“Digo-o para confusão vossa. Será possível que não há entre vós um homem sábio, nem um sequer que possa julgar entre seus irmãos?” (1 Coríntios 6:5)
Resumo: A pesquisa bibliográfica levantou uma ampla e sólida base de dados estatísticos que revelam um judiciário cada vez mais caótico, afogado em demandas judiciais, oneroso aos cofres públicos, incapaz de garantir uma adequada prestação jurisdicional, que seja efetiva, justa e em tempo oportuno, tudo em prejuízo ao necessário acesso à justiça de seus jurisdicionados e a pacificação social pretendida pelo Direito. Por sua vez, os números relativos a advocacia, essencial ao bom andamento da justiça, revelaram uma grande tendência de desvalorização profissional, devido a saturação de profissionais disponíveis no mercado, com forte propensão de crescimento, bem como a baixa qualidade na formação propiciada pelos inúmeros cursos de Direito no Brasil, o que culmina na baixa remuneração e absorção do profissional no mercado de trabalho formal. Assim, em meio aos desafios da sua própria profissão, os advogados não encontram amparo na judicialização das demandas que representam, de forma que a desjudicialização, através da arbitragem, é apresentada como alternativa, tanto para o Poder Judiciário como para esses operadores do Direito, com consequente ganho para toda a sociedade, que pode finalmente ter seus conflitos adequadamente resolvidos.
Palavras-chave: Desjudicialização, O futuro da advocacia, Arbitragem.
Abstract: The bibliographic research raised a wide and solid base of statistical data that reveal an increasingly chaotic judiciary, drowned in judicial demands, onerous to the public coffers, incapable of guaranteeing an adequate judicial provision, which is effective, fair and in a timely manner, everything to the detriment of the necessary access to justice for its jurisdictions and the social pacification intended by the Law. On the other hand, the numbers related to advocacy, essential for the smooth running of justice, revealed a great tendency of professional devaluation, due to the saturation of professionals available in the market, with a strong propensity for growth, as well as the low quality of training provided by the numerous Law courses in Brazil, which culminates in the low remuneration and absorption of the professional in the formal job market. Thus, in the midst of the challenges of their own profession, lawyers do not find support in the judicialization of the demands they represent, so that dejudicialization, through arbitration, is presented as an alternative, both for the Judiciary and for these legal operators, with consequent gain for the whole society, which can finally have its conflicts properly resolved.
Keywords: Dejudicialization, The future of law, Arbitration.
1 Introdução
O médico, o engenheiro e o advogado estão discutindo qual é a profissão mais antiga do mundo. O médico começa: – Vejam bem, a Bíblia diz que Deus criou Eva a partir da costela de Adão. É óbvio que isso exige cirurgia, portanto a medicina é a profissão mais antiga. O engenheiro retruca: – Mas, antes disso, a Bíblia diz que Deus separou a ordem do caos. Trata-se de um trabalho de engenharia. O advogado se recosta na cadeira. – Quem vocês acham que criou o caos? – pergunta, com malícia.
O fato é que o advogado é indispensável à administração da justiça, conforme dispõe o artigo 133 da nossa Constituição (1988), e pode não ser o criador do caos, mas, conforme apontam as estatísticas que este trabalho se propôs apurar, enfrenta um judiciário caótico todos os dias, além dos desafios que ameaçam o futuro da sua profissão.
Diante das dificuldades enfrentadas pelos advogados no judiciário, a solução principal e mais óbvia parece ser a desjudicialização das demandas sociais que representa.
Considerando os múltiplos meios de desjudicialização e a limitação da extensão deste artigo, foi dado enfoque na arbitragem, por sua similitude com o procedimento judicial, crescente popularidade e importância global e pela abertura que promove de um leque de oportunidades diversificadas de atuação para o profissional do Direito.
Partindo de uma investigação estatística de revisão bibliográfica das pesquisas e doutrinas sobre o tema, procurou-se descrever sinteticamente o caos na judicialização das demandas é apontar caminhos para um futuro mais promissor.
Para tanto, foi demonstrado e correlacionado o congestionamento da via judicial e a massificação da advocacia com a necessidade premente da desjudicialização, por meio da arbitragem, considerando o seu potencial como uma das respostas possíveis para os problemas correlacionados.
2 E disse o advogado: Haja caos; e houve caos.
A principal fonte oficial dos dados estatísticos sobre o Poder Judiciário nacional, o Relatório anual Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2021), apontou que, até o final de 2020, havia 75,4 milhões de processos, dos quais 17,6 milhões eram ações originárias, a serem julgados pelos 17.988 magistrados nacionais.
O Relatório revelou que cada julgador teria que julgar em média 6.321 processos, porém a média que deram conta de baixar foi de 1.643 processos.
Assim, os processos tramitam pelo tempo médio de até 8 anos e 7 meses.
No ano de 2020 a justiça brasileira teve um custo total de R$ 100,06 bilhões de reais para os cofres públicos e ainda assim foi o menor valor gasto nos últimos quatro anos.
Em comparação, os gastos do governo brasileiro com segurança pública somaram R$ 96,36 bilhões de reais, no mesmo, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública – FBSP (2021), ou seja, R$ 3,7 bilhões de reais a menos que o valor desembolsado com o judiciário.
Só as despesas com os Tribunais Superiores, de R$ 3.901.065.081 (CNJ, 2021), já superam as despesas totais com o policiamento dos 26 estados da federação, de R$ 2.440.017.531,26 (FBSP, 2021).
Para piorar a situação, o número de demandas não representa efetivo acesso à justiça, conforme aponta o Relatório do índice de acesso à justiça do CNJ (2021), que entre suas conclusões pontuou que: “De forma geral, a Justiça Militar obteve o mais alto índice de acesso à justiça (60,8%), seguido da Justiça Estadual (58,7%), Federal (58,4%), Tribunas Superiores (50,5%), Justiça do Trabalho (45,4%) e Justiça Eleitoral (44,3%).”, reconhecendo que em algumas áreas não se atingiu ainda nem a metade do caminho ideal a ser percorrido, revelando um judiciário que, como o somatório dos números vistos apontaram, além de congestionado, moroso e caro é ineficiente.
Se essa é a realidade caótica do judiciário, a carreira do advogado, que lida com ele diariamente, não parece estar em melhores condições.
Segundo o quadro institucional da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (2022) em 15/06/2022 a advocacia brasileira contava com 1.284.468 profissionais inscritos.
Dados registrados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE (2022), no mesmo dia, estimavam a população brasileira em 214.731.099, o que equivaleria a aproximadamente 1 advogado para cada 167 brasileiros.
Para se ter uma ideia da expressividade do quantitativo de advogados brasileiros, de acordo com o Conselho Federal de Medicina – CFM (2022), o total de médicos no Brasil, até junho de 2022, era de 594.793, ou seja, 1 médico para cada 361 brasileiros.
Levando em conta o número de advogados e as 17,6 milhões de ações judiciais originárias de 2020, conforme os dados analisados do CNJ, cada advogado poderia ter ingressado com pouco mais de 13 ações no judiciário ao longo de todo o ano, desconsiderando que aqueles de maior prestígio no mercado e as grandes bancas jurídicas abocanham a maior fatia desse bolo, o que demostra a inviabilidade de o advogado ser um mero judicializador de conflitos.
Essa concorrência tende a ser ainda mais acirrada, pois, a 11ª edição do Mapa do Ensino Superior no Brasil, do Instituto Semesp (2021), revelou que o curso de Direito tem se mantido como o de maior número de matriculados, contando com 744.030 alunos na rede privada, 17,6% dos alunos do ensino superior privado do Brasil são alunos do curso de Direito.
Daqueles que compõem esse percentual 235.490 são ingressantes, o que equivale a dizer que 15,5% dos alunos que ingressaram em um curso de nível superior, na rede privada do país, optaram pelo curso de Direito.
Na rede pública, o curso de Direito só perde para o curso de Pedagogia, que é o curso mais procurado, com 4,8% das matrículas, enquanto que o curso de Direito detêm 4,5% ou 87.274 matriculados, dos quais 19.377 são ingressos, o que equivale a 3,7% dos ingressantes no ensino superior público.
O Mapa apontou ainda, que de 2017 a 2020 o curso de direito tem se mantido como o primeiro da lista de cursos mais buscados na internet, apesar da taxa de evasão de 27,6%.
No Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior do Ministério da Educação - MEC (2022), constam 1.919 cursos de Direito em atividade no Brasil, dos quais somente 218 tem conceito 4 ou 5 no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes – Enade.
A OAB (2022) noticiou, na matéria intitulada “penas 10% dos cursos jurídicos no país são recomendados pela OAB”, que somente 192 cursos foram recomendados na 7ª edição do OAB Recomenda, de 16/03/2022, e que a média de aprovação no Exame de Ordem, necessário para o exercício da advocacia, gira em torno de 15% dos bacharéis inscritos, denotando a baixa qualidade da formação acadêmica ofertada para esses profissionais, que terão que driblar a competitividade crescente na advocacia.
Mesmo o baixo percentual de aprovados no Exame de Ordem já representa uma enxurrada de concorrentes injetados a cada quadrimestre no mercado da advocacia, representando espécie de concorrência desleal, mão de obra sem experiência ou demanda de trabalho, que, pelas leis do mercado, se torna mal remunerada e, consequentemente, cada vez mais desqualificada, massificando o exercício profissional.
Os dados estatísticos mais recentes disponibilizados pela OAB (2021) são referentes ao XXXIII Exame de Ordem Unificado, aplicado no segundo quadrimestre de 2021, e apontam que, dos 150.044 inscritos em todo o Brasil, 50.014 foram aprovados, de forma que, somando esses números a números equivalentes das outras 2 provas quadrimestrais, facilmente teremos centenas de milhares de novos advogados a cada ano, engrossando o quadro de inscritos da instituição.
Esses dados são tão alarmantes que, contrariando a lógica arrecadatória, em que quanto mais advogados mais anuidades para a instituição e quanto mais inscritos, e reinscritos, no Exame de Ordem maior é a arrecadação da taxa de inscrição, a própria OAB vem tentando barrar a proliferação desordenada de cursos de Direito, que classificou como “estelionatos educacionais”, tanto que até já recorreu ao Supremo Tribunal Federal – STF, tentando, sem sucesso, impedir a liberação de novos cursos pelo MEC, que, só no mês de abril de 2020 autorizou 22 novos cursos de Graduação em Direito. (Migalhas, 2020).
Matéria do Jornal Folha de S. Paulo (2021), intitulada “Data folha: pesquisa inédita revela perfil econômico e de atuação da advocacia do país”, revelou que 62% ou 2/3 dos advogados atuam de forma autônoma, 27% em escritórios, 6% em órgãos públicos, 4% no departamento jurídico de empresas e 1% em outro tipo de profissão jurídica. A maioria dos advogados não se dedica exclusivamente a uma área do Direito, mas diversifica sua atuação visando algum retorno financeiro, em prejuízo da especialização necessária a proficiência profissional.
A maioria trabalha individualmente. A renda mensal média é de R$ 5.855 mas, 44% auferem apenas R$ 2.500, 26% de R$ 2.500 a R$ 5.000, 11% de R$ 5.000 a R$ 7.500 e 11% mais de R$ 10 mil. A renda média de homens e de R$ 6.948, já a das mulheres R$ 4.966. Assim, somente 62% dos entrevistados tem a advocacia como principal fonte de renda.
Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos – DIEESE (2022), com base na sua Pesquisa nacional da Cesta Básica de Alimentos, o salário mínimo necessário é de R$ 6.535,40, bem acima da renda da maioria dos advogados, que, como visto, gira em torno de R$ 2.500.
Um simples cálculo nos permite chegar a conclusão de que, Após 5 anos de formação em um dos cursos de maior mensalidade, no valor médio de R$1.217 (dado extraído do já mencionado Mapa do Ensino Superior no Brasil) um advogado, com esse salário típico de R$ 2.500, teria que trabalhar por 2 anos e meio, revertendo integralmente o seu salário, somente para cobrir os custos de sua formação com a instituição de ensino privado, que é, como visto, onde a maioria esmagadora dos advogados se formam, sem incluir nessa conta reajustes nas mensalidades, custos com deslocamento, compra de material didático e etc, demonstrando o estelionato educacional que vem sendo praticado, conforme apontado pela OAB.
Todos os dados apurados demonstram que seguir exclusivamente o caminho da judicialidade é inviável economicamente para a advocacia, além de prejudicial ao acesso à justiça e ao erário.
Neste sentido, Hill defende que:
Mostra-se, por fim, imperioso que a advocacia, que sói ser a ponte, por excelência, entre o jurisdicionado e os meandros de nosso sistema de justiça, conheça os novos mecanismos oferecidos pela desjudicialização, desbrave a seara extrajudicial e, assim, através do mapeamento da Justiça Multiportas, passe a oferecer ao seu cliente todos possíveis mecanismos adequados. (Hill, 2021, p. 404 e 405)
2. 1 E disse a Desjudicialização: Haja ordem; e houve ordem.
Hanthorne esclarece que:
“A desjudicialização é um movimento, uma proposta cada vez mais presente no ordenamento jurídico brasileiro, que defende que o poder judiciário deve ser a última alternativa, e não a única, de modo que apenas a análise das questões que necessitem da outorga judicial caberá ao monopólio estatal; aos demais casos, caberão os métodos adequados de solução de conflitos. (Hanthorne, 2022, p. 21).
Hill (2021, p. 379), ao analisar criticamente o fenômeno da desjudicialização da solução dos conflitos no Brasil, leciona que o conceito de acesso à justiça evoluiu, deixando de ser visto como sinônimo de acesso ao Poder Judiciário, conforme previsão no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição, para incorporar a noção de Justiça Multiportas, presente no artigo 3º, do Código de Processo Civil de 2015, “mediante o compartilhamento do exercício da jurisdição entre diferentes núcleos decisórios”.
No mesmo sentido, Hanthorne (2022, p. 24), para quem: “O termo tribunal multiportas reafirma o entendimento de que o acesso à justiça precisa ser vislumbrado em uma dimensão social, com a construção de opções ao cidadão para a busca e/ou a salvaguarda de seus direitos.” e apresenta os métodos da negociação, conciliação, mediação e arbitragem como forma adequada de solução dos conflitos, “para além do Poder Judiciário”.
Hanthorne (2022), ao discorrer sobre a resolução de conflitos pelos métodos consensuais como forma de atender a dimensão social do acesso à justiça, defende, ainda, a quebra do paradigma estatal de sua condição como “Estado-administrador” para a condição de “Estado-pacificador”, para se adequar a contemporaneidade social e interpretar o ordenamento jurídico segundo o neoconstitucionalismo, considerando que a nossa Lei Maior de 1988 fortaleceu os métodos consensuais de resolução de conflitos, surgindo, a partir dai, legislações, como, por exemplo, a Lei 9.307/96, que instituiu a arbitragem como forma alternativa a jurisdição estatal.
2.2 E viu a Desjudicialização que era boa a Arbitragem.
A arbitragem é um método milenar heterocompositivo de solução de conflitos, presente no contexto mundial e, inclusive, no ordenamento brasileiro, através do qual os conflitantes elegem, de comum acordo, uma terceira pessoa para a solução amigável e imparcial da controvérsia, sem a intervenção estatal.
Marinoni diz que teria surgido em razão da demora e do despreparo “do Estado para o julgamento de determinados conflitos ocasionando a tendência de transferir algumas demandas endereçadas ao Poder Judiciário para os chamados tribunais arbitrais”. (Ferreira, 2018, p. 223 e 224)
Segundo Bacellar (2020, p. 9 e 10), as Ordenações portuguesas já previam a arbitragem no Brasil e a Constituição Imperial de 1824 foi a primeira a regulamentá-la, facultando-se as partes a nomeação de árbitros, nas causa cíveis e penais civilmente intentadas, para prolação de sentenças irrecorríveis, conforme convenção das partes. Em 1850 foi a vez do Código Comercial instituir a obrigatoriedade do juízo arbitral para determinadas causas. O Regulamento 37, do mesmo ano, facultou a arbitragem para as demais causas. Alterações legislativas ordinárias posteriores retiraram o caráter coativo da arbitragem e introduziram a decisão por equidade no instituto, que atualmente e regulamentado pela Lei 9.307/96 e suas alterações em 2014 e 2015, ano em que foi promulgado o atual Código de Processo Civil, que dela tratou com propriedade para: “(...) viabilizar soluções rápidas e eficazes de resolução de conflitos, respondendo assim não só a um clamor da sociedade pelo processo judicial célere, justo e efetivo, mas também à premente necessidade de diminuição da alta litigiosidade existente em nosso país.”.
Em apertada síntese e de acordo com a Lei 9.307/96 (1996), mediante convenção de arbitragem, qualquer pessoa, física ou jurídica (incluindo a administração pública), capaz de contratar, pode se valer da arbitragem “para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”, tendo como critério de resolução o Direito ou a equidade (exceto, no último caso, quando envolver a administração pública), a critério das partes.
Qualquer pessoa capaz poderá ser nomeada como árbitro (inclusive mais de uma, desde que em número ímpar), e irá se submeter a deveres e impedimentos semelhantes aos dos magistrados, buscando sempre a conciliação, podendo conceder medida cautelar ou de urgência incidentalmente, valendo-se de carta arbitral para o órgão jurisdicional praticar ou determinar o ato que reputar necessário e proferindo sentença irrecorrível, que constitui título executivo, a ser proferida no prazo de seis meses, se outro não houver sido estipulado pelas partes.
O procedimento arbitral segue o disposto pelas partes na convenção de arbitragem, instituindo-se a partir do aceite da nomeação pelos árbitros e interrompendo a prescrição, retroativamente “à data do requerimento de sua instauração”, sendo facultativa a assistência de advogado.
Domingues (2019) elenca entre as vantagens da arbitragem a possibilidade de o litígio ser julgado por especialista na matéria em questão, capaz de proferir solução mais adequada do que “à aplicação generalista do direito pelos magistrados”, e a brevidade, flexibilidade e confidencialidade do seu procedimento, porém ressalta que as mesmas características que se apresentam vantajosas em um contexto específico podem se tornar desvantajosas em outro, cabendo ao caso concreto determinar a forma para a solução mais adequada, prestigiando a habilidade técnica do operador de Direito para a avaliação e direcionamento da demanda.
Bacellar (2020), ao discorrer sobre a adequação do método de resolução de conflitos segundo as condições das pessoas e do objeto em litígio, defende a abertura de um grande leque para a arbitragem no Brasil, um “movimento de liberalização do domínio da arbitrabilidade”, chamado de “favor arbitrandum”, que transforma a arbitrabilidade gradativamente na regra, em lugar da inarbitrabilidade.
Kamel (2017) destaca a semelhança da arbitragem com o processo judicial, apesar de ser um método extrajudicial de solução de conflitos, bem como a força vinculante da sentença arbitral, que é obrigatória e pode ser executada coercitivamente através do judiciário.
A despeito da facultatividade do causídico na arbitragem, Ferreira (2018) esclarece a necessidade da presença deste profissional para a segurança das partes e o cumprimento dos princípios estabelecidos pela Lei de Arbitragem, defendendo a existência de pelo menos quatro papéis para o advogado no processo arbitral: “advogado de parte”, “consultor de parte”, “consultor do órgão arbitral” e “árbitro”.
O Comitê Brasileiro de Arbitragem - CBAr (2021) divulgou, na pesquisa “Arbitragem no Brasil”, a satisfação geral de 93% daqueles que atuam em processos arbitrais, dentre árbitros, advogados, membros de departamentos jurídicos de empresas e de câmaras arbitrais entrevistados.
Já o conhecimento sobre a arbitragem de diversos atores importantes para a promoção do instituto tem deixado muito a desejar. Segundo os entrevistados apenas 36% dos departamentos jurídicos de empresas, 32% dos juízes, 20% dos advogados em geral e 13% dos estudantes de Direito teriam um conhecimento suficiente sobre o tema, apesar dos benefícios concretos da arbitragem apontados pela pesquisa, quais sejam: o caráter técnico e a qualidade das decisões; o tempo necessário para ter uma solução definitiva para o conflito, em comparação ao Judiciário; a possibilidade de indicar ou participar da escolha de um árbitro; a confidencialidade; a flexibilidade e informalidade do procedimento; a possibilidade de escolher a lei aplicável e o local da arbitragem; a independência e imparcialidade dos árbitros; a transparência do procedimento, em todas as suas fases; o menor custo do processo arbitral, comparado ao de um processo judicial; e a previsibilidade do conteúdo das decisões.
Entre os 79% dos entrevistados que reconheceram alguma desvantagem da arbitragem em relação ao processo judicial foram mencionados o custo da arbitragem; a ausência de publicidade das decisões; a ausência de recursos; a qualidade das decisões ou dos árbitros; dificuldades para a integração de terceiros à arbitragem; e, até mesmo, a flexibilidade e informalidade do procedimento, o que apenas ressalta a alternatividade e/ou a adequação da arbitragem de acordo com a natureza do conflito e não a substitutividade do processo judicial.
A Câmara de Comércio Internacional – ICC (2020), no documento Estatísticas de Resolução de Controvérsias 2020, divulgou novos recordes:
O Tribunal Internacional de Arbitragem da CCI registrou elevação de casos, número de partes envolvidas e de árbitros nomeados, oriundos de 92 nacionalidades, que atuaram em 65 países, dentre os quais o Brasil se destacou, assumindo o 2º lugar no ranking mundial do número de partes em arbitragem.
O escritório brasileiro da secretaria da corte, estabelecido na cidade de São Paulo em 2017, também tem registrado números de destaque (125 casos de arbitragem, dos quais 32 casos envolvendo 38 entidades estaduais), sendo uma das dez cidades mais selecionadas como local de arbitragem, e a quinta lex contractus mais frequentemente selecionada foi a brasileira.
O valor em disputa esteve entre US$ 1 milhão e US$ 30 milhões para mais de 50% dos processos ajuizados em 2020 e 50% dos processos pendentes até o final do mesmo ano. A duração média dos processos foi de 22 meses.
Os números demonstram um mercado aquecido, lucratividade promissora e resultados de qualidade com a arbitragem.
3 Considerações Finais
Foi brevemente demonstrado, em linhas bem gerais, o quanto a judicialização de todos os conflitos sociais é insustentável, seja do ponto de vista do acessoa à justiça, principalmente quando entendido a partir de sua dimensão social, seja do ponto de vista econômico, tanto do erário como da advocacia.
Os conflitos, o judiciário, os advogados, todos reclamam alternativas para as suas demandas pessoais e idealmente devem encontrar caminhos comuns, já que enfrentam os mesmos problemas.
Assim, a arbitragem tornou-se uma ferramenta vital na gestão das demandas enfrentadas tanto pelo judiciário como pela advocacia.
Para o judiciário a arbitragem absorve parte das demandas de que seria o responsável e promove soluções mais adequadas para determinados conflitos, contribuindo com o seu desafogamento, economizando seus recursos e melhor satisfazendo sua finalidade de pacificação social.
Por seu turno, a identificação do advogado com o procedimento arbitral tende a ser mais orgânica, por sua semelhança com o processo judicial, do qual a arbitragem pode eventualmente se valer.
No procedimento arbitral ampliam-se os papeis que podem ser desempenhados pelo advogado em relação aquele exclusivo de representante da parte, que ocupa no processo judicial.
Ademais, a regulamentação legal da arbitragem, a arbitragem de Direito (inclusive única possível em face da administração pública), a possibilidade de escolha das regras de Direito aplicáveis a arbitragem, ou a opção pela aplicação dos princípios gerais de direito, dos usos e costumes e das regras internacionais de comércio, a elaboração de cláusula compromissória, de sentenças e cartas arbitrais, a gestão de câmaras arbitrais, são algumas das características do instituto que exigem expertise técnica, dificilmente alcançadas por outros profissionais que não sejam técnicos em Direito, de forma que estes devem investir na especialização e utilização da arbitragem.
Em um momento crítico da judicialidade nacional urge efetivar a abertura das múltiplas portas alternativas à resolução dos conflitos, partindo daquela que mais se parece com o processo judicial dominante e que atende a tendência da globalização do Direito.
Não cabe mais uma advocacia como mera reprodutora de ações judiciais porque, como diria Renato Russo, “o futuro não é mais como era antigamente” (Manfredini, 1986).
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Graduada em Direito. Especializada em Docência e Gestão do Ensino Superior. Mestranda em Estudos Jurídicos com Ênfase no direito internacional pela Must University. E-mail: [email protected].
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Ingrid Cristine Vieira. A desjudicialização pela arbitragem e a advocacia: Porque o Futuro Não é Mais Como Era Antigamente! Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2022, 04:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59159/a-desjudicializao-pela-arbitragem-e-a-advocacia-porque-o-futuro-no-mais-como-era-antigamente. Acesso em: 22 nov 2024.
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