RESUMO: A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tratou expressamente sobre a obrigatoriedade de concurso de provas ou de provas e títulos para o acesso aos cargos públicos, como regra. As únicas exceções consistem na regra de transição prevista no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e a ocupação de cargos de provimento em comissão. Ocorre que o Estado do Tocantins inovou equivocadamente na ordem constitucional, ao prever espécie anômala de ingresso em cargo público de provimento efetivo àqueles que denominou “não estabilizados”. Aos quais foram conferidos todos os direitos e alguns dos deveres que são atinentes aos servidores públicos efetivos dos quadros de pessoal tocantinense. Deste modo, o estudo teve por base a possível infração à Constituição Federal, cujos vícios atenderão proporções incalculáveis, já que muitos dos servidores ocupantes de cargos efetivos, mas “não estabilizados”, começaram a se aposentar pelo Regime Próprio de Previdência, sem a necessária contribuição a este regime, porém, com todas as vantagens a ele inerentes. Assim, intenta-se, além de demonstrar a inconstitucionalidade das legislações que alçaram os cidadãos aos cargos efetivos, sugerir uma solução que atenda tanto ao princípio do concurso público, quanto ao da segurança jurídica.
Palavras-chave: 1. Concurso Público. 2. Estabilização. 3. Regime Próprio de Previdência. 4. Inconstitucionalidade
ABSTRACT: The Constitution of the Federative Republic of Brazil in 1988 explicitly deals with the obligation to contest evidence or tests and titles for access to public office, as a rule. The only exceptions consist of the transitional rule laid down in art. 19 of the Act of the Transitory Provisions and occupation of filling positions in committee. It turns out that the State of Tocantins mistakenly innovated in the constitutional order, by providing an anomalous kind of entrance into public office effective provision to those he called "non-stabilized". Which they were granted all the rights and some of the duties that are relating to tenured civil servants of frames tocantinense staff. Thus, the study was based on the possible violation of the Federal Constitution, whose vices meet incalculable proportions, as many of the occupants servers for permanent positions, but "not stabilized," they began to retire the regime Own Pension Plan, without the necessary contribution to this scheme, but with all the advantages inherent to it. Thus, attempts up, besides demonstrating the unconstitutionality of laws that lifted the citizens to actual positions, suggest a solution that meets both the principle of the civil service exam, as to the legal certainty.
Key words: 1. Civil Service Exam 2. Stabilization. 3. Own regime welfare. 4. unconstitutionality.
INTRODUÇÃO
Como uma espécie de servidores estatais, os servidores públicos desempenham suas atividades nas pessoas jurídicas de direito público, como quis delimitar a própria Constituição Federal, de acordo com a redação da seção “Dos Servidores Públicos”, nos arts. 39 a 41 deste diploma.
Na organização da Administração Pública, o servidor público detém papel fundamental, pois que seus atos confundem-se com o da própria pessoa jurídica, tendo como base a teoria do órgão ou da imputação, que possui larga aceitação dentre os doutrinadores pátrios.
Diante deste fato, diferenciado das figuras existentes na iniciativa privada, o servidor público, precisou contar com especificidades que facilitassem o desempenho da função pública, de acordo com as regras e princípios atinentes à administração pública, em consonância com o encargo recebido.
Assim, para o atendimento ao interesse público, com a escolha de profissionais melhores habilitados, além de evitar hereditariedade e venalidade para a ocupação de cargos públicos (AGLANTZAKIS, 2015), em prestígio ao princípio da impessoalidade e isonomia, optou-se por selecionar os servidores públicos por meio de concurso público, de provas ou de provas e títulos, nos moldes do que preceitua o inciso II do art. 37 da Constituição da República.
Além do critério de escolha dos ocupantes de cargos públicos, conferiu-se a estes servidores estatais a estabilidade, isto é, o direito de não ser desligado do serviço público, salvo as hipóteses específicas, de maneira a proporcionar maior segurança no desempenho de suas funções e a fim de evitar a utilização destes agentes no atendimento a interesses pessoais dos gestores públicos em exercício.
Atualmente, o regime jurídico dos servidores públicos, ocupantes de cargos efetivos ou comissionados, é único e preferencialmente o estatutário, pela maior proteção e possibilidade de responsabilização que oportuniza ao servidor estatal.
A Constituição da República de 1988 instituiu a estabilidade como decorrência da aprovação em estágio probatório que, atualmente, após a Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/1998, compreende o período de 3 (três) anos, com o objetivo de avaliar se o servidor público aprovado em concurso público detém o perfil necessário ao desempenho das funções inerentes ao cargo ocupado.
Deste modo, o servidor público, para que possa atuar na Administração Pública, com a proteção do manto da estabilidade, em resumo, deve passar pelo crivo do concurso público e, em seguida, pelo estágio probatório, como se depreende do que prevê o art. 41 da Constituição Republicana.
Houve a necessidade de se estabelecer uma exceção à regra da estabilidade, a fim de compatibilizar a transição dos regimes constitucionais, o art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) admitiu como estabilizados os servidores públicos que estivessem em exercício, até a data de promulgação da Constituição atual, há pelos menos cinco anos continuados.
Desta feita, identifica-se que a estabilidade do servidor público decorrerá de uma destas duas hipóteses, constitucionalmente previstas, não sendo possível o seu alargamento, sob pena de se incorrer em grave afronta a regras e princípios que também possuem assento constitucional.
Ocorre que no estado do Tocantins criou-se uma figura anômala de servidor público, denominado de “não estabilizado”, que ascendeu a um cargo público efetivo sem a realização de concurso público e sem adequar-se ao disposto no art. 19 do ADCT.
O enfoque da presente pesquisa se dará sobre estes “não estabilizados”, no escopo de questionar se o ingresso destes servidores nos quadros de pessoal efetivo do Estado do Tocantins atende ou não aos necessários requisitos inseridos pela ordem constitucional de 1988.
1 A REGRA DO CONCURSO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A Constituição de 1967, após a Emenda nº 1/1969, no § 1º do seu art. 97, com exceção do cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, exigia a realização de concurso público para a primeira investidura em cargo público. Assim, permitia-se que o servidor concursado alcançasse outros cargos sem a necessidade de se submeter a um novo concurso.
A Constituição Republicana de 1988 enrijeceu o sistema do concurso público, fazendo constar no inciso II do art. 37 que o acesso a cargos e empregos públicos continuará a ocorrer por meio de concurso, porém independentemente de ser tratar de primeira investidura ou não.
Art. 37. […] II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; […]
No período de 1987 até 1992 não havia entendimento pacífico a respeito da hermenêutica deste inciso II do art. 37 na jurisprudência, ou seja, se a interpretação continuaria conforme a redação da constituição de 1967 ou se a intenção seria a proibição do acesso a cargos públicos de forma derivada, afrouxando a regra do concurso público.
Em 05/08/1992, com o julgamento da ADI nº 231, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu pela inconstitucionalidade das formas de provimento derivado de cargos ou empregos públicos, nas modalidades de ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento, que assim resultou ementada:
Ação direta de inconstitucionalidade. Ascensão ou acesso, transferência e aproveitamento no tocante a cargos ou empregos públicos. – O critério do mérito aferível por concurso público de provas ou de provas e títulos é, no atual sistema constitucional, ressalvados os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração, indispensável para cargo ou emprego público isolado ou em carreira. Para o isolado, em qualquer hipótese; para o em carreira, para o ingresso nela, que só se fará na classe inicial e pelo concurso público de provas ou de provas títulos, não o sendo, porém, para os cargos subsequentes que nela se escalonam até o final dela, pois, para estes, a investidura se fará pela forma de provimento que é a "promoção". Estão, pois, banidas das formas de investidura admitidas pela Constituição a ascensão e a transferência, que são formas de ingresso em carreira diversa daquela para a qual o servidor público ingressou por concurso, e que não são, por isso mesmo, ínsitas ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que sucede com a promoção, sem a qual obviamente não haverá carreira, mas, sim, uma sucessão ascendente de cargos isolados. – O inciso II do artigo 37 da Constituição Federal também não permite o "aproveitamento", uma vez que, nesse caso, há igualmente o ingresso em outra carreira sem o concurso exigido pelo mencionado dispositivo. Ação direta de inconstitucionalidade que se julga procedente para declarar inconstitucionais os artigos 77 e 80 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias do Estado do Rio de Janeiro. (STF, ADI nº 231, Rel. Min. Moreira Alves, Pleno, julgamento em 05/08/1992, DJ 13/11/1992) [grifamos]
O mandamento constitucional deverá abranger, assim, o acesso a cargos e empregos públicos, ou seja, a Administração Direta e a Indireta, respectivamente, devem se ater à regra do concurso público para a seleção do pessoal que integrará seus quadros, em prestígio ao sistema do mérito (CARVALHO FILHO, 2011).
Por se tratar de regra, portanto, salvo as exceções instituídas pelo próprio constituinte federal, atualmente não resta qualquer dúvida sobre a imprescindibilidade do concurso público para o acesso a cargos públicos efetivos e empregos públicos, tanto para oportunizar-se a seleção dos melhores habilitados para as atividades previstas, bem como para que sejam observados os princípios da isonomia, impessoalidade e moralidade, principalmente.
Razão pela qual diversos dispositivos da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990 foram considerados inconstitucionais por configurarem infração à regra do concurso público[1].
1.1 A estabilidade e a efetividade no serviço público brasileiro
O servidor público detém um excelente escudo para o fiel desempenho das funções que lhe dizem respeito, qual seja, a estabilidade.
Esta garantia constitucional, prevista no art. 41 da CF, assegura ao servidor público ocupante de cargo efetivo, após o cumprimento de um período de prova e a submissão a uma avaliação especial de desempenho, que somente em casos excepcionais será compulsoriamente desligado dos quadros de pessoal da Administração Pública a que estiver vinculado.
Art. 41. São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
§ 1º O servidor público estável só perderá o cargo:
I – em virtude de sentença judicial transitada em julgado;
II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;
III – mediante procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa.
Originariamente, a redação deste artigo previa que o direito à estabilidade poderia ser adquirido decorrido apenas dois anos de efetivo exercício, além disso, havia menos possibilidades para o rompimento do vínculo do servidor, apenas os incisos I e II.
Com a Emenda Constitucional nº 19/1998, o prazo para a aquisição da estabilidade aumentou para três anos e incluiu-se a possibilidade de desligar o servidor público estável do cargo ocupado no caso de desempenho insatisfatório na avaliação periódica de desempenho, sendo que esta última inovação teria enfraquecido o instituto (MELLO, 2009).
Em nome da segurança jurídica, constituinte fez constar no art. 19 do ADCT uma norma transitória, como uma forma de estabilidade excepcional, aos servidores que, mesmo não admitidos por concurso público, estivessem no serviço público há pelo menos cinco anos, até a data da promulgação da Constituição Federal de 1988.
Contudo, é oportuno ressaltar que esta estabilidade diferenciada confere ao servidor público abrangido pelo disposto no art. 19 do ADCT o direito de permanecer no serviço público, o qual deverá permanecer vinculado às atividades laborais de natureza idêntica às quais detinha quando do seu ingresso (MELLO, 2009).
É neste sentido que José dos Santos Carvalho Filho (2011) adverte que:
A norma do art. 19 do ADCT da CF só conferiu estabilização aos servidores, mas não deu ensejo a provimento de cargos, o que só poderia ocorrer se o servidor se submetesse a concurso público e nele fosse aprovado, como o exige o art. 37, 11, da CF. É o típico caso de transformação de emprego em cargo só admissível mediante aprovação no respectivo certame.
Ainda diante do mesmo raciocínio, dispôs o Supremo Tribunal Federal no Recurso Especial nº 167.635, que o servidor atendido pela benesse do art. 19 do ADCT:
[…] Não é titular do cargo que ocupa, não integra a carreira e goza apenas de uma estabilidade especial no serviço público, que não se confunde com aquela estabilidade regular disciplinada pelo art. 41 da Constituição Federal. Não tem direito a efetivação, a não ser que se submeta a concurso público, quando, aprovado e nomeado, fará jus à contagem do tempo de serviço prestado no período de estabilidade excepcional, como título.
Não há que se confundir o instituto da estabilidade com o da efetividade. Este último somente alcança os servidores titulares de cargos efetivos, de maneira a diferenciá-los dos ocupantes de outros cargos, característica esta engendrada com a posse no cargo público de provimento efetivo. Podendo-se concluir, então, que:
a) pode haver efetividade sem estabilidade;
b) pode haver estabilidade sem efetividade;
c) pode haver, concomitantemente, efetividade e estabilidade; e
d) pode não haver nem estabilidade nem efetividade (caso dos servidores trabalhistas não alcançados pela regra excepcional de estabilização prevista no art. 19 do ADCT da CF) (CARVALHO FILHO, 2009)
A estabilidade no Direito brasileiro pode ser alcançada pelos servidores que necessariamente se submeteram a um concurso público, associado a considerável lapso temporal de exercício no cargo para o qual foram selecionados e aprovados. E ainda, por aqueles servidores públicos estabilizados por força da norma transitória anotada pelo constituinte originário, com as especificidades já anotadas, concernentes a uma e a outra espécie.
Entretanto, somente os que alçaram cargos públicos de provimento efetivo são detentores da efetividade e da estabilidade. É como se manifesta o Supremo Tribunal Federal:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS. TEMPO DE SERVIÇO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA RESERVA DE INICIATIVA. LEI 10219/92. REGIME CELETISTA. EQUIPARAÇÃO AOS EFETIVOS. 1. Regime Jurídico. Servidor Público Estadual. Competência Privativa do Chefe do Poder Executivo. Ofende o princípio da reserva de iniciativa a eventual ampliação de incidência de vantagens funcionais sem a participação ativa do Poder competente. 2. Regime celetista. Equiparação. Os servidores oriundos do regime celetista, mesmo considerados estáveis no serviço público, enquanto nesta situação, não se equiparam aos efetivos, no que concerne aos efeitos legais que dependam da efetividade. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente em parte.(ADI 1695, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2004, DJ 28-05-2004 PP-00003 EMENT VOL-02153-02 PP-00225) [grifamos]
A norma do art. 19 do ADCT da Constituição brasileira possibilita o surgimento das seguintes situações: a) o servidor é estável por força do art. 19 do ADCT e não ocupa cargo de provimento efetivo; b) o servidor que se tornou estável nos termos do art. 19 do ADCT ocupa cargo de provimento efetivo após ter sido aprovado em concurso público para o provimento deste cargo; c) o servidor ocupa cargo de provimento efetivo em razão de aprovação em concurso público e é estável nos termos do art. 41 da CR. O STF já se manifestou sobre essas hipóteses e, quanto às listadas nos itens a e b, firmou o entendimento de que, independentemente da estabilidade, a efetividade no cargo será obtida pela imprescindível observância do art. 37, II, da CR.(ADI 114, voto da rel. min. Cármen Lúcia, julgamento em 26-11-2009, Plenário, DJE de 3-10-2011.) [grifamos]
Vê-se, sem demasiado esforço, que a estabilidade para os servidores públicos encontra guarida taxativa nestas duas hipóteses, não sendo admitido o elastecimento do benefício da estabilidade a servidores que não atendam a alguma das situações elencadas no texto constitucional.
Por força do princípio da simetria, são regras e princípios que exigem a reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas municipais, não havendo permissivo para a inovação fora dos parâmetros rigidamente delimitados pela Constituição Federal.
A exceção trazida pelo art. 19 do ADCT da Carta Federal deve, portanto, ser interpretada de forma restritiva[2], não sendo admissível exorbitar-se os ditames do mencionado dispositivo, sob pena de infração da regra do concurso público e, especialmente, aos princípios da isonomia e impessoalidade, ínsitos a este preceito.
2 O PROVIMENTO DE CARGOS PÚBLICOS NO EXECUTIVO TOCANTINENSE
O Estado do Tocantins, desmembrado do território de Goiás em 05/10/1988, surgiu por força do que constou no art. 13 do ADCT. Além disso, sua capital seria criada posteriormente, funcionando em município que serviu de sede provisória até 20/05/1989.
O território pouco explorado social, cultural política e economicamente perfez um significativo desafio para os cidadãos que ali se encontravam, bem como para os administradores públicos, responsáveis pelo desenvolvimento da região, agora, autônoma.
Apesar de haver vedação para que os cargos em comissão tenham atividades concernentes às funções permanentes da Administração Pública[3], a Lei nº 4, de 23 de janeiro de 1989, criou cargos de provimento em comissão para integrar a administração direta do novo Estado, e, com idêntico objeto foi editada a Lei nº 103, de 30 de novembro de 1989.
Em 27/06/1990, com a Lei nº 157, instituiu-se o quadro de pessoal do Executivo tocantinense. Enquanto que o Plano de Cargos e salários ficou a cargo da Lei nº 582, de 24 de agosto de 1993, encargo posteriormente conferido à Lei nº 1.534, de 29 de dezembro de 2004 enquanto que a Lei nº 2.669, de 18/12/2012 revogou esta última e é hoje o diploma que se encontra em vigor.
Quanto ao regime jurídico, o que se depreende da pesquisa efetuada é que inicialmente seguia os ditames da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). E, com a Lei nº 255, de 20 de fevereiro de 1991, instituiu-se o Estatuto Único dos servidores do Estado do Tocantins, a qual foi revogada pela Lei nº 1.050, de 10 de fevereiro de 1999, e, atualmente, a Lei nº 1.818, de 23 de agosto de 2007 é que faz as vezes de Estatuto do Servidor Público tocantinense.
Identifica-se que os cargos públicos inicialmente eram para provimento em comissão e, com o amadurecimento das instituições da Administração Pública, foram paulatinamente realizados concursos públicos para o provimento dos cargos efetivos.
A análise da legislação apresentada permitiu observar que os cargos públicos efetivos e comissionados eram, inicialmente, providos sem a realização de concursos públicos e que, paulatinamente, parecem ter sido realizados para a regularização da situação dos quadros de servidores.
Curioso observar a redação do art. 29 da Lei nº 1.534/2004, por indicar não serem aplicáveis aos servidores públicos do quadro-geral do Poder Executivo as regras da Lei nº 582/1993, a qual trata, exatamente, sobre o Plano de Cargos do quadro-geral do Executivo.
Isto é, ambas tratam sobre o PCCS do Executivo e coexistiram (o PCCS de 1993 somente foi revogado expressamente pela Lei nº 1.588, de 30/06/2005, que tratava sobre o PCCS dos profissionais da saúde), apesar de a regra ser a lei mais nova revogar a lei mais antiga “quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”[4].
A legislação tocantinense não pareceu guardar toda a regularidade necessária para o provimento dos seus cargos públicos efetivos, de modo que as fragilidades das normas legais necessariamente macularam a devida ocupação dos cargos públicos por meio do concurso público.
Afinal, os indícios de que o acesso aos cargos efetivos se deu de forma irregular, sem a necessária realização de concurso público, confirmou-se com a edição da Lei 2.669, de 19 de dezembro de 2012, que conferiu tratamento de servidores efetivos a servidores denominados de “não estáveis”.
Art. 1º. […] Parágrafo único. Integram o Quadro Geral do Poder Executivo os servidores públicos efetivos, os estabilizados e os não estabilizados descritos nesta Lei.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se: […]
V - Servidor Público, o ocupante de cargo público sujeito ao regime estatutário, subdividindo-se em: […]
c) Não Estabilizado, o vinculado ao Quadro Geral do Poder Executivo, não efetivo, não abrangido pelo disposto no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal, que ingressou no serviço público no quadro de pessoal do Estado de Goiás e optou, expressa ou tacitamente, pelo serviço público do Estado do Tocantins; […]
Art. 28. Ao servidor público oriundo do Estado de Goiás, não estabilizado, em exercício da atribuição de cargo efetivo no Poder Executivo, é garantida a permanência no respectivo cargo com os direitos decorrentes desta Lei.
Assim, estes servidores receberam equivocadamente um tratamento diferenciado no Estado do Tocantins. Pois que, mesmo sem a realização de concurso público e sem o favorecimento da regra transitória constitucional, foram incluídos nos quadros de servidores efetivos do referido ente federativo.
Passaram inadequadamente a ocupar cargos públicos efetivos, após incontáveis transformações, aproveitamentos, disponibilidades, como é possível inferir diante da análise das legislações que, paulatina e sub-repticiamente estabilizaram e efetivaram servidores em cargos públicos efetivos sem a aprovação em concurso público.
2.1 A inconstitucionalidade do concurso de 1991
O art. 25 da Lei nº 157/1990 estabelecia vantagem a ser utilizada como título em concurso público, daqueles considerados como “Pioneiros do Tocantins”[5], enquanto que o Decreto nº 1.520, de 8/8/1990 (que se prestou a regulamentar a referida Lei nº 157/1990), em seu art. 29, dispunha que os que detivessem este título teria preferência de nomeação, serviria como critério de desempate, além de ser considerado metade dos títulos necessários para o concurso pretendido.
Importa frisar que o Estatuto Único dos servidores à época, a Lei nº 255, de 20 de fevereiro de 1991, houve a repetição em seu art. 20 e parágrafo único, da prerrogativa ao “Pioneiro do Tocantins”, já prevista pelos diplomas acima identificados.
Em 16/10/1990 lançou-se o Edital para o preenchimento de 20.846 vagas, publicado no Diário Oficial do Estado nº 48 e, no item 4.4, havia o indicativo de que somente o “Pioneiro do Tocantins” poderia alcançar o total de 100 pontos, enquanto que para os demais o máximo de pontos seria de 70.
Houve o ingresso de uma ADI, de nº 598, em 07/10/1990. Sendo que em 11/12/1991, deferiu-se liminar para suspender a eficácia dos arts. 25 da Lei nº 157/1990 e do art. 29 e parágrafo único do Decreto nº 1520/1990, sob a justificativa que as mencionadas normas deformam, “de maneira oblíqua, mas eficaz, o concurso a ponto de fraudar o preceito constitucional”[6].
No mérito, a ADI 598 foi julgada procedente[7], por considerar inconstitucional o Edital, bem como os dispositivos da Lei nº 157/1990 e do Decreto nº 1520/1990, de modo que resultaram nulos os atos de nomeação e posse dos candidatos eventualmente aprovados. É como se pode concluir da leitura do extrato da ata do julgado, onde é possível identificar que a decisão se inclinou para que todo o edital fosse invalidado.
Porém, houve ainda muita celeuma em torno do mencionado concurso, inclusive, com a propositura no Supremo Tribunal Federal das Reclamações de nº 556[8] (protocolizada em 30/08/1995) e 5819 (protocolizada em 1º/08/2008).
Em ambas houve a confirmação pela inconstitucionalidade do concurso público, ocasiões em que os julgamentos do plenário do STF foram pela procedência das Reclamações, para a desconstituição de todas as ações tendentes a conferir eficácia ao mencionado concurso público, vejamos como resultou ementada a Reclamação nº 8519:
RECLAMAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 518/TO. CONCESSÃO DE PONTOS AOS DETENTORES DO TÍTULO DE "PIONEIROS DO TOCANTINS". ANULAÇÃO DO CONCURSO PÚBLICO POR DECISÃO JUDICIAL. DESNECESSIDADE DE INSTAURAÇÃO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO PRÉVIO PARA EXONERAÇÃO DOS APROVADOS. 1. A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade 598/TO acarretou a nulidade de todo o certame e, consequentemente, dos atos administrativos que dele decorreram. 2. O estrito cumprimento da decisão proferida por este Supremo Tribunal Federal torna desnecessária a instauração de processo administrativo prévio à exoneração dos candidatos aprovados. 3. Reclamação julgada procedente. (STF, Rcl 5819, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 20/05/2009, DJe-113 DIVULG 18-06-2009 PUBLIC 19-06-2009 EMENT VOL-02365-01 PP-00101 LEXSTF v. 31, n. 367, 2009, p. 178-190)
No exame do Recurso Extraordinário nº 202.489, o plenário do STF entendeu não ser necessária a instauração de processo administrativo prévio à exoneração dos candidatos aprovados no concurso de 1991, em atenção ao princípio da autotutela administrativa, aplicando sua Súmula 473, a qual indica que a Administração Pública pode anular seus próprios atos, quando contaminados por vícios que os tornem ilegais, já que não surgem direitos deles.
Sendo nulo o ato por decisão judicial, não há se congitar de instauração de processo administrativo em razão da inexistência de produção de efeitos válidos dele decorrentes.
A uma, porque se afigura inócua a discussão sobre direitos pretensamente titularizados quando o ato que lhes deu origem, em sua essência é inválido.
A duas, porque – levando em conta as características das decisões proferidas por este Supremo Tribunal em sede de controle concentrado de constitucionalidade – à autoridade reclamada cabe tão-somente, não obstante as suas ressalvas pessoais, acatar integral e imediatamente a decisão proferida na ação-paradigma.[9]
Até mesmo por meio de lei tentou-se interceptar a decisão do STF, de maneira a buscar validar os atos oriundos do concurso de 1991, a despeito de todo o sedimentado raciocínio e entendimento expostos – e impostos – pelo Supremo Tribunal Federal. É como se pode visualizar pelo teor da Lei 751, de 7 de abril de 1995, a qual resultou revogada alguns poucos meses depois pela Lei nº 769, de 29 de junho de 1995, vejamos:
Art. 1º. Fica o Chefe do Poder Executivo autorizado a adotar as medidas de urgências necessárias à redução das despesas com pessoal, segundo os princípios da legalidade, legitimidade e economicidade, constitucionalmente definidos.
Art. 2º. Para os fins do artigo anterior e, tendo-se em vista o interesse público, o Chefe do Poder Executivo está autorizado a extinguir, transformar ou criar cargos públicos, atendendo-se os seguintes imperativos de ordem constitucional, legal e administrativa: […]
II - preenchimento das vagas reservadas a servidores aprovados no concurso público realizado de acordo com o Edital publicado do D.O.E nº 048, de 16.10.1990, judicialmente validado;
Art. 3º. Em virtude da anulação do Decreto nº 9.191, de 06 de dezembro de 1993, e para a preservação da boa fé, da certeza e da estabilidade das relações jurídicas, considera-se convalidado o concurso público referido no inciso II do artigo anterior.
Portanto, não assiste qualquer direito concernente ao cargo público em que se obteve aprovação ou nomeação aos servidores que acessaram cargos efetivos por meio do concurso público de 1991. Haja vista que a investidura viciada obstou o nascimento de qualquer direito ou obrigação dos candidatos, afinal a anulação do certame impediu a produção de qualquer efeito jurídico válido[10].
2.1 Os remanescentes de Goiás
Importante sobrelevar a figura do “remanescente de Goiás”. Possibilitou-se aos servidores que estavam em exercício a partir de 1º de janeiro de 1989 no serviço público goiano, no território do Tocantins, a opção por integrar o serviço público tocantinense com a manutenção das vantagens funcionais. Em especial, por força do que previu a Lei nº 83, de 27 de outubro de 1989, em seu art. 1º:
Art. 1º. Sujeitam-se ao Quadro Provisório de Servidores do Estado do Tocantins, na situação e com as vantagens funcionais em que se encontravam, os servidores civis e militares, em exercício, a partir de 1º de janeiro de 1989, no território deste Estado, criado com base no art. 13, do Atos das Disposições Transitórias da Constituição Federal.
Os denominados “remanescentes de Goiás” podem, então, ser compreendidos como os servidores oriundos do serviço público do Estado de Goiás, estabilizados ou não, que ingressaram no serviço público deste ente federativo em data anterior à criação do Estado do Tocantins, mas em efetivo exercício no território do novo Estado do Tocantins, desde 1° de janeiro de 1989.
Desta maneira, servidores públicos do estado goiano, independentemente do tempo em que estivessem no serviço público de Goiás, ou do vínculo havido para o ingresso – se efetivo ou comissionado –, seriam mantidos em seus cargos, caso optassem por integrar os quadros de pessoal do Tocantins.
A Lei nº 104, de 06 de dezembro de 1989, permitiu a continuidade da vigência das legislações goianas provisoriamente, porém, excepcionou aquela concernente a política de pessoal do Estado.
O caput do art. 14 e seu §1º da Lei nº 157/1990 previram que os servidores do Tocantins, bem como os de Goiás que optassem por permanecer no novo Estado, proveriam os cargos públicos efetivos, até seu provimento por concurso público, sendo-lhes assegurados os direitos e vantagens.
Art. 14. Até que sejam providos por concurso público de provas ou de provas de títulos, os cargos de carreira do Quadro de Pessoal instituído por esta Lei serão ocupados pelos atuais funcionários do Estado e pelos que optarem por permanecer em seu, serviço, garantindo-se-lhes a continuidade do exercício das respectivas atribuições, com observância do disposto no art. 8º desta Lei.
§ 1º. Aos servidores do Estado, provenientes do Estado de Goiás, são assegurados todos os direitos e vantagens, desde que não conflitem com a isonomia de vencimentos para cargos de atribuições iguais ou semelhantes do mesmo Poder ou entre servidores dos Poderes Executivo e Judiciário, ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho.[…]
Pode-se dizer que os quadros de servidores do recém criado Estado do Tocantins contava, a princípio, com as seguintes classes de servidores públicos: [a] servidores comissionados; [b] servidores não estáveis/estabilizados[11]; [c] servidores estabilizados oriundos de Goiás; e [d] servidores efetivos do Tocantins.
Sobre os “não estáveis”, o inciso II do art. 25 da Lei nº 1.534/2004 determinou a garantia “apenas do subsídio igual ao da classe e da referência iniciais da tabela de subsídio, de acordo com o cargo correspondente”.
Contudo, em 16 de dezembro de 1998, a Lei 1.998 revogou esta determinação e passou a dispor que os servidores não estáveis remanescentes de Goiás integrariam o quadro de servidores efetivos do Tocantins, inserindo-os nas disposições da Lei nº 1.534/2004, que trata do Plano de Cargos, Carreiras e Remuneração dos servidores do Poder Executivo tocantinense, conforme o tempo de serviço no cargo.
De maneira que, os remanescentes de Goiás alcançados pelo benefício da ADCT atualmente encontram-se nos quadros de servidores efetivos do Estado do Tocantins e, do mesmo modo, entretanto, completamente anômalo, encontram-se inseridos neste rol os servidores “não estáveis”, quer remanescentes do estado goiano ou não.
As legislações tocantinenses encontram grande dificuldade para a organização destes servidores não abarcados pelo art. 19 do ADCT – ou seja, servidores cujo vínculo de ingresso no serviço público era simplesmente comissionado. O que redundou em contorcionismos e inovações de variadas ordens, com o total olvido dos ditames da Constituição Federal pertinentes à matéria.
3 A INCLUSÃO DOS “NÃO ESTÁVEIS” NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA
Os Estados-membros não podem, ao seu puro alvedrio, instituir exceções para que os Regimes Próprios de Previdência atendam seus servidores públicos de modo diferente daquele constante na Constituição Federal e nas normas gerais instituídas pela União, estatuídas na Lei nº 9.717/1998.
A Lei n° 9.717/98 estabelece as regras gerais para a organização e o funcionamento dos regimes próprios de previdência social. De acordo com esta Lei, compete à União, por intermédio do Ministério da Previdência Social, a orientação, supervisão e o acompanhamento dos regimes próprios de previdência social, bem como o estabelecimento e a publicação dos parâmetros e das diretrizes gerais previstos nesta Lei (art. 9º, I e II). Com base nesta competência, o Ministério da Previdência Social editou a Orientação Normativa MPS/SPS n° 2/2009, tendo como objetivo estabelecer, de forma mais detalhada, as regras para a organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência.[12]
O RPPS também se submete aos mesmos princípios constitucionais que regem o RGPS (art. 40, § 12, CF), dentre os quais destacamos o equilíbrio financeiro e atuarial, que podem ser assim entendidos:
Equilíbrio financeiro é a garantia de equivalência entre as receitas auferidas e as obrigações do regime previdenciário em cada exercício financeiro.
Equilíbrio atuarial é a garantia de equivalência, a valor presente, entre o fluxo das receitas estimadas e das obrigações projetadas, apuradas atuarialmente, a longo prazo.[13]
Ademais, o contido no art. 195, § 5º, CF, o qual dispõe que “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total”, deve também ser aplicado ao RPPS. É importante salientar que a criação, majoração ou extensão de benefício ou serviço do RPPS deverá ser “financiado por uma fonte, não bastando apenas indicar recursos já existentes, sob o risco de padecer de inconstitucionalidade”[14], como aparenta ser o caso das legislações aqui mencionadas, as quais, deste modo, são inconstitucionais sob mais de um aspecto.
O Regime Próprio de Previdência Social do Estado do Tocantins, regido atualmente pela Lei Estadual nº 1.614, de 4/10/2005, portanto, não pode atender servidores que não tenham o vínculo efetivo com a Administração Pública (art. 40, § 13).
No escopo de proteger o mencionado ditame constitucional, o STF já decidiu em diversos julgados neste mesmo sentido, a fim de dissipar qualquer dúvida que possa existir, como se depreende dos exemplos abaixo colacionados:
PREVIDENCIÁRIO E CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL QUE INCLUIU NO REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA SEGURADOS QUE NÃO SÃO SERVIDORES DE CARGOS EFETIVOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 40 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO AO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1. O art. 40 da Constituição de 1988, na redação hoje vigente após as Emendas Constitucionais 20/98 e 41/03, enquadra como segurados dos Regimes Próprios de Previdência Social apenas os servidores titulares de cargo efetivo na União, Estado, Distrito Federal ou Municípios, ou em suas respectivas autarquias e fundações públicas, qualidade que não aproveita aos titulares de serventias extrajudiciais. 2. O art. 95 da Lei Complementar 412/2008, do Estado de Santa Catarina, é materialmente inconstitucional, por incluir como segurados obrigatórios de seu RPPS os cartorários extrajudiciais (notários, registradores, oficiais maiores e escreventes juramentados) admitidos antes da vigência da Lei federal 8.935/94 que, até 15/12/98 (data da promulgação da EC 20/98), não satisfaziam os pressupostos para obter benefícios previdenciários. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, com modulação de efeitos, para assegurar o direito adquirido dos segurados e dependentes que, até a data da publicação da ata do presente julgamento, já estivessem recebendo benefícios previdenciários juntos ao regime próprio paranaense ou já houvessem cumprido os requisitos necessários para obtê-los. (ADI 4641, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 11/03/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-067 DIVULG 09-04-2015 PUBLIC 10-04-2015)
APOSENTADORIA – NOTÁRIOS E REGISTRADORES – VINCULAÇÃO AO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL – PRECEDENTE. Conflita com a Constituição Federal a concessão, pelo Estado-Membro, de aposentadoria a notários e registradores nos moldes próprios aos servidores públicos. Precedente: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.791/PR, publicada no Diário de 03 de setembro de 2006. (ARE 750128 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 17/09/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-203 DIVULG 11-10-2013 PUBLIC 14-10-2013)
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Art. 34, §1º, da Lei Estadual do Paraná nº 12.398/98, com redação dada pela Lei Estadual nº 12.607/99. 3. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido rejeitada, por ser evidente que o parâmetro de controle da Constituição Estadual invocado referia-se à norma idêntica da Constituição Federal. 4. Inexistência de ofensa reflexa, tendo em vista que a discussão dos autos enceta análise de ofensa direta aos arts. 40, caput, e 63, I, c/c 61, §1º, II, “c”, da Constituição Federal. 5. Não configuração do vício de iniciativa, porquanto os âmbitos de proteção da Lei Federal nº 8.935/94 e Leis Estaduais nºs 12.398/98 e 12.607/99 são distintos. Inespecificidade dos precedentes invocados em virtude da não-coincidência das matérias reguladas. 6. Inconstitucionalidade formal caracterizada. Emenda parlamentar a projeto de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo que resulta em aumento de despesa afronta os arts. 63, I, c/c 61, §1º, II, “c”, da Constituição Federal. 7. Inconstitucionalidade material que também se verifica em face do entendimento já pacificado nesta Corte no sentido de que o Estado-Membro não pode conceder aos serventuários da Justiça aposentadoria em regime idêntico ao dos servidores públicos (art. 40, caput, da Constituição Federal). 8. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 2.791, Rel. Min. Gilmar Mendes, Plenário, DJ de 24.11.2006). No mesmo sentido: AI 628.114-ED, Rel. Min. Ellen Gracie, 2a Turma, DJE de 18.12.2009.)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 79 e 85 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64, DE 25 DE MARÇO DE 2002, DO ESTADO DE MINAS GERAIS. IMPUGNAÇÃO DA REDAÇÃO ORIGINAL E DA REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI COMPLEMENTAR N. 70, DE 30 DE JULHO DE 2003, AOS PRECEITOS. IPSEMG. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA E ASSISTÊNCIA SOCIAL DOS SERVIDORES DO ESTADO DE MINAS GERAIS. BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS E APOSENTADORIA ASSEGURADOS A SERVIDORES NÃO-TITULARES DE CARGO EFETIVO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO § 13 DO ARTIGO 40 E NO § 1º DO ARTIGO 149 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. (ADI 3106, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 14/04/2010, DJe-179 DIVULG 23-09-2010 PUBLIC 24-09-2010 EMENT VOL-02416-01 PP-00159 REVJMG v. 61, n. 193, 2010, p. 345-364)
Acontece que no ano de 2012, mais especificamente, foram editadas diversas normas que fizeram incluir no Regime Próprio de Previdência tocantinense diversos servidores que não se enquadre nas hipóteses previstas no art. 19 do ADCT, e, consequentemente, que não tenha logrado aprovação em concurso público para ocupar cargo efetivo.
É o que se pode visualizar da redação da alínea c, do inciso V, do art. 2º da Lei nº 2.669/2012 (PCCS do Poder Executivo), associado ainda ao disposto no seu artigo 28, os quais foram reproduzidos com redação praticamente idêntica, em várias outras normas[15].
Art. 1º. […] Parágrafo único. Integram o Quadro Geral do Poder Executivo os servidores públicos efetivos, os estabilizados e os não estabilizados descritos nesta Lei.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se: […]
V - Servidor Público, o ocupante de cargo público sujeito ao regime estatutário, subdividindo-se em: […]
c) Não Estabilizado, o vinculado ao Quadro Geral do Poder Executivo, não efetivo, não abrangido pelo disposto no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal, que ingressou no serviço público no quadro de pessoal do Estado de Goiás e optou, expressa ou tacitamente, pelo serviço público do Estado do Tocantins; […]
Art. 28. Ao servidor público oriundo do Estado de Goiás, não estabilizado, em exercício da atribuição de cargo efetivo no Poder Executivo, é garantida a permanência no respectivo cargo com os direitos decorrentes desta Lei.
Além disso, no ano de 2013, mais especificamente em 06/06/2013, a Lei nº 2.726 fez incluir os “remanescentes do Estado de Goiás não efetivos, estabilizados ou não” no Regime Próprio de Previdência tocantinense ao suprimir o inciso I do § 3º do art. 4º da Lei nº 1.614/2005.
Aliás, esta Lei 2.726/2013, com a seguinte ementa “Inclui, no Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos e Militares do Estado do Tocantins – RPPS-TO, os segurados que especifica, e adota outras providências”, inclusive dos demais poderes, tem o explícito escopo de atender servidores públicos que não se enquadrem nas hipóteses previstas constitucionalmente para integrar um regime próprio.
Afinal, não haveria sequer necessidade de uma lei, de qualquer âmbito, que diga que a um Regime Próprio de Previdência instituído a este se submeterão servidores públicos efetivos e aqueles contemplados pelos ditames do art. 19 do ADCT da CF/88.
Outra irregularidade é sobre a pretensa fonte de custeio criada para suportar os encargos oriundos desta inclusão indevida não parecem ter aptidão para resguardar o déficit ocasionado. O art. 3º desta norma indica que as contribuições previdenciárias que as contribuições previdenciárias passarão a ser recolhidas para o Fundo de Previdência dos Servidores Públicos do Estado do Tocantins (FUNPREV), em noventa dias (a partir de 05/09/2013), acrescidas em 12% (6% pela contribuição patronal e os outros 6% pelos próprios servidores ou pensionistas).
Contudo, questiona-se, não é necessário muito esforço para vislumbrar-se que o equilíbrio atuarial e financeiro dificilmente será assim observado.
Estes servidores antes contribuíam para o Regime Geral de Previdência Social, com uma alíquota de 11%, sobre o teto deste mencionado regime. E, com esta nova lei que os inclui no Regime Próprio de Previdência, a grande parte, se não a totalidade, estarão contemplados com aposentadorias integrais, e ainda, com paridade, por terem ingressado no serviço público antes das Emendas Constitucionais que alteraram as regras originais para a aposentadoria do servidor público.
Sendo que ao longo de sua vida funcional não contribuíram ou contribuíram por tempo irrisório para que pudessem passar para a inativa percebendo proventos de elevada monta, que onerarão todo o sistema de Previdência Social tocantinense de modo incalculável.
Indiretamente, não se exige o cumprimento dos requisitos do inciso III do §1º do art. 40 da CF/88, em especial no que diz respeito aos “cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria”, pois, além de não ocuparem cargos desta natureza, os referidos servidores não contribuíram para o Regime Próprio por este período, como o constituinte originário exigiu, como forma de não sobrecarregar os Regimes Próprios de Previdência.
Portanto, a inclusão dos “não estáveis” no Regime Próprio de Previdência Social apresenta gravidade tão expressiva que pode comprometer toda a sistemática de aposentadorias para os servidores públicos efetivos em um futuro próximo, causando um verdadeiro colapso nas contas do Fundo Previdenciário, que já passa a dispor montas superiores àquelas arrecadadas.
CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 trouxe como regra para ingresso no serviço público a aprovação em concurso público, com a limitada exceção contida no final do inciso II do art. 37 (cargos em comissão), bem como com a previsão de estabilização daqueles servidores que estivessem na ativa há cinco ou mais anos, quando da publicação desta Constituição, como se entende do previsto no art. 19 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Ocorre que o Estado do Tocantins, de modo a fazer incluir nos seus quadros de servidores efetivos – e, posteriormente, no Regime Próprio de Previdência Social – criou a figura do denominado “remanescente de Goiás” ou “não estável” ou “não estabilizado”. Os quais integram um grande grupo de servidores que passaram a ocupar cargos e funções de natureza efetiva, sem a aprovação em concurso público e sem cumprirem os requisitos do art. 19 do ADCT.
O vínculo destes servidores públicos poderia ser, no máximo, precário, com a ocupação de cargos em comissão, com a submissão e contribuição previdenciária ao Regime Geral de Previdência, consoante previsões constitucionais e legais. Entretanto, todos detêm tratamento legal como se o vínculo efetivo ou a adequação ao art. 19 da ADCT tivessem.
O desequilíbrio atuarial e financeiro afirma-se com clareza solar, pois, além de somente passarem a contribuir para o Regime Próprio de Previdência em setembro/2013, a dedução de sua contribuição para o Regime Geral de Previdência incidia sobre o teto deste último sistema, sendo que estes servidores e seus pensionistas receberão quantias, em muitos casos, bastante superiores àquele valor máximo.
Desta maneira, as normas estaduais que “efetivam” servidores públicos, além de transportarem-lhes para o Regime Próprio de Previdência tocantinense, são eivadas de expressiva inconstitucionalidade, com consequências deletérias para todo o sistema previdenciário próprio deste Estado.
Como uma solução para o caso, dever-se-ia, então, tratar estes servidores como se houvessem ingressado no serviço público com vínculo efetivo a partir de setembro/2013, submetendo-se às regras previdenciárias desta época – ou seja, aposentadoria proporcional ao tempo de contribuição –, e ainda, com a completa observância do §1º do art. 40 da Constituição Federal, isto é: idade, dez anos de efetivo exercício e cinco anos no cargo efetivo.
Espera-se assim que ao menos não se viole mais uma regra constitucional no tocante ao ingresso e à posterior inatividade de servidores públicos tocantinenses.
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[1] Resultou confirmado pela ADI 837 a “inconstitucionalidade das expressões ‘ascensão’ no inciso III do artigo 8º; ‘ascensão e acesso’ no parágrafo único do artigo 10; ‘acesso e ascensão’ no § 4º do artigo 13; ‘ou ascensão’ ‘ou ascender’ no artigo 17; e ‘ascensão’, no artigo 33, todos da Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990.”
[2] Vide STF RE 599661/MG, mediante o qual o Plenário do Supremo Tribunal Federal afirmou que “O art. 19 do ADCT, por estabilizar no serviço público quem não ocupa cargo efetivo, configurando, assim, exceção ao republicano instituto do concurso público, deve ser interpretado nos seus estritos termos.”
[3] Como já confirmou o STF na ADI 3.602.
[4] Conforme § 1º do art. 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
[5] Art. 25. Fica instituído o título de "Pioneiro do Tocantins", atribuído aos servidores que vêm prestando serviços à Administração Direta ou Indireta do Estado, bem como às suas Empresas ou Sociedades de Economia Mista, até a data de 03 de agosto de 1990.
§ 1º. O título a que se refere este artigo terá as prerrogativas estabelecidas em regulamento, inclusive para fins de concurso público, correspondendo, neste caso, a trinta por cento (30%) do total dos pontos a serem atribuídos ao candidato. […]
[6] STF, ADI 598 MC, Relator(a): Min. Paulo Brossard, Tribunal Pleno, julgado em 11/12/1991.
[7] STF, ADI 598, Relator(a): Min. Paulo Brossard, Tribunal Pleno, julgado em 23/09/1993, DJ 12-11-1993.
[8] STF, Rcl 556, Relator(a): Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 11/11/1996, DJ 03-10-1997.
[9] STF, RE 202489, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 14/10/1999, DJ 11-10-2001.
[10] Neste mesmo sentido, o STF se manifestou em diversas outras oportunidades, como é possível visualizar ainda na ADI 1280, PET 902; RCL 481; RCL 519; SS 489; SS613; SS 689; SS 700; e na SS 701.
[11] Ou seja, servidores que ocupavam cargos de provimento em comissão a menos de cinco anos.
[12] GOES, Hugo. Manual de Direito Previdenciário. 4ª Ed. Ferreira: Rio de Janeiro, 2011.
[13] Manual de Direito Previdenciário, ob. cit.
[15] Lei nº 2.670, de 19/12/2012 (PCCR Saúde) – art. 2º, V, c, e art. 35; Lei nº 2.805, de 12/12/2013 (PCCR Adapec) – art. 3º, V, c, e art. 17, §3º; Lei nº 2.807, de 12/12/2013 (Naturatins) – art. 3º, c; e art. 17, § 3º; Lei nº 2.893, de 19/08/2014 (PECS UNITINS) – art. 3º, III.
Técnica de Controle Externo – Especialidade Direito, Tribunal de Contas do Tocantins, advogada licenciada, graduada em Direito pela Universidade Federal do Tocantins, especialista em Direito Público pela Universidade Anhanguera e especialista em Direito e Processo Constitucional pela Universidade Federal do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CURY, Aneli Souza Amaral. A inconstitucionalidade da condição dos servidores “não estabilizados” no quadro de pessoal tocantinense Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 set 2022, 15:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59219/a-inconstitucionalidade-da-condio-dos-servidores-no-estabilizados-no-quadro-de-pessoal-tocantinense. Acesso em: 23 dez 2024.
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