Resumo: A ideia destas linhas é sobremaneira enfatizar que o turismo de vida selvagem, muito embora traga riquezas e rota turística para um município, pode causar distúrbios significativos aos povos tradicionais e também aos animais em seus habitats naturais. Assustar os animais especialmente em momentos sensíveis do seu ciclo de vida tem um efeito adverso e a alimentação dos animais selvagens por turistas, fatores de difícil controle que podem mudar os padrões de comportamento social. Mas inclusive os seres humanos, assim como os animais, podem ser prejudicados pelo turismo das florestas, nos moldes do que aconteceu no Amazonas. Impactos sociais e culturais relacionados ao turismo e sua posterior queda, como aconteceu com a falência do Hotel de Selva Ariaú, podem incluir impactos na saúde e integridade dos sistemas culturais locais.
Palavras-chave: amazônida, atração, inferno verde, preservação, selva.
Abstract: The idea of these lines is to emphasize that wildlife tourism, even though it brings wealth and a tourist route to a municipality, can cause significant disturbances to traditional peoples and also to animals in their natural habitats. Scaring animals, especially at sensitive times in their life cycle, has an adverse effect, and the feeding of wild animals by tourists is difficult to control factors that can change patterns of social behavior. But even human beings, as well as animals, can be harmed by tourism in the forests, similar to what happened in the Amazon. Social and cultural impacts related to tourism and its subsequent downfall, as happened with the bankruptcy of the Hotel de Selva Ariaú, can include impacts on the health and integrity of local cultural systems.
Keywords: amazonian, attraction, green hell, preservation, jungle.
Introdução
É necessário distinguir turismo de vida selvagem e ecoturismo, pois os termos são frequentemente usados intercambiavelmente. O “turismo da vida selvagem” engloba todas as formas e escalas de turismo que envolvem o prazer de áreas naturais e vida selvagem. O turismo da vida selvagem pode ser definido livremente como o turismo que inclui, como objetivo principal, a uso consuntivo e não consuntivo de animais silvestres em áreas naturais.
Pode ser turismo de massa de alto volume ou turismo de baixo volume/baixo impacto, gerar altos retornos econômicos ou baixos retornos econômicos, ser sustentável ou insustentável, nacional ou internacional, e baseado em visitas de um dia ou estadias mais longas (FIGUEIREDO, 1995).
O turismo de observação da vida selvagem é o turismo organizado e realizado para observar a vida selvagem. Esse tipo de o turismo cresceu dramaticamente nos últimos anos; uma rápida pesquisa na internet fornece muitos exemplos de empresas de turismo que comercializam passeios específicos de observação da vida selvagem ou promovem seus produtos destacando observação da vida selvagem como uma atividade opcional que seus clientes podem desfrutar.
Ocorre que em uma época em que a Amazônia era conhecida como ‘inferno verde’ e a guerra fria preocupava o mundo, o oceanógrafo Jacques Cousteau idealizou um hotel no meio da selva durante sua primeira expedição pelo rio Amazonas. “Pouco se sabia sobre a Amazônia e Cousteau, em uma conversa com Francisco Ritta Bernardino, que já trabalhava no ramo de turismo na década de 1980, disparou que futuramente ninguém mais estaria preocupado com a guerra, mas sim com a preservação do meio ambiente”.
Jacques Cousteau era um homem da natureza, visionário, previa a preocupação do mundo com a preservação e falou ao local que seria uma grande sacada montar um hotel onde as pessoas pudessem ter acesso à floresta. Neste contexto, por ter passado 17 anos no Centro de Instrução de Guerra do Exército, o empresário Ritta Bernardino, que conhecia a fundo a região onde o hotel foi erguido, começou com uma torre de apenas quatro apartamentos e um restaurante que funcionava em um barco. A preocupação ambiental foi surgindo também, as pessoas querendo visitar o hotel, e tudo foi crescendo. Mas o proprietário sempre queria mais.
No auge, o empreendimento tinha uma receita de US$ 1 milhão mensalmente, entre 1995 e 2001. Recebia uma média de 3 mil turistas por mês e empregava, diretamente, 400 pessoas, divididos entre a selva e a agência em Manaus. Além de empregos indiretos, que beneficiavam ao menos 300 famílias no entorno do empreendimento.
Ocorre que com a queda das torres gêmeas deixaram de ganhar em dólar, o custo fixo era muito alto e passar a ganhar em real fez o hotel parar de lucrar muito, visto que 90% dos hóspedes eram americanos. Então, começaram a investir no mercado brasileiro, mas o hotel era sensível, com altos custos de manutenção, e em 2014 o negócio foi caindo.
Aliando a crise às dívidas, que hoje chegam a uma média de R$ 20 milhões, o hotel fechou as portas definitivamente no início de 2016. Foi a leilão algumas vezes no passado, por conta de uma dívida com a Petrobras Distribuidora, que soma R$ 1,5 milhão.
O auge do turismo pro amazônida que trazia riquezas e prosperidade, tornou-se uma viagem irresponsável para áreas naturais que não conservaram o meio ambiente e ainda não melhoraram o bem-estar da população local com o advento do desemprego e desastroso fim do negócio, cujos impactos são irreversíveis para esta geração.
1.Amargo impacto social para o amazônida
O passivo muito alto e o impacto maior é para o homem da selva, lembrando sempre que o hotel empregava o verdadeiro amazônida. Visita a comunidades indígenas, casas de caboclos, pescaria, passeios ao encontro das águas, ao arquipélago de Anavilhanas (o maior do mundo), passeios para interação com os botos, sobrevivência na selva, focagem de jacaré e até voos panorâmicos pela Amazônia eram algumas das atrações oferecidas aos visitantes. Os pacotes de hospedagem chegaram a custar, em média, entre US$ 500 a US$ 2 mil.
O Hotel Ariaú foi um dos principais empreendimentos que contribuíram para a divulgação do Amazonas no Brasil e no exterior. Durante décadas, os operadores de turismo e jornalistas especializados, além das personalidades do mundo artístico e empresarial, conheciam o Amazonas por intermédio deste hotel.
Entenda que o ecoturismo proposto por este hotel de selva se concentrava em vivenciar a vida selvagem em seu ambiente natural. Embora o objetivo do ecoturismo seja desfrutar da natureza, nem todo turismo em áreas naturais é sustentável e pode ser definido como ecoturismo (ALMEIDA,2001).
A reflexão aqui passa pelo ecoturismo que deve possuir qualidades como impacto mínimo à natureza e ao meio ambiente, sensibilidade e maior consciência dos ambientes e culturas locais, bem como apoio financeiro para iniciativas de conservação e empoderamento e participação das comunidades locais.
Muito embora a indústria do turismo tende a usar o termo “turismo da vida selvagem” em vez de turismo de observação da vida selvagem, por vezes, os dois termos são idênticos, mas o turismo de vida selvagem às vezes também é usado para se referir à caça ou pesca de turismo e, em alguns casos, refere-se à observação da vida selvagem em cativeiro em zoológicos ou parques confinados (SILVA, 2012).
Na contramão deste caso concreto, o turismo sustentável é o turismo que coloca os princípios do desenvolvimento sustentável em prática. Para ser sustentável, o turismo precisa dar uma contribuição positiva para a ambiente natural e cultural, gerar benefícios para as comunidades anfitriãs, não colocar em risco os meios de subsistência futuros da população local, e se esforçar para antecipar e prevenir a degradação econômica, ambiental, social e cultural.
Turismo que incorpora objetivos de conservação ambiental e cultural com ênfase na economia traz benefícios para as comunidades locais e parecem ser ideais para o desenvolvimento sustentável, pois qualquer dano ao ambiente ameaça a terra e a energia que o turismo depende.
O conceito de ciclo de vida do turismo gira em torno da premissa de que, a menos que haja intervenção, o destino turístico em áreas e recursos, inevitavelmente serão superutilizados e, consequentemente, declinarão. Este ciclo tem várias implicações óbvias para a sustentabilidade, como capacidade de carga, participação local e propriedade, e impactos sociais e ambientais.
A capacidade de carga é uma noção importante a este respeito. Em ecologia, capacidade de carga significa o máximo número de indivíduos que uma área de terra pode suportar, geralmente determinado por suas necessidades alimentares. Carregar capacidade muitas vezes tem um significado diferente quando aplicado às atividades humanas, onde significa a quantidade máxima de perturbação humana que uma área pode suportar sem deterioração (ALMEIDA, 2001).
A Organização Mundial do Turismo (UNWTO) propõe a seguinte definição de capacidade de carga: “o número máximo de pessoas que podem visitar um destino turístico ao mesmo tempo, sem causar destruição do ambiente físico, econômico, sociocultural e uma diminuição inaceitável da quantidade dos visitantes e sua satisfação."
2.Legado do majestoso hotel de selva: luxo ao lixo
Foi com sentimento de tristeza que alguns locais receberam a notícia do decreto de falência do Hotel de Selva Ariaú, pois muitos ainda tinham esperança de que o empreendimento, que já foi um dos nossos principais cartões postais e um dos maiores atrativos turísticos do mundo, voltasse à ativa e recuperasse o prestígio que teve em seus tempos áureos. Mas, desta vez, o turismo perdeu um dos seus principais expoentes do Amazonas para o mundo.
Idealizado na década de 80 pelo empresário Francisco Ritta Bernardino, o Ariaú foi pioneiro no segmento de hotéis de selva no Brasil com uma estrutura inovadora, simplesmente porque foi construído sobre palafitas de madeira à altura da copa das árvores. Por lá, passaram celebridades, políticos e esportistas do mundo inteiro, que ficaram encantados com a experiência vivida no hotel.
Para a tristeza de muitos, em 2015, o Ariaú, que foi considerado o “Teatro Amazonas” dos hotéis, fechou as portas e, hoje, está em um cenário triste, em meio às ruínas e abandono, que nada lembra os tempos em que recebeu o bilionário Bill Gates, os atores Jennifer Lopez e Arnold Schwarzenegger, e o ex-presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter. É uma situação desoladora.
Desde que começou a passar por problemas financeiros, ainda em 2001, o Estado, como indutor de negócios, não agiu para evitar que o empreendimento chegasse ao ponto que está. Uma política pública voltado ao segmento turístico - concessão de crédito, impostos diferenciados, fomento e apoio para a manutenção de empregos - seria viável, mas pouco se fez e se faz pelo setor que sofre com interesses políticos e ambientais.
O Ariaú fechou as portas porque não teve o amparo necessário, por parte do poder público, como “indústria” que olhava desde o início as dificuldades financeiras do hotel, de forma passiva e desconfiada. Para alguns, pela falta de comprometimento com o turismo, perdeu-se o majestoso hotel de selva, uma grande uma lástima para quem vivia deste negócio.
Muito embora o crescimento do turismo e das viagens nas últimas duas décadas tenha sido enorme. Este crescimento continuou, com uma estimativa de bilhão de chegadas de turistas internacionais atrás de experiências de selva. Este crescimento é inevitável, no entanto.
Mas entenda sem paixões que a degradação ambiental de uma forma ou de outra pode reduzir o turismo. Por exemplo, a caça furtiva de animais acabará por levar estas espécies a serem extintas. Além dessa extinção, o ecoturismo sofre (assim como a receita), deixando nenhum emprego para a população local que trabalha nos hotéis.
3.Conclusão
O impacto do turismo na vida selvagem e no meio ambiente não tem sido um dos assuntos mais auditados no mundo ainda. O principal objetivo destas linhas é incentivar a realização de auditorias em turismo de hotéis de selva e seus impactos sobre as atividades relacionadas ao meio ambiente para evitar a perspectiva do luxo ao lixo, com a falência e degradação de tudo.
O turismo sustentável não acontece por si só. Na verdade, vários fatores podem trabalhar contra a sustentabilidade. As necessidades dos turistas, por exemplo, são diferentes daquelas dos moradores locais, e os planejadores tendem a priorizar as expectativas dos clientes. A competição por recursos entre moradores e turistas pode causar inflação e superexploração de recursos, como no caso concreto do Amazonas.
A experiência amazônica fundada em 1986, em Manaus, o Hotel Ariaú foi um hotel altamente luxuoso que em seu auge, o luxuoso hotel chegava a cobrar US$ 3 mil por diária e contava com cerca de 300 funcionários. Contudo, o Ariaú Towers estava com problemas financeiros, que se agravaram quando o fundador se afastou por problemas de saúde e, em 2015, fechou as portas definitivamente. Com o abandono vieram os impactos ambientais, o abandono e até parte da estrutura de madeira do hotel passou a ser levada por saqueadores.
Fica a reflexão que o turismo sustentável não acontece por si só. O turismo sustentável tem a ver com planos de local ou destino e políticas e estratégias de turismo que refletem as formas e meios para atingir as metas e marcos de sustentabilidade. As políticas geralmente adiam as configurações institucionais que permitem a governança do desenvolvimento do turismo. Políticas e estratégias descrevem um futuro estado desejado (visão) e detalham as etapas necessárias para alcançá-lo.
Embora os governos sejam essenciais na moderação das negociações entre os diferentes grupos de interesse, é importante ter uma inter-relação consistente entre as diferentes políticas e estratégias (turismo, redução da pobreza e biodiversidade).
Para alcançar o turismo sustentável, as ferramentas que podem ser usadas incluem políticas de turismo, e mecanismos de corporação interagências, parcerias que permitem que as agências do parque trabalhem com a indústria e reter parte da receita para conservação e desenvolvimento local e treinamento para profissionais e comunidades (GORDILHO, 2007).
O Hotel Ariaú no Amazonas constituiu-se em um grande potencial turístico mundialmente conhecido e explorado por empreendedores que investiram em hotel de selva no meio da floresta amazônica. Tem-se, contudo um grande desafio que não foi superado no embate floresta e os homens das comunidades, que é o gerenciamento da cadeia de valor integrada à logística, onde buscava-se manter harmonia entre as atividades hoteleiras e a floresta. Esta cadeia de valor somente funcionaria perfeitamente se integrada às ferramentas de um sistema que permitisse de forma distinta e ágil realizar as atividades e solucionar os problemas do meio ambiente com sustentabilidade e atenção para os homens.
4.Bibliografia
ALMEIDA, Fernando. O bom negócio da sustentabilidade. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.
FIGUEIREDO, Paulo Jorge Moraes. A sociedade do lixo: os resíduos, a questão energética e a crise ambiental. Piracicaba: Ed. Unimep, 1995. 2ed. 240p
GORDILHO, Heron José de Santana; SANTANA, Luciano Rocha. Revista Brasileira de Direito animal, ano 2, n. 2, jan./jun. 2007.
SILVA, Tagore Trajano de Almeida. Animais: sujeitos de direitos. In: _____. Animais em juízo, direito, personalidade jurídica e capacidade processual. Salvador: Evolução Editora, 2012. p. 95-133.
Professor de Direitos Humanos e Delegado de Polícia Judiciária Civil. Atualmente Delegado Controlador Geral de Administração e Finanças da PC-AM. Foi titular da DECON, 17º DP e 25º DP e Conselheiro do Fundo Estadual de Defesa do Consumidor (CONDECON).. Doutorando em Ciências Jurídicas. Formação como Mestre em Direito Ambiental. Autor dos livros: "Direitos Humanos, vocação do Delegado de Polícia" (ISBN 978-85-400-1964-5), "Consciência ambiental para efetivação da dignidade humana no sistema prisional" (ISBN 978-85-400-2178-5) e "Poder do Óbvio para Blindagem do Consumidor Consciente e Outras Justiças" (ISBN 978-65-89973-08-9).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAETANO, Eduardo Paixão. Desastre da vida animal e os impactos sociais da falência do hotel Ariau entre os amazônidas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 set 2022, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59309/desastre-da-vida-animal-e-os-impactos-sociais-da-falncia-do-hotel-ariau-entre-os-amaznidas. Acesso em: 23 dez 2024.
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