RESUMO: O presente trabalho tem como proposta de estudo a aplicação da obrigação de licitar para entidades do Terceiro Setor que recebem recursos públicos. A partir doutrinadores elencados como suporte teórico de fundamentação do trabalho, legislação concernente a temática e as decisões dos tribunais superiores, procura-se analisar como a questão referente a licitação no Terceiro Setor tem sido desdobrada no campo jurídico.
Palavras-chave: Administração Pública. Licitação. Terceiro Setor.
ABSTRACT: The present work has as a study proposal the application of the obligation to bid for Third Sector entities that receive public resources. From scholars listed as theoretical support for the work, legislation concerning the theme and the decisions of the higher courts, it seeks to analyze how the issue regarding the bidding in the Third Sector has been unfolded in the legal field.
Keywords: Public Administration. Bidding. Third sector.
SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO. 2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO. 2.2 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 2.3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. 3. DAS LICITAÇÕES. 3.1 FINALIDADE DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. 3.2 NOVA LEI DE LICITAÇÕES. 3.3 ENTES QUE TÊM A OBRIGAÇÃO DE LICITAR. 3.4 MODALIDADES LICITATÓRIAS. 3.5 PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS. 4. ENTIDADES DE TERCEIRO SETOR. 4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DEFINIÇÃO. 4.2 PERSONALIDADE JURÍDICA, ORGANIZAÇÃO INTERNA E TIPOS DE RECEITA. 4.3 TERCEIRO SETOR COMO GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS. 4.4 ESPÉCIES DE ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR. 4.5 AS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO – OSCIP. 4.5.1 Título de utilidade pública. 4.6 ORGANIZAÇÕES SOCIAIS – OS. 5. O TERCEIRO SETOR EM PARCERIA COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 5.1 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE FORMALIZAÇÃO DE PARCERIAS ENTRE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O TERCEIRO SETOR. 5.2 A INEGIXIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA O TERCEIRO SETOR. 6. FISCALIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR. 6.1 CONTROLE INTERNO. 6.2 CONTROLE EXTERNO. 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS . 8. REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO
O Estado brasileiro é soberano, organizado de forma jurídica, social e política, possui personalidade jurídica própria de Direito Público, podendo também atuar no direito privado. Segue as normas da Constituição Federal de 1988, que tem como base a participação social em todos os seus segmentos. O termo Estado Democrático de Direito nos leva a duas vertentes, uma dela é a Administração Pública que compreende: União, Estados e Municípios e suas autarquias, fundações públicas e sociedades de economia mista, prestadoras de serviços públicos e suas subsidiárias.
Matheus Carvalho traz que:
a doutrina moderna costuma apontar quatro tarefas precípuas da Administração Pública, quais sejam o exercício do poder de polícia, a prestação de serviços públicos, a regulação de atividades de interesse público e fomento de atividades privadas e o controle da atuação do Estado (CARVALHO, 2017, p.36).
Em sua função de prestação de serviço público o Estado visa atender as necessidades básicas da coletividade, necessidades estas previstas constitucionalmente executando-as seguindo vários princípios, dentre eles a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A prestação de serviços públicos pode ocorrer sob duas modalidades: de forma direta ou indireta. O objetivo das atividades desenvolvidas seja diretamente ou indiretamente pelo Estado ou através de fomento a paraestatais busca proporcionar a coletividade suas solicitações básicas incluindo saúde, educação, saneamento básico, ofertando uma melhor qualidade de vida para as pessoas e consequentemente o meio em que vivem.
Será direta quando o Poder Público realizá-la valendo-se de sua própria estrutura. Será indireta quando transferir a terceiros, sob seu controle, a execução de atividades de sua competência. E para execução de algumas dessas atividades existe o processo licitatório, participando da gestão da máquina pública, seguindo todos os princípios legais que a ela estejam vinculados, sob pena de nulidade desse processo.
Sobre o processo licitatório Justen Filho conceitua:
A licitação é um procedimento administrativo disciplinado por lei e por um ato administrativo prévio, que determina critérios objetivos de seleção de proposta da contratação mais vantajosa, com observância do princípio da Isonomia, conduzido por um órgão dotado de competência específica (JUSTEN FILHO, 2011, p.546).
Tal procedimento serve para que a isonomia seja alicerce para a escolha do melhor contrato, onde todos os participantes possam concorrer de forma igualitária e a Administração Pública escolher a proposta mais vantajosa visando sempre o bem coletivo e desenvolvimento nacional.
O Terceiro Setor vem ganhando espaço exercendo atividades de caráter coletivo e social sem fins lucrativos, não integrando a estrutura do Estado, apenas desempenhando as atividades que são de sua incumbência, tirando a hegemonia e recebendo fomento para tal atuação. Gustavo Justino de Oliveira diz que:
O Terceiro Setor pode ser entendido como o conjunto de atividades voluntárias, desenvolvidas por organizações privadas não governamentais e sem ânimo de lucro (associações ou fundações), realizadas em prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora com eles possa firmar parcerias e deles possa receber investimentos (públicos e privados) (OLIVEIRA, 2017).
Para complementar a definição acima, acrescenta-se que:
Denominados genericamente por títulos jurídicos, os certificados, títulos e qualificações outorgados pelo Poder Público representam o reconhecimento ao trabalho social desenvolvido pela entidade, como forma de diferenciá-la na concessão de benefícios. Assim, designações como “Entidade de Utilidade Pública”, “Entidade Beneficente de Assistência Social”, “Organização da Sociedade Civil de Interesse Público” e “Organização Social” consistem apenas em títulos jurídicos e não traduzem uma forma de pessoa jurídica privada (CARVALHO NETO, 2007).
O Terceiro Setor apresenta-se com expressividade pois supre necessidades que são designadas como dever do Estado, sendo ele neste momento histórico incapaz de ofertá-lo em sua complexidade e unanimidade, tendo apoio e participação popular, valorizando princípios, tais como humanização, solidariedade e cidadania. Essas entidades recebem dinheiro público como forma de fomento, firmando parcerias através de contratos, convênios e/ou termos de parceria, tecem seus próprios estatutos que contém dentre outras cláusulas a forma de contratação de pessoal, prestação de serviços e processo de compra dos insumos necessários. Mas não dependem exclusivamente do subsídio do Estado para se manterem, o aporte vem também de doações, taxa de associados e venda de produtos e serviços.
Conforme supracitado, o Estado é obrigado constitucionalmente a realizar atividades de contratações públicas por meio de licitações. Visto que as entidades do Terceiro Setor podem receber recursos da União ou demais entes da Administração Direta, seriam elas obrigadas também a licitar, a ficar submetidas a esse controle da Administração Pública para desenvolver as atividades vinculadas a esse repasse?
Essa é a proposta de estudo desse artigo. A aplicação da obrigação de licitar para entidades do Terceiro Setor que recebem recursos públicos. Muitos doutrinadores renomados escrevem sobre o tema, e foram utilizados como suporte teórico de fundamentação do trabalho (assim como a legislação concernente a temática e as decisões dos tribunais superiores), sempre visando analisar como a questão referente a licitação no Terceiro Setor tem sido desdobrada no campo jurídico.
A metodologia de desenvolvimento do trabalho consistiu em uma pesquisa de natureza qualitativa, de caráter bibliográfica. O texto se direciona para um estudo investigativo e aprofundado da questão, reunindo referenciais teóricos e conceituais que servirão de base para construção da monografia, tendo em vista a elucidação do propósito da pesquisa, a saber, entender a obrigação dos procedimentos licitatórios para as entidades enquadradas no âmbito do Terceiro Setor que recebem recursos advindos do Poder Público.
A pesquisa bibliográfica implicou o estudo sistemático de livros, artigos, leis, pareces e decisões dos tribunais competentes, conforme verifica-se ao longo do texto da monografia. Vale destacar que elencamos para o diálogo e sustentação teórica do trabalho autores consolidados na área do Direito e trataram nas suas respectivas obras a respeito da Administração Pública, procedimentos licitatórios e entidades do Terceiro Setor, como constata-se nas citações no desenvolvimento do texto.
Deste modo, ressaltamos que o objetivo precípuo da pesquisa foi trata-se de identificar se há obrigação de licitar para entidades sem fins lucrativos do Terceiro Setor que recebem recursos públicos. Para tal intuito, objetivos específicos foram delineados e discutidos no decorrer dos capítulos da monografia, como demonstrar a importância das licitações para a Administração Pública; identificar a importância do Terceiro setor para o Estado e sociedade; identificar os instrumentos jurídicos de formalização de parcerias entre a Administração Pública e o Terceiro Setor e evidenciar como acontece a fiscalização dos recursos enviados da União para essas paraestatais.
O Direito Administrativo impõe regras jurídicas de organização e funcionamento do complexo estatal, mas também técnicas de administração que indicam tanto os instrumentos, quanto as condutas mais adequadas ao pleno desempenho das atribuições da Administração da Pública. Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que as bases ideológicas dessa área do Direito derivam, sobretudo, das ideias de Rousseau e Montesquieu, pensadores do período Iluminista, em especial por que:
O Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito. Nada semelhante àquilo que chamamos de Direito Administrativo existia no período histórico que precede a submissão do Estado à ordem jurídica. Antes disso, nas relações entre o Poder, encarnado na pessoa do soberano, e os membros da sociedade, então súditos - e não cidadãos, vigoravam ideias que bem se sintetizam em certas máximas clássicas, de todas conhecidas, quais as de que quod principi placuit leges habet vigorem: "o que agrada ao príncipe tem vigor de lei". Ou, ainda: "o próprio da soberania é impor-se a todos sem compensação"; ou, mesmo: "o rei não pode errar" (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 47).
Nos dizeres de Di Pietro, “alguns autores dão ao vocábulo administração, no direito público, sentido amplo para abranger a legislação e a execução. Outros, nela incluem a função administrativa propriamente dita e a função de governo” (DI PIETRO, 2018, p. 117). Aduz, ainda, que no direito privado e no público os atos de administração limitam-se, em síntese, à conservação e percepção de frutos oriundos dos bens administrados, sempre havendo uma imposição extrínseca orientando a atuação do administrador.
A Administração Pública, por sua vez, possui dois sentidos que bem lhe caracterizam. O primeiro é o formal e subjetivo, designando os entes que realizam as funções administrativas
– a exemplo dos agentes e órgãos públicos, bem como pessoas jurídicas de direito público. O segundo, por sua vez, é o sentido denominado objetivo, funcional ou formal. Esse diz respeito à função administrativa em si, realizada predominantemente pelo Poder Executivo.
Considerando a dicção Lopes Meirelles, Administração Pública e governo são por vezes confundidos, ou mesmo utilizados como sinônimos. No entanto, aqui, faz-se necessária uma distinção, com suporte nesse autor: governo é a expressão política de comando, enquanto Administração Pública representa o conjunto de funções necessárias ao serviço público em geral, atuando para a consecução dos objetivos do governo (LOPES MEIRELLES, 1993). Diferentemente, Di Pietro entende que:
não se distinguem as funções administrativas e de governo, mas nesta última incluem- se atribuições que decorrem diretamente da Constituição, dizendo respeito mais à polis, à sociedade, à nação, do que a interesses individuais; a Administração Pública é objeto de estudo mais do direito administrativo, e, por sua vez, o Governo é objeto de estudo mais do direito constitucional (DI PIETRO, 2018, p. 127).
Dessa forma, para a autora, a administração seria uma das funções do Governo, tal como as incumbências legislativa e jurisdicional.
Delineadas as concepções introdutórias acerca da área em que se localiza o objeto dessa pesquisa, passa-se à elucidação de conceitos salutares para a compreensão do tema.
2.2 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Para tratar acerca dos Princípios da Administração Pública, foram analisadas duas obras de autores consolidados: Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Sylvia Zanella Di Pietro.
São usualmente conhecidos como princípios da Administração Pública os cinco elencados no art. 37, caput, da Constituição Federal (1988), que afirma:
Art. 37 A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (BRASIL, 1988).
No entanto, alguns pensadores do Direito Administrativo, tais como Di Pietro, Bandeira de Mello e Carvalho Filho, enxergam outros alicerces, com a mesma função principiológica. A primeira autora elenca 15 princípios (DI PIETRO, 2018). O segundo jurista, por sua vez, 14 princípios (BANDEIRA DE MELLO, 2014), e o último considera serem 13 os princípios do Direito Administrativo (CARVALHO FILHO, 2015), entre princípios constitucionalmente expressos e outros implícitos.
Nesta análise, usaremos as acepções de Di Pietro e Bandeira de Mello, trazendo seus conceitos de forma comparativa, ampliando a ideia dos excertos trazidos com base em suas obras.
O primeiro deles é o princípio da Legalidade. Para Di Pietro:
Este princípio, juntamente com o de controle da Administração pelo Poder Judiciário, nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Isto porque a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade.
É aqui que melhor se enquadra aquela ideia de que, na relação administrativa, a vontade da Administração Pública é a que decorre da lei (DI PIETRO, 2018, p. 132).
Para Bandeira de Mello, por sua vez:
O (princípio) da legalidade é específico do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo (pelo menos aquilo que como tal se concebe) nasce com o Estado de Direito: é uma consequência dele. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 103).
Disso decorrem duas ideias principais. A primeira é que, ao direito administrativo, não se aplica o princípio da autonomia da vontade, ínsito às relações particulares. Isso porque, no âmbito público, só é possível agir dentro de comandos legais estritamente definidos. Dessa forma, as hipóteses de discricionariedade na atuação dos agentes são limitadas – e também definidas por lei. A segunda, por seu turno, é que o princípio da legalidade se trataria do caráter jurídico de um propósito político: a submissão de pessoas inseridas nos quadros da administração à vontade legal é um antídoto ao autoritarismo. Assim, entende-se que o Poder pertence ao povo, devendo o executivo atuar para a consecução da vontade geral dos cidadãos. Dessa maneira:
Michel Stassinopoulos, em fórmula sintética e feliz, esclarece que, além de não poder atuar contra legem ou praeter legem, a Administração só pode agir secundum legem. Aliás, no mesmo sentido é a observação de Alessi, ao averbar que a função administrativa se subordina à legislativa não apenas porque a lei pode estabelecer proibições e vedações à Administração, mas também porque esta só pode fazer aquilo que a lei antecipadamente autoriza. Afonso Rodrigues Queiró afirma que a Administração "é a longa manus do legislador" e que "a atividade administrativa é atividade de subsunção dos fatos da vida real às categorias legais" (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 104).
É de se ressaltar, por fim, que este princípio pode sofrer restrições temporárias e excepcionais, sendo estas também constitucionalmente previstas: é o caso das medidas provisórias (previsão constante no art. 62); estado de defesa (art. 136) e estado de sítio (art. 137 ao 139) (BRASIL, 1988).
O segundo princípio aqui elencado é o da Supremacia do Interesse Público. Tal princípio “(..) está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação” (DI PIETRO, 2018, p. 133). Salienta a autora, ainda, que os interesses públicos devem ter supremacia sobre os particulares, e, citando Bandeira de Mello, considera que pessoas a quem estão confiados os interesses públicos não têm disponibilidade sobre eles. Afirma, também, que “em nome do primado do interesse público, inúmeras transformações ocorreram: houve uma ampliação das atividades assumidas pelo Estado para atender às necessidades coletivas, com a consequente ampliação do próprio conceito de serviço público” (DI PIETRO, 2018, p. 134). Essa compreensão, para ela, é exemplificada pelo art. 5º da Constituição Federal, incisos XXIV e XXV, que tratam da desapropriação e da requisição, imperando o interesse público para a realização desses atos.
Para Bandeira de Mello, tal princípio, como superior aos interesses privados, seria “o princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade” (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p 99). No entanto, pondera que:
Em todos os casos, a ameaça ou a incorreta utilização de quaisquer destas prerrogativas podem ser judicialmente corrigidas, preventiva ou repressivamente, conforme o caso, sobretudo pelo habeas corpus, quando ofensivas à liberdade de locomoção (art. 5º, LXVIII, da Constituição), e nos demais casos pelo mandado de segurança individual, ou coletivo se for a hipótese (art. 5º, LXIX e LXX), ou mesmo por medidas possessórias, tratando-se de defender ou retomar a posse (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 100).
Quanto aos demais, os autores aqui elegidos são mais sintéticos em suas explanações. Assim, Di Pietro diz-se do Princípio da Impessoalidade:
Estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento. Aplicação desse princípio encontra-se, por exemplo, no artigo 100 da Constituição, referente aos precatórios judiciais; o dispositivo proíbe a designação de pessoas ou de casos nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para esse fim (DI PIETRO, 2018, p. 135 e 136).
Com ideia similar, Bandeira de Mello aduz que:
Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da Constituição. Além disso, assim como "todos são iguais perante a lei" (art. 5º, caput), a fortiori teriam de sê-lo perante a Administração (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 117).
A primeira autora salienta que tal acepção aparece pela primeira vez, nesse exato termo, na Constituição Federal de 1988, alegando que esse princípio dá margem a diversas interpretações, sobretudo, pois não tem sido objeto de análise dos doutrinadores brasileiros. Ainda para a doutrinadora, o Princípio da Presunção de Legitimidade/ Veracidade (ou Legalidade) abrange dois aspectos:
De um lado, a presunção de verdade, que diz respeito à certeza dos fatos; de outro lado, a presunção da legalidade, pois, se a Administração Pública se submete à lei, presume-se, até prova em contrário, que todos os seus atos sejam verdadeiros e praticados com observância das normas legais pertinentes (DI PIETRO, 2014, p. 136).
Assim, entende-se tratar de uma presunção juris tantum, admitindo prova em contrário e tendo como efeito a possibilidade de inversão do ônus probatório.
No que lhe concerne, Bandeira de Mello discute acerca do princípio da Legalidade.
Observe-se, com grifos nossos:
No Brasil, o princípio da legalidade, além de assentar-se na própria estrutura do Estado de Direito e, pois, do sistema constitucional como um todo, está radicado especificamente nos arts. 5º, II, 37, caput, e 84, IV, da Constituição Federal. Estes dispositivos atribuem ao princípio em causa uma compostura muito estrita e rigorosa, não deixando válvula para que o Executivo se evada de seus grilhões (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 105).
Ou seja, a Administração Pública o que cabe é uma legalidade estrita e inegociável.
Já o Princípio da Especialidade, por sua vez, decorreria da legalidade e da indisponibilidade do interesse público:
Quando o Estado cria pessoas jurídicas públicas administrativas – as autarquias – como forma de descentralizar a prestação de serviços públicos, com vistas à especialização de função, a lei que cria a entidade estabelece com precisão as finalidades que lhe incumbe atender, de tal modo que não cabe aos seus administradores afastar-se dos objetivos definidos na lei; isto precisamente pelo fato de não terem a livre disponibilidade dos interesses públicos (DI PIETRO, 2018, p. 137).
Apesar da referência às autarquias, sua aplicação estende-se aos demais órgãos da Administração Indireta, sustenta a doutrinadora.
Quanto ao Princípio da Finalidade, Mello de Melo compreende que a Administração sempre se submete a alcançar a finalidade normativa, sendo, por isso, inerente ao Princípio da Legalidade (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 109).
Do Princípio da Razoabilidade, entende-se que, no que tange à discrição administrativa outorgada, esta deverá obedecer a critérios racionais, respeitando as finalidades que conduziram à outorga. “Vale dizer: pretende-se colocar em claro que não serão apenas inconvenientes, mas também ilegítimas - e, portanto, jurisdicionalmente invalidáveis -, as condutas desarrazoadas” (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 111). Quanto ao Princípio da Proporcionalidade, este traz:
A ideia- singela, aliás, conquanto frequentemente desconsiderada - de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade correspondentes ao que seja realmente demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 113).
Di Pietro enuncia Razoabilidade e Proporcionalidade de forma conjunta. A razoabilidade seria uma baliza para as hipóteses de discricionariedade. A proporcionalidade, para ela, estaria contida na razoabilidade: através da proporcionalidade o administrador conseguiria adequadamente utilizar os meios devidos para os fins que deseja alcançar (DI PIETRO, 2014).
Já ao versar sobre Motivação, elucida-se:
Dito princípio implica para a Administração o dever de justificar seus atos, apontando- lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclaramento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 115).
Nesse ponto, Di Pietro considera que quaisquer atos administrativos, sejam eles vinculados ou discricionários, devem indicar as razões fáticas e jurídicas para a decisão.
Ao referir-se ao princípio da Publicidade, Bandeira de Mello afirma que:
Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida.
Tal princípio está previsto expressamente no art. 37, caput, da Lei Magna, regulamentado por uma importantíssima lei, a de n. 12.527, de 18.11.2011, ademais de contemplado em manifestações específicas do direito à informação sobre os assuntos públicos (...) (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 117).
Por sua vez, Di Pietro salienta que, além do supracitado art. 37, a Constituição versa sobre tal princípio em outras passagens, sendo elas: art. 5º, incisos LX, XI, XII, XIV, XXXIII,
X. Ainda, o inciso LXII garante o habeas data, assegurando-se o direito à informação; bem como o inciso XXXIV assegura, independente do pagamento de taxas, o direito de petição e à obtenção de certidões em órgãos públicos.
Em relação ao Devido Processo Legal e à Ampla Defesa, cita-se o art. 5º, incisos LIV e LV, afirmando-se que:
Estão aí consagrados, pois, a exigência de um processo formal regular para que sejam atingidas a liberdade e a propriedade de quem quer que seja e a necessidade de que a Administração Pública, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, ofereça- lhe oportunidade de contraditório e de defesa ampla, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas. Ou seja: a Administração Pública não poderá proceder contra alguém passando diretamente à decisão que repute cabível, pois terá, desde logo, o dever jurídico de atender ao contido nos mencionados versículos constitucionais (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 119).
Quanto ao Princípio da Moralidade Administrativa, refere-se que:
De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem- se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Perez em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo- lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 123).
Para o citado autor, os art. 85, V; 37, § 4º e 5º, LXXIII da Constituição são proteções a esse princípio.
Di Pietro, por sua vez, traça paralelos entre direito e moral e licitude e honestidade, estando os primeiros incluídos nos segundos. Refere-se, ainda, ao brocado latino non omne quod licet honestum est (nem tudo o que é legal é honesto). Assevera, ainda, que esse tema adquiriu relevância quando se iniciou as discussões acerca da análise jurisdicional do desvio de poder.
Bandeira de Mello ainda elenca como Princípios o Controle Judicial dos Atos Administrativos, Responsabilidade do Estado por atos administrativos, Boa Administração e Segurança Jurídica. O primeiro decorreria da unidade de jurisdição, segundo a qual “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988). Dessa maneira, ainda que haja instâncias administrativas para a resolução de demandas entre Administração e administrados, quaisquer destas poderão ser apreciadas, reexaminadas e decididas pelo Poder Judiciário. O segundo, ao seu tempo, decorre do art. 37, § 6º. Sua dicção é a seguinte:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (BRASIL, 1988).
Para Bandeira de Mello, tal referência legislativa autoriza quatro conclusões: que a responsabilidade do Estado é aplicável a qualquer função pública; a responsabilidade do estado é objetiva; a responsabilidade é objetiva para condutas administrativas comissivas, havendo responsabilidade subjetiva para os comportamentos omissivos do Estado; por último, interpreta-se que tais critérios também se aplicam às pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviço público (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p.125-126).
Já o Princípio da Boa Administração seria o dever jurídico de agir "do modo mais congruente, mais oportuno e mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios e da ocasião de utilizá-los, concebíveis como os mais idôneos para tanto” (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 126 apud ENTERRÍA e FERNÁNDEZ, 2008, p. 64).
Em Di Pietro, esse princípio corresponderia ao da Eficiência: os agentes e a Administração Pública devem atuar de maneira a alcançarem os melhores resultados – desde que seus meios e fins não contrariem o Direito (DI PIETRO, 2014).
A Segurança Jurídica, ressalta Bandeira de Mello, situa-se dentre os princípios gerais do Direito, como essência do mesmo. No que tange ao Direito Administrativo:
Por força mesmo deste princípio (conjugadamente com os da presunção de legitimidade dos atos administrativos e da lealdade e boa-fé), firmou-se o correto entendimento de que orientações firmadas pela Administração em dada matéria não podem, sem prévia e pública notícia, ser modificadas em casos concretos para fins de sancionar, agravar a situação dos administrados ou denegar-lhes pretensões, de tal sorte que só se aplicam aos casos ocorridos depois de tal notícia. (BANDEIRA DE MELLO, 2014, p. 128-129).
Por sua vez, Di Pietro menciona que o art. 2º, caput da Lei nº 9.784/99 inseriu tal princípio entre os do Direito Administrativo. O inciso XIII, do artigo 2º desta lei é uma nítida disposição acerca do Princípio da Segurança Jurídica no âmbito do Direito Administrativo, por afirmar que deve haver: “interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação” (grifos nossos) (BRASIL, 1999). Assim, evita-se que situações benéficas já consolidadas sejam revistas a qualquer tempo, garantindo-se os direitos dos administrados. A autora menciona, também, o Princípio da Proteção à Confiança, que, no Brasil, tem sido visto como o Princípio da Segurança Jurídica. No entanto, diferentemente deste, o primeiro representa a proteção da boa-fé dos cidadãos ao dirigir seu olhar à Administração Pública e seus atos.
Outro Princípio mencionado é o da Boa-Fé. Este foi inserido no ordenamento jurídico pátrio com o advento da Lei nº 9.784/99, que em seu art. 2º, parágrafo único, IV aduz que nos processos administrativos deve haver “atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé” (BRASIL, 1999). Na Constituição Federal, esse seria um princípio implícito.
Prosseguindo nesta análise, Di Pietro discorre sobre os demais princípios por ela compreendidos como presentes no Direito Administrativo. Controle ou Tutela diz respeito à fiscalização empreendida pela Administração Pública Direta (União, Estados, Municípios), com o objetivo de garantir a correta atuação dos entes da Administração Indireta, no âmbito das suas finalidades institucionais. Já a Autotutela se trata do controle dos seus próprios atos, encontrando guarida na Súmula 346 (A Administração Pública pode controlar seus próprios atos) do Supremo Tribunal Federal (STF) e na Súmula 473, também do STF (A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial) (BRASIL, 2012).
Di Pietro também se refere ao princípio da Hierarquia, caracterizado pela relação de coordenação e subordinação entre os órgãos da Administração – relações estas definidas em lei. Excetua a subordinação hierárquica dos órgãos do Judiciário ao STF (art. 103-A da Constituição), desde a Emenda Constitucional nº 45/04.
Cita-se, por fim, o Princípio da Continuidade do Serviço Público, entendendo-se que o Estado presta serviços essenciais à sociedade, não podendo parar. Isso tem como principal consequência restrições ao direito de greve, que para os servidores não ocorre nos mesmos moldes do direito privado.
2.3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA
A Administração Pública, em sentido subjetivo[1] é o conjunto de órgãos e pessoas que realizam a atividade administrativa, subdividindo-se em Direta e Indireta. Para Carvalho Filho,
Administração Direta é o conjunto de órgãos que integram as pessoas federativas, aos quais foi atribuída a competência para o exercício, de forma centralizada, das atividades administrativas do Estado. Em outras palavras, significa que “a Administração Pública é, ao mesmo tempo, a titular e a executora do serviço público” (CARVALHO FILHO, 2015, p. 475)
Carvalho Filho considera o Estado como pessoa administrativa. Enquanto Administração Direta, o que a define é a centralização das suas atividades, que são exercidas pelas pessoas políticas que compõe o sistema federativo brasileiro – Municípios, Estados, Distrito Federal e União.
Existem numerosas atividades a cargo da administração direta. A função básica de organização interna, a lotação de órgãos e agentes, sua fiscalização e supervisão, para exemplificar, quase sempre é desempenhada diretamente. Por isso, a organização de tais pessoas comporta tantos componentes internos, como os Ministérios, as Secretarias, as Coordenadorias etc (CARVALHO FILHO, 2015, p 475).
Embora ao Executivo seja destinado a atividade administrativa, tanto o Legislativo, quanto o Judiciário também a desenvolvem, ainda que de forma residual, para auxiliar no desempenho de suas próprias funções.
Significa dizer que a Administração Direta do Estado abrange todos os órgãos dos Poderes políticos das pessoas federativas cuja competência seja a de exercer a atividade administrativa, e isso porque, embora sejam estruturas autônomas, os Poderes se incluem nessas pessoas e estão imbuídos da necessidade de atuarem centralizadamente por meio de seus órgãos e agentes. (CARVALHO FILHO, 2015, p. 476).
Por sua vez, a Administração Indireta possui atuação descentralizada, sendo formada por pessoas jurídicas vinculadas a pessoas políticas, os entes federativos, existindo em função da vontade de tais entes – esses, por meio de lei, delegam a titularidade ou execução de tarefas pela conveniência de não fazê-las através dos órgãos da própria Administração Direta.
Segundo o art. 4º, II, do Decreto-lei nº 200/1967, as entidades que compõe a Administração Indireta possuem personalidade jurídica própria, como ressaltado por Carvalho Filho. São elas: autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas. O autor assevera que:
A circunstância de que a entidade se enquadra numa das categorias jurídicas acima confere certeza suficiente e indiscutível para ser considerada como integrante da Administração Indireta da respectiva pessoa federativa, e isso independentemente de prestar serviço público ou exercer atividade econômica de natureza empresarial. Não é o fim a que se destina a entidade que a qualifica como participante da Administração Indireta, mas sim a natureza de que se reveste. Talvez de lege ferenda pudessem ser excluídas as pessoas com objetivos empresariais, objetivos normalmente impróprios aos fins desejáveis do Estado, mas não foi esse o sistema adotado pela Constituição e legislação pátrias (CARVALHO FILHO, 2015, p. 481).
Aduz ainda, mais adiante que “na expressão administração indireta, já se tem que incluir necessariamente as atividades executadas por fundações (públicas)” (CARVALHO FILHO, 2015, p. 483).
Sobre o conceito de Autarquia compreende-se:
autogoverno ou governo próprio, mas no direito positivo perdeu essa noção semântica para ter o sentido de pessoa jurídica administrativa com relativa capacidade de gestão dos interesses a seu cargo, embora sob controle do Estado, de onde se originou (CARVALHO FILHO, 2015, p. 488).
Quanto às empresas públicas e sociedades de economia mista, menciona-se de forma sintética, como é a abordagem que aqui cabe:
Embora sejam de categorias jurídicas diversas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista devem ser estudadas em conjunto, tantos são os pontos comuns que nelas aparecem. Como veremos, essas entidades são dotadas de personalidade jurídica de direito privado e delas se vale o Estado para possibilitar a execução de alguma atividade de seu interesse com maior flexibilidade, sem as travas do emperramento burocrático indissociáveis das pessoas de direito público (CARVALHO FILHO, 2015, p. 515).
Já as Entidades Paraestatais, que atuam em colaboração com o Estado, não são alvo de consenso interpretativo: para uns, trata-se de pessoas jurídicas de direito privado que recebem auxílio oficial do poder público. Para outros, seriam pessoas jurídicas de direito privado integrantes da Administração Indireta. Além dessas acepções, alguns optam pelo termo “empresas estatais”.
Carvalho Filho afirma, ainda:
Existem, todavia, outras pessoas privadas, instituídas pelas fórmulas de direito privado, às quais pode ser atribuído o encargo da prestação de serviços públicos no regime de parceria com a Administração Pública. Tais entidades também estão juridicamente vinculadas com o Estado, mas os instrumentos de formalização da parceria têm a natureza de verdadeiros convênios, o que as coloca como categoria diversa das pessoas de cooperação governamental, e isso porque, tendo estas a sua função definida na lei instituidora, prescindem de qualquer outro instrumento que formalize o regime de cooperação. O regime de cooperação está delineado, portanto,
na própria lei e alcança especificamente a entidade por ela instituída (CARVALHO FILHO, 2015, p. 565).
Por fim, a Administração Indireta possui, também, princípios elencados pelo supracitado autor. O primeiro é o Princípio da Reserva Legal:
Este princípio tem por objetivo a indicação de que todas as pessoas integrantes da Administração Indireta de qualquer dos Poderes, seja qual for a esfera federativa a que estejam vinculadas, só podem ser instituídas por lei. Nesse exato sentido, o disposto no art. 37, XIX, da CF, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/1998: “Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação” (CARVALHO FILHO, 2015, p. 484).
O segundo é o da Especialidade, que, segundo o autor:
O princípio da especialidade aponta para a absoluta necessidade de ser expressamente consignada na lei a atividade a ser exercida, descentralizadamente, pela entidade da Administração Indireta. Em outras palavras, nenhuma dessas entidades pode ser instituída com finalidades genéricas, vale dizer, sem que se defina na lei o objeto preciso de sua atuação (CARVALHO FILHO, 2015, p. 486).
Por fim, o Princípio do Controle, que compreende o controle político (os dirigentes da entidade são nomeados por autoridade competente da Administração Direita, com relação intuito personae); institucional (seguir os fins para os quais fora criada); administrativo (fiscalização dos agentes e das rotinas) e financeiro (os setores financeiro e contábil são fiscalizados).
Como ponto de partida deste capítulo, cabe elucidar que alguns autores entendem a licitação como um procedimento e outros entendem tratar-se de um processo. Nossos principais referenciais teóricos optam pela terminologia procedimento, o que será seguido neste trabalho, posto que, para o Direito Administrativo, este vocábulo designa uma série de atos e fatos, e nas licitações, de acordo com Di Pietro, são exigidos diversos atos e fatos tanto da Administração, quanto dos licitantes (DI PIETRO, 2014).
Para a presente análise, utilizaremos o conceito de licitação formulado por Bandeira de Mello, em que afirma:
(A licitação) é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados (BANDEIRA DE MELLO, 2015, p. 538).
Ou seja, como regra os negócios realizados pela Administração devem ser submetidos a procedimento licitatório.
Para Carvalho Filho, sua natureza jurídica é, também, de procedimento administrativo, tratando-se de um conjunto de atos administrativos regidos pelos princípios do direito público, sendo um procedimento vinculado – que, por isso, não deve dar margem para a discricionariedade e a consequente possibilidade de utilização de procedimentos para fins outros que não o interesse público (CARVALHO FILHO, 2015, p. 240). Por esta acepção, trata- se de:
Procedimento administrativo com fim seletivo, porque, bem registra ENTRENA CUESTA, o procedimento constitui um ‘conjunto ordenado de documentos e atuações que servem de antecedente e fundamento a uma decisão administrativa, assim como às providências necessárias para executá-la’ (CARVALHO FILHO, 2015, p. 240).
Quanto aos princípios que lhe regem, para Di Pietro não há unanimidade entre os doutrinadores. Afirma que José Roberto Dromi (1975) indica o da livre concorrência e a igualdade entre os licitantes; para Sayaguéz Laso (1940) seriam igualdade de todos frente à Administração e o estrito cumprimento do edital; já Adilson Abreu Dallari (1973) considera a igualdade, publicidade e rigorosa observância das condições previstas no edital e que a esses três Bandeira de Mello (1980) acrescenta o princípio da possibilidade de os licitantes fiscalizarem os princípios anteriores (DI PIETRO, 2018).
A autora salienta que Hely Lopes Meirelles compreende o maior número de princípios: “procedimento formal, publicidade, igualdade entre os licitantes, sigilo das propostas, vinculação aos termos do instrumento convocatório, julgamento objetivo e adjudicação compulsória.” (DI PIETRO, 2018, p. 465 apud MEIRELLES, 2003, p. 265). Di Pietro acrescenta ainda o princípio da licitação sustentável – uma inovação legislativa de 2010 –, bem como ampla defesa e impessoalidade. Por fim, pode-se concluir que a competência para estabelecer normas gerais sobre licitação é privativa da União, com fulcro no art. 22, XXVII da Constituição Federal (BRASIL, 1988).
3.1 FINALIDADE DO PROCEDIMENTO LICITATÓRIO
Analisando-se a obra de Carvalho Filho, percebe-se uma junção semântica e prática entre finalidades e fundamentos do procedimento licitatório, esta representada na garantia da moralidade administrativa e da igualdade de oportunidades (CARVALHO FILHO, 2015, p. 246).
Bandeira de Mello, por sua vez, autoriza-nos a entender que:
A licitação, nos termos do que hoje estabelece a legislação, visa a alcançar um triplo objetivo: proporcionar às entidades governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso (pois a instauração de competição entre ofertantes preordena- se a isto), assegurar aos administrados ensejo de disputarem a participação nos negócios que as pessoas governamentais pretendam realizar com os particulares e concorrer para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável (BANDEIRA DE MELLO, 2015, p. 538).
Assim, assegura-se o princípio constitucional da isonomia, possibilita-se um desenvolvimento mais sustentável e permite-se a seleção de proposta mais vantajosa. Por fim, é digno de realce que a inserção da ideia de sustentabilidade se deu com a Lei nº 12.349/2010, ao inserir no art. 3º da Lei nº 8.666/1993 mais esse objetivo. Destaca Amorim que:
por ostensiva imposição legal, deve a Administração realizar licitações sustentáveis, como forma de implementar contratos administrativos com cláusulas de sustentabilidade de cunho ambiental, econômico, social e cultural (AMORIM, 2017, p. 22)
A chamada Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21) foi sancionada em 01/04/2021. Surgiu com a finalidade substituir a antiga (Lei nº 8.666/93), cujo uso já era subsidiário (NÓBREGA e BRITO, 2018, p. 73-94), bem como as Leis nº 10.520/02 e a nº 12.462/11 (Lei do Pregão e do Regime Diferenciado de Contratações, respectivamente). Pelo período de dois anos, as normas antigas e a lei de 2021 produzirão efeitos jurídicos concomitantemente, sendo imediata a vigência da Lei nº 14.133/21.
As principais inovações da Lei nº 14.133/21 são a instituição do Portal Nacional de Contratações Públicas (previsto no art. 174 e seguintes), tendendo à virtualização dos procedimentos; a modalidade licitatória do diálogo competitivo (definição no art. 6º, XLII e previsão no art. 28, V), modelo inspirado em experiências internacionais; a Modelagem da Informação da Construção (Building Information Modelling – BIM), prevista no art. 19, § 3º, cujo intuito é agilizar e reduzir os custos de obras realizadas pela Administração Pública; mudanças nas licitações internacionais (art. 52); a possibilidade de utilização da arbitragem como meio alternativo de solução de controvérsias (art. 151 e seguintes); mudanças nos crimes em licitações e contratos administrativos (art. 178), inaugurando o Capítulo II-B no Código Penal, retirando as previsões criminais da legislação licitatória e, simultaneamente, majorando a pena aplicável aos infratores (BRASIL, 2021).
Além disso, o novo diploma institui critérios de julgamento em seu art. 33 e seguintes, quais sejam: menor preço; melhor técnica ou conteúdo artístico; técnica e preço; maior retorno econômico; melhor desconto e maior lance – definindo quais critérios são aplicáveis a uma ou outra modalidade licitatória. Ainda, excluiu-se duas modalidades licitatórias anteriormente praticadas: a tomada de preços, o Regime Diferenciado de Contratações e o convite; ao passo que inaugura a modalidade do Diálogo Competitivo (BRASIL, 2021).
Seu desígnio é propor debates entre os licitantes, os quais serão convidados a participar do procedimento tendo em vista a sua alta especialização no objeto a ser debatido através dessa modalidade licitatória recém-inaugurada. Ao final, apresentarão uma proposta para a demanda da administração.
Os princípios a reger as licitações estão elencados em seu art. 5º, que afirma:
Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)2 (BRASIL, 2021).
Seus objetivos, depreende-se, são: assegurar a contratação de proposta apta a atingir o resultado mais vantajoso para o ente Administrativo; garantir tratamento isonômico entre os concorrentes; promover a inovação e o desenvolvimento sustentável; proporcionar uma justa competição e, por fim, evitar contratações superfaturadas, auxiliando no combate à corrupção. Pela nova lei, há a possibilidade de contratação direta (art. 72 e seguintes), razão pela qual a licitação pode não ocorrer por inexigibilidade ou dispensa.
De acordo com o art. 74, é inexigível a licitação quando o objeto da compra só possa ser fornecido por produtor, empresa ou representante comercial exclusivos; nos casos de contratação de profissional artístico; contratação de alguns serviços técnicos especializados, nomeados das alíneas a até h do art. 74, III – nesse caso, a natureza do serviço deve ser predominantemente intelectual e sua prestação deve ocorrer através de profissional com notória especialização (BRASIL, 2021).
São previstas, ainda, duas novas hipóteses. A primeira delas é o credenciamento (inciso IV), para o qual já houve edital e contratação prévia do fornecedor do objeto, numa nítida desburocratização do procedimento. Já a segunda se trata do inciso V do supracitado artigo: “aquisição ou locação de imóvel cujas características de instalações e de localização tornem necessária sua escolha” (BRASIL, 2021). Nesse caso, não é possível realizar a licitação, visto que as peculiaridades do objeto condicionam a sua escolha, apenas assim atingindo o interesse público almejado.
Por sua vez, a licitação é dispensável (art. 75) quando é possível realizá-la, mas o legislador optou por retirar tal imposição. Assim é para as hipóteses descritas nos incisos I a III do art. 75, quais sejam:
I - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores;
II - para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;
III - para contratação que mantenha todas as condições definidas em edital de licitação realizada há menos de 1 (um) ano quando se verificar que naquela licitação:
a) não surgiram licitantes interessados ou não foram apresentadas propostas válidas;
b) as propostas apresentadas consignaram preços manifestamente superiores aos praticados no mercado ou incompatíveis com os fixados pelos órgãos oficiais competentes (BRASIL, 2021).
A lei também elenca outras possibilidades nos incisos e alíneas subsequentes, considerando-se objetos específicos que não necessitam se submeter ao procedimento licitatório em razão da sua natureza ou finalidade. Por fim, as licitações continuam a possuir fases, em sequência, como enunciado pelo art. 17: a preparatória (antes denominada “fase interna”); divulgação do edital de licitação; apresentação de propostas e lances; julgamento; habilitação (que na Lei nº 8.666/93 ocorria antes da fase de julgamento); recursal e, por fim, a homologação (BRASIL, 2021).
3.2 ENTES QUE TÊM A OBRIGAÇÃO DE LICITAR
Conforme Bandeira de Mello, são obrigadas a licitar as pessoas de Direito Público que detém capacidade política e também entidades da Administração Indireta (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações governamentais) (BANDEIRA DE MELLO, 2015).
Di Pietro inclui nessa obrigação os fundos especiais e, genericamente, outras entidades controladas direta ou indiretamente pelos entes federativos. Por sua vez, a autora destaca que, no que tange às organizações da sociedade civil, a legislação aplicável é a Lei nº 13.019/14, que em seu art. 2º, inciso XII versa sobre o procedimento licitatório – embora não se valha desse termo. Eis a dicção do referido excerto normativo:
XII - chamamento público: procedimento destinado a selecionar organização da sociedade civil para firmar parceria por meio de termo de colaboração ou de fomento, no qual se garanta a observância dos princípios da isonomia, da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos (BRASIL, 2014).
Como se observa, trata-se de modalidade de licitação regida por legislação específica, mas também regida por um instrumento convocatório, julgamento, classificação, homologação e habilitação (DI PIETRO, 2018). No entanto, não é prevista a contratação de terceiros pela Organização da Sociedade Civil - OSC, que deverá prestar contas (vide arts. 63 a 68 e 69 a 72).
Para as organizações sociais, assim consideradas as entidades de direito privado com interesse social e utilidade pública, o art. 17 da Lei nº 9.637/98, regulamenta que:
A organização social fará publicar, no prazo máximo de noventa dias contado da assinatura do contrato de gestão, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público (BRASIL, 1998).
Para o uso de bens públicos, a mesma lei dispensa a licitação no seu artigo 12. No que diz respeito às Organizações Da Sociedade Civil Com Interesse Público (OSCIP’s), o decreto nº 10.024/19 revogou o 5.504/05, que dispunha acerca da licitação quando em uso de recursos públicos. Ao seu tempo, o Decreto nº 6.170/07 versa sobre a aquisição de bens e serviços comuns com recursos da União, para a qual deve haver cotação prévia de preços, conforme disposição do artigo 11.
Quanto às entidades do Terceiro Setor, seu regime jurídico é de Direito Privado, sendo atravessadas pelo Direito Público somente quando atuam em parceria com a Administração, no que tange às verbas repassadas. Nesse sentido, por serem essencialmente entidades privadas, não têm obrigação de licitar.
3.3 MODALIDADES LICITATÓRIAS
São previstas cinco modalidades de licitação pela Lei nº 8.666/93. São elas: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão. A Lei nº 10.520/02, por sua vez, instituiu a modalidade de pregão; a Lei nº 12.462/11, o Regime Diferenciado de Contratação (RDC). A elas são aplicáveis a Lei de Concessões e Permissões de Serviços Públicos (lei nº 8.987/95) e a Lei de Parcerias Público Privadas (lei nº 11.079/04). De acordo com Amorim, “concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem ter os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para a execução de seu objeto” (AMORIM, 2017, p. 67).
Para Di Pietro, das leis acima mencionada são deduzidas diversas regras, a seguir elencadas. Para a obrigatoriedade da concorrência, deve haver obra de engenharia com valor superior a um milhão e quinhentos mil reais; para compras e serviços não atinentes à engenharia, o valor deve ser superior a seiscentos e cinquenta mil reais; nos casos de compra e venda de bens imóveis de quaisquer valores (se for hipótese de alienação de bens adquiridos mediante dação em pagamento ou processos judiciais, admite-se tanto a concorrência, quanto o leilão); em casos de concessão de direito real de uso; licitações internacionais, em geral; alienação de bens móveis em valor superior a seiscentos e cinquenta mil reais; registro de preços; concessão de serviços públicos e parcerias público-privadas (DI PIETRO, 2018).
Por sua vez, a tomada de preços é modalidade de disputa entre interessados previamente contratados ou que atendam às condições exigidas para o cadastramento até o terceiro dia anterior ao recebimento das propostas. Para obras e serviços de engenharia, possui o teto de um milhão e quinhentos mil reais. Já para compras e outros serviços, esse limite é de seiscentos e cinquenta mil reais (AMORIM, 2017).
Ainda de acordo com Amorim, a modalidade de convite abrange interessados previamente cadastrados ou não, dentre os quais o ente administrativo deve escolher no mínimo três. Os demais interessados cadastrados devem demonstrar seu interesse com antecedência mínima de 24h à apresentação das propostas. O seu conteúdo econômico é reduzido: para obras de engenharia, o valor deve ser inferior a cento e cinquenta mil reais. Para compras e demais serviços, não pode superar os oitenta mil reais (AMORIM, 2017).
Di Pietro esclarece que é uma discricionariedade da Administração utilizar o convite, tomada de preços ou concorrência, desde que o objeto licitado possa ser monetariamente enquadrado na opção elegida (DI PIETRO, 2018). Assim, a título de exemplo, nada obsta a
realização de um serviço com valor inferior a oitenta mil reais mediante o procedimento de concorrência.
Já o leilão é destinado à alienação de bens sem utilidade para a administração, produtos apreendidos ou penhorados, desde que o valor de tais bens não ultrapasse o disposto no 23, II, b da Lei nº 8.666/93 (DI PIETRO, 2018). A esse respeito, leciona Carvalho Filho:
Há dois requisitos importantes no leilão. Primeiramente, deve ser dada ao certame a mais ampla divulgação, com o que rigoroso aqui é o princípio da publicidade (art. 53,
§ 4º). Depois, é necessário que, antes do processo, sejam os bens devidamente avaliados, e isso por óbvia razão: o princípio da preservação patrimonial dos bens públicos (CARVALHO FILHO, 2017, p. 287).
Quanto ao concurso, trata-se de:
Modalidade licitatória utilizada para a escolha de trabalho técnico, artístico ou científico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, com base em critérios previamente estipulados em edital. Não deve, portanto, ser confundido com o concurso de provas e títulos necessários à seleção de candidatos para investidura em cargos e empregos públicos (AMORIM, 2017, p. 70).
A citada modalidade deve possuir um regramento próprio, ocorrendo a convocação por edital. Relevante elucidar que:
O prêmio ou a remuneração, no entanto, só poderão ser pagos se o autor do projeto ceder à Administração os direitos patrimoniais a ele relativos e a ela permitir a utilização, de acordo com sua conveniência, na forma do que estabelecer o regulamento ou o ajuste para a elaboração deste.141 Se o projeto se referir à obra imaterial de cunho tecnológico, não passível de privilégio, a cessão dos direitos abrangerá o fornecimento de todos os dados, documentos e elementos informativos referentes à tecnologia de concepção, desenvolvimento, aplicação da obra e fixação em suporte físico de qualquer natureza (CARVALHO FILHO, 2015, p. 286).
O pregão, conforme aduz o art. 1º da Lei nº 10.520/02, destina-se a adquirir bens e contratar serviços considerados comuns. Ou seja, podem ser objetivamente definidos no edital mediante especificações praticadas usualmente pelo mercado. Não há um rol taxativo do que poderia ser objeto de pregão, sendo a avaliação casuística e necessariamente excluindo obras de engenharia, locações de imóveis e vendas em geral (AMORIM, 2017). Quanto ao pregão eletrônico, este está disciplinado pela Lei nº 5. 450/05.
Por fim, o Regime Diferenciado de Contratações (Lei nº 12.462/11) foi originalmente instituído para licitações e contratos necessários à realização da Copa de Mundo de Futebol de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016, bem como a melhoria da infraestrutura e serviços dos aeroportos próximos aos locais de realização do Mundial.
Carvalho Filho aponta que:
Posteriormente, foi ampliada a abrangência do novo regime, que passou a regular também as ações integrantes do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), as obras e serviços de engenharia no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e, por último, as obras e serviços de engenharia para construção, ampliação e reforma de estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo. (CARVALHO FILHO, 2015, p. 304).
O autor afirma, ainda, que subsequentes alterações aumentaram a incidência do Regime Diferenciado de Contratações - RDC, em prol da desburocratização e celeridade do certame. Contudo, com a Nova Lei de Licitações, deixarão de existir a tomada de preços, o Regime Diferenciado de Contratação e o convite, ao passo que se acrescenta uma modalidade inédita: o diálogo competitivo.
Essa nova modalidade será utilizada para situações complexas, com licitantes previamente selecionados utilizando-se critérios objetivos (art. 6º, XLII), funcionando através de diálogos entre a Administração Pública e os interessados, bem como mediante debates entre os licitantes, que desenvolverão alternativas e apresentarão uma proposta final de solução.
A Lei 14.133/2021 estabelece todo o procedimento, indicando em seu art. 32 a necessidade de contratação de inovação técnica ou tecnológica, a impossibilidade de adquirir opções já disponíveis no mercado e impossibilidade de definição precisa das especificações técnicas – elementos que demonstram a complexidade do objeto a ser licitado.
3.5 PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS
A Nova Lei de Licitações (n°14.133/2021) vem unificar o procedimento licitatório, que deverá seguir as etapas cronologicamente mencionadas em seu art. 17, quais sejam: preparatória; divulgação do edital de licitação; apresentação de propostas e lances, quando for o caso; julgamento; habilitação; recursal e, por fim, a homologação.
O primeiro dos atos da anteriormente denominada “fase externa” é o Edital. Este “consiste no ato por meio do qual se convocam os interessados em participar do certame licitatório e estabelece as condições que o regerão. Trata-se de documento obrigatório para todas as modalidades de licitação, ainda que, no caso do convite, seja mais simplificado” (AMORIM, 2017, p. 80). Saliente-se que, com a nova legislação, deixa de existir a modalidade licitatória do convite/carta convite.
Sua função, ainda de acordo com Amorim, é conferir publicidade ao procedimento; identificar o objeto licitado; delimitar o universo das propostas; circunscrever o universo de proponentes; estabelecer critérios para análise e avaliação dos proponentes e propostas (saliente-se que, ao contrário do regramento sob o qual fora escrita a obra aqui utilizada, a recente lei propõe critérios em seu art. 33 – como mencionado no segundo parágrafo do item 2.2 –, discorrendo a respeito nos artigos seguintes, determinando quais critérios se aplicam a cada modalidade licitatória, enfim, limitando a discricionariedade antes permitida); regular atos e termos processuais do procedimento (como também mencionado, a Lei nº 14.133/21 dispõe de maneira específica a respeito) e, por fim, fixar cláusulas do futuro contrato.
De acordo com o art. 25 da Nova Lei de Licitações, por sua vez,
deverá conter o objeto da licitação e as regras relativas à convocação, ao julgamento, à habilitação, aos recursos e às penalidades da licitação, à fiscalização e à gestão do contrato, à entrega do objeto e às condições de pagamento (BRASIL, 2021).
A Apresentação de Propostas e Lances, por sua vez, tem suas condições, critérios e prazos estipulados a partir do art. 55 da nova Lei, variando casuisticamente. Após, ocorre a etapa de julgamento. Este é “ato por meio do qual se confrontam as ofertas, classificam-se os proponentes e escolhe-se o vencedor, a quem deverá ser adjudicado o objeto da licitação, para o subsequente contrato com a Administração” (AMORIM, 2017, p. 107). Como já mencionado, tal julgamento se dará por critérios legalmente estabelecidos, com mínima margem para atuação discricionária.
Em caso de empate entre propostas, a própria Lei nº 14.133/21, traz uma resposta em seu art. 60:
Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem:
I - disputa final, hipótese em que os licitantes empatados poderão apresentar nova proposta em ato contínuo à classificação;
II - avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, para a qual deverão preferencialmente ser utilizados registros cadastrais para efeito de atesto de cumprimento de obrigações previstos nesta Lei;
III - desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho, conforme regulamento;
IV - desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle.
§ 1º Em igualdade de condições, se não houver desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços produzidos ou prestados por:
I - empresas estabelecidas no território do Estado ou do Distrito Federal do órgão ou entidade da Administração Pública estadual ou distrital licitante ou, no caso de licitação realizada por órgão ou entidade de Município, no território do Estado em que este se localize;
II - empresas brasileiras;
III - empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País; IV - empresas que comprovem a prática de mitigação, nos termos da Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009 (BRASIL, 2021).
Propostas poderão ser desclassificadas com base em critérios objetivos trazidos no art. 59, art. 61, § 1º e 63, § 1º. Em suma, tais artigos tratam daquelas que não se vinculam aos critérios legais e/ou do próprio edital.
Para participar do procedimento em questão, os interessados deverão demonstrar habilitação jurídica; técnica; fiscal, social e trabalhista e econômico-financeira para tal. A habilitação jurídica deve demonstrar que “o licitante é sujeito de direito e de obrigações, com capacidade de fato e de direito para a prática dos atos para os quais será contratado” (AMORIM, 2017, p. 93). Já a habilitação técnica corresponde à demonstração operacional e profissional das “aptidões necessárias para a realização da atividade pertinente ao objeto da licitação e, quando for o caso, a comprovação de conhecimento técnico especializado e a capacitação operativa para cumprir o objeto do contrato” (AMORIM, 2017, p. 93).
Também são exigidos do licitante mais bem classificado (art. 63, III da Lei nº 14.133/21) documentos relativos à sua regularidade fiscal. Também é requerida a regularidade perante a Seguridade Social e ao FGTS (art. 68, IV), e a Justiça do Trabalho (art. 68, V).
Por sua vez, a qualificação econômico-financeira:
Tem por objetivo possibilitar que a Administração se certifique de que o futuro contratado disponha de estável situação econômica e financeira. A boa situação econômica demonstra-se por meio de patrimônio, ao passo que a saúde financeira da empresa consiste na capacidade de ela adimplir as obrigações assumidas (AMORIM, 2017, p. 96).
O prazo para apresentar razões recursais é de três dias úteis (art. 165, I). Por fim, ocorrerá a homologação. Trata-se de “ato de controle pelo qual a autoridade competente – a quem incumbe a deliberação final sobre o julgamento – concorda e confirma os atos realizados pela comissão de licitação ou pelo pregoeiro” (AMORIM, 2017, p. 147).
De acordo com o art. 64, § 3º da Lei nº 14.133/21:
Após a homologação do processo licitatório, serão disponibilizados no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) e, se o órgão ou entidade responsável pela licitação entender cabível, também no sítio referido no § 2º deste artigo, os documentos elaborados na fase preparatória que porventura não tenham integrado o edital e seus anexos (BRASIL, 2021).
O art. 71 prevê:
Art. 71. Encerradas as fases de julgamento e habilitação, e exauridos os recursos administrativos, o processo licitatório será encaminhado à autoridade superior, que poderá:
I - determinar o retorno dos autos para saneamento de irregularidades; II - revogar a licitação por motivo de conveniência e oportunidade;
III - proceder à anulação da licitação, de ofício ou mediante provocação de terceiros, sempre que presente ilegalidade insanável;
IV - adjudicar o objeto e homologar a licitação (BRASIL, 2021).
Como quaisquer outros atos administrativos, a escolha que derivar do art. 71 deverá ser motivada. Havendo vícios insanáveis que conduzam à anulação do procedimento, devem ser explicitados. No que tange à possibilidade de revogação, o motivo determinante deve ser posterior ao início da licitação – devendo ser explicitado e comprovado, mais uma vez restringindo a discricionariedade administrativa.
No que diz respeito à relação entre Administração Pública e as organizações da sociedade civil, a modalidade licitatória é denominada chamamento público, conforme a Lei nº 13.019/14, com etapas e princípios semelhantes aos procedimentos regidos por outros diplomas legais. A dispensa de chamamento público está inscrita no art. 30 da Lei nº 13.019/14, que prevê quatro hipóteses em seus incisos:
I - no caso de urgência decorrente de paralisação ou iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público, pelo prazo de até cento e oitenta dias;
II - nos casos de guerra, calamidade pública, grave perturbação da ordem pública ou ameaça à paz social;
III - quando se tratar da realização de programa de proteção a pessoas ameaçadas ou em situação que possa comprometer a sua segurança;
VI - no caso de atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, saúde e assistência social, desde que executadas por organizações da sociedade civil previamente credenciadas pelo órgão gestor da respectiva política (BRASI, 2021).
Ao tratar da inexigibilidade de chamamento público (art. 31), a imposição é retirada em virtude da inviabilidade de competição entre as organizações da sociedade civil, em especial quando:
I - o objeto da parceria constituir incumbência prevista em acordo, ato ou compromisso internacional, no qual sejam indicadas as instituições que utilizarão os recursos;
II - a parceria decorrer de transferência para organização da sociedade civil que esteja autorizada em lei na qual seja identificada expressamente a entidade beneficiária, inclusive quando se tratar da subvenção prevista no inciso I do § 3º do art. 12 da Lei nº 4.320 (BRASIL, 2021).
Tanto a dispensa, quanto a inexigibilidade devem ser motivadas e tornados públicos, garantindo-se a transparência e lisura dos mesmos. Por oportuno, é de se observar que as normas pretéritas virão a ser revogadas no prazo de dois anos e enquanto isso sua vigência ocorrerá em paralelo com a nova lei, ainda que possam possuir disposições incongruentes – o que perdurará até a caducidade dos diversos instrumentos normativos que até 31/03/2021 exclusivamente versavam sobre licitações.
Ao contrário da Lei Geral de Licitações (BRASIL, 1993), por exemplo, a Lei nº 14.133/21 trata do procedimento em análise de forma mais extensa, prevendo diversas situações, da preparação, ao edital, até sua homologação. Assim, surge objetivando uma completude, unificando os regramentos até então vigentes e preparando-se para um futuro mais informatizado, aprimorando as normas, mas com potencial para engessar demasiadamente a atuação da Administração. No entanto, sabe-se, nenhuma lei é capaz de prever todas as situações jurídicas que ocorrerão, cabendo aos intérpretes e operadores do direito, sobretudo do Direito Administrativo, a observância da sua recepção no ordenamento jurídico pátrio ao longo dos próximos anos.
4.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA E DEFINIÇÃO
A origem histórica do que consideramos Entidades de Terceiro Setor remonta a Idade Média, palco das primeiras ações comunitárias, que possuíam o aspecto de obrigação religiosa (ALBUQUERQUE, 2006), ideia também mencionada por Curvelo (CURVELO, 2015) em referência a Olak e Nascimento (CURVELO, 2015, apud, OLAK E NASCIMENTO, 2012). No entanto, a maioria dos pesquisadores considera a fundação da Sociedade dos Pioneiros de Rochdale, Inglaterra, o “marco inicial do movimento corporativista” (CURVELO, 2015, p. 10). Ainda de acordo com Curvelo, sobretudo na Europa ibérica, essas entidades são genericamente chamadas de Organizações Não Governamentais (ONGs).
As Entidades de Terceiro Setor englobam pessoas jurídicas de direito privado que podem, ou não, ter algum vínculo com o poder público. As modalidades são diversas: os serviços sociais autônomos (tais como Sesi, Sesc, Senai e outras entidades do chamado sistema S); entes de apoio, a exemplo de fundações, associações e cooperativas; Organizações Sociais; Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e Organizações da Sociedade Civil, como elenca Di Pietro (DI PIETRO, 2018).
Embora as denominações sejam diversas, Di Pietro sustenta que apresentam diversos pontos em comum, sobretudo no que tange aos vínculos que podem contrair com o Estado. As similitudes seriam seis. A primeira delas é o fato de não serem criados pelo Estado, ainda que para sua instituição possam precisar de autorização legal ou alguma atuação estatal. A segunda, por sua vez, diz respeito a não desempenharem um serviço público delegado pelo Estado, via de regra, tão somente uma atividade de interesse público – o que a autora considera serviços sociais não exclusivos do Estado. O terceiro, ao seu tempo, refere-se a receberem algum incentivo do poder público, o que será mais adiante tratado. Já o quarto se trata de poderem possuir vínculos jurídicos com o poder público – é o caso quando pactuam convênios, termos de parceria e contratos de gestão, dentre outros. A quinta similitude é que, em todos os casos, o regime jurídico é de direito privado, sendo este atravessado pelo direito público quando atuam com o Poder Público. A última relevante semelhança, para Di Pietro, é que todas as Entidades de Terceiro Setor não são governamentais, sendo essencialmente privadas (DI PIETRO, 2018). Como em Albuquerque, há de se destacar: tais entidades se distinguem simultaneamente do Estado e do mercado, promovendo direitos e interesses coletivos no âmbito
na iniciativa individual ou não-estatal mediante ações voluntárias (ALBUQUERQUE, 2006).
Essas são as características que definem as Entidades do Terceiro Setor, na sua generalidade. No entanto, digna de realce é a particularidade das Organizações Sociais:
elas se substituem ao Poder Público na prestação de uma atividade que a este incumbe; elas prestam a atividade utilizando-se de bens do patrimônio público, muitas vezes contando com servidores públicos em seu quadro de pessoal, e são mantidas com recursos públicos; embora instituídas como entidades privadas, criadas por iniciativa de particulares, a sua qualificação como Organização Social constitui iniciativa do Poder Público e é feita com o objetivo específico de a elas transferir a gestão de determinado serviço público e a gestão de um patrimônio público (DI PIETRO, 2018, p. 686).
Para Di Pietro, ao possuírem vínculo jurídico com o Estado, podem ser denominadas entidades paraestatais. Em seu conceito, essa expressão é utilizada por desempenharem atividades privadas de interesse público mediante fomento e controle estatal, podendo dizer respeito às instituições declaradas de utilidade pública, às que recebem certificado de fins filantrópicos, aos serviços sociais autônomos, além de entes de apoio, Organizações Sociais, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e Organizações da Sociedade Civil.
Toda essa articulação de personagens, para Albuquerque, deriva do aumento da pobreza e proliferação de conflitos a partir da Segunda Guerra Mundial. O período, marcado por uma revolução tecnológica sem precedentes, também resultou no aumento das mazelas sociais. Nesse contexto, a atuação da sociedade civil organizada acaba por possuir uma função salutar em diversos países, podendo inclusive suprir verdadeiras demandas da população, conforme a finalidade social de cada entidade (ALBUQUERQUE, 2006).
4.2 PERSONALIDADE JURÍDICA, ORGANIZAÇÃO INTERNA E TIPOS DE RECEITA
Característica essencial das entidades de Terceiro Setor é a sua personalidade jurídica de Direito Privado, adquirida através o registro do seu Estatuto no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas competente, conforme preceituam o Código Civil e a Lei de Registros Públicos. Assim, possuem estrutura e existência institucional, sendo estas separadas do Estado, embora o auxiliem em atividades relevantes. Ademais, não visam o lucro, característica da atividade empresária. Para mais, fundamentalmente têm controle sobre seus próprios assuntos. Ou seja, ainda que atuem em parceria com o Poder Público, mantém a sua característica de autogestão, não integrando os quadros da administração direta ou indireta.
Ainda, além de serem criadas voluntariamente, suas receitas provêm de contribuições voluntárias e podem, também, receber recursos do Poder Público. Essas receitas públicas devem ser precedidas da formalização de instrumentos jurídicos específicos à modalidade da organização de Terceiro Setor.
4.3 TERCEIRO SETOR COMO GARANTIA DOS DIREITOS SOCIAIS
O estado neoliberal instaurado no Brasil a partir da década de 1980, a constituição do chamado Terceiro Setor corporifica a lógica do público não-estatal na prática e na cultura organizacional para a prestação de serviços e políticas sociais. Para Yolanda Guerra, ao colaborar com a obra de Renato de Andrade, essas funções desempenhadas amortizariam as lutas de classes, bem como excluiria o Estado como agente responsável pelas questões sociais, diminuindo o seu investimento nas políticas voltadas para essa área (ANDRADE, 2015).
A escrita de Andrade é realizada pelo ponto de vista dos Assistentes Sociais, sobretudo dos que têm as ONGs como campo de atuação, sendo por isso perceptíveis as demandas, a clientela das ONGs e as respostas dadas pelo Serviço Social (ANDRADE, 2015). Para o autor, se verifica uma ampliação do terceiro setor, com a institucionalização das entidades a ele correspondentes, que são politicamente reforçadas através do Poder Público. Ainda, afirma haver uma grande aceitação dessas organizações junto à sociedade.
A formulação de políticas sociais é um dos modos pelos quais o primeiro setor (o Estado), o segundo (o mercado) e o terceiro (sociedade civil) interagem, sendo este um fenômeno verificado no Brasil e a nível mundial. Tal política busca corrigir as falhas do sistema socioeconômico vigente, que, paradoxalmente, pauta-se nas desigualdades sociais. Por isso mesmo as ações sociais não estão concentradas nas mãos do Estado, mas também ocorrem por meio de empresas e através de outras entidades. Nesse contexto, com apoio em Gramsci, o autor sustenta que o Estado desempenha uma função integrativa, considerando a política social um instrumento de dominação na atual na presente fase do desenvolvimento capitalista. Nesse contexto, as entidades de Terceiro Setor representariam um braço das ações que competiriam ao Estado, em tempos neoliberais; ao passo que o próprio Estado seria funcional ao sistema capitalista, extraindo o consenso das classes a serem dominadas (ANDRADE, 2015).
Sendo assim, a proposta de redução estatal deposita grandes expectativas no que concerne ao desempenho das entidades de Terceiro Setor. Talvez por esse motivo a década de 1990 e anos seguintes foram marcados, no que diz respeito a essa temática, por uma expansão legislativa, permitindo até mesmo a delegação de funções ínsitas ao Poder Público, possibilitando-lhe desincumbir-se ou reduzir os encargos sociais. Dessa maneira, haveria uma proposta de substituição de papéis.
Por sua vez, Albuquerque apresenta estudo da Johns Hopkins University (Global civil society – Dimensions of the nonprofit sector), que investigou e comparou o Terceiro Setor de 22 países. Com base nessa pesquisa, elenca algumas constatações relevantes. A primeira delas é que o Terceiro Setor é maior em países considerados desenvolvidos, sendo menos evidente na América Latina e Europa Oriental. A segunda é que nos Estados Unidos o Terceiro Setor não é maior que em outros países, não gerando o maior número de empregos na área. A terceira constatação conta que os gastos do governo com questões sociais não correspondem ao tamanho do Terceiro Setor, afirmando que:
havia a crença de que, quanto maior o investimento do governo no bem-estar social, menor o terceiro setor. Isso não é verdade, uma vez que existem países desenvolvidos com um grande terceiro setor e países em desenvolvimento em que esse setor é pequeno (ALBUQUERQUE, 2006).
Por fim, afirma que o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro setor dos países estudados corresponde a US$ 1,1 trilhão, com dados de 1995. Conclui a pesquisa que o Terceiro Setor é um “continente perdido”, invisível para líderes empresariais, políticos, mídia e imprensa, bem como para a maioria dos cidadãos.
Essa conclusão apresentada contrasta com as acepções de Andrade, por certo. No entanto, ambas possuem um ponto fundamental de convergência: revelam o papel agigantado do Terceiro Setor, cuja atuação se dá em questões sociais. Por essa razão, independentemente de quais sejam as ideias pré-concebidas do observador, é inevitável reconhecer o papel das organizações não-governamentais na consecução dos direitos sociais, funcionando tais entidades como uma forma de instrumentalização dessas garantias.
4.4 ESPÉCIES DE ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR
Este trabalho visa discorrer sobre a obrigação de licitar no que concerne ao Terceiro Setor. Para isso, serão adiante detalhadas duas entidades que se alinham aos objetivos da pesquisa: as Organizações da Sociedade Civil (OSCIP) e as Organizações Sociais (OS). No entanto, para fins de contextualização, cumpre apresentar de forma sintética as demais entidades, ainda que não venham a ser objeto do capítulo final.
A Lei nº 13.019/14 se refere às entidades de Terceiro Setor como Organizações da Sociedade Civil (OSC). De acordo com o seu art. 2º, I, trata-se de:
a) entidade privada sem fins lucrativos que não distribua, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados, doadores ou terceiros eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, isenções e qualquer natureza, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva;
b) as sociedades cooperativas previstas na Lei nº 9.867, de 10 de novembro de 1999; as integradas por pessoas em situação de risco ou vulnerabilidade pessoal ou social; as alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e de geração de trabalho e renda; as voltadas para fomento, educação e capacitação de trabalhadores rurais ou capacitação de agentes de assistência técnica e extensão rural; e as capacitadas para execução de atividades ou de projetos de interesse público e de cunho social;
c) as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social distintas das destinadas a fins exclusivamente religiosos (BRASIL, 2014).
Como se vê, há uma definição genérica. Já nos dizeres de Resende, configuram-se como organizações representativas do denominado Terceiro Setor:
as formas jurídicas de direito privado, notadamente as associações e fundações, visto que as sociedades operam com fins econômicos e as organizações religiosas e os partidos políticos só se viabilizam no mundo jurídico se forem criadas na forma de associação ou de fundação. Além disso, as cooperativas, apesar do princípio de “solidariedade” que rege suas atividades, foram consideradas no Código Civil como sociedades com fins econômicos (SILVA et al., 2011, p. 45 apud RESENDE, 2006).
As acepções acerca de quais entidades integram ou não o aludido Terceiro Setor são conflitantes, mas para a escrita deste trabalho seguiremos o entendimento de Di Pietro (DI PIETRO, 2018). Além das OSC, a autora inclui nessa os Serviços Sociais Autônomos.
Para Meirelles, dizem respeito a:
todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de Direito Privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais. São entes paraestatais, de cooperação com o Poder Público, com administração e patrimônio próprios, revestindo a forma de instituições particulares convencionais (fundações, sociedades civis ou associações) ou peculiares ao desempenho de suas incumbências estatutárias (MEIRELLES, 2003, p. 362).
Trata-se das entidades integrantes do Sistema “S” (a exemplo de SENAI, SESI, SESC, dentre outros). Elas são oficializadas pelo Estado e recebem sua autorização para arrecadarem e utilizarem contribuições parafiscais – tributos recolhidos pela Receita Federal e destinados a outras entidades e fundos –, embora não integrem a Administração Pública Direta ou Indireta. Nesse caso, a atuação estatal se dá mediante o fomento das atividades desempenhadas, através do incentivo e da subvenção.
A terceira modalidade são as entidades de apoio. O termo refere-se àquelas:
instituídas por servidores públicos, porém em nome próprio, sob a forma de fundação, associação ou cooperativa, para a prestação, em caráter privado, de serviços sociais não exclusivos do Estado, mantendo vínculo jurídico com entidades da Administração Direta ou Indireta, em regra por meio de convênio (DI PIETRO, 2018, p. 693).
Por vezes, a entidade e o órgão a ser apoiado se confundem – a exemplo do próprio local de realização de atividades. Apesar disso, sua atuação se dá sob as égides das entidades
privadas, o que reitera a sua característica de desvinculação da Administração Pública. Nos tópicos seguintes deste capítulo, analisaremos mais detidamente as OSCIP e as OS, como convém ao propósito desenvolvido.
4.5 AS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO – OSCIP
Para o objetivo ao qual se destina este trabalho, cumpre delimitar a análise sobre as entidades de Terceiro Setor, o que se fará ao discorrer sobre as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP e as Organizações Sociais – OS. Primeiro, prosseguiremos à análise da organização do tipo OSCIP. Conforme ensina Di Pietro:
A denominação Organização da Sociedade Civil de Interesse Público constitui uma qualificação jurídica dada a pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de termo de parceria (DI PIETRO, 2018, p. 707).
Portanto, realiza atividade de privada com auxílio do Estado. Tal amparo se dá após a qualificação da entidade, mediante outorga do título de utilidade pública. Conforme o art. 1º, caput, da Lei nº 9.790/14:
Podem qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos que tenham sido constituídas e se encontrem em funcionamento regular há, no mínimo, 3 (três) anos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei (BRASIL, 2014).
Havendo o cumprimento desses requisitos, é ato administrativo vinculado a outorga da qualificação de OSCIP à entidade que os preencher, mediante a entrega do título de utilidade pública – venha ou não a firmar parcerias com o Poder Público. Para receber recursos públicos, o instrumento definido na Lei nº 9.790/14 é o termo de parceria, disciplinado a partir do art. 9º. Referida Lei, de observância obrigatória pela União, versa sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, bem como institui e disciplina o Termo de Parceria, e dá outras providências. Para a qualificação, a entidade deverá ser necessariamente ser sem fins lucrativos,
conforme já enuncia o art. 1º, vindo o § 1º para definir:
Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social (BRASI, 2014).
Já o art. 2º afirma que as sociedades comerciais, sindicatos, associações de classe ou de representação de categoria profissional; instituições religiosas ou aquelas voltadas à disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais; as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações; entidades de benefício mútuo destinadas a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; as entidades e empresas que comercializam planos de saúde e assemelhados; as instituições hospitalares privadas não gratuitas e suas mantenedoras; as escolas privadas dedicadas ao ensino formal não gratuito e suas mantenedoras; as organizações sociais; as cooperativas; as fundações públicas; as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas; por fim, as organizações creditícias que tenham qualquer vínculo com o sistema financeiro nacional, com referência no art. 192 da Constituição Federal – inclui-se, aí, as cooperativas de crédito (BRASI, 2014). É digno de realce: ainda que alguma das entidades acima elencadas não possua fins lucrativos, por expressa disposição legal estará excluída da abrangência da citada lei.
Segundo o art. 3º, por sua vez, a entidade deve atuar em ao menos uma das seguintes áreas: assistência social; promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; promoção gratuita da educação ou da saúde; promoção da segurança alimentar e nutricional; defesa, preservação e conservação do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação, não lucrativa, de novos modelos socioprodutivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; além de estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, produção e divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas no referido artigo (BRASI, 2014).
Já de acordo com o art. 4º, seus estatutos devem conter, expressamente:
I - a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e da eficiência;
II - a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório;
III - a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade;
V - a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio líquido será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social da extinta;
V - a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída por esta Lei, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos durante o período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social;
VI - a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente a sua área de atuação (BRASI, 2014).
O inciso VII, por fim, disciplinam as normas de prestação de contas que deverão ser observadas pela instituição. Observados os citados requisitos, poderão pleitear perante o Ministério da Justiça a sua qualificação (art. 5º). Em parceria com a Administração pública, a atividade desta será apenas de fomento às atividades desenvolvidas pela pessoa jurídica de Direito Privado. Não ocorre a delegação de serviços públicos, como é o caso das Organizações Sociais.
No que diz respeito à licitação, afirma Di Pietro em sua obra de 2018:
Para que a Oscip celebre contratos com terceiros, o Decreto nº 5.504, de 5- 8-05 (somente aplicável à esfera federal), exige que as entidades qualificadas como Oscip, relativamente aos recursos por elas administrados, oriundos de repasses da União, realizem licitação para obras, compras, serviços e alienações (art. 1º). No caso de aquisição de bens e serviços comuns, o mesmo dispositivo impõe a modalidade de pregão, preferencialmente na forma eletrônica. Contudo, o Decreto nº 6.170, de 4-4- 07 (com alterações posteriores), de forma implícita, alterou parcialmente o Decreto anterior, pois passou a exigir, para a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União, apenas a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato (DI PIETRO, 2018, p. 711).
Quanto aos Municípios e Estados, a observância da lei ora comentada nunca foi obrigatória, pois todos os entes federativos possuem competência, nesse caso concorrente, para versar a respeito deste tema.
4.5.1 Título de utilidade pública
Nessa etapa do trabalho, cumpre detalhar informações acerca do título de utilidade pública. As entidades paraestatais, aqui genericamente consideradas, sintetizam todas as entidades integrantes do chamado Terceiro Setor que tenham vínculo com o poder público. Isso abrange as declaradas de utilidade pública, as que recebem certificado de fins filantrópicos, os serviços sociais autônomos (SESI, SESC, SENAI dentre outros), os entes de apoio, as Organizações Sociais, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e as Organizações da Sociedade Civil.
As entidades de Terceiro Setor podem contar com o incentivo do poder público, o que se dá com a outorga de um título (o de utilidade pública, por exemplo), através do qual poderão contar com auxílios e subvenções provenientes do orçamento do Estado, cessão de servidores públicos e outorga para utilização de bens públicos.
A Lei nº 9.790/99 dispõe a respeito da qualificação de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), bem como disciplina o Termo e Parceria, que poderá ser pactuado entre esta e o Poder Público (BRASIL, 1999). Para que esse instrumento possa ser realizado, à entidade privada deverá ser outorgada a qualificação como uma das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. A outorga é ato administrativo vinculado aos requisitos autorizativos, bem como aos elementos de exclusão instituídos pela referida lei – e independe da futura formalização de parceria com o poder público.
O título de utilidade pública pode ser de origem estadual ou federal. O primeiro deles deve ser requerido perante a Câmara Municipal, que emitirá em seu diário oficial o reconhecimento de determinada instituição como de utilidade pública. Na esfera federal, por sua vez, a base legal vigente é o Decreto nº 50.517/61. A entidade deverá requerer a qualificação ao/à Presidente da República, encaminhando-o ao Ministério da Justiça. Ou seja, ante a presença dos requisitos necessários, a entidade receberá um reconhecimento na modalidade do título de utilidade pública, ao que seguirá a sua qualificação. Esta permite que, futuramente, a instituição sem fins lucrativos e com interesse social possa formalizar Termo de Parceria e, com isso, ter suas atividades fomentadas pelo Estado.
As Organizações Sociais são disciplinadas, no âmbito federal, pela Lei nº 9.637/98 e, embora sejam consideradas entidades de Terceiro Setor, possuem significativas diferenças quando comparadas com as demais entidades. Di Pietro conceitua o termo “organização social” como “qualificação jurídica dada a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por iniciativa de particulares, e que recebe delegação do Poder Público, mediante contrato de gestão, para desempenhar serviço público de natureza social” (DI PIETRO, 2018, p. 699).
Segundo o art. 5º da Lei nº 9.637/98, esse contrato é:
o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no artigo 1º (BRASIL, 1998).
Quais sejam, ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde. Tal instrumento deve definir as metas a serem cumpridas pela Organização Social; a forma de fomento pelo Poder Público; o programa de trabalho; prazos de execução; critérios de avaliação de desempenho, dentre outros elementos referentes ao desenrolar das atividades.
Ao outorgar tal título, o Poder Público objetiva descentralizar a atuação estatal mediante fomento às atividades de pessoa jurídica de direito privado – precisamente, serviço público com natureza social – através da delegação de determinada atividade.
Reúnem as seguintes características no âmbito federal, conforme Di Pietro: natureza jurídica de direito privado; ausência de finalidade lucrativa; é criada por particulares; deve haver habilitação perante a Administração Pública para obter a qualificação – após a qual será declarada como “entidade de interesse social e utilidade pública”; pode atuar nas áreas de ensino, saúde, desenvolvimento tecnológico, pesquisa científica, cultura, proteção e preservação do meio ambiente; o órgão de deliberação superior da OS deve ter representantes do Poder Público e da comunidade; a OS e o Poder Público pactuam um contrato de gestão; a execução do contrato será supervisionada por órgão ou entidade correspondente à área fomentada; o supervisor deverá cientificar o Tribunal de Contas da União acerca da irregularidade na utilização de recursos públicos, sob pena de responsabilização; havendo má utilização dos recursos públicos, o órgão fiscalizador deverá representar ao representar ao Ministério Público, à Advocacia Geral da União ou à Procuradoria da OS; o fomento poderá compreender a destinação de recursos e bens necessários ao cumprimento do contrato, mediante permissão de uso, com dispensa de licitação, cessão de servidores públicos, dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços pactuados ente as partes; por fim, a entidade poderá ser desqualificada como organização social se descumprir normas do contrato de gestão (DI PIETRO, 2018).
No que toca a licitação, a citada Lei não prevê a utilização do procedimento licitatório, mas determina a publicação de um regulamento próprio para contratações e compras que utilizes recursos oriundos do Poder Público, reconhecendo que a OS possui personalidade jurídica de direito privada não se trata de órgão público, embora realize função pública e tenha fomento da Administração Pública – se o fosse, estaria obrigada a licitar. Quanto à seleção da OS a ser contratada, por sua vez, o STF, por meio da ADIN nº 1923/DF, compreendeu que não há obrigatoriedade de licitar (BRASIL, 2015).
Essas são as linhas gerais a serem traçadas a respeito das Organizações Sociais e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, cujas possibilidades de fiscalização serão adiante discutidas.
5.O TERCEIRO SETOR EM PARCERIA COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O Terceiro Setor compreende entidades com personalidade jurídica de direito privado, característica oposta à dos entes federativos, regidos pelo direito público. Apesar dessa distinção, tais instituições privadas prestam serviço de natureza pública e social, podendo receber fomento financeiro, utilizar bens públicos e o trabalho de servidores públicos para a consecução das suas finalidades, embora não integrem a estrutura da Administração Pública. Nessa senda, surgem dois questionamentos que exigem respostas detalhadas. O primeiro deles: quais são os instrumentos jurídicos aptos a formalizar as parcerias entre o Terceiro Setor e o Poder Público?
Como segundo questionamento, parte-se dos pressupostos de que a licitação exprime o cumprimento de princípios ínsitos à Administração Pública, quando da utilização de recursos, bem como instituições privadas recebem verbas encaminhadas pelo Estado. Diante dessa interseção entre direito público e direito privado, estariam as Entidades de Terceiro Setor obrigadas a licitar? É o que nos propusemos a responder.
5.1 INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE FORMALIZAÇÃO DE PARCERIAS ENTRE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E O TERCEIRO SETOR
Instituições privadas podem realizar atividades que são de incumbência do Estado e para isso podem receber diversos fomentos – capital, bens móveis e imóveis, designação de mão de obra oriundos do Poder Público. Para tanto, como é essencial às entidades de direito público, deve-se observar o princípio da legalidade. Este determina que tais repasses devem ser precedidos da formalização de instrumentos jurídicos designados em lei com entidades qualificadas para tanto. A esse respeito, Carvalho Neto afirma que os títulos jurídicos, nomenclatura genericamente atribuída aos certificados, títulos e qualificações outorgados pela Administração Pública sintetizam o reconhecimento pelo trabalho social desenvolvido pela entidade, diferenciando-a na concessão de benefícios. Após a titulação jurídica, a entidade está apta a formalizar parcerias com a Administração Pública (CARVALHO NETO, 2007).
A Lei nº 13.019/2014 traz relevantes definições acerca de três instrumentos jurídicos.
A princípio, anuncia em seu art. 2º, III que a parceria é um:
Conjunto de direitos, responsabilidades e obrigações decorrentes de relação jurídica estabelecida formalmente entre a administração pública e organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco, mediante a execução de atividade ou de projeto expressos em termos de colaboração, em termos de fomento ou em acordos de cooperação (BRASIL, 2014).
Em seguida, passa tratar dos instrumentos jurídicos em si ali previstos. Informa que termo de colaboração é:
Instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco propostas pela administração pública que envolvam a transferência de recursos financeiros (BRASIL, 2014).
Já o termo de fomento trata-se de:
Instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco propostas pelas organizações da sociedade civil, que envolvam a transferência de recursos financeiros (BRASIL, 2014).
Por fim, acordo de cooperação trata-se de:
Instrumento por meio do qual são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com organizações da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco que não envolvam a transferência de recursos financeiros (BRASIL, 2014).
Como se vê, por não envolverem repasse de verbas, os acordos de cooperação não serão objeto de análise deste capítulo, somente as duas primeiras modalidades. A primeira delas, o termo de colaboração, representa parceria proposta por iniciativa Administração Pública. O termo de fomento, por sua vez, espelha a parceria proposta por entidade privada.
Em ambos os casos, a referida Lei enuncia como obrigatória a ocorrência de chamamento público, que se destina a selecionar organização da sociedade civil que firmará termo de colaboração ou fomento, em procedimento que garanta a observância de princípios característicos da Administração Pública: moralidade, legalidade, isonomia, impessoalidade, publicidade, igualdade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo, dentre outros. Tanto para a seleção, quanto para o monitoramento e avaliação das parcerias, deve-se observar tais princípios, com a publicação na imprensa oficial e participação de ao menos um servidor público estável, inclusive.
No que tange às entidades qualificadas como Organizações Sociais, prioritariamente deve-se aplicar a Lei nº 9.637/98, pactuando-se um contrato de gestão. O art. 5º da referida lei o define como “instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no art. 1º” (BRASIL, 1998).
Para a sua elaboração, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e economicidade; bem como deve-se especificar o programa de trabalho proposto pela organização social, estipular-se limites e critérios para a remuneração e vantagens destinadas aos empregados e dirigentes das organizações sociais; além disso, autoridades supervisoras poderão determinar demais cláusulas.
Quanto às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), a Lei nº 9.790/99 institui o termo de parceria. Seu art. 9º o caracteriza como:
instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3° desta Lei (BRASIL, 1999).
A sua celebração, requer prévia consulta aos Conselhos de Políticas Públicas das correspondentes áreas. O instrumento deve conter, essencialmente, cláusula a respeito do objeto, contendo a especificação do trabalho proposto pela OSCIP; estipulação de metas, resultados e prazos; por fim, a previsão de critérios objetivos para a avaliação de desempenho.
Em suma, a legislação brasileira prevê uma modalidade de parceria que não acarreta transferência de recursos, qual seja, o termo de cooperação. De outro lado, prevê quatro instrumentos de formalização de parcerias que possuem como elemento característico o repasse de verbas: termo de colaboração, termo de fomento, contrato de gestão e termo de parceria, cuja celebração e execução deve ser orientada pelos princípios que regem a Administração Pública.
Os três primeiros tipos são destinados às Organizações da Sociedade Civil. O quarto, por sua vez, é aplicável às Organizações Sociais. O último, por fim, às OSCIP’s.
5.2 A INEGIXIBILIDADE DE LICITAÇÃO PARA O TERCEIRO SETOR
O Direito Administrativo atravessa as entidades integrantes do Terceiro Setor quando ocorre o repasse de insumos pelo Poder Público. Além disso, tais instituições devem observar princípios e regras oriundas do direito público quando da utilização de recursos públicos – sobretudo a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Diante desse cenário, questionou-se a exigibilidade ou não do procedimento licitatório no emprego dos recursos destinados às entidades de Terceiro Setor, visto que a natureza e destinação desses permanecem públicas. Uma vez que a Lei nº 8.666/93 somente menciona os órgãos da administração, fundos especiais, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pelas unidades federativas do país como submissos à Lei de Licitações, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi provocado a se manifestar para a pacificação da controvérsia.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.923/DF foi proposta no ano de 1998 e julgada em 16 de abril de 2015. Foi proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) com o objetivo de declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 9.637/98, conhecida como Lei das Organizações Sociais. Os autores da ADI afirmavam que os serviços públicos de saúde, educação, acesso à ciência, proteção ao meio ambiente e patrimônio histórico deveriam ser prestados exclusivamente pelo Estado, sem delegação a atores privados. Também se questionou a constitucionalidade da dispensa de licitação às OS, tendo em vista a utilização de verbas públicas. Embora o questionamento formulado dissesse respeito apenas à Lei das Organizações Sociais, o tema possui uma maior abrangência, refletindo-se nas diversas organizações da sociedade civil.
O primeiro aspecto do acórdão, reconheceu-se a necessidade de observância dos princípios da Administração Pública no emprego da discricionariedade administrativa. Dessa forma, a qualificação de entidades deve obedecer a parâmetros estritos, tais como impessoalidade, moralidade e publicidade, o que a torna constitucional, pois possibilita a controle dos atos do poder público.
O STF também pacificou a controvérsia em torno da natureza jurídica dos contratos de gestão: tratam-se de convênios, tendo em vista os interesses convergentes entre o Poder Público e as OS. Essa decisão se coaduna com a previsão constante na Lei nº 8.666/93, artigo 24, XXIV, que prevê a dispensa de licitação para a celebração de contratos com Organizações Sociais, no que concerne às atividades contempladas no contrato de gestão.
Nesse sentido, o Acórdão nº 3.239/2013, do Tribunal de Contas da União, já recomendava a realização de chamamento público para a realização de parcerias com as OS – instrumento não previsto na Lei das OS. Como se vê, o STF reiterou a constitucionalidade da dispensa de licitação para firmar parcerias, mas determina que se observem critérios para tal, por meio do chamamento público.
No que tange ao dever de licitar, por parte das Organizações Sociais, consagrou-se a incompatibilidade do procedimento com a entidade de direito privado – tal compreensão, por analogia, se entende às OSCIP’s. O Supremo Tribunal Federal entendeu que tais entidades devem observar regras próprias para suas contratações, utilizando as dotações públicas tendo em vista a objetividade e impessoalidade.
No voto condutor do julgamento, o Ministro Luiz Fux assevera:
Isso significa que as Organizações Sociais não estão sujeitas às regras formais dos incisos do art. 37, de que seria exemplo a regra da licitação, mas sim apenas à observância do núcleo essencial dos princípios definidos no caput. Essa incidência dos princípios administrativos deve ser compatibilizada com as características mais flexíveis do setor privado, que constituem justamente a finalidade por detrás de todo o marco regulatório do Terceiro Setor, porquanto fiado na premissa de que determinadas atividades podem ser mais eficientemente desempenhadas sob as vestes do regime de direito privado. Assim, a conciliação desses vetores leva justamente ao que dispõe o art. 4º, VIII, da Lei nº 9.637/98, segundo o qual o Conselho de Administração da OS deve “aprovar por maioria, no mínimo, de dois terços de seus membros, o regulamento próprio contendo os procedimentos que deve adotar para a contratação de obras, serviços, compras e alienações e o plano de cargos, salários e benefícios dos empregados da entidade” (BRASIL, 2015, p.78).
Dessa forma, tais organizações podem agir com mais flexibilidade, pois não obrigatoriamente se submetem à Lei de Licitações. No entanto, ao receber fomento dos entes federativos, deverão apresentar critérios técnicos e objetivos para suas contratações – seja de bens, seja de pessoal –, editando um regulamento próprio que observe princípios como a publicidade, moralidade, legalidade, impessoalidade e eficiência.
A Advocacia Geral da União e a Consultoria Geral da União em seu Departamento de Coordenação e Orientação de Órgãos Jurídicos – Decor, na 3° edição do Ementário em 2017 que tem como função elencar precedentes, consolidar entendimentos das normas constitucionais e infraconstitucionais, bem como, da celeridade e uniformidade as demandas administrativas e judiciais, traz:
Organizações sociais. Lei nº 9.637/98. Necessidade de licitar imposta pelo decreto nº 5.504/2005. Ilegalidade. Regulamento próprio para a contratação de bens e serviços previsto em lei. Aplicação das regras do art. 11 do decreto nº 6.170/2007.
I – Por conta da presunção de constitucionalidade das normas jurídicas, ratificada, in casu, pelo indeferimento de medida cautelar requerida na Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 1923/DF, os arts. 4.º, VIII, e 17 da Lei Nº 9.637/98 vigem plenamente e estipulam que as organizações sociais devem observar seus regulamentos próprios ao contratar com terceiros, consistindo tal previsão legal em exceção válida ao princípio licitatório, nos termos do inciso XXI do art. 37 da Constituição da República.
II – O Decreto Nº 5.504/2005 é absolutamente incompatível com os arts. 4.º, VIII, e 17 da Lei Nº 9.637/98, não sendo, assim, aplicável às organizações sociais.
III – O art. 11 do Decreto Nº 6.170/2007, por outro lado, é aplicável às organizações sociais e determina a observância de princípios essenciais no trato dos recursos públicos quando da produção do regulamento específico relativo à contratação de bens e serviços pelas organizações sociais.
IV– A tese firmada no Acórdão Nº 601/2007 – 1.ª Câmara e repetida no Acórdão Nº 2.569/2011 – 2.ª Câmara do Tribunal de Contas da União merece ser revista. V – Nos termos dos arts. 70 e 71 da Constituição de 1988, é inafastável o controle a ser exercido pelo Tribunal de Contas da União sobre as contas das organizações sociais que recebem recursos federais. ( )
Empresa pública ou sociedade de economia mista que exerça atividade econômica não se enquadra como órgão ou entidade que integra a administração pública, para os fins de dispensa de licitação com fundamento no inc. VIII do art. 24 da lei no 8.666, de 1993. Orientação normativa n. 13, de 01/04/2009 (BRASIL, 2017, p.9-18).
Percebe-se que as decisões vêm acompanhando a ideia de criação inicial do Terceiro Setor, que é o não engessamento do Estado e a desburocratização da prestação de serviços a coletividade, que o Estado pode executar de forma indireta seus serviços públicos e fiscalizar a prestação de contas, flexibilizando o modelo que é gerido os recursos públicos, ofertando fomento na execução dessas determinadas atividades resultando em celeridade e eficiência no resultado final, que é a resolutividade no atendimento ao cidadão.
O Tribunal de Contas da União (TCU), em julgamento TC 029.423/2013-9, recurso de reconsideração em prestação de contas da Associação Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada, votou através de seu relator Raimundo Carreiro, pela inaplicabilidade do decreto nº 5.504/2005 às organizações sociais, com as seguintes considerações:
De fato, não deve ser exigido das Organizações Sociais — que não são integrantes da Administração Pública, e, portanto, não são destinatárias da obrigatoriedade de licitar, segundo a conceituação que se extrai da Constituição Federal (art. 22, inciso XXVII, e art. 37, inciso XXI) — a submissão às mesmíssimas regras aplicáveis à Administração Direita e Indireta, sobretudo porque tais organizações do setor privado devem gozar de maior flexibilidade em suas aquisições (compras e contratação de obras e serviços), o que não ocorreria com a sujeição aos estritos procedimentos previstos na Lei nº 8.666/93 ou na Lei nº 10.520/2002, mais formais e menos céleres.”(...)“Esse projeto pretendia e ainda almeja a modernização do modelo de Estado vigente, sendo que o Poder Público transfere a execução dos serviços públicos não exclusivos, a exemplo das pesquisas operadas pelo recorrente, aos entes privados. Fomenta-se o executor, por meio de incentivos e até transferência de recursos públicos, pessoal e flexibilidade nas contratações, em troca do controle de resultados (BRASIL, 2015).
E, conclui que:
Diante das análises realizadas, evidencia-se que as Organizações Sociais não se submetem às normas licitatórias aplicáveis ao Poder Público, devendo as suas contratações com terceiros — com previsão de dispêndios com suporte em verbas públicas – observar o que tiver sido disposto em regulamento próprio, que deve, isso sim, ser orientado pelo núcleo essencial dos princípios da Administração Pública referidos no art. 37, caput, da Constituição Federal, compatibilizando-se, dessa forma, a incidência dos princípios administrativos com as atributos mais flexíveis inerentes ao regime de direito privado. Diante do exposto, acompanho as propostas uniformes exaradas nos autos e Voto por que o Tribunal adote o Acórdão que ora submeto à deliberação deste Colegiado (BRASIL, 2015).
O dever de prestar contas do recurso público recebido permanece, fiscalizado por controles internos e externos como veremos a seguir, o que se confirma através das informações supracitadas é que para a aquisição de bens e serviços com a finalidade de execução dos serviços públicos não exclusivos prestados pelas pessoas jurídicas distintas dos entes federativos que compõe o Terceiro Setor, não é necessário licitação. Contudo, tem obrigação de estar em consonância com os princípios centrais da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).
6.FISCALIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR
Apesar da inexigibilidade de licitar, pelo Terceiro Setor, deve ocorrer a fiscalização da aplicação dos recursos públicos repassados a essas entidades com mecanismos de controle interno e externo. Aqui, discutiremos acerca de dois instrumentos de controle interno – aquele realizado pelo próprio órgão, tenha personalidade de direito público ou privado; e três dispositivos de controle externo, realizado por figuras extrínsecas à parceria.
a) Fiscalização pelo órgão concedente
A primeira modalidade de controle a ser mencionada é de controle interno: a fiscalização pelo órgão concedente. O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, regulamentado pela Lei nº 13.019/14, trouxe em seu art. 8º a obrigatoriedade de observância da capacidade operacional da Administração Pública no cumprimento das responsabilidades advindas das parcerias celebradas, no que se inclui o poder fiscalizador.
Luciano Chaves de Farias, em seu artigo “Celebração de convênios com o Terceiro Setor condicionada à capacidade de fiscalização do órgão repassador”, publicado pela Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, no ano de 2016, pontua que a fiscalização dos convênios com o Terceiro Setor pode ser deficiente, onerando os contratos pactuados entre essas entidades e terceiros, trazendo prejuízos para o Poder Público e para a coletividade. Como instrumento fiscalizador, o referido autor propõe que:
A Administração Pública, seja federal, estadual ou municipal, atente para tal situação no momento da celebração de convênios com instituições privadas. A entidade repassadora tem de primar sempre pela fiscalização dos recursos públicos, procurando em todas as situações cumprir com o objeto estabelecido no convênio, de forma satisfatória, dando cumprimento à finalidade social e ao interesse público, em conformidade com os princípios constitucionais e com as regras legais (FARIAS, 2016, p. 112).
Entende Farias que os convênios requerem, em tese, um maior controle do que os contratos administrativos, pois naqueles inexiste correlação direta entre o cumprimento de obrigações, pelos participantes. Isso por que:
As verbas repassadas por meio de convênios não têm a natureza de preço ou remuneração que uma das partes paga à outra em troca do benefício recebido. Dessa diferença, tem-se um natural consequência: no contrato, a Administração paga uma remuneração em troca de uma obra, um serviço, um projeto, um bem de que o Estado necessita e que será incorporado ao patrimônio público; já o valor pago será incorporado ao patrimônio do contratado (FARIAS, 2016, p. 113).
Nesse cenário os repasses perdem a natureza pública, de forma que o interesse do ente público se limita ao adimplemento contratual. Em oposição, o numerário recebido mediante convênio fica vinculado a um objeto ou finalidade específica, de interesse público. Assim, a sua natureza não se modifica, do que decorre uma maior necessidade de controle. Dessa maneira:
A ratio essendi para o dever de fiscalização, por parte do concedente, reside, decerto, no fato de que ele é o órgão que transfere aos convenentes os recursos alocados em sua dotação orçamentária, a fim de melhor viabilizar a execução de determinada obra, serviço, projeto ou atividade. Em outras palavras, cabe ao órgão concedente zelar pela regularidade de utilização dos recursos transferidos ao convenente, visando garantir que o objeto almejado será executado da forma ajustada (FARIAS, 2016, p. 113).
Nessa senda, o autor menciona a Portaria Interministerial MF/MP/CGU n. 507/2011 e o art. 10, § 6º, do Decreto-Lei n. 200/1967, ambos conduzindo à necessidade de fiscalização dos projetos pelo órgão concedente. Essa forma de controle possibilita a diminuição das irregularidades na celebração, execução e prestação de contas dos convênios.
b) Conselho Fiscal
Segunda espécie de controle interno se materializa na presença de um Conselho Fiscal. O órgão é previsto pela Lei de Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76), mas pode ser instituído em favor de qualquer pessoa jurídica de direito privado. A equipe deve ser formada por membros com atuação independente, através da qual poderão observar os administradores no cumprimento de princípios como a ética e a transparência, além de opinar sobre as contas e movimentação financeira. Possui, também, função de controle, assegurando a consecução de objetivos e a correta alocação de recursos, conferindo confiabilidade aos processos de gestão.
Se criado, seu papel será eminentemente fiscalizador, sendo independente da Diretoria e do Conselho de Administração de determinada entidade, apesar de poder integrar a estrutura organizativa da mesma. Essa instância pode promover de forma eficaz a defesa dos interesses da própria entidade e dos recursos públicos por ela utilizados. Por isso, é uma das formas de controle interno passíveis de implementação para o supervisionamento das entidades do Terceiro Setor.
a) Tribunais de Contas
No que alcança o controle externo, o primeiro mecanismo é a fiscalização empreendida pelos Tribunais de Contas. Isso porque as OS e OSCIP’s recebem recursos e realizam atividades de interesse público, razão da qual decorre a necessidade de prestar contas à competente Corte.
A Constituição Federal, em seu art. 70, parágrafo único, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, determina que deverá prestar contas:
qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (BRASIL, 1988).
Nesse ínterim, cumpre salientar que as atividades de controle realizadas pelos Tribunais de Contas têm como destino o Poder Legislativo, como decorrência do poder fiscalizador que lhe é atribuído pelo art. 70, caput da Constituição Federal. De acordo com Farias, a dicção da Constituição Federal é no sentido de que “o executor do convênio é visto como alguém que administra dinheiro público e, como tal, está obrigado a prestar contas não só ao ente repassador da verba, mas também ao Tribunal de Contas” (FARIAS, 2016, p. 113). A nível infraconstitucional, o art. 8º, § 1o da Lei nº 9.637/98 (Lei das Organizações
Sociais) estabelece o dever de prestar contas em cada exercício financeiro. Por sua vez, o art. 9º aponta a competência do Tribunal de Contas da União para fiscalizar a formulação e execução do contrato, bem como apurar irregularidades ou ilegalidades na utilização de recursos e bens públicos da União (BRASIL, 1998). Já a Lei nº 9.790/99, também conhecida como lei das OSCIP’s, institui o dever de apresentar prestação de contas no art. 10, V, com referência ao Tribunal de Contas em seu art. 12.
Elisabeth Couto Falcão afirma que, além dos elementos financeiro, orçamentário e patrimonial, a competência dos Tribunais de Contas abrange outros ensejos (FALCÃO, 2007). Quanto às OSCIP’s, em razão da discricionariedade presente na outorga de tal titulação, o Tribunal de Contas atua para verificar se a concessão do título jurídico seguiu os ditames legais, bem como para constatar a observância dos princípios ínsitos à administração pública, tais como moralidade e impessoalidade. Quanto à própria formalização do contrato de gestão ou termo de parceria, a atuação da Corte tem como escopo “examinar o conteúdo dos referidos ajustes e a justificativa para a sua celebração, assim como o conteúdo do plano de trabalho das entidades, onde devem constar as informações suficientes para a execução do projeto” (FALCÃO, 2007, p. 64-65).
Na execução do pacto, a atuação ocorre “por meio de auditorias, para verificar a utilização dos recursos públicos e, com especial atenção, para proceder ao controle dos resultados, que devem guardar consonância com o interesse público” (FALCÃO, 2007, p. 65). Além das auditorias, outros procedimentos, tais como a apuração de denúncias e representações, podem ser realizados pelos Tribunais de Contas.
A respeito da metodologia a ser adotada para o processo de controle, a autora propõe o procedimento aventado pelo Tribunal de Contas do Distrito Federal em 2004. O roteiro deve objetivar oito ações: avaliar a legalidade da parceria realizada com Organizações Sociais ou OSCIP’s; avaliar a fidedignidade dos dados apresentados para demonstrar a execução das metas; avaliar o cumprimento dos objetivos e metas pactuadas, valendo-se de indicadores de desempenho previamente definidos; avaliar se os referidos indicadores são suficientes para demonstrar o cumprimento das metas; avaliar se as metas propostas condizem com a capacidade da entidade executora; avaliar a observância de princípios essenciais à administração pública; avaliar a atuação do órgão supervisor; avaliar se os objetivos e metas atendem as demandas da sociedade; tecer conclusões sobre a eficácia, eficiência, economicidade, qualidade e efetividade do desempenho do órgão executor das atividades (FALCÃO, 2007).
b) Ministério Público
Uma das funções precípuas do Ministério Público, consoante informa da Constituição Federal em seu art. 127, é a defesa dos interesses sociais indisponíveis. Estes compreendem, dentre outros, a saúde, educação, trabalho, alimentação, proteção à maternidade e à infância – os chamados direitos sociais, a exemplo do disposto a partir do art. 6º da Carta Magna (BRASIL,1998). Dessa forma, a missão institucional é a garantir a implementação e cumprimento desses direitos. Nesse sentido, diversas legislações a respeito do Terceiro Setor atribuem ao Ministério Público um poder fiscalizador, como o art. 66 do Código Civil que aponta: velará pelas fundações o Ministério Público do Estado onde situadas.
Os promotores/curadores de fundações exercem o trabalho de fiscalização, principalmente através da verificação da prestação de contas realizada pela fundação. A normatização desses procedimentos varia de Estado para Estado, dependendo de portarias expedidas pelo procurador geral dos ministérios públicos do Estado. A quase totalidade das unidades da federação adotam o Sistema Coletor dos Dados e Informações (Sicap), instrumento pelo qual as fundações e as unidades de interesse social prestam contas ao Ministério Público. Com relação as associações, o Ministério Público pode apurar as irregularidades em suas gestões, por meio de inquéritos civis públicos (SZAZI, 2005, p.34).
c) Controle Social
O controle da sociedade executado com o Terceiro Setor abrange não somente a fiscalização sobre o gerenciamento de recursos oriundos do Estado, como também se há prestação dos serviços e se estes atendem os requisitos pactuados na sua implementação, qualquer pessoa civilmente capaz está apta para denunciar os desvios e inconstâncias cometidas pelas entidades em questão. Esse controle da sociedade goza de validade legislativa.
Sobre a participação da comunidade em organizações sociais, Castro e Prado argumenta que: O órgão colegiado de deliberação superior das organizações sociais deve abarcar em sua composição membros da comunidade, de notória capacidade profissional e idoneidade moral (art. 2Q, I, d, da Lei n. 9.637/98 e art. 29, I, c/da LC/SP n. 846/98) (CASTRO e PRADO, 2007, p. 27-28). Todavia, estes membros da comunidade serão eleitos pelos demais integrantes do Conselho, que serão ou representantes do Poder Público ou membros da própria associação.
O Estado não está apenas deslocando parte dos serviços a serem executados aproximando setores públicos e privados, está encurtando o distanciamento entre o governo e a população, por intermédio do poder de fiscalização, essa reformulação na administração resulta mais empoderamento ao cidadão com seu exercício social que tem acesso as informações pertinentes a gestão.
Houve, portanto, uma profunda modificação na relação público/privada o que exigiu o mesmo grau de alteração no controle da sociedade sobre esta nova relação. Já não se verificava uma relação estanque e separada entre Estado e sociedade, tendo o ordenamento jurídico progressivamente incorporado a intersecção em muitas áreas de forma a valorizar a cidadania e a responsabilização (CASTRO e PADRO, 2007, p.26).
Com apoio em Carlos Vasconcelos Domingues, Falcão elenca tipos de auditoria que configuram um controle social. A primeira:
visa à otimização dos recursos e permite ao controle externo aferir os resultados dos programas dessas entidades e o seu impacto na sociedade, mediante o exame da conveniência e oportunidade das ações sociais ali desenvolvidas (FALCÃO, 2007, p. 66).
Paralelamente, a segunda “resulta da linha evolutiva da auditoria integrada e compreende, além desta, a auditoria social, a qual, por seu turno, desdobra-se em três vertentes: ecologia, ética e equidade” (FALCÃO, 2007, idem). Esta compreende, respectivamente, a avaliação de impacto ambiental do projeto, a subsunção à ética do serviço público e evitar o tratamento diferenciado a grupos da sociedade, na execução das atividades. Afirma-se, também, que o controle externo poderá adotar procedimentos auditorias mais ousados e ajustados à natureza dessas organizações, exemplificando, dentre esses novos métodos, as auditorias de impacto socioeconômico e de imagem, que se direcionam à avaliação dos resultados.
Ao longo da monografia procuramos discutir a exigência de licitação para as entidades do Terceiro Setor que recebem recursos públicos, ou seja, da Administração Pública. O Terceiro Setor é caracterizado como um conjunto de entidades de personalidade jurídica de direito privado, diferente do Estado (pessoa jurídica de direito público) e que apesar de prestar serviços de natureza pública e social não fazem parte da estrutura da Administração Pública. Assim sendo, evidenciamos no decorrer do trabalho que essas entidades não são obrigadas a licitar, somente a respeitar os preceitos constitucionais e realizar sua prestação de contas aos órgãos responsáveis. Essas entidades de regime privado, não se submetem a Lei de Licitações, ao receber o fomento, por exemplo, da União, deverão seguir os princípios basilares como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Conforme apontamos no trabalho, o Direito Administrativo disciplina uma série de regras jurídicas relativas à organização, o funcionamento e a atuação do poder do Estado. De tal modo, a Administração Pública, fundamenta-se a partir de um conjunto de princípios elencados de maneira expressa na Constituição Federal, a saber, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Entretanto, o rol não é limitado, como demonstramos a partir dos renomados doutrinadores citados, além dos princípios expressos há uma série de outros implícitos sobre os primeiros e que oferecem sustentação teórica e conceitual ao Direito Administrativo no que concerne sua incidência e regramento sobre a Administração Pública (direta e indireta).
O procedimento licitatório constitui regra dentro do Direito Público, abrangendo tanto os entes da Administração Direta (União, Estado, Distrito Federal e Municípios), como Indireta (fundações públicas, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista). Os negócios relativos a Administração Pública no tange a contração de terceiros com fim a execução de atividade ou serviço implica num procedimento de seleção propostas relevantes, com critérios claros e objetivos conhecidos pelos interessados.
A finalidade do procedimento licitatório é discutida entre os doutrinadores, contudo, podemos destacar entre os objetivos e fundamentos a garantia da moralidade administrativa, o desenvolvimento sustentável, a condição de igualdade entre os concorrentes e a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública. A propósito, como apontamos, na legislação brasileira foi introduzida uma nova Lei de Licitações, nº 14.133, de 1 de abril de 2021, substituindo as normas anteriores e inaugurando novos dispositivos, modalidades e regramentos no que concerne os procedimentos licitatórios.
O chamado Terceiro Setor forma hoje um campo abrangente de um conjunto de entidades com diversas designações, tais instituições podem ou não ter relações ou contratos com o poder público, porém, partilham em comum algumas características, como constituírem pessoas jurídicas de direito privado; não são criadas e nem executam serviços públicos delegados pelo Estado; podem tem vínculos (a exemplo de convênios, termos de parceria e contratos de gestão) e receber recursos ou incentivos do poder público; não são entidades governamentais, portanto, essencialmente privadas. Tais entidades tem se destacado no contexto atual a partir do trabalho com políticas sociais, funcionamento como instituições responsáveis por promover ações e direitos sociais em caráter complementar a atuação não exclusiva do Estado.
No que diz respeito as entidades de Terceiro Setor na relação com Administração Pública, quando acontece o uso de recursos do Estado, observamos que ela ocorre por meio de instrumentos jurídicos específicos, sendo eles: o termo de colaboração (proposta elaboradora pela Administração Pública), o termo de fomento (parceria proposta por entidade privada), contrato de gestão e termo de parceria. Contudo, qualquer que seja o tipo de instrumento aplicado a legislação reza que deve ser realizado de maneira obrigatória o processo de chamamento público e observado os princípios constitucionais que regem a Administração Pública.
Quanto ao questionamento da exigibilidade ou não do procedimento licitatório para as entidades de Terceiro Setor, constatou com a pesquisa bibliografia que tais organizações podem atuar com mais flexibilidade, já que não devem obrigatoriamente ser enquadradas a Lei de Licitações, de acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal em resposta a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1.923/DF e do Tribunal de Contas da União em julgamento TC 029.423/2013-9. Ademais, vale ressaltar a necessidade da prestação de conta dos recursos recebidos e o papel fiscalizador dos órgãos de controle internos e externos.
Embora para o Terceiro Setor ocorra a inexigibilidade de licitar, o recebimento de recursos públicos pelas entidades implica na ação de fiscalização pelos mecanismos de controle interno, e externo, previstos no ordenamento jurídico. Os instrumentos de controle interno podem ser constituídos pela fiscalização do órgão concedente ou pelo Conselho Fiscal da entidade quando criado. Por outro lado, existem os dispositivos e instituições de controle externo, que compreendem: Tribunais de Contas, Poder Legislativo, Ministério Público e o controle social que pode ser exercido por qualquer cidadão por meio da representação de denúncia de irregularidades ou pela participação popular de pessoa qualificada no conselho fiscalizador da entidade.
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Graduação em Direito pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina - PE (FACAPE).Pós Graduação em Direito Público pela Universidade Estácio de Sá
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CORREIA, Lanna Carine Dantas Ferreira. Aplicação da obrigação de licitar para entidades do terceiro setor que recebem recursos públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2022, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59178/aplicao-da-obrigao-de-licitar-para-entidades-do-terceiro-setor-que-recebem-recursos-pblicos. Acesso em: 22 nov 2024.
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