RESUMO: O presenta artigo aborda os delineamentos derivados da Análise Econômica do Direito, particularmente no que diz respeito à propriedade, conceito caro ao instituto jurídico clássico, proporcionando uma breve visão caleidoscópica obtida através deste especial enfoque. Transversalmente, a narrativa basilar apresentada é extraída de conceitos conceitos-chaves próprios do âmbito de pesquisas da AED, acerca dos quais são lançadas luzes sobre o conceito de propriedade (direito da), possibilitando desta forma que a partir dessas leituras seja possível compreender a profundidade e complexidade dessas novas matizes acerca da propriedade, erigidas sob a égide conceitual da análise econômica do direito. Dentre os diversos pontos correlatos ao tema, apresentaremos breve introdução ao Teorema de Coase, cujo ponto de partida é suficiente a demonstrar que a amplitude da compreensão do direito com o estudo do direito da propriedade no âmbito da análise econômica do direito. Os assim chamados Custos de Transação e o Teorema Normativo de Hobbes também serão apresentados em sede de breve introdução para estudos futuros.
Palavras-chave: Direito e Análise Econômica do Direito. Propriedade. Teorema de Coase. Custos de Transação. Teorema Normativo de Hobbes.
Abstract: This article approaches the outlines derived from the Economic Analysis of Law, particularly with regard to property, a concept dear to the classical legal institute, providing a brief kaleidoscopic view obtained through this special focus. Across the board, the basic narrative presented is extracted from key concepts of the AED research scope, on which light is shed on the concept of property (right of), thus enabling that from these readings it is possible to understand the depth and complexity of these new nuances about property, erected under the conceptual aegis of the economic analysis of law. Among the various points related to the theme, we will present a brief introduction to Coase's Theorem, whose starting point is sufficient to demonstrate that the breadth of understanding of law with the study of property law in the context of economic analysis of law. The so-called Transaction Costs and Hobbes' Normative Theorem will also be presented as a brief introduction for future studies.
Keywords: Law and Economic Analysis of Law. Property. Coase Theorem. Transaction Costs. Hobbes Normative Theorem.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2 DIREITO DA PROPRIEDADE E ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES; 2.1 Sobre alguns aspectos da propriedade: do titular único; 2.2 Dos titulares múltiplos; 2.3 A delimitação do direito da propriedade; 3 INTRODUÇÃO E DELINEAMENTOS SOBRE O TEOREMA DE COASE; 3.1 Consequências do teorema nos custos de transação; 3.2 Os custos de transação; 3.3 Os custos de transação e a bifurcação dos Teoremas Normativos (Coase X Hobbes); 4. CONCLUSÃO.
1. Introdução
O objeto deste trabalho encontra-se inserido no âmbito dos estudos dos institutos do direito, no entanto com os aspectos, valores e especificidades derivados da Análise Econômica do Direito.
Essas aproximações de conceitos, conquanto iniciais e delineadas em síntese de narrativas topológicas, pretende acenar para formulações iniciais atinentes ao direito de propriedade sob as lentes das Análise Econômica do Direito, delineando desta forma alguns pressupostos básicos de estudos relacionados a este importantíssimo instituto do direito que a todos diz respeito: a propriedade.
Todavia, na atualizada há uma tendencia do conceito de propriedade sofrer alterações, haja visto que nenhum direito é absoluto ou imutável, deste modo, o presente estudo visa demonstrar que existem relevantes aspectos econômicos intrínsecos e extrínsecos na propriedade, que devem ser ponderados quando do seu exercício, pois caso não sejam observados podem prejudicar este direito fundamental.
Sob esta perspectiva, abordaremos preliminarmente aquilo que em AED diz-se custos de transação concomitantemente ao assim chamado Teorema de Coase, finalizando com uma breve introdução ao Teorema Normativo de Hobbes.
2. DIREITO DA PROPRIEDADE E ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO: PRIMEIRAS APROXIMAÇÕES
Dentre as diversas matizes da AED existe uma importante área dedicada ao estudo da sistemática de atribuições de propriedade sobre dados bens específicos. Trata-se de um olhar atento desta especializada vertente analítica pela compreensão do funcionamento acerca da distribuição e troca dos direitos de propriedade e da eficácia, ou não, acerca da destinação eficaz, tanto quanto possível, de recursos através do mercado (PORTO; GAROUPA, 2020. p. 165).
A correlação deste estudo com o conceito jurídico de propriedade, entendida aqui como “o conjunto de direitos que estabelece o que os indivíduos podem ou não fazer com os recursos que possuem” (ULEN; COOTER, 2010, p.92).
Para BRUGGER (1962, p. 426) a propriedade é um poder jurídico de disposição de uma coisa (direito de propriedade) mas também é mais, é o direito de usar, gozar e dispor da coisa e, ainda, de reivindicá-la de quem injustamente a detenha (PEREIRA, p. 165), à semelhança do dispositivo que encontramos no Código Civil Brasileiro em seu artigo 1.228 - “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”.
Partindo da moderna doutrina civilista que atribui um conteúdo social ao direito de propriedade, oriundo sobretudo do art. 5º e seus incisos XXII a XXXI da Constituição Federal, especialmente em seu amplo aspecto, classicamente conhecido como direito de sucessão, direito autoral e o direito de propriedade imaterial, entre outras coisas.
Essa virada específica, ocorrida com a Carta de 1988, viria a romper com os outrora vetores patriarcais e individualistas, dando forte conotação a uma voz democrática que viria a assegurar, a partir deste ponto a inviolabilidade do direito à propriedade bem como a garantia do direito de propriedade, que se tornaria o desde então princípio fundamental, o melhor do seu gênero no âmbito da atividade econômica (PORTO; GAROUPA, 2020:166).
Tal adjetivação a um status já por natureza constitucional alçou o tema a uma relevância importantíssima no sistema brasileiro, cujo caráter preferencial tem feito frente a toda uma gama de circunstâncias de ordem econômica, tais como imunizações específicas a determinados tipos de propriedade (a pequena propriedade rural), determinado favorecimentos e/ou abrandamentos regulativos do Estado frente face às médias e pequenas propriedades rurais (desde que produtivas), i.e., desde que mantidas a regularidade e manutenção dessas características basilares, dentre outros direitos de propriedade que caminharam nesta mesma direção (PORTO; GAROUPA, 2020, p. 166-167).
Diante desse quadro, não levaria muito tempo até que se passasse a existir uma forte e contemporânea tendência marcada pelo intervencionismo solidário, onde uma determinação pré-função (a função socioeconômico-ambiental) deveria ser estritamente observada, sob pena de intervenção Estatal na propriedade do indivíduo, inclusive aquelas utilizações caracterizadas pelo dolo em detrimento de terceiros prejudicados, cujos dispositivos legais possuem o condão de restringir o direito da propriedade.
Neste sentido, lecionam os professores Antônio Maristrello Porto e Nuno Garoupa (PORTO; GAROUPA: 2020, p. 167), que o conteúdo propriamente jurídico do direito à propriedade passou a se traduzir, ao que denominam de poder-dever, pois além do poder de exercer seus poderes como proprietário, seu titular é submetido ao regramento constitucional que formata a ideia contemporânea de propriedade.
A título de exemplo temos alocado na Constituição Federal de 1988, especificamente no inciso XXII do artigo 5º, a previsão como um direito fundamental, da função social da propriedade, inserido logo após ao direito de propriedade, isto é, ambos são considerados como direitos fundamentais, devendo coexistirem harmonicamente e nos casos em que sejam conflitantes devem ser relativizados.
Não se pode olvidar da “Lei de Colisão, um dos clássicos ensinamentos do professor Robert Alexy, que aborda a colisão de princípios fundamentais, onde na sua existência alega que um deles deve ceder frente ao outro, dependendo diretamente da dimensão e do peso entre cada um, sendo o resultado uma variável, de acordo com o caso concreto (ALEXY, 2002, p. 51).
Desta forma, o direito à propriedade encontra limitações jurídicas, como a satisfação das finalidades econômicas e sociais, como também a que se preserve o meio ambiente, por isso, sem deixar de ser privada, a propriedade passa a ser avaliada em conformidade com o interesse público e, mais do que isto, utilidade econômica. (PORTO: GAROUPA, 2020, pag. 176).
Doutro lado, quer a teoria econômica do direito, ao afastar-se de qualquer intenção de definir o significado da propriedade, demonstrar sua nobreza ao buscar prever antes os efeitos daquelas normas relacionadas ao direito de propriedade, particularmente sob o aspecto da sua eficiência e, tanto quanto possível, de sua respectiva distribuição.
Essa compreensão, de cunho basilar, tornar-se-á, portanto, o ponto de partida para que a teoria econômica passe a propor e a reivindicar a elaboração de um sistema de direitos de propriedade, por assim dizer, clear (PORTO: GAROUPA: 2020, p. 168).
Justamente, e a partir desse ponto de partida é que a teoria econômica, ao mesmo tempo em que reivindica, se propõe à elaboração de um conjunto metódico de princípios interdependentes próprios aos direitos de propriedade e que sejam, acima de tudo, claros e específicos, inclusive que reúnam condições para estimular as permutas ditas voluntárias e que, ainda mais, respectivos direitos ali correlacionados sejam atribuídos àqueles que derem maior valor ao objeto de sua troca, quer dizer, àqueles que melhor valorizarem em razão de um forte desejo de obtenção do bem e em razão de uma melhor capacidade de pagamento por este mesmo bem (PORTO; GAROUPA, 2020, p. 168).
Sob este aspecto, temos que a ideia norteadora (guiding idea) é obter a compreensão de como uma definição dos direitos de propriedade pode afetar o comportamento (behavior) dos assim chamados agentes econômicos, de maneira tal que uma eventual ausência de “recompensas razoáveis” resultaria num abandono de determinada atividade e, ato contínuo, o consequente esvaziamento quantitativo e qualitativo desta mesma e hipotética atividade principal.
Desse modo, forçosa a conclusão de que a inexistência de uma função jurídica limita a função econômica, sendo certa e verdadeira a afirmação de que a função jurídica age como amplificação da função econômica (PORTO. GAROUPA, 2020, p. 168).
Ora, na literatura econômica são distinguidos dois significados para a conhecida expressão “direitos de propriedade”, sob um dado ponto de vista, a familiar expressão, cara aos civilistas, designa a habilidade de fruição da propriedade: já por outro lado, é justamente aquilo que o Estado realiza no como atribuição de um direito a um indivíduo.
A discriminação acima possibilita a confirmação de que a aptidão de fruir a propriedade convém à sua função econômica, ao passo que o direito atribuído pelo Estado constitui seu mister jurídico, por assim dizer (PORTO; GAROUPA, 2020, p. 169).
Com efeito, esclarecem os doutrinadores Antônio Maristrello Porto e Nuno Garoupa, que os denominados Direitos Econômicos de Propriedade constituem a finalidade procurada pelos indivíduos, por outro lado, já os Direitos Legais de propriedade, constituem o meio legal para que se alcance esse objetivo, os Direitos legais autuam como suporte proeminente, na medida em que a sua interpretação e entendimento são mais auferíveis, mais fáceis de serem analisados, em contrapartida que os Direitos Econômico de Propriedade (PORTO; GAROUPA, 2020, p. 169).
Deste modo, podemos promover uma separação quanto aos Direitos obre a propriedade entre Econômico e Legais, no qual os direitos legais são os previstos da codificação legislativa do Estado, sendo assegurado por este, dando ainda suporte aos denominados direitos econômicos de propriedade, embora não sejam necessários ou suficientes para a sua existência.
Se configura como uma de suas principais funções dos Direitos Legais, fornecer meios para execução e adjudicação da propriedade, onde a ausência dessas garantias, poderiam resultar em direitos até possuindo valor econômico, no entanto seus ativos e sua troca devem ser autoexecutáveis.
Deste modo, nesse mesmo sentido, ao passo que a possibilidade de usufruir dos direitos de propriedade corresponderia à sua função econômica, a outorga estatal desses direitos encaminharia à sua função jurídica (BARZEL 1997, p. 3).
Arrematando quanto a ponto os professores Antônio Maristrello Porto e Nuno Garoupa “Sob o risco de completo esvaziamento, a inexistência da função jurídica limitaria sua função econômica. Assim, a função jurídica dos direitos de propriedade amplifica a função econômica da propriedade” (PORTO; GAROUPA, p.169).
Resta trazer que os direitos reais, ainda que dispensáveis para a subsistência de quaisquer direitos econômicos, salvaguardam a sua estabilidade e, a respeito dessa consideração é possível verificar que aqueles direitos que um dado indivíduo possui sobre um bem são equivalentes na expectativa e na aptidão, em termos de expectação, de um consumo direto ou mediante permutas, quer dizer, de realmente dar uma função econômica, transacional, ao direito legal de propriedade.
Entretanto, e rotineiramente, essas referidas permutas estariam sujeitas ao cumprimento prévio de cláusulas pré-estabelecidas não somente pelos contratantes, mas, sobretudo, pelo ordenamento jurídico vigente ao tempo de sua vinculação.
Poderá ser que o Direito, através da sua interferência, possa realmente concorrer para a eficiência destas negociações (trocas), contudo, haverá situações em que a interferência jurídica, por assim dizer, acabará por reduzi-la, preferindo-se a inalterabilidade de cláusulas pré-estipuladas em virtude da livre iniciativa dos próprios interessados (nesse caso, negociantes), razão pela qual torna-se imperativa que a díade Direito e Economia passem a ser necessariamente conciliadas (PORTO; GAROUPA, p. 170).
2.1. Sobre alguns aspectos da propriedade: do titular único
Existem ainda inúmeros outros aspectos da propriedade, tais como o do titular único, cuja lógica implicação o favorecimento de um só agente decisório, ou seja, a pessoa responsável pela toma de decisões sobre a utilização do recurso e que, de modo direto, suporta os efeitos de suas tomadas de decisões (efeito de retrotração), sendo esse mesmo indivíduo aquele que irá decidir ou não pela venda ou conservação do bem da vida, com o bônus de uma redução de custos se comparado à situação em que haveria uma multiplicidade de agentes decisórios (MACKAAY; ROUSSEAU, 2020, p. 253).
Um importante ponto sobre essa questão é trazido pela análise econômica do direito ao entender que a propriedade deve pertencer àquela pessoa que esteja em melhores condições de garantir uma valorização ou exploração, do ponto de vista do rentável, do recurso em questão. Desta forma,
Se não for desde o início o titular, é preciso, seguindo a lógica exposta no capítulo dedicado ao teorema de Coase, cuidar para que adquira, de quem seja o titular, uma vez que fará melhor uso (mais rentável) do que aquele, ao mesmo tempo em que se exclui a operação inversa, dado que o rendimento inferior não permite compensar inteiramente o titular “mais produtivo” para induzi-lo a ceder sua propriedade. Nessas circunstâncias, é melhor atribuir a propriedade, imediatamente, à pessoa em questão, economizando uma transação (MACKAAY; ROUSSEAU, 2020, p. 253).
Se, por um lado, a propriedade de titular individual é, indubitavelmente a sua manifestação mais comum, contudo, não é a única, visto existirem numerosos casos em que um recurso, de natureza escassa, ser justamente explorado por outras formas de propriedade que, ao final conferem direitos a uma pluralidade de pessoas ao mesmo tempo.
Esse modelo surge com os direitos assim chamados “desmembrados”, tais como a locação enfitêutica, ou ainda o usufruto de uma propriedade: aqui tanto o enfiteuta como o usufrutuário, e ainda o nu proprietário dividem as atribuições pertencentes ao proprietário, de maneira que seus direitos são, por assim dizer, complementares.
Contudo, importante observação, é a de que é necessário não se confundir as situações de pluralidade de titulares, onde todos têm acesso ao bem comum, com aquelas de um recurso de livre acesso. Aqui qualquer pessoa pode se permitir o monopólio ou a exploração do recurso desejado, com bem lhe parecer. Mas isso só é aceitável (e viável) para recursos ditos “abundantes” e não para o oposto. Qualquer outra hipótese que se diferencie disso – o que é o caso de quase tudo o que nos cerca no mundo tangível – desembocará no risco de induzir ao esgotamento do recurso, seja ele em decorrência do excesso de consumo ou ainda pela falta de incentivo para a criação ou preservação necessárias (Macckay; Rousseau, 2020, p. 255).
Existem ainda inúmeros outros aspectos atinentes à propriedade, tais como os direitos desmembrados, que visam obter um contrato com quem possua interesse na melhora da exploração do bem, a doutrina do numerus clausus, uma das primeiras funções que a publicidade registral visa a assegurar, concretizada pela inscrição nos registros de imóveis, muito além da publicidade, a informação a terceiros, aqui, adquire uma otimização pela limitação da variedade de direitos suscetíveis de inscrição, ou seja, os direitos reais não podem, no sistema civilista, adotar formas que não as previstas na legislação (Mackaay; Rosseau, 2020; p. 256-257).
2.3. A delimitação do direito da propriedade
Na visão do economista, todo e qualquer uso possível de um bem pode constituir uma property right (direito de propriedade), com particular atenção à atribuição e os efeitos de estímulo deles decorrentes. Por outro lado, sob a ótica do jurista, a questão reside em saber quais prerrogativas devem ou não ser agrupadas para a formação substancial de um direito em sentido jurídico.
Assim, (MACKAAY; ROSSEAU, 2020; p. 258-260) para determinar as prerrogativas, convém reuni-las de modo a formar um direito em sentido jurídico, a análise econômica propõe um teste em dois tempos. Primeiro, não especificar o direito salvo na medida em que a emergente escassez o imponha.
Sendo esse o caso, aplicar o teste do contrato hipotético: para uma prerrogativa determinada, acrescer o conjunto de prerrogativas que o proprietário já tem, se for plausível, que a tenha adquirido de outrem não sendo proprietário desde o início.
A compra ocorreria se o proprietário fizesse utilização mais valorizada dessa prerrogativa do que a outra pessoa, de forma que a transferência seria vantajosa em um sentido, mas não no inverso.
O contrato é hipotético e não seria realmente celebrado, concluído: os custos de transação proibitivos impedem a conclusão. No caso contrário, pode-se deixar o mercado funcionar, como já vimos no capítulo dedicado ao teorema de Coase. O teste do contrato hipotético já foi apresentado em discussão do teorema de Coase. Assegura, em princípio, que os diferentes usos estão reunidos nas combinações as mais valorizadas.
Do exposto até aqui verifica-se que a análise econômica da propriedade, já iniciada há meio século sobre a intuição de que se a propriedade é condição essencial de funcionamento do mercado, não é deveras imutável, visto que dado uma vez para todos os interessados fora do sistema econômico, contrário sensu, integra parte dos elementos com os quais os agentes econômicos podem bem tentar realizar uma modificação na busca pela maximização da riqueza.
O desenvolvimento dessa performance espraia-se nos seguintes termos propostos por Ejam Mackaay e Stéphane Rousseau (MACKAAY; ROSSEAU, 2020, p. 258-260):
O direito é, em geral, parcimonioso quanto à especificação dos direitos de propriedade a fim de que não se afastem dos usos comuns, criando conflitos. Na medida em que novas utilizações são descobertas, podem dar lugar a externalidades, que requerem que as instituições jurídicas existentes sejam precisadas, Isso abre espaço para uma concepção dinâmica da propriedade, que determina, com maior precisão, como essa instituição será estendida a novos bens.(...)
Que prerrogativas devem ser reunidas em um único direito de propriedade, no sentido jurídico? (...) A análise econômica do direito oferece explicação que permite que o jurista “saia” de seu quadro de reflexão habitual”. (...) A análise econômica leva a considerações de externalidades, autopaternalismo (precaver-se contra decisões que se lamentaria), e paternalismo puro, que remetem a particularismos do processo político. O exame de diferentes regras que compõem o regime de aquisição e de transferência da propriedade demonstra uma lógica subjacente cujo escopo parece ser incentivar a boa gestão e a prudência e desencorajar o oportunismo. Espelha a ideia de que o direito civil, como a common law, seria influenciado pela busca de eficácia no sentido que os economistas dão, habitualmente, ao termo
Desse modo, o direito dos bens, tal como também é conhecida a propriedade, proposta sobre as luzes da análise econômica do direito tem sido objeto de muitos estudos, sobretudo no âmbito do direito comparado, demonstrando dessa maneira sua total utilidade inclusive sob a perspectiva de sua cada vez maior integração ao ensino universitário.
3. INTRODUÇÃO E DELINEAMENTOS SOBRE O TEOREMA DE COASE
Foi nos idos 1960 que se iniciava o atual movimento de análise econômica do direito. O motivo foi simples, mas não menos avassalador. Ronald H. Coase, economista britânico, publicava naquela década um artigo específico sobre o custo social cujo título era The Problem of Social Cost.
Para a ciência econômica que já havia trilhado ao menos a primeira metade do século XX, algo de parecido já havia sido formalizado, ao menos no âmbito da intuição em Adam Smith, que considerava que se a economia fosse deixada nas mãos dos atores, haveria, por consequência, de ocorrer uma evolução, era o que se esperava, ao menos, a saber, uma evolução dos melhores arranjos sobre a ótica de bem-estar de todos (DEMSETAZ apud MACKAAY; ROUSSEAU, 2020, p. 201).
Advinda da teoria dos jogos de barganha, cujo mecanismo se propõe à efetuar a negociação orientativa da ação e da resposta dos indivíduos e suas múltiplas motivações, constituindo por isso mesmo, uma convenção (RÍOS, 2018, p. 277), base portanto da elaboração de uma nova teoria econômica da propriedade e do direito de propriedade, esse novo modus operandi viria a a possibilitar a compreensão de que quando os indivíduos realizam uma negociação é inerente a esta mesma negociação a concordância por meio de um acordo que aborde as questões relativas às próprias condições de interação e de cooperação.
Algumas vezes, essas mesmas condicionantes transformam-se em uma imposição exterior, exatamente como as condicionantes estabelecidas pelo direito, mesmo assim, e apesar disso, estas condicionantes jurídicas perdem espaço para a eficácia daquelas condições estabelecidas entre os próprios indivíduos entre si (ULEN; COOTER, 2010, p. 170).
Era Coase, através de seu teorema cuja gênesis adviria da análise de determinados casos paradigmáticos extraídos da jurisprudência norte-americana e inglesa, quem apresentaria as duas premissas básicas para alcançar uma aplicação que fosse eficiente do ponto de vista dos recursos empregados em casos de negócios sobre a propriedade, a saber: uma clara definição acerca do direito de propriedade e ausência de custos de transação entres os agentes entre si (PORTO; GAROUPA, 2020, p. 171).
Importa ressaltar aqui que o significado da locução “direitos de propriedade” encontrado no Teorema de Coase não é o mesmo que o habitualmente conhecido e adotado na esfera do direito, justamente porque o teorema propriamente dito não se refere literalmente a “direitos reais”, visto que a tradução correta do termo property rights constante da teoria de Coase, diz respeito à entilements, isto é, direitos e não property rights in rem que, ao final, seria o “direito de propriedade” (PORTO; GAROUPA, 2020, p. 171).
A quintessência desta teoria (de Coase) estava em considerar que o dano poderia não ter sido causado apenas por uma das partes numa negociação, mas certamente uma delas, ao menos uma, estaria obrigada a assumir, ou seja, arcar, com o prejuízo resultante.
Numa concepção coaseana, é a externalidade que não pode ser internalizada, absorvida, necessariamente, por quem foi o autor de sua causa. A regra é que ela seja internalizada por quem melhor absorver o prejuízo com a menor perda (custo), conforme se pode verificar dos efeitos dessa simples relação em termos exemplificativos e propriamente locucionais (PORTO; GAROUPA, pag. 171):
Não se confunda a “causalidade jurídica” (A provocou o acidente que B sofreu) com a “causalidade econômica” (o acidente decorre de A e B estarem no mesmo local naquele momento. No segundo caso o prejuízo ao ser arcado por B não pode ser considerado injusto porque ele é tão causador como A. Para melhor compreender o Teorema de Coase, imaginemos a existência de um conflito entre dois indivíduos que envolva a depredação da propriedade de um por uma conduta do outro. Esboçada a hipótese, devemos analisar o conflito por duas perspectivas, uma jurídica e, outra, econômica. Do ponto de vista jurídico, faz-se necessário investigar se a depredação é legitimada pelo ordenamento jurídico e, concomitantemente, se a parte lesada pode se defender juridicamente da agressão. Por um critério material de justiça, o responsável pelo ato ilícito deve, inexistindo excludentes para sua responsabilização, indenizar a parte que suportou os prejuízos, ou interromper as interferências indevidas. Em relação ao aspecto econômico, porém, a recíproca não é verdadeira. Do ponto de vista econômico, para fins de eficiência, o que se impõe ao caso concreto corresponderá àquilo que promova a alocação eficiente do direito de propriedade. Pode ser que aquele que sofreu o dano esteja na melhor posição para arcar com ele, ou seja, a um custo mais baixo, consiga absorvê-lo.
Retomando alguns aspectos importantes, verifica-se que a compreensão do discurso jurídico sobre a propriedade é de que esse direito não pode existir senão por intermédio do reconhecimento pelo Estado, garantida a proteção pública, uma forma de observação que oculta importante parte da economia.
Essa cooperação do direito privado para com o “crescimento econômico”, ou seja, para com todo o corpo social, pode ser descoberta “por intermédio do mercado”. Uma colaboração que não é menos real e que nos permite compreender nossa atual correlação com a instituição do direito de propriedade privada (NORTH/THOMAS apud MACKAY: ROUSSEAU, 2020, p. 239).
A propriedade em sua estrutura é a soma de exclusividade com o uso, frutos e faculdade de transferir, cuja fórmula precisa ser preenchida por um conteúdo abstrato e variável de acordo com a natureza de seu objeto. Distinção fundamental para isso é a de bens móveis e imóveis, o que, do ponto de vista econômico, se justifica em razão da especificação da propriedade possuir uma variação muito significativa entre essas duas classes de bens. Os imóveis, é sabido, são representativos de uma importantíssima parcela no que respeita ao montante (valor) do patrimônio do proprietário.
É o valor que justifica se serão tomadas ou não determinadas precauções acerca da sua transferência, cuja intenção é a de se evitar incertezas a respeito do titular, toda sorte de fraudes, eventual arrependimento (do vendedor), instrumentalização jurídica do negócio via documento público (escritura pública, a depender do valor), ingresso no sistema de registro, inclusive a amplitude quanto ao prazo de prescrição aquisitiva do que para os bens móveis (MACKAAY; ROUSSEAU, 2020, p. 250-251)
Assim, a propriedade como instituição de vocação geral que é, pode ser também amplificada para que abarque novos objetos e nesse ponto a teoria da propriedade tem absorvido lições sobre a emergência de direitos, prevendo inclusive que os direitos somente serão articulados no momento em que se tornar possível a multiplicidade de usos, com o surgimento da escassez, resultando inclusive em prováveis conflitos.
Sob este aspecto a propriedade é o feedback a esse desenvolvimento, pois que acessível aos interessados por ela, desde que dela se possa garantir um minimum de exclusividade.
Exclusividade esta que, agregada à liberdade de contrato e tendo lugar garantido na jurisprudência do tempo, sob forma de sanção dos atos ditos puramente parasitários, possibilitará a “modelação” de um direito sobre um novo objeto (MACKAAY; ROUSSEAU, 2020, p. 252):
A propriedade, qualquer que seja sua forma, mesmo protótipos, cria incentivo à administração prudente e à inovação: leva à criação de mercados cuja função é facilitar o encontro de ofertantes e demandantes de bens, reforçando os efeitos de incentivo dessa instituição, a propriedade. Os mercados induzem à criação de informações sobre os bens negociados e certa padronização. Dessa forma, os bens evoluem mais rapidamente na direção dos usos mais valorizados.
Certamente para todo e qualquer jurista a intuição de Coase tem muitas ideias impactantes, elas perfazem um convite à reflexão acerca do protagonismo do direito na economia.
A aplicação pode ser facilmente demonstrada no quadro abaixo, a partir de sua versão mais simplificada, baseada num protagonismo entre vizinhos, um consultório médico e uma marcenaria, a seguir reproduzida (MACKAAY; ROUSSEAU, 2020, p. 206) nos seguintes termos:
Imaginemos, em passado longínquo, a seguinte situação, uma marcenaria próxima do consultório de um médico que pratica medicina geral e psicanálise. A interação entre os dois vizinhos se desenvolve sem atritos até o momento em que a marcenaria, pelo sucesso de suas operações, instala máquinas mais potentes, fonte de barulho e vibração, incomodando o médico. De súbito, a clientela do médico diminui, o que lhe causa perda de parte da receita. Presuma-se que ele não encontra, nas imediações, nenhuma pessoa ou instituição incomodada pelo barulho ou a vibração.
Para resolver o problema, há duas opções que seriam as menos onerosas, a primeira, sob controle da marcenaria, consiste em instalar isolante nos muros; a segunda, sob controle do médico, construir um consultório em local mais distante da marcenaria na sua propriedade. Os custos de ambas as soluções são consideráveis, mas inferiores aos danos e inferiores às perdas ocasionadas.
Presuma-se que, adotada uma ou outra solução, o médico recupere, imediatamente, sua clientela e que as perdas ocasionadas pela redução temporária da clientela sejam não significativas.
Do ponto de vista do direito, podem ser observados sob duas formas, a primeira, a marcenaria é responsável pelas perdas causadas ao médico, por outro se observar sob outro prisma, a marcenaria não é responsável, pois o barulho e as vibrações são considerados como parte dos inconvenientes normais da vizinhança.
A demonstração do teorema de Coase deveria estabelecer que a solução que as partes chegariam depende do custo das diferentes soluções possíveis e não da regra jurídica aplicável. Como há duas soluções técnicas, e duas regras jurídicas, há quatro configurações possíveis que podem ser representadas no quadro de dois por dois. No quadro, procura-se demonstrar que a solução é única para qualquer coluna, enquanto varia por linha.
O teorema de Coase na mais simples versão
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Isolamento da Serraria é mais barato do que a construção de um consultório distante |
Construção de um consultório é mais barato do que o isolamento da serraria |
A serraria é responsável |
A serraria toma a iniciativa Para implantar uma solução não necessita de acordo com o vizinho - A solução escolhida: isolamento |
A serraria toma a iniciativa - Acordo: sendo a solução sob seu controle a mais cara, ela busca um acordo com o médico - Solução escolhida: construção de um consultório distante |
A serraria não é responsável |
O médico toma a iniciativa - Acordo: sendo a solução sob seu controle a mais cara, busca um acordo com a serraria - Solução escolhida: isolamento |
O médico toma a iniciativa - Para implementar a solução não precisa de acordo com o vizinho - Solução escolhida: a construção de um consultório distante |
3.1 Consequências do teorema nos custos de transação
Transações hipoteticamente sem custo eram sustentadas por Coase como sendo uma simplificação figurada para facilitar a compreensão da teoria, fazendo com que se atentasse melhor para o mundo onde as transações são onerosas e a atribuição inicial de direitos poderia justamente tomar a posição final. A ciência do direito aconselharia que num caso em que houvesse elevados custos de transação, o mais correto a se fazer seria conferir o melhor direito à parte que, na hipótese de inexistência de uma onerosidade de custos, teria adquirido da outra, acaso não fosse de antemão a titular, ou, premissa básica.
Atribuir esse direito àquela das partes que mais o valorizassem (MACKAAY: ROUSSEAU: 2020: 214, 215), assim em um conflito de usos que gera perdas ou acidentes, trata-se de imputar a responsabilidade àquela das partes envolvidas que pode, ao menor custo, reduzi-los ou evitá-los (cheapest cost avoider).
Do que antecedeu decorre que o papel do direito, e o escopo sobre o qual as regras devem ser escolhidas, variam em função dos custos de transação. Enquanto os custos são pouco importantes, o legislador ou o juiz podem se satisfazer em articular os direitos com relativa indiferença – com a condição de que o façam com precisão – sabendo que a má atribuição será corrigida pelo “mercado”, segundo as necessidades das transações entre partes. À medida que os custos de transação aumentem, essa correção será cada vez menos acessível e terá, como efeito, fazer com que, cada vez mais, se façam boas formulações de direitos.
Compreende-se que a função geral que a análise econômica detecta no direito seja reduzir os custos de transação por todos os meios possíveis. Demais disso, os interessados perseguem, também eles, esse objetivo, porque se os custos de transação forem baixos, a busca pela eficiência, até por acordos entre particulares, é mais fácil.
Consequência dessa posição está presente no reagrupamento de prerrogativas que formam um direito no seio do sistema jurídico. Convém modelar os direitos de tal sorte que, se o direito A interessa a pessoas que já tem o direito B, os dois direitos serão somados, agregados em um só “grande” direito. Assim, a propriedade das terras implica o direito de controlar o que acontece na sua superfície e, em seguida, no subsolo, mas não o direito de sobrevoo em altitude elevada. O fato de reunir muitos direitos de disposição em um “grande” direito reduz os custos ligados à transferência e, portanto, diminui os custos de transação.
3.2 Os custos de transação
Essa teoria possui ainda outras facetas. Coase também empregara no arcabouço conceitual dela a expressão “custos de transação” pretendendo com isso se referir aos diversos embaraços e/ou impedimentos à negociação.
Na sua perspectiva mais favorável, ela será reputada exitosa se os custos de transação tão somente forem iguais a zero, mas mesmo aqui Coase consideraria como isso como improvável de se acontecer. A teoria, contudo, permaneceu tal como assim concebida originariamente:
De acordo com o Teorema de Coase, quando tais custos são suficientemente baixos, os recursos serão usados eficientemente, não importando a distribuição inicial dos direitos de propriedade. De forma resumida, o Teorema de Coase, quando aplicado para resolver disputas sobre os direitos de propriedade, tem a seguinte implicação: quando os custos das transações são baixos, as partes em disputa estão na melhor posição para resolver eficientemente a questão, sem a participação do Direito e do Estado
Contudo, uma outra consequência significativa do Teorema de Coase ocorre quando os custos de transação são elevados, porque, sem em outros casos característicos o direito de propriedade não se faz necessário para a eficiente utilização de recursos, ou seja, para os custos de transação baixos como acima exposto, existem outras circunstâncias onde as transações são realizadas a custos elevados.
Neste ponto, o Teorema de Coase desarma a relevância do direito de propriedade em toda sua pujança jurídica, pois a sua utilização eficiente dependerá da destinação inaugural dos direitos de propriedade, melhor dizendo, esses direitos deveriam ser potencializados, mas desde que destinados àquele que melhor os valoriza (ULEN; COOTER, 2010, p. 103), contudo
Nesse sentido, quando os custos das transações são elevados, a intervenção do sistema legal é recomendada para a alocação eficiente do direito de propriedade (PORTO: GAROUPA: 2020:172).
Assim, dentre outras interpretações, temos que a versão inicial do Teorema de Coase é sintetizada nos seguintes termos práticos por Thomas Ulen e Robert Cooter “Quando os custos de transação são nulos, um uso eficiente dos recursos resulta da negociação privada, independentemente da atribuição jurídica de direitos de propriedade” (ULEN; COOTER, 2010, p.103).
3.3. Os custos de transação e a bifurcação dos Teoremas Normativos (Coase X Hobbes)
Custo de transação são aqueles que todo em qualquer negócio envolve, quer seja esse negócio de bens, serviços ou mesmo direitos. Uma forma simplificadora de se compreender uma transação é desmembrá-la em três estágios básicos. O primeiro deles surge detectando-se a localização de um potencial parceiro que comungue o fato do negócio (o negociar).
O segundo é a desenvolução e a conclusão da negociação entre os protagonistas do negócio (negociantes), que pode então incluir a formulação e um acordo (contrato). Depois vem o terceiro estágio, onde, fundamentalmente, espera-se que a negociação seja finalmente cumprida, significando com isso o acompanhamento do comportamento das partes e a sua consequente punição decorrente de eventuais violações ao contrato pré-estabelecido (acordo).
Síntese desses elementos, a saber, dos elementos do custo de transação, é suscetível de uma subdivisão conceitual (de custos), assim denominados: custos de busca, custos de negociação e custos de execução (POLINSKY apud Porto: Garoupa: 2020:174).
Segundo as determinações de Thomaz Ulen e Robert Cooter é possível que os níveis dos custos de transação possam determinar a norma (regra legal) a ser utilizada.
Nesse sentido, o Teorema de Coase nos diz também que a utilização eficaz dos recursos não está atrelada aos direitos de propriedade naquelas situações em que os custos de transação sejam considerados nulos (ULEN; COOTER, 2010, p.108).
Destarte, temos que a existência de direitos de propriedade pode ser considerada fundamental, desde que os custos de transação não sejam nulos. Na linha de compreensão do que já foi exposto:
Vale ressaltar que os agentes envolvidos em uma demanda sobre direitos de propriedade, se situam em posição preferencial para avaliar o bem objetivo da disputa, assim sendo, é de consequência lógica que é preferível que estes formulem a forma que se desenvolverá a negociação e não um terceiro, como o Estado quando cria normas restritivas ou impositivas, pois racionalmente, se as partes encontram-se em posições preferenciais, será assegurado que os direitos fiquem com a parte que o mais valoriza.
O Teorema Normativo de Coase não se limita ao aspecto mencionado neste exemplo, pois, a premissa até o conceito atual é de que os custos de transação seriam exógenos ao sistema jurídico, sendo determinados por situações de negociação que estão fora do âmbito do direito.
Entretanto, pode-se considerar que alguns desses custos são endógenos ao sistema jurídico, no sentido de que as normas legais podem reduzir ou amplificar os obstáculos às negociações privadas. Desse modo, o Direito pode incentivar ou desincentivar o estabelecimento das negociações, ao diminuir os custos de transação.
Pode-se ainda, considerar como um objetivo jurídico importante a “facilitação” das negociações privadas, por meio da redução dos custos de transação. O sistema jurídico pode fazer isso ao definir os direitos de propriedade de modo simples e claro. Nesse sentido, o Teorema Normativo de Coase pode ser explicitado da seguinte forma: “Estruture o Direito de modo a remover os impedimentos aos acordos privados” (PORTO; GAROUPA: 2020, p. 175).
O princípio é considerado normativo porque oferece orientação prescritiva para os legisladores e está inspirado em Coase na medida em que a troca privada, em circunstâncias apropriadas, pode alocar direitos jurídicos eficientemente. (ULEN; COOTER, 2010, p.109-111)
Já se sabe que tanto os conflitos como as dificuldades de cooperação entre os indivíduos podem se tornar dispendiosos para toda a sociedade, neste aspecto o sistema jurídico tenta, tanto quanto possível, efetuar uma redução.
Pois bem, essa perspectiva de minimização de prejuízos já havia sido magistralmente delineada nos textos de Thomas Hobbes (1588-1679), em sua obra intitulada “Leviatã ou Matéria, Palavra e Poder de um Governo Eclesiástico e Civil, poderosa obra literária forjada durante a Guerra Civil Inglesa, com sua primeira publicação em 1651, rendendo a Hobbes o título de predecessor do contratualismo na ciência do direito.
Esse clássico filósofo compreendia o Estado como uma restrição autoimposta pelos próprios homens, tendo em vista a preocupação sempre latente com a própria conservação.
Hobbes afirmava que tanto a justiça como a equidade, p. ex., são antagônicas à natureza humana, motivo pelo qual era intransponível a necessidade de que um temor a um poder maior, apto a impor o respeito e a ordem, maximamente às chamadas “leis da natureza”, compreendidas por ele como equidade, justiça, modéstia e piedade.
Por esse exato motivo que para Hobbes, os contratos (pactos) “sem a espada”, isto é, sem um poder coator próprio de um Estado forte, não passam de meras palavras (words) desprovidas de força e, por consequência, débeis para fornecer a segurança aos indivíduos. (HOBBES 2008. p. 116)
A abordagem mais famosa de Hobbes, quando trata do “estado de natureza” dos homens que, sem um poder comum capaz de impor temor a eles, viviam em constantes estado de guerra, para citar um termo caro a Hobbes, uma “guerra de todos contra todos” (HOBBES 2008. p. 86)
Concepção de originalíssima acuidade no tocante à observação da conduta humana, serve também, no que diz respeito à Análise Econômica do Direito, a uma compreensão mais abrangente no que diz respeito à minimização dos prejuízos que decorrem de conflitos inter partes quando em negociação, dando origem, portanto ao assim chamado “Teorema Normativo de Hobbes”, que em seu timing de cerca de 370 anos atrás reza o seguinte, “O sistema legal deve estruturar-se para minimizar os prejuízos causados pelas falhas em acordos privados” (COOTER, ROBERT & ULEN apud Porto; Garoupa: 2020, p. 175).
Munidos destas aproximações conceituais podemos então vislumbrar o Direito como aquele que em seu propósito, caberia impedir o surgimento de ameaças de cunho coercitivo, depurando os prejuízos decorrentes dos litígios, isso porque, se os indivíduos (aqui, os contratantes) não chegarem afinal a um acordo, perderão o assim chamado “excedente” que decorria das próprias trocas.
Diminuir esse prejuízo só seria possível, segundo o Teorema de Coase, se o sistema de justiça determinasse que os direitos de propriedade fossem destinados à parte que maior valor puder dar a eles. E é por isso que o Direito torna dispensável o intercâmbio de direitos, reduzindo, por conseguinte os custos de transação (ULEN; COOTER, 2010, p. 110).
4. CONCLUSÃO
Os elementos abordados no transcurso deste trabalho seguramente não esgotam a riqueza dos estudos da propriedade sob a particular ótica da análise econômica do direito, suas imbricações e inter-relações entre direito e economia para além do lugar comum, contudo nos possibilitam, a partir da compreensão da função jurídica e econômica da propriedade, apontar para algumas das mais importantes contribuições acerca do assunto, indicando-nos direções a serem desenvolvidas e, quiçá, questionadas sob o ponto de vista do observador, quer seja ele um jurista ou um economista.
Deste modo, tomando como ponto de partida de que o direito constitui-se em elemento fundamental no universo das relações econômicas, foi-nos concedido, ainda que superficialmente, verificar que esse novo olhar para o direito, em especial o direito de propriedade, pode ser correlacionado a diversas matizes econômicas, disponíveis em um sofisticado arcabouço conceitual, estruturado por um sistema de correlações deste especialíssimo instrumental analítico ora denominado Análise Econômica do Direito, mormente em razão da óbvia natureza econômica do direito para com a economia (economia do direito).
Por fim, nossa breve incursão ao Teorema de Coase pretendeu iniciar algumas primeiras aproximações que, de mesmo modo, realizou-se com o Teorema Normativo de Hobbes, trazendo à superfície, sob a perspectiva inovadora de que ambos se constituem ferramentas conceituais para à disposição do jurista atual.
Ponto de partida no âmbito do conceitual, quer o Teorema de Coase evidenciar a grande importância de se bem definir os direitos a fim de facilitar soluções para diferenças quando dos assim chamados usos concorrentes, que jamais deixarão de aparecerem à medida que descobertas e movimentação de pessoas modifiquem a exiguidade das coisas no mundo.
Evocando as palavras de Mackaay e Rousseau, vemos que o Teorema de Coase quer abrir-nos antes uma porta para o direito da responsabilidade ao sublinhar se específico papel na busca de soluções menos onerosas no que diz respeito às utilizações concorrentes.
Novamente, podemos afirmar com Mackaay e Rousseau que no conjunto das obras pesquisadas é possível enunciar que toda discussão ocasionada pela demonstração do Teorema acabou por acentuar ainda mais a lógica unificadora que conecta os dessemelhantes planos do direito, resultando numa introdução ótima para os caminhos da análise econômica das não menos complexas instituições jurídicas que, para além do alto grau de sofisticação e complexidade já conhecido, passam também a ser nutridas pela sofisticação do design conceitual advindo da análise econômica do direito.
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Substituto do 3º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas-SP, graduado em Direito pela Faculdade de Administração e Ciências Contábeis de São Roque, mestrando em Direito pela Escola Paulista de Direito
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SEGURA, Felipe Targão. A propriedade sob o prisma da análise econômica do direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59213/a-propriedade-sob-o-prisma-da-anlise-econmica-do-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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