecida, com conhecimentos específicos e que se identifiquem com a causa. “Tudo isso torna o SAF um trabalho muito delicado que não se consegue replicar tão fácil em virtude da necessidade de uma equipe técnica qualificada e especializada” (informação verbal)[4].
Quanto aos principais objetivos, durante a entrevista, Suzana relata a importância de ampliar as formas de divulgação e a fidelização das famílias acolhedoras que já estão habilitadas. Ainda, a coordenadora acredita que o momento se dá em uma segunda fase da implementação pois, após o primeiro ano, buscam melhorar o que vem sendo construído frente aos aprendizados experienciados. Para uma nova etapa gostariam de um grupo maior, de fazer mais vivências e dinâmicas, inclusive nas capacitações.
Em relação ao número de famílias acolhedoras e acolhidos, desde janeiro de 2021 até janeiro de 2022, os dados colhidos de famílias habilitadas, inicialmente, foram 19, entretanto, 10 desse número já haviam sido desligadas e entre essas 10 famílias, metade não chegou a acolher e já desistiu de alguma forma, por isso a importância da seleção de famílias acolhedoras com perfil ao serviço, o que também está se aprendendo na prática. Atualmente, tem-se 11 famílias acolhedoras habilitadas e 6 crianças acolhidas. Já foram realizados 3 retornos à família de origem e 3 adoções.
Percebe-se, aqui, a realidade do trabalho da equipe técnica em relação à seleção e acompanhamento das famílias acolhedoras, acolhidos e família de origem, por isso a necessidade de um trabalho especializado, com dedicação de horas exclusivas ao serviço, um acolhimento que busca resolver os problemas intrínsecos ao invés de mascarar. Isso acontece pois há o foco na reintegração familiar, realizando os cuidados de forma especializada ao acolhido e, também da família de origem conjuntamente com toda a rede de proteção, e, exatamente por isso, torna-se mais difícil o retorno das crianças e adolescentes aos acolhimentos.
Ademais, no que tange às conquistas para os primeiros passos na prática, houve a elaboração e aprovação da legislação pertinente, a coordenação exclusiva do SAF a partir de 2021, fato que tem qualificado o processo de trabalho em todos os aspectos que envolvem o serviço e a percepção por todos que trabalham em conjunto, através das experiências vividas, da importância do acolhimento familiar na vida de cada criança.
Dentre as principais dificuldades, Suzana destaca que um dos motivos foi a pandemia COVID-19, fator que dificultou o processo de capacitação das famílias acolhedoras, bem como trouxe um desgaste maior das famílias pela necessidade de cuidado com os acolhidos por um período mais prolongado em suas rotinas, por não haver nenhum turno de folga. Outro desafio enfrentado é em relação às visitas assistidas, as quais muitas famílias não permitiram em razão da pandemia, o que é imprescindível para sua participação no serviço.
Outrossim, observa-se que uma das maiores dificuldades, além da divulgação continuada, é o desconhecimento e o engajamento dessa política (a qual deveria ser uma política pública com previsão orçamentária) por grande parte da rede e da população em geral, e, principalmente, em relação ao Poder Executivo Municipal, gerenciado pela FASC, pois ainda temos a cultura da institucionalização muito enraizada na Capital.
Inclusive, destaca-se aqui a necessidade da informação direcionada ao público alvo, ou seja, famílias, rede socioassistencial, psicólogos, Poder Judiciário, Ministério Público e entre outros, porque, em um primeiro momento há de se concretizar a informação, pois neste período inicial as pessoas ainda não conhecem, muitas nunca ouviram falar sobre o acolhimento familiar e não tem acesso à isso. Após essa consolidação da informação e sensibilização do público alvo, vem o segundo passo que é a mobilização, ou seja, a divulgação a fim de que possa ser solidificado em uma nova cultura de pertencimento da sociedade para, assim, as pessoas poderem defender, também, a ideia da desinstitucionalização, tendo como figura central o poder do afeto nas relações contemporâneas, a fim de que o acolhimento familiar possa se tornar cada vez uma causa maior à sociedade. E, para que estes objetivos possam se consolidar e se fortalecerem de forma mais ampla, é necessário a atuação do Município, da Secretaria Municipal da Assistência Social, por meio de incentivos, políticas públicas e verba orçamentária voltada ao acolhimento familiar, sendo um fator de suma importância no Município de Cascavel, o qual pode ser considerado uma referência para Porto Alegre/RS (BREGAGNOL, 2018).
Isto posto, verifica-se que dentre os principais desafios, além da necessidade de divulgação e de disseminação de informações corretas em relação ao acolhimento familiar, se tem a falta de incentivo e de apoio do Poder Executivo Municipal, Estadual e Federal, bem como o próprio status quo institucional acomodado.
Outrossim, observa-se que a implantação do SAF em Porto Alegre/RS se deu pela vontade de atores da sociedade civil, os quais perceberam a importância do acolhimento familiar, bem como pela percepção do menor custo dessa modalidade de acolhimento em detrimento ao institucional pelo Poder Executivo Municipal. Todavia, apesar da importância desse primeiro passo para o Serviço ter acontecido - a aprovação da Lei - importante destacar que este é só o início, o Poder Executivo Municipal deve compreender que seu papel não se esgota aqui. Pelo contrário, é dever dessa esfera de poder dar continuidade também, através de investimentos no acolhimento familiar por meio de políticas públicas a fim de que hajam mais conveniamentos, incentivos fiscais e do repasse de verba obrigatória, vinculando a atuação da Secretaria Municipal da Assistência Social ao SAF de uma forma mais ativa.
Portanto, importante dar ênfase à efetivação desses direitos através das políticas públicas, sendo necessário um conjunto articulado de ações com envolvimento de co-responsabilidades do Estado, da família e da sociedade, como bem estabelecido no PNCFC (CONANDA, 2006).
Dessa forma, para que o acolhimento familiar realmente avance precisamos, paulatinamente, desconstruindo a cultura da institucionalização, da posse e da busca pela adoção - com a dificuldade de compreensão do vínculo temporário – necessitamos realocar equipes técnicas e investir em capacitações dessas equipes, bem como das famílias acolhedoras. E para que isso aconteça precisamos unir as co-responsabilidades do Poder Judiciário, Ministério Público, advogados atuantes e especialistas na infância, assistentes sociais, psicólogos, equipes técnicas da rede, Conselhos Tutelares e da Criança, enfim, todos que trabalhem em prol dos direitos das crianças e dos adolescentes a fim de que haja um chamamento de todas as esferas de Poder objetivando uma maior mobilização e sensibilização da sociedade em geral.
3.1 UMA BREVE ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL
O acolhimento familiar em Porto Alegre/RS foi aprovado e instituído pela Lei nº 12.520, em 20 de março de 2019, após diversas reuniões e encontros realizados no 2° Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre/RS no ano de 2018[5].
Nesse sentido, salienta-se que a aprovação da Lei nº 12.520/19 permitiu o início da implantação do acolhimento familiar em Porto Alegre/RS, o que significa um importante passo para a disseminação desta modalidade de acolhimento, bem como para a desconstrução da cultura da institucionalização.
Dessa forma, através de uma breve análise sobre a legislação pertinente, verifica-se que houve uma autorização pelo Legislativo para o Poder Executivo, pela FASC para cumprir os programas de acolhimento familiar, ou seja, para que sejam realizados os conveniamentos das organizações governamentais e não-governamentais a fim de dar início aos acolhimentos familiares. Para que assim, gradativamente, possa haver a substituição da cultura de institucionalização para um novo olhar do acolhimento familiar.
Entretanto, sabe-se que, para que isso possa se tornar realidade no Município serão necessários investimentos, ajustes e atenção redobrada. E neste contexto, atenta-se para a necessidade da gestão municipal ater-se em políticas públicas voltadas para o acolhimento familiar, a qual se caracteriza pela sua concretude, através de metas, planejamento e financiamento de recursos orçamentários, ou seja, de previsão orçamentária da Secretaria Municipal de Assistência Social, bem como da iniciativa e governança dessa esfera de Poder.
Contudo, esta é uma realidade que necessita de mais atenção, o que já se pode verificar diante da falta de informações de previsão orçamentária, metas de contratação e ampliação de vagas para o acolhimento familiar em Porto Alegre em 2022, dados que possuem a obrigatoriedade de serem de fácil acesso público. Entretanto, verifica-se que não há qualquer referência sobre a modalidade de acolhimento familiar no site da FASC[6].
Portanto, o desafio está exatamente no cumprimento dessa autorização através de política pública pela gestão do Poder Executivo Municipal pela FASC, com a previsão orçamentária dos recursos necessários, conforme disposto no PNCFC e art. 34, caput, §1º, §4º e art. 260, §1º, ambos do ECA.
3.2 MÉTODOS DE AUXÍLIO AO SERVIÇO DE ACOLHIMENTO FAMILIAR DE PORTO ALEGRE/RS PARA UMA MAIOR ADESÃO
Conforme visto, o acolhimento familiar é uma modalidade de acolhimento que vem sendo desenvolvido paulatinamente no Brasil, como na experiência de Porto Alegre/RS, mas que precisa de maior atenção de todas as esferas de Poder e, principalmente, do Poder Executivo. Neste sentido, há modelos internacionais em que podemos nos espelhar, como o da Irlanda.
De acordo com Gilligan (informação verbal)[7], existem países que já possuem acolhimento familiar há muito tempo e um segundo grupo de países que, de algum modo, chama-se de novos convertidos ao acolhimento familiar – os quais recentemente confiavam em instituições maiores e mudaram seu olhar, como a Irlanda. Esse segundo grupo é relevante para países que estão tentando essa mudança agora e, por isso, segundo o professor, a experiência pode ser mais relevante para o Brasil.
No caso da Irlanda, em um período aproximado de 30 anos, dos anos 70 até os anos 2000, seu sistema que era dominado por acolhimento institucional foi transformado, sendo atualmente liderado pelo acolhimento familiar com 91% das crianças em famílias acolhedoras (lembrando que a Irlanda é uma ilha pequena). Ainda, Gilligan (informação verbal)[8] discorre sobre os principais motivos que levaram a mudança, tais como, a atuação do Governo que passou a ser mais ativo e a favor do acolhimento familiar; a Igreja Católica, que lidera quase todas as instituições, começou a mudar a sua cultura e a sua forma de pensar, se afastando um pouco da instituição e incluindo o cuidado com as crianças e adolescentes; a criação de um “novo exército” de assistentes sociais fazendo com que essas políticas acontecessem; o número de pessoas ativistas e favoráveis ao trabalho do acolhimento familiar – psicólogos, assistentes sociais, advogados, juízes, todos que acreditavam -, sendo destacado como fator importante para conseguir criar a conscientização social; o papel da mídia, o suporte e apoio público, em razão da importância da informação chegar ao povo da maneira correta; e, por último, mas essencial, as histórias de sucesso das famílias acolhedoras.
Além disso, conforme Kreuz e Cabral (informação verbal)[9] e como visto, um dos maiores desafios do acolhimento familiar no Brasil é a falta do entendimento do que é e como funciona a modalidade, bem como seus benefícios e a falta de engajamento dos operadores da justiça, governo e uma parte da assistência social. Dessa forma, de acordo com os estudos e os debates já realizados sobre o assunto, observa-se que as dificuldades mencionadas em Porto Alegre, tais como, o desconhecimento do serviço e a falta de engajamento do Poder Público quando há troca de gestão, não são únicas da Capital Gaúcha, mas um panorama geral em grande parte das capitais brasileiras.
Nesse sentido, trazendo para a implementação em Porto Alegre/RS, a fim de consolidar o acolhimento familiar, compreende-se como importante a verificação de algumas orientações, como a sensibilização, articulação e o envolvimento contínuo de toda rede de proteção, incluindo Ministério Público e Judiciário, Poder Executivo Municipal, assistentes sociais, psicólogos, CREAS, CRAS, CAPS, Ação Rua, Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, podendo, por exemplo, serem promovidos encontros, como seminários, workshops e congressos com toda a rede de proteção da criança e do adolescente, momento em que deverão ser apresentados os benefícios e as experiências do acolhimento familiar; divulgações em reuniões com líderes comunitários, como presidentes de bairros, em reuniões religiosas, em salas de espera de unidades básicas de saúde e entre outros espaços nos quais haja possibilidade de encontrar pessoas com disponibilidade e perfil de família acolhedora; se utilizar da narrativa compartilhada das famílias acolhedoras como casos de sucesso com objetivo de maior sensibilização da sociedade para que se conheça a diferença que o acolhimento familiar traz na vida de cada criança e adolescente; premiar e incentivar os municípios por optarem por esse modelo; oferecer incentivos fiscais às famílias acolhedoras (como desconto no IPTU); o apoio e suporte do Estado no sentido de oferecer recursos para a captação de subsídios financeiros porque, muitas vezes, o Município possui essa dificuldade, a fim de que se construa um sistema de apoio e fortalecimento para o acolhimento familiar; a necessidade de haver estratégias, planos de ação e metas para que todos possam ir numa mesma direção e capacitar os profissionais do serviço social e psicólogos para que se alinhem com o trabalho com as famílias acolhedoras.
Outro fator importante e de grande impacto está ligado à necessidade de reestruturação dos funcionários que trabalham em grandes instituições, contudo, neste ponto, para uma melhor gestão e ordenamento dessa política pública prioritária, sugere-se um estudo interno da FASC em concomitância com órgãos superiores para analisar a necessidade de reorganização dos trabalhadores na execução do acolhimento, ou seja, o realocamento de funções, execuções e tarefas para dentro do acolhimento familiar, de forma que haja o aproveitamento dos recursos humanos e o investimento no acolhimento familiar ao invés do acolhimento institucional. Além disso, propõe-se o redirecionamento das metas para que sejam estruturadas ao acolhimento familiar, como por exemplo, previsão orçamentária para ampliação de vagas, além de metas de contratação para 2022 e anos seguintes, que devem estarem previstas neste sentido e a realização de parceria com OSCs (Organizações da Sociedade Civil), a fim de que o serviço se solidifique e seja direcionado como política pública importante que é. Ainda assim, outro ponto a ser mencionado e revisado é a importância da necessidade de um Plano na Secretaria Municipal da Assistência Social, pois uma das grandes dificuldades enfrentadas nas implantações dos acolhimentos familiares no Brasil é a descontinuidade pela troca de gestão, como já referido.
Ademais, conforme a Recomendação nº 82/2021 do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), com o objetivo de fortalecer o acompanhamento do cofinanciamento federal ao serviço de acolhimento familiar assim como o fortalecimento do próprio serviço, há orientação aos Membros do Ministério Público Estadual e Federal de: (I) ampliação do diálogo interinstitucional com as Secretarias de Assistência Social, Conselhos de Assistência Social e Conselhos de Direito da Criança e do Adolescente, a fim de solidificar o controle das políticas públicas municipais; (II) verificação da existência de planos municipais de convivência familiar e comunitária (seguindo o parâmetro o PNCFC) e, caso não haja, deverá o promotor da localidade mover esforços para que seja providenciado; (III) atuar em rede atentando para a possibilidade de financiamento do serviço com os valores do FIA (ECA, art. 160, §2º ECA e Resolução Conanda 137/2010, art. 15); (IV) acompanhar o cofinanciamento federal aos serviços de acolhimento familiar e institucional e entre outros.
Sendo assim, ao analisar e compreender a importância do papel de cada esfera de Poder para a consolidação e desenvolvimento do acolhimento familiar na Capital, ressalta-se a importância da co-responsabilização de todas as esferas de Poder, com um único objetivo: dar ênfase ao acolhimento familiar em Porto Alegre/RS como prioridade, a fim de que se tenha a continuidade de um serviço bem planejado pois, ao entender que “é uma política pública como exercício da cidadania e não como caridade” (informação verbal)[10], se modifica a mentalidade de toda uma sociedade .
Por fim, destaca-se a relevância dos operadores terem convicção, acreditarem no acolhimento familiar e em seus benefícios, bem como no seu sucesso, investindo seu esforço em cada caso, como a rede João Paulo II vem fazendo, pois é um serviço a ser construído a longo prazo que necessita de paciência e dedicação contínua. Afinal, uma mudança de cultura acontece paulatinamente, sendo esta a proposta que a visão e a gestão do acolhimento familiar vem propor às famílias, ao Estado e à sociedade em geral, através do afeto nas relações familiares.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os estudos realizados, visualizou-se a necessidade da implantação do acolhimento familiar em Porto Alegre/RS em razão da compreensão da situação das crianças e adolescentes em acolhimento institucional (cultura da institucionalização), bem como das pesquisas que já vem sendo desenvolvidas no país, o que se deu através da elaboração e aprovação da Lei nº 12.520/19, em parceria com atores da sociedade civil.
Ao realizar este estudo, foi possível observar importantes conquistas desse processo, como o trabalho especializado, inclusive com carga horária exclusiva da coordenação apenas para o Serviço em razão da qualidade e demanda, além do processo de reintegração familiar e as adoções já feitas, no quais as crianças, em torno de menos de 1 ano de acolhimento familiar, foram reintegradas ou adotadas, havendo um trabalho intenso com família de origem, o que, infelizmente, se torna mais difícil no processo do acolhimento institucional pela demanda e visão assistencialista que é apresentada. E, o mais importante, esses bebês e crianças tiveram a oportunidade de serem olhados e atendidos com outros olhos, outra percepção, através do afeto, da amorosidade e responsabilidade que as famílias acolhedoras e a equipe técnica vem oferecer.
Em relação aos desafios, constatou-se, principalmente, a falta de engajamento do Poder Público Municipal, o qual autorizou, por meio da referida legislação, o início dos conveniamentos de programas para a realização do acolhimento familiar na Cidade, porém há necessidade de dar continuidade conjuntamente com o Poder Judiciário, Ministério Público e parceiros para que o acolhimento familiar possa crescer. É neste sentido que percebe-se como sugestão o investimento em política pública, através do direcionamento e reestruturação interna de funcionários da FASC para o acolhimento familiar, bem como o fortalecimento da gestão envolvida na questão, a fim de que haja previsão orçamentária, metas de contratação e ampliação de vagas. Isto é, repensar, refletir na modalidade de acolhimento institucional que hoje é investida no Município e redirecionar a visão para o acolhimento familiar, o qual possui, comprovadamente, maior custo benefício do que o primeiro. A questão é: por quê ainda não se faz?
A resposta está na dificuldade de ruptura do sistema de institucionalização enraizado na Capital que, há mais de 500 anos, entende o acolhimento institucional por um lugar seguro para proteger os filhos das famílias que estão à margem da sociedade. Famílias, as quais, em verdade, necessitam urgentemente de políticas públicas, de um olhar e um trabalho diferenciado, especializado do Estado e dos trabalhadores da área da infância e juventude, condições que o acolhimento familiar vem proporcionar.
Por fim, a elaboração do presente artigo não possui o objetivo de culminar com os estudos sobre o acolhimento familiar na Capital, pelo contrário, busca-se demonstrar a necessidade de atenção do Poder Público, profissionais do direito, assistência social, psicologia e toda rede de proteção para a temática que está apenas em fase inicial de implementação.
Sendo assim, compreende-se que o assunto merece novos estudos, especialmente quanto aos dados quantitativos e qualitativos referente à reestruturação interna da FASC para o desenvolvimento e fortalecimento de uma equipe técnica capacitada.
REFERÊNCIAS
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BREGAGNOL, Paula dos Santos. Acolhimento Familiar: a experiência do Programa Famílias Acolhedoras de Cascavel/PR como base para a implantação em Porto Alegre/RS. 2018. Monografia (Bacharelado em Ciências Sociais) – Fundação Escola Superior do Ministério Público, Porto Alegre, 2018. Disponível em: http://biblioteca.fmp.edu.br/pergamum/vinculos/000000/00000084.pdf. Acesso em: 03 mar. 2022.
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CONSELHO NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. Recomendação n. 82/2021 CNMP. Conselho Nacional do Ministério Público, Brasília, DF, 2021. Disponível em: https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Recomendacoes/Recomendao-n-82-2021R.pdf. Acesso em: 28 mar. 2022.
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FULY, Viviane Moretto da Silva; VEIGA, Georgea Suppo Prado. Educação infantil: da visão assistencialista à educacional. Interfaces da Educação, Paranaíba, MS, v.2, n.6, p.86-94, 2012. Disponível em: https://periodicosonline.uems.br/. Acesso em 01 jan. 2022.
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SILVA, Enid Rocha Andrade da. [Coord]. O Direito à Convivência Familiar e Comunitária: os abrigos para crianças e adolescentes no Brasil. Brasília: IPEA/CONANDA, 2004.
[1] Explicação fornecida pelo Dr. Robbert G. Gilligan (responsável pela implantação do acolhimento familiar na Irlanda) no II Encontro Online sobre Acolhimento Familiar – ENAFAM, realizado de 28 a 30 de setembro de 2021.
[5] Art. 1º da referida legislação, assegura-se que “Fica instituído, no Município de Porto Alegre, o Programa Família Acolhedora, a ser executado de acordo com as disposições previstas nesta Lei”.
[7] Explicação fornecida pelo Dr. Robbert G. Gilligan (responsável pela implantação do acolhimento familiar na Irlanda) no II Encontro Online sobre Acolhimento Familiar – ENAFAM, realizado de 28 a 30 de setembro de 2021.
[9] Explicação fornecida pelos palestrantes Sérgio Kreuz e Cláudia Cabral no II Encontro Online sobre Acolhimento Familiar – ENAFAM, realizado de 28 a 30 de setembro de 2021.
[10] Explicação fornecida por Matilde Luna no II Encontro Online sobre Acolhimento Familiar – ENAFAM, realizado de 28 a 30 de setembro de 2021.
Advogada, membro da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB/RS e discente do curso de Pós-Graduação de Direito da Criança e do Adolescente na Faculdade Superior do Ministério Público/RS, Porto Alegre.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BREGAGNOL, Paula dos Santos. Os desafios e conquistas da implementação do serviço de acolhimento familiar em Porto Alegre/RS Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 set 2022, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59148/os-desafios-e-conquistas-da-implementao-do-servio-de-acolhimento-familiar-em-porto-alegre-rs. Acesso em: 22 nov 2024.
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