WALTER MULLER[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo fora desenvolvido com o objetivo de abordar a infiltração virtual de agentes, modalidade de investigação que já encontrava previsão legal na Lei nº 11.343/06 (Lei de Drogas) e na Lei nº 12.850/13 (Lei de Organizações Criminosas), e passou a ser aplicada aos crimes cometidos contra o público infantojuvenil com a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 13.441/2017). O referido método investigativo excepcional e sigiloso se presta para a colheita de indícios de autoria e materialidade hábeis a justificar o início do processo penal e, ato contínuo, punir os responsáveis pelos atos criminosos, garantir maior proteção às vítimas incapazes, bem como reduzir a ocorrência dos crimes cibernéticos praticados contra esses alvos. Para a efetiva obtenção de provas, no entanto, é necessário que a polícia infiltrada seja munida com tecnologia de qualidade, que sejam observados quais crimes autorizam a infiltração virtual de agentes e que não sejam extrapolados os limites da infiltração. Durante o estudo, além dos requisitos, também serão expostas as suas vantagens, características e a relevância para a preservação da dignidade sexual das crianças e adolescentes. Para a elaboração da pesquisa foram utilizadas fontes bibliográficas atuais e qualificativas, além de consultas a sites e artigos publicados na internet.
Palavras-chave: Infiltração virtual de agentes. Dignidade sexual de crianças ou adolescentes. Lei nº 13.441/2017.
ABSTRACT: This article was developed with the objective of approaching the virtual infiltration of agents, an investigation modality that already found legal provision in Law No. started to be applied to crimes committed against children and adolescents after the amendment of the Child and Adolescent Statute (Law nº 13.441/2017). The aforementioned exceptional and confidential investigative method lends itself to the collection of evidence of authorship and materiality capable of justifying the initiation of criminal proceedings and, subsequently, punishing those responsible for criminal acts, guaranteeing greater protection for incapable victims, as well as reducing the occurrence cybercrime with these targets. In order to effectively obtain evidence, however, it is necessary for the undercover police to be equipped with quality technology, to observe which crimes authorize the virtual infiltration of agents and not to go beyond the limits of infiltration. During the study, in addition to the requirements, its advantages, characteristics and relevance for the healthy growth of children will also be exposed. For the elaboration of the research, current and qualifying bibliographic sources were used, in addition to consultations with websites and articles published on the internet.
Keywords: Virtual agent infiltration. Sexual dignity of children or adolescents. Law No. 13.441/2017.
1.INTRODUÇÃO
Não há dúvida de que nos últimos anos a tecnologia passou a fazer parte do cotidiano das pessoas de todo o mundo, notadamente no que se refere ao acesso à internet. A rede é utilizada para o trabalho, relacionamentos, lazer, comunicação, além de ser uma grande fonte de conhecimento.
Com tanto a oferecer, a internet também passou a ser incluída à rotina das crianças, que desde os primeiros anos de vida têm tido acesso aos celulares e computadores, muitas vezes sem a fiscalização dos responsáveis quanto aos conteúdos/sites/redes sociais pertinentes à maturidade da criança ou adolescente.
Este cenário de desatenção dos pais, somado ao acesso irrestrito da internet e à ingenuidade dos jovens, acabou por propiciar o palco perfeito para a ocorrência de crimes cibernéticos envolvendo o público infantojuvenil, tais como: pedofilia, estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia e favorecimento da prostituição de criança ou adolescente ou de vulnerável.
Com o crescimento gradativo dos crimes dessa espécie, o legislador entendeu por bem alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente para inserir, por meio da Lei Federal nº 13.441 de 08 de maio de 2017, a figura do agente infiltrado na modalidade virtual. Esta medida excepcional de investigação se presta para a colheita de indícios de autoria e materialidade do crime, provas necessárias para justificar o início do processo penal.
A finalidade desse procedimento é o combate e/ou a redução dos casos de abusos sexuais comumente iniciados ou totalmente praticados no meio virtual, com a consequente extensão da proteção conferida às crianças e adolescentes no ambiente tecnológico. Contudo, para que a infiltração alcance o sucesso, é imprescindível que se atente ao procedimento legal, a fim de que as provas obtidas sejam válidas, e que sejam observados os requisitos formais (existência de indícios de autoria e participação, impossibilidade de obtenção da prova por outros meios e autorização judicial) e os requisitos informais (tecnologia de qualidade e agentes qualificados), fatores que serão analisados durante o estudo do tema.
Assim, com base em pesquisas bibliográficas em livros, códigos, artigos e ferramentas disponíveis na Internet, o presente artigo tem como objetivo discutir e abordar a infiltração virtual de agentes, esclarecendo a sua origem, suas vantagens e requisitos à luz da Lei nº 13.441/2017, visando a repressão dos crimes desta espécie, em prol do desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes.
2.A EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
Durante o período da idade média, as crianças eram tratadas pela sociedade como adultos em miniatura, serviam meramente como mão-de-obra, trabalhavam nos mesmos locais que os mais velhos, vestiam as mesmas roupas e executavam os mesmos serviços - o que os diferenciava era tão somente o tamanho e a força física.
Eis que no decorrer do século XVII, com a criação das igrejas e a perpetuação de seu ideal de que as crianças se assemelhavam aos anjos pela inocência e pureza, a sociedade passou a reconhecer algumas diferenças entre as crianças e os adultos, bem como começou a se preocupar com a sua criação e construção moral, dando início à sua escolarização.
A partir do século XVIII, a sociedade já começou a tratar as crianças de acordo com as suas particularidades, garantindo-lhes um quarto apartado em suas casas, alimentação específica para a idade, etc. As famílias começaram a despertar sentimentos afetuosos com as crianças, acreditando que a infância era fase de orientá-las e educá-las.
Até que, no final do século XX, os direitos das crianças foram não apenas reconhecidos socialmente, mas solidificados por meio da promulgação de leis específicas prevendo garantias e deveres das crianças e seus responsáveis. A primeira disposição legal em prol das crianças surgiu no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, que prevê que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Posteriormente, foi promulgado o Decreto nº 99.710/90, que aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança e a colocou em vigor no Brasil em 23 de outubro de 1990. Por fim, foi promulgada a Lei nº 8.069/1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Todos esses avanços históricos e legislativos foram imprescindíveis para maior proteção das crianças e adolescentes (indivíduos frágeis e carecedores de maior atenção e cuidados), sobretudo para que aqueles que ameaçassem ou violassem seus direitos fossem devidamente punidos. Entretanto, com o aumento desenfreado do acesso dos menores à rede de internet e, consequentemente, dos crimes cibernéticos envolvendo o público infantojuvenil, os diplomas legais existentes tornaram-se insuficientes para a persecução penal dos crimes desta natureza, dando ensejo à implementação de um novo método investigativo para combater as investidas dos criminosos no meio virtual, denominado “Infiltração virtual de agentes”.
3.CONCEITO LEGAL DA INFILTRAÇÃO VIRTUAL DE AGENTES
A infiltração virtual de agentes nada mais é do que um método excepcional e subsidiário de investigação, dependente de prévia autorização judicial em conjunto com a oitiva do Ministério Público, por meio do qual um policial é inserido no ambiente criminoso de forma dissimulada (com dados ocultos) e sigilosa, enquanto se passa por um integrante, com o objetivo de colher elementos e provas suficientes para o início do processo legal.
A técnica também conhecida como undercover agent, já encontrava previsão legal na Lei de Drogas e na Lei nº 12.850/13 (Organização Criminosa), mas com a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), passou a ser aplicada também a alguns dos crimes cometidos contra o público infantojuvenil.
A Lei nº 13.441/2017, de que trata este artigo, trouxe consigo o rol de crimes que podem ser investigados por meio da infiltração virtual, mais especificamente no artigo 190-A: “A infiltração de agentes de polícia na internet com o fim de investigar os crimes previstos nos arts. 240, 241, 241-A, 241-B, 241-C e 241-D desta Lei e nos arts. 154-A, 217-A, 218, 218-A e 218-B do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).”.
Daí decorre que os seguintes crimes permitem a infiltração judicial: 1) Produzir, filmar, registrar etc. cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (art. 240 do ECA); 2) Vender vídeo que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (art. 241 do ECA); 3) Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir etc. fotografia ou vídeo que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (art. 241-A do ECA); 4) Adquirir, possuir ou armazenar fotografia ou vídeo que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente (art. 241-B do ECA); 5) Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração de fotografia ou vídeo (art. 241-C do ECA); 6) Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso (art. 241-D do ECA); 7) Invadir dispositivo informático alheio (art. 154-A do CP); 8) Estupro de vulnerável (art. 217-A do CP); 9) Corrupção de menores (art. 218 do CP); 10) Satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A do CP); 11) Favorecimento da prostituição de criança, adolescente ou vulnerável (art. 218-B do CP).
4.AGENTE PROVOCADOR OU FISHING EXPEDITION
Vale ressaltar, por oportuno, que na infiltração virtual de agentes o policial investigador não pode, por exemplo, ocultar sua verdadeira identidade e apresentar-se em redes sociais simulando ser uma vítima em potencial, enquanto incita pessoas aleatoriamente à prática de algum dos crimes mencionados no artigo 190-A da Lei nº 13.441/2017. Primeiro porque, conforme já abordado anteriormente, o policial infiltrado deve agir como um dos criminosos, lubridiando-os sobre a sua identidade real, a fim de obter confiança e informações confidenciais sobre um crime já praticado. Caso não tenha alvo específico e inicie uma busca especulativa sobre a ocorrência de um crime desconhecido, estará praticando o que se denomina fishing expedition. Segundo porque o policial que atua sem ter em vista um determinado suspeito, com a intenção de induzir terceiros a praticarem crimes, age como “provocador”, o que configura crime impossível.
A fishing expedition, que pode ser traduzida como pescaria probatória, é a prática de vasculhar informações inerentes à intimidade e vida privada de um indivíduo, em patente violação de seus direitos fundamentais e extrapolação dos limites constitucionais, visando pescar provas de crimes desconhecidos, hábeis a subsidiar uma eventual acusação. E é justamente pela incerteza da ocorrência de ato ilícito que o ordenamento jurídico veda tal meio de obtenção de prova.
O termo se refere à incerteza própria das expedições de pesca, em que não se sabe, antecipadamente, se haverá peixe, nem os espécimes que podem ser fisgados, muito menos a quantidade, mas se tem "convicção" (o agente não tem provas, mas tem convicção). Com o uso de tecnologia (Processo Penal 4.0), cada vez mais se obtém a prova por meios escusos (especialmente em unidades de inteligência e/ou investigações paralelas, todas fora do controle e das regras democráticas), requentando-se os "elementos obtidos às escuras" por meio de investigações de origem duvidosa, "encontro fortuito" dissimulado ou, ainda, por "denúncias anônimas fakes". (ALEXANDRE MORAIS DA ROSA, 2021).
Já o agente provocador é aquele que, embora não queira o resultado, incita a prática de um crime, atuando como um induzidor, despertando uma vontade, preexistente ou não, do indivíduo em praticar um crime para, posteriormente, prendê-lo ou acusá-lo. Tal conduta, no entanto, não pode ser adotada pelo policial infiltrado, que deve agir apenas passivamente, como um observador privilegiado de crime já praticado, enquanto reúne informações, sob pena de extrapolar os limites investigativos.
O agente infiltrado deve, por definição, manter-se como observador privilegiado, não cabendo a ele tomar parte de qualquer ação delituosa. Não se ignora que, por vezes, durante a infiltração, o agente possa vir a participar ou até mesmo provocar a comissão de um delito. Mas, nesse caso, ele estaria extrapolando o objetivo da sua atividade. (FRAGOSO, 2006).
Em suma, o agente infiltrado deve agir nos estritos limites da autorização judicial, não podendo iniciar uma pescaria probatória, tampouco agir como agente provocador. Caso contrário, o policial estará extrapolando sua função e eventual prova obtida durante a investigação poderá ser considerada ilícita, assim como as derivadas dela (Teoria dos frutos da árvore envenenada).
5.VANTAGENS DA INFILTRAÇÃO VIRTUAL
A infiltração virtual foi inserida ao Estatuto da Criança e do Adolescente para a repressão de crimes envolvendo o público infantojuvenil e tem algumas vantagens sobre a infiltração presencial (espécie comum).
A primeira e mais relevante vantagem é segurança do infiltrado. Como na infiltração virtual o infiltrado pode ocultar a sua identidade e se manter geologicamente distante dos investigados, é óbvio que a sua integridade física está sob menor risco.
Além disso, a infiltração virtual deve ser realizada de forma sigilosa, de forma que até a sua conclusão apenas o juiz responsável pela autorização da medida, o Delegado de Polícia presidente do inquérito e o Ministério Público podem ter acesso às informações constantes dos autos. Com essa cautela, fica resguardada não apenas a identidade do agente infiltrado, mas também a intimidade da vítima (que muitas vezes é exposta por meio de imagens e textos, cuja exposição pode causar diversos danos para si e para seus familiares).
Não obstante, diferentemente da infiltração presencial, a infiltração virtual não é uma faculdade conferida ao policial, logo, nesta espécie de investigação não é necessário que o agente concorde com o procedimento e também não cabe a ele recusar ou fazer cessar a infiltração.
A infiltração na modalidade virtual veio para acompanhar o avanço da criminalidade, garantindo um novo meio de obtenção de prova para, consequentemente, impedir o avanço dos crimes cibernéticos cometidos contra crianças e adolescentes.
Saliente-se que esta não é uma vantagem exclusiva deste público-alvo, uma vez que a novidade implica em evolução para o Direito como um todo.
6.REQUISITOS
6.1 REQUISITOS FORMAIS
São os requisitos previstos na legislação vigente, notadamente na Lei nº 13.441/2017.
6.1.1 Indícios de autoria e participação
O inciso II, do artigo 190-A, da Lei nº 13.441/2017, demonstra que para a infiltração virtual é necessário que se tenha indícios de autoria ou participação, ou seja, do fumus commissi delicti.
E assim o é porque o texto legal exige o nome ou apelido da pessoa investigada, bem como prevê que a infiltração deve ser decretada de forma subsidiária, o que indica que a infiltração deve ter um alvo específico ou ao menos um suspeito.
Muito embora essa condição pareça, num primeiro momento, contraditória, já que uma das finalidades do procedimento de infiltração é justamente a obtenção da qualificação do suspeito, fato é que disposição em contrário implicaria na criação de um “estado de vigilância”, em detrimento dos direitos humanos como o da privacidade, intimidade e segurança dos indivíduos.
6.1.2 Impossibilidade de se obter a prova por outros meios
O parágrafo terceiro do artigo 190-A, da Lei nº 13.441/2017 também é claro ao estabelecer que: “A infiltração de agentes de polícia na internet não será admitida se a prova puder ser obtida por outros meios.”.
Portanto, antes de se realizar a infiltração virtual, cujo caráter é de ultima ratio, é necessário que esta medida específica se mostre imprescindível e que sejam esgotadas as outras possíveis técnicas investigativas menos gravosas e invasivas.
Consigne-se que também é possível que a infiltração seja associada a outras formas de investigação, cabendo ao Poder Judiciário a autorização do emprego de outras técnicas, como por exemplo, a quebra de sigilo de dados telemáticos.
6.1.3 Prévia autorização judicial
Conforme já salientado anteriormente, o inciso I, do artigo 190-A, da Lei nº 13.441/2017 reza que a infiltração judicial deve ser precedida de autorização judicial circunstanciada e fundamentada, a qual deverá estabelecer os limites da investigação, após a oitiva do Ministério Público.
6.2 Requisitos informais
Como o próprio nome indica, são os requisitos que, embora não estejam expressamente previstos na legislação vigente, se mostram imprescindíveis para que a investigação apresente resultados satisfatórios.
6.2.1 Tecnologia de alta qualidade
Para que a infiltração seja bem-sucedida, é evidente que os policiais devem ter em mãos as ferramentas necessárias para realizar o procedimento da forma mais célere e eficiente possível.
Isso significa que os agentes devem ter acesso à tecnologia de ponta (computadores e celulares de qualidade, internet com alta velocidade, programas/aplicativos que auxiliem na investigação, monitoração, contato com os demais policiais etc.).
6.2.2 Agentes qualificados
Não obstante, em se tratando de infiltração virtual, ainda mais importante do que capacitação física, é que o profissional habilitado seja um expert na área da informática/ciência da computação, para que saiba aplicar os recursos tecnológicos a ele conferidos.
Embora pareça óbvio, é sabido que a maior preocupação dos policiais em geral é o aprimoramento físico e, por essa razão, não há um número considerável de profissionais que se especializaram na área informatica.
Isso significa que, por mais eficiente que seja a infiltração virtual, sua realização é muito limitada pela quantidade de requisitos do procedimento e insuficiência de policiais capacitados.
7.DURAÇÃO
De acordo com o inciso III, do artigo 190-A, da Lei nº 13.441, o prazo de duração da infiltração virtual de agentes de polícia para a investigação de crimes contra a dignidade sexual de crianças e de adolescentes é de noventa dias, com a possibilidade de se admitir mais sete renovações, desde que comprovadamente necessárias, observando-se que o total não pode exceder setecentos e vinte dias.
Contudo, o estabelecimento de prazo máximo para a conclusão da investigação não parece correto quando se leva em consideração o tempo demandado para conquistar a confiança do investigado, sobretudo porque as pessoas que praticam crimes cibernéticos estão cada vez mais atentas às investigações, o que dificulta o estabelecimento de vínculos sólidos o suficiente para a coleta de elementos.
Ainda sobre os prazos, o artigo 190-A prevê que ao após noventa dias e, eventualmente, a cada renovação, devem ser apresentados relatórios parciais, todavia, o juiz e o Ministério Público poderão requisitar relatórios parciais antes mesmo da conclusão desse prazo.
8.LEGITIMIDADE
Segundo o artigo 190-A, inciso II, da Lei nº 13.441/2017, a infiltração de agentes deve ser requerida pelo Ministério Público ou pelo Delegado de Polícia, através de representação.
E a referida disposição legal está em absoluta conformidade com o procedimento, já que dentre as atribuições do Ministério Público está justamente o dever de estabelecer a verdade dos fatos para, posteriormente, munido das provas, propor a ação penal. E o mesmo vale para o Delegado de Polícia que, na condição de presidente do inquérito policial, é o mais apto a verificar qual é o policial mais habilitado e se a infiltração virtual de agentes se mostrará ou não eficaz para o caso.
Já para a execução de fato da infiltração, o artigo 190-A considerou legitimados os “agentes de polícia”, deixando sabiamente em evidência a exclusão de agentes de inteligência, membros do Ministério Público e Particulares.
Por outro lado, o termo genérico utilizado pode levar à interpretação de que são legitimados os policiais militares, policiais rodoviários, policiais ferroviários, guardas municipais, o que se mostra equivocado.
Isso porque, de acordo com o artigo 144 da Constituição Federal, para a atuação como agentes infiltrados, são legítimos apenas os policiais civis e federais, os quais são autorizados por lei para apurar infrações penais em razão da atribuição legal investigativa.
9.RESPONSABILIDADE PENAL DO AGENTE INFILTRADO
É claro que o policial que oculta a sua identidade para se infiltrar virtualmente não incorre nos crimes de falsidade documental ou ideológica, haja vista que a conduta típica praticada é essencial para que o agente possa manter a sua identidade fictícia e obter êxito na colheita das provas.
Isso ocorre porque a conduta, embora criminalmente típica, foi consumada sob o manto da excludente de ilicitude e/ou culpabilidade, que pode se dar em quatro hipóteses. A primeira seria uma causa de exclusão de culpabilidade por inexigibilidade de conuduta diversa, já que o policial poderia comprometer a finalidade da infiltração caso decidisse não participar do crime. A segunda seria exclusão da culpabilidade por obediência hierárquica não manifestamente ilegal, já que, conforme esclarecido anteriormente, a participação não é facultada ao policial. A terceira seria uma causa de exclusão da ilicitude por estrito cumprimento do dever legal, já que a investigação é inerente ao seu dever. E a quarta seria atipicidade penal da conduta, seja por ausência de dolo do agente, seja por ausência de imputação objetiva.
Entretanto, caso o agente deixe de observar os limites da finalidade da investigação, poderá responder pelo excesso, conforme disposto no artigo 190-C da Lei nº 13.441.
Exemplifica-se a desproporcionalidade na investigação que poderia caracterizar excesso:
Dessa forma, com a finalidade de identificar determinado criminoso e de comprovar que se trata de alguém que armazena e transmite imagens pornográficas de crianças e adolescentes para posteriormente submetê-los a prostituição ou outra forma de exploração sexual, o agente infiltrado pode receber tais imagens, pode armazená-las para posteriormente juntá-las ao relatório da investigação, como também pode transmiti-las caso seja necessário para não dispersar a confiança dos criminosos investigados. O mesmo pode ser dito de produções pornográficas envolvendo crianças e adolescentes: se o agente policial registra, com finalidade probatória, algo que está sendo transmitido via internet não há crime de sua parte. Se, no entanto, o agente infiltrado, além de lidar com essas imagens, decidir encontrar uma criança ou um adolescente com a finalidade de praticar atos libidinosos, ainda que sob o pretexto da investigação, parece óbvia a caracterização do excesso punível (CUNHA e PINTO, 2017. P.[não paginado]).
10.CONCLUSÃO
Com o passar dos anos e a evolução da sociedade, a concepção que se tinha sobre a infância foi alterada drasticamente, de tal sorte que as crianças e adolescentes adquiriram diversos direitos garantidos por leis.
De outro lado, é fato público e notório que a criminalidade acompanhou a evolução sociológica e tecnológica, passando a existir não só no plano físico, mas também no ambiente virtual, com todos os tipos de alvos.
Infelizmente, as crianças e adolescentes que nasceram nesta geração, embora sabidamente frágeis e dignas de maior atenção e proteção, são adeptas à tecnologia desde muito cedo e, por consequência, acabam virando alvos fáceis de crimes praticados na internet, sobretudo porque não são devidamente fiscalizadas pelos seus responsáveis.
Assim, a fim se de preservar a dignidade sexual dos menores incapazes, o direito teve que se adequar e evoluir para que os criminosos da internet não passassem impunes, visando formas de encontrá-los, identificá-los e impedi-los de prosseguir com as condutas, principalmente quando praticadas contra crianças e adolescentes.
Para tanto, foi instituída a figura do agente infiltrado, com a função de colher indícios de autoria e materialidade dos crimes cibernéticos. O instituto foi inserido na Lei nº 13.441/2017 e, mesmo sendo recente, tem se mostrado um meio eficaz de obtenção de provas. Ocorre que, conforme abordado durante o estudo, são vários os requisitos para que a infiltração virtual seja bem-sucedida, que dependem de formalidades legais, da contribuição do Poder Judiciário, de acesso à tecnologia de qualidade, além de profissionais qualificados para a função. Caso contrário, o procedimento pode expor em risco não só o agente, mas também eventuais vítimas envolvidas.
Embora pareça inviável num primeiro momento, é possível afirmar seguramente que, com a observância de todos estes pressupostos, o número de crimes cometidos contra o público infanto juvenil será reduzido drasticamente, o que contribuirá para o desenvolvimento saudável das crianças e adolescentes, devidamente preservados de possíveis abalos físicos e psíquicos decorrentes de crimes iniciados ou totalmente praticados no meio virtual.
Essa inovação tende a propiciar um futuro repleto de adultos confiantes, tolerantes e comunicativos, sem traumas de uma infância marcada pela violência.
REFERÊNCIAS
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Graduanda do curso de Direito do Centro Universitário de Santa Fé do Sul, UNIFUNEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FUTIGAMI, Mayene Hashimoto. Infiltração virtual de agentes: extensão do método investigativo aos crimes cometidos contra a dignidade sexual das crianças e adolescentes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 set 2022, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59191/infiltrao-virtual-de-agentes-extenso-do-mtodo-investigativo-aos-crimes-cometidos-contra-a-dignidade-sexual-das-crianas-e-adolescentes. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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