JOÃO FRANCISCO DA SILVA[1]
(coautor)
RESUMO: O presente artigo propõe um estudo acadêmico acerca de questão que comporta divergências doutrinárias e jurisprudenciais: a greve deflagrada com fins exclusivamente políticos é ilícita? Para tanto, realizamos uma breve análise histórica do direito de greve, chegando aos tempos atuais, nos quais o direito de greve e a democracia estão intrinsecamente relacionados. Destacamos, também, que a greve é direito fundamental e a greve política, por sua vez, é subclasse de referido direito fundamental no atual Estado Democrático de Direito no Brasil.
Palavras-chave: Greve. Direitos Fundamentais. Greve Política. Estado Democrático de Direito.
ABSTRACT: This paper proposes an academic study on a matter that involves theoretical and court precedents divergences: are strikes exclusively started with political purposes unlawful? In order to do so, we carried out a brief historical analysis of the right to strike, until current times, in which the right to strike and democracy are intrinsically related. We also noted that the strike is a fundamental right and the political strike is, in turn, a subcategory of such fundamental right in Brazil’s current democratic State based on the rule of law.
Keywords: Strike. Fundamental rights. Political strike. Democratic State based on the rule of law.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2. A GREVE NO CONTEXTO HISTÓRICO DO MUNDO E DO BRASIL. 2.1. BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS. 2.2. A GREVE NO MUNDO. 2.3 A GREVE NO DIREITO BRASILEIRO. 3 A GREVE COMO DIREITO CONSTITUCIONAL E FUNDAMENTAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. 4. A GREVE POLÍTICA. 4.1. A GREVE POLÍTICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO TRABALHADOR: TEORIA RESTRITIVA E TEORIA AMPLIATIVA. 4.2. A GREVE DOS TRABALHADORES E DOS ESTUDANTES DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO EM 2012. 5. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS.
O presente artigo propõe um estudo acadêmico acerca de questão que comporta divergências doutrinárias sobre a greve política.
O direito de greve e a democracia estão intrinsecamente relacionados. Mas o que é a greve política? Como ela é classificada? O ordenamento pátrio a reconhece como lícita?
Ao longo do artigo, buscaremos responder a essas indagações e, para tanto, traremos considerações históricas para a compreensão do tema.
O detalhamento histórico trazido, principalmente no tópico atinente à greve no Brasil, decorre da necessidade de destacar o tratamento que a greve recebe na sua acepção geral e, também, que a greve política recebe na história pátria.
A greve é um direito dos trabalhadores e, por isso, só pode ser decidida se aprovada pelos próprios trabalhadores. Além disso, por ser um direito social, a greve também pode ser feita objetivando um interesse social. A nosso ver, o trabalhador pode recorrer à greve para atender a uma reivindicação trabalhista, assim como pode ser utilizada como instrumento para reivindicações políticas ou de outros ideais.
A greve política, nesse contexto, pode ser conceituada como a paralisação dos trabalhadores, de uma mesma categoria ou de categorias diferentes, que questiona decisões, atos, manobras ou mudanças promovidas por líderes e figuras políticas ou que busca reverter quaisquer outros efeitos que venham a ser gerados pela política de um país, de uma região ou até mesmo de área reduzida e específica, ou seja, versa sobre elementos que não se prendem exclusivamente ao contrato de trabalho nem a condutas do empregador.
O direito de greve, nesse diapasão, não deve ser limitado aos conflitos de trabalho suscetíveis de culminar em uma convenção coletiva de trabalho apenas. Destarte, as greves podem ter natureza: a) trabalhista, que buscam garantir ou melhorar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores; b) sindical, que buscam garantir e desenvolver os direitos das organizações sindicais e de seus dirigentes; c) política, que têm por fim, embora indiretamente, a defesas dos interesses econômicos e sociais dos trabalhadores.
Por derradeiro, o objetivo maior do presente artigo é que ao final o leitor possa ter a sua própria resposta acerca da seguinte questão: É lícita ou abusiva a greve deflagrada com fins exclusivamente políticos?
2. A GREVE NO CONTEXTO HISTÓRICO DO MUNDO E DO BRASIL
2.1. BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
Parte da doutrina relata que a história da greve remonta ao século XII a.C., quando trabalhadores se recusaram a trabalhar na construção do túmulo de um faraó em protesto pela irregularidade no pagamento de salários e tratamento desumano que recebiam. Outros doutrinadores, por sua vez, indicam o êxodo em massa dos hebreus, ao abandonarem o Egito.
A história da greve remonta, ainda, aos romanos, no Baixo Império, quando as greves foram objeto de repressão pelos textos legais principalmente no setor público e de atividades essenciais.
Na França, a Lei Le Chapelier, de 1791, proibia todas as formas de agrupamento profissional que tivessem o escopo de defender os interesses coletivos. Contudo, até então, não era utilizado o vocábulo “greve” para conceituar as paralisações dos trabalhadores que buscavam melhores condições de trabalho no sentido próprio utilizado pela linguagem do Direito, pois até então não havia a estrutura moderna das relações de trabalho, porquanto o sistema social era nitidamente escravista ou servil.
Nesse contexto, a partir da revolução industrial, quando surge o trabalho assalariado e os trabalhadores passaram a pressionar, em conjunto, o empregador por melhores condições de trabalho, no sentido amplo do termo, é que surge a greve propriamente dita.
O Pacto Internacional Relativo aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais adotado pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (“ONU”), que entrou em vigor em janeiro de 1976, e estabelece o compromisso de os Estados-Partes garantirem o direito de greve de conformidade com as leis de cada País[2].
A Organização internacional do Trabalho (“OIT”), ainda não possui uma Convenção Internacional dispondo, especificamente, sobre o direito de greve. Contudo, a nosso ver, a própria liberdade sindical, proclamada pela Convenção 87 e complementada pela Convenção 98 da OIT, consagra a greve implicitamente.
Ainda no âmbito da OIT, há “orientações no sentido de que as limitações ao exercício do direito de greve sejam razoáveis, relativamente a serviços essenciais e à função pública.”[3]
A Declaração Sociolaboral do Mercosul[4], por sua vez, assegurou a todos os trabalhadores e organizações sindicais o exercício do direito de greve, conforme as disposições vigentes. Asseverou, em seguida, que os mecanismos de prevenção ou solução de conflitos ou a regulação desse direito não poderão impedir seu exercício ou desvirtuar sua finalidade.
O direito de greve é reconhecido, também, no ordenamento da União Europeia. A Carta dos Direitos Fundamentais[5] do aludido bloco internacional, que se tornou juridicamente vinculante a partir do Tratado de Lisboa, em vigor desde 1º de dezembro de 2009, reconhece uma pluralidade de direitos fundamentais, entre os quais o direito de negociação coletiva e de greve.
A maioria dos Textos Constitucionais dos países ocidentais reconhece a greve como um direito[6].
Portanto, desde que seu exercício seja revestido de caráter pacífico, a greve é reconhecida, pela maioria dos países, como um direito fundamental de que devem gozar os trabalhadores.
Passemos, então, a analisar o instituto da greve no direito brasileiro e, em que medida, esse direito constitucional e fundamental pode (ou não) ser limitado a ponto de proibir o exercício da greve exclusivamente política no atual Estado Democrático de Direito.
2.3. A GREVE NO DIREITO BRASILEIRO
A abolição tardia da escravidão no Brasil, em 1888, foi logo seguida por uma legislação penal (Decreto n. 847, de 11 de outubro de 1890) que proibia a greve, tipificando-a como ilícito penal nos arts. 205 e 206.
As Constituições de 1891 e 1932 foram omissas a respeito da greve.
A Constituição de 1937, por sua vez, considerou livre a associação profissional ou sindical, em seu art. 139, que dispunha que “a greve e o lockout são declarados recursos antissociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”.
Em 2 de maio de 1939 foi promulgado o Decreto-lei 1.237, que instituiu a Justiça do Trabalho e previa punições em caso de greve, desde a suspensão e a despedida por justa causa, até a pena de detenção.
A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943) tratava na Seção I, Capítulo VII, do lockout e da greve, prevendo que os empregados que, coletivamente e sem prévia autorização do tribunal, abandonassem o serviço, ou desobedecessem a qualquer decisão proferida em dissídio, incorreriam nas penalidades de suspensão ou dispensa do emprego, perda ou suspensão do direito de serem eleitos para o cargo de representação profissional (art. 723).
A Constituição de 1946 passa a reconhecer a greve como direito dos trabalhadores, embora condicionando o seu exercício à edição de lei posterior (art. 158).
Assim, sob a égide da ditadura militar, foi editada a Lei n. 4.330, de 1º de junho de 1964, que regulava o direito de greve previsto no art. 158 da Constituição de 1946, que prescrevia a ilegalidade da greve: a) se não fossem observados os prazos e condições estabelecidos na referida lei; b) que tivesse por objeto reivindicações julgadas improcedentes pela Justiça do Trabalho, em decisão definitiva, há menos de um ano; c) por motivos políticos, partidários, religiosos, morais, de solidariedade ou quaisquer outros que não tivessem relação com a própria categoria diretamente interessada; d) cujo fim residisse na revisão de norma coletiva, salvo se as condições pactuadas tivessem sido substancialmente modificadas.
Eram tantas as exigências para a greve ser considerada lícita, que a Lei 4.330/1964 passou a ser conhecida como lei “antigreve”.
A greve na modalidade política certamente representava uma antinomia aos valores opressores da ditadura militar. Os líderes que administraram o país entre 1964 e 1985 o fizeram com práticas tirânicas e determinações autoritárias, em um governo de repressão, aderente inclusive à tortura de seus opositores.
Um movimento coletivo que contestasse manobras do Estado, atitudes políticas ou escolhas da máquina pública obviamente sofreria reprimendas, e essa é uma realidade inerente de um espaço antidemocrático.
O fim da ditadura militar, em 15 de março de 1985, representa uma grande conquista da sociedade e trabalhadores no Brasil. Instalou-se, finalmente, o regime democrático, o Estado Democrático de Direito. E a Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, foi a primeira Lei Maior nesse recomeço político, social, trabalhista e sindical para os cidadãos brasileiros.
Na Constituição de 1988, a greve deixa de ser mencionada no Título atinente à Ordem Econômica e Social, como ocorria nas Constituições anteriores, de 1946 e 1967, passando a figurar no rol dos Direitos e Garantias Fundamentais (MALLET, 2015, p. 21).
Assim, no atual Estado Democrático de Direito no Brasil, a greve é um direito garantido pela Constituição Federal que, em seu artigo 9º, assegura aos trabalhadores o direito de greve como meio de defender seus interesses. É, também, regulamentada pela Lei 7.783/1989, que em seu artigo 2º considera a greve como “[…] a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador”.
3. A GREVE COMO DIREITO CONSTITUCIONAL E FUNDAMENTAL NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO
Segundo BOBBIO (2017, p. 64), são fundamentais os direitos que, positivados em uma constituição, abarcam todas as pessoas sem discriminação, ou seja, são aqueles diante dos quais todos os cidadãos são nivelados em igualdade.
Os direitos fundamentais são divididos em gerações ou dimensões. A primeira dimensão é composta por prerrogativas ligadas à liberdade, direitos civis e políticos, que geralmente foram incorporados primeiramente aos ordenamentos jurídicos nos momentos iniciais do constitucionalismo ocidental, em processos distintos e próprios de cada nação, referentes à oposição contra o Estado (BONAVIDES, 2015, p. 577-578).
A segunda dimensão dos direitos fundamentais adveio da rejeição ao liberalismo que caracterizou o século XX. Consiste ela em direitos da coletividade, além dos direitos sociais, culturais e econômicos. Essas prerrogativas se fizeram presentes nas Constituições com influência do marxismo e também naquelas pertencentes a regimes da democracia social, entre elas a Constituição de Weimar, após um período de eficácia questionável. Enfrentaram tais direitos, alguns impasses, como escassez de recursos, e foram até classificados como meramente programáticos, porém gradualmente vêm se tornando mais aplicáveis (BONAVIDES, 2015, p. 578-579).
A greve, portanto, é um direito fundamental de segunda dimensão e pertence não a cada componente da classe trabalhadora, mas à coletividade, o que faz com que, no âmbito trabalhista, prevaleça sobre direitos fundamentais individuais.
No rol dos Direitos e Garantias Fundamentais, a Constituição de 1988 consagra o direito à greve em seu art. 5º, §1º e art. 9º, § 1º e 2º:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§1º A lei definirá os serviços e atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
O direito à greve no Brasil democrático é, portanto, fundamental e com aplicabilidade imediata. Nesse contexto, pondera MALLET (2015, p. 21)
Prevalece, em primeiro lugar, a aplicabilidade imediata do direito de greve, nos termos do art. 5º, §1º, da Constituição, afirmada, inclusive, por jurisprudência e doutrina. Em consequência, são inconstitucionais normas inferiores contrárias à possibilidade de exercício do direito de greve. Teve o Supremo Tribunal Federal oportunidade de extrair dessa aplicabilidade imediata a inconstitucionalidade de norma estadual que sancionava com exoneração a participação de servidor em greve, ainda em estágio probatório.
Outro ponto importante que decorre de a greve ser um direito constitucional e fundamental é que a lei regulamentadora não pode inviabilizar o exercício do direito de greve, com exigências desproporcionais, tampouco pode comprometer seu núcleo essencial, com restrições desequilibradas.
Porém, a despeito de a Constituição de 1988 assegurar o direito de greve ao trabalhador, certo é que não se trata de um direito absoluto, ou seja, na ponderação com outros bens constitucionalmente garantidos, o direito de greve pode ser objeto de limitações.
Entretanto, a nosso ver, trata-se de ponderar um direito constitucional e fundamental com outros da mesma natureza, ou seja, não cabe à lei ordinária e/ou decisões judiciais restringir o direito de greve garantido constitucionalmente.
Trata-se, portanto, do cenário de harmonizar os direitos constitucionais, mas jamais de restringi-los por lei ordinária, onde não há mandamento constitucional requerendo que seja feita essa restrição.[7]
Somente na administração direta e indireta (autarquias e fundações públicas) é que a Constituição de 1988 determina que o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica (art. 37, VII). Ao militar são proibidas a sindicalização e a greve (art. 142, V).
Verificamos, portanto, que o direito de greve não é absoluto, a própria Constituição o limitou, quando era necessária tal limitação, apenas e tão-somente porque deve conviver harmonicamente com os demais direitos fundamentais em nosso Estado Democrático de Direito.
4.1. A GREVE POLÍTICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO TRABALHADOR: TEORIA RESTRITIVA E TEORIA AMPLIATIVA
O direito de greve é um direito fundamental garantido constitucionalmente. A nosso ver, o direito de exercer a greve é, também, um direito social.
Por ser um direito fundamental, a greve se reveste de proteção especial e não podem ser admitidas limitações ao seu exercício, sejam essas limitações impostas por leis ordinárias, sejam impostas por interpretações doutrinárias e/ou jurisprudenciais.
A greve política, por sua vez, é a paralisação dos trabalhadores, de uma mesma categoria ou de categorias diferentes, que questiona decisões, atos, manobras ou mudanças promovidas por líderes e figuras políticas ou que busca reverter quaisquer outros efeitos que vêm a ser gerados pela política de um país, de uma região ou até mesmo de área reduzida e específica, ou seja, versa sobre elementos que não se prendem exclusivamente ao contrato de trabalho nem a condutas do empregador.
Contudo, não significa que as razões da greve política são incabíveis ou que o movimento assim enquadrado deve ser considerado abusivo. Isso porque, ainda que indiretamente, as reivindicações da greve política buscam trazer, ao final, melhores condições – sejam políticas, sociais ou econômicas – aos trabalhadores, enquanto cidadãos pertencentes ao Estado Democrático de Direito que vivemos, atualmente, no Brasil.
Nesse diapasão, LEITE (2014, p. 31) assinala que todas as greves, ainda que reconditamente, assumem um caráter político, no sentido amplo do termo, porquanto o fato de um grupo social de trabalhadores suspender a prestação pessoal de serviços é, em si, um comportamento político, ou, pelo menos, de conscientização política desses trabalhadores perante o empregador, uma vez que a greve, via de regra, tem por objeto a instituição de novas condições de trabalho mais favoráveis em relação àquelas que existiam antes do movimento paredista.
A grande questão que impulsionou o presente artigo acadêmico foi: é lícita ou abusiva a greve deflagrada com fins exclusivamente políticos?
A resposta comporta divergências doutrinárias, mas a nosso ver, a resposta é positiva, como defendemos ao longo deste artigo.
Para a resposta a essa questão, MELO (2017. p. 43) destaca que, para restringir o direito de greve bastaria defini-lo.
Para o autor é o que tem acontecido no Brasil após 1988:
É o que tem acontecido entre nós após 1988, pois, embora a Constituição Federal tenha reconhecido esse direito como um direito amplo e fundamental do trabalhador genericamente considerado, a doutrina trabalhista, e mais especialmente a jurisprudência, tem procurado restringir o seu uso a partir da definição que lhe deu o art. 2º da Lei n. 7.783/89, que a direciona ao empregado e ao empregador na relação estrita trabalhista.
Para MELO (2017, p. 44), enquanto o art. 9º da Constituição de 1988 diz que a greve é um direito do trabalhador e a ele compete decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre o direito a ser tutelado, a Lei de Greve, que é uma lei ordinária regulamentadora, restringe o seu exercício à tutela de direitos apenas trabalhistas, quando se refere à paralisação de serviço de empregador.[8]
Concordamos com MELO (2017, p. 44) quando apresenta críticas à lei ordinária:
Mas, data vênia, uma lei ordinária não pode mudar a essência de um direito assegurado pela Lei Maior – o direito de greve –, no caso, sem restrição, que depois de muitos anos de ditadura militar, em que tal instituto foi negado aos trabalhadores, numa verdadeira aclamação do desejo da sociedade reprimida, faz incluir, no seu texto, esse direito fundamental.
BARROS (1997, p. 11) destaca que é permitida a greve com fins exclusivamente políticos em alguns países, como na Itália e na Espanha, mas desde que não tenham, também, objetivos revolucionários, ou seja, a greve é permitida “para remoção de obstáculos de ordem econômica e social que impedem o desenvolvimento da pessoa humana e a participação dos trabalhadores na organização política, econômica e social do país. ”
Conforme destacamos alhures, o art. 9º da Constituição de 1988 dispõe que é assegurado o direito de greve, não podendo normas inferiores o restringir.
Como destaca LEITE (2014, p. 32), “há cizânia doutrinária no que se refere à extensão e alcance da expressão “interesses” contida no preceptivo em causa.”.
Sobre a controvérsia acerca da expressão “interesses”, BARROS (1997, p. 11-12), por sua vez, assinala que a locução “interesses”, não acompanhada da qualificação desses interesses, é ambígua:
Pode-se pensar, com razão, que tais interesses são os que podem ter o cidadão comum, enquanto membro da comunidade social. Mas esses interesses não podem ser outros senão os do trabalhador enquanto sujeito de um contrato de trabalho, membro do pessoal de uma empresa. Há de se distinguir entre trabalhador enquanto cidadão e cidadão enquanto trabalhador. Interpretação contrária poderia chegar até a afirmação de que a greve defende interesses de todo tipo, sejam trabalhistas, sejam políticos.
O Tribunal Superior do Trabalho, contudo, já declarou abusiva a greve política:
GREVE. NATUREZA POLÍTICA. ABUSIVIDADE. A greve política não é um meio de ação direta da classe trabalhadora em benefício de seus interesses profissionais, e, portanto, não está compreendida dentro do conceito de greve trabalhista. Entende-se por greve política, em sentido amplo, a dirigida contra os poderes públicos para conseguir determinadas reivindicações não suscetíveis de negociação coletiva. Recurso Ordinário Obreiro parcialmente provido. (TST – RODC 454136-20.1998.5.015555, Rel. Min. Valdir Righetto, SDC, DJ 06.08.1999).
Dentre as mais recentes greves políticas declaradas abusivas pelo Poder Judiciário, podemos citar a greve dos caminhoneiros, em 2018, e a greve dos petroleiros, em 2020, cuja ementa de julgamento segue abaixo.
"DISSÍDIO COLETIVO DE GREVE DOS PETROLEIROS DE 2018 - CARÁTER POLÍTICO DO MOVIMENTO EM FACE DA MOTIVAÇÃO APRESENTADA - PARALISAÇÃO NO CONTEXTO DA GREVE DOS CAMINHONEIROS - RECONHECIMENTO DA ABUSIVIDADE IN RE IPSA DE GREVE POLÍTICA - DESCUMPRIMENTO DA ORDEM JUDICIAL INIBITÓRIA DA GREVE - APLICAÇÃO DE MULTA - PROCEDÊNCIA DA AÇÃO . 1. A greve, como fenômeno social, constitui o último recurso dos trabalhadores em um conflito coletivo com seus empregadores, para fazer valer suas reivindicações de melhores condições de trabalho e remuneração. A greve está para a negociação coletiva como a guerra está para a diplomacia, na linha da conhecida e sucinta definição do general prussiano Carl Von Clausewitz: "a guerra é a continuação da política por outros meios" ("Da Guerra", Berlim, 1832). 2. Naquilo que se convencionou chamar de "Escalada Nuclear" durante o período da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, os conflitos localizados em países satélites ou das respectivas zonas de influência eram resolvidos, quando surgidas guerras pontuais, pelo recurso aos armamentos convencionais, desde aqueles mais leves (armas brancas, rifles e metralhadoras), passando para os mais pesados (tanques, aviões e navios), de modo a se evitar o uso de armas atômicas, pelo potencial destrutivo e efeitos radioativos permanentes que deixavam, como se viu em Hiroshima e Nagasaki no final da 2ª Guerra Mundial. 3. Analogamente, no que concerne aos conflitos coletivos de trabalho, a Constituição Federal de 1988, com a Emenda Constitucional 45, de 2004, estabeleceu uma escalada de recursos para a sua composição (CF, art. 114, §§ 1º a 3º), que começa na negociação coletiva, passando pela arbitragem (e institutos similares da mediação e conciliação) e pelo dissídio coletivo (intervenção estatal), para culminar na greve em caso de frustração de todos os meios menos traumáticos. 4. Na greve, ao poder econômico do patrão sobre os salários se opõe o poder sindical sobre o trabalho, sendo o período conflituoso de paralisação de atividades considerado, como regra geral, em caso de não acordo em sentido contrário, como de suspensão do contrato de trabalho (Lei 7.783/89, art. 7º): não há prestação de serviços e não há pagamento de salários. 5. No caso de greve em serviços essenciais, mormente quando prestados em caráter monopolístico, o que se verifica é que, nesse embate de forças, a população acaba sendo refém dos grevistas, pois não tendo como obter tais serviços por fontes alternativas, pode se ver privada de energia, comunicações, transporte, alimentos, saúde e demais serviços básicos de infraestrutura, que dificultariam a sobrevivência da comunidade. Daí o rigor maior e as condições mais exigentes que a Lei 7.783/89 traçou ao regulamentar o direito constitucional de greve. 6. No caso de greve política, o recurso à "guerra" é imediato, sem nenhuma possibilidade de composição não traumática do conflito de interesses, na medida em que, estando o atendimento às reivindicações obreiras fora do alcance direto do empregador, não tem ele como negociar ou recorrer à arbitragem ou ao Poder Normativo da Justiça do Trabalho, pois a competência para acolher as reivindicações veiculadas pelos grevistas é do Poder Executivo ou do Poder Legislativo, editando atos normativos de suas esferas. 7. Assim, nosso ordenamento jurídico não admite a greve política, na medida em que o perfil constitucional do direito de greve (CF, arts. 9° e 114) é o de um direito coletivo dos trabalhadores a ser exercido frente aos empregadores, quando frustradas a negociação coletiva, a arbitragem e o dissídio coletivo. E a jurisprudência pacificada da SDC do TST se firmou nesse sentido. 8. Portanto, quando a motivação da greve desborda para o campo político, dirigida aos Poderes Públicos, na busca de decisões governamentais e ou de edição de leis e atos normativos que refogem ao poder estrito do empregador público ou privado, tem-se que tal greve não se insere no direito coletivo dos trabalhadores, pois a disputa é, na realidade, político - partidária, com os sindicatos operando como braço sindical dos partidos políticos na disputa pela assunção do Poder na sociedade politicamente organizada que é o Estado, ainda que sob a bandeira da luta política de melhora das condições dos trabalhadores . 9. No caso dos autos, de plano se detectou o caráter nitidamente político da greve, pela motivação declinada pelas Entidades Sindicais Suscitadas, resumidas no comunicado de que "suas bases estarão de greve, contra o preço abusivo do combustível e a deposição do Sr. Pedro Parente do cargo de Presidente da Petrobras, bem como os mandos e desmandos do governo Temer" . Daí a conclusão pelo seu caráter abusivo in re ipsa , por não se dirigir à solução de questão laboral no âmbito exclusivo da empresa, ser deflagrada na vigência de acordo coletivo de trabalho, sem nem sequer a alegação de seu descumprimento e qualquer recurso à negociação coletiva. 10. Deflagrada no contexto da greve dos caminhoneiros que paralisou o país no período de 21 a 30 de maio de 2018 e dando-lhe continuidade, houve a determinação judicial de abstenção da greve por parte da Relatora Originária, Min. Maria de Assis Calsing, que foi ostensivamente descumprida pelas Entidades Suscitadas, que alardearam em seus comunicados à população: "Petroleiros não se intimidam com decisão do TST e mantêm greve" . 11. Assim, tendo a greve durado apenas dia e meio dos três originariamente previstos, em face de nova ordem judicial elevando para R$ 2.000.000,00 a multa diária pelo movimento paredista, e caracterizada a abusividade do movimento paredista, é de se julgar procedente o presente dissídio coletivo de greve, dosando-se a sanção originalmente estabelecida, levando-se em conta a capacidade financeira dos sindicatos obreiros, para reduzi-la a R$ 250.000,00 em relação a cada Entidade Sindical Suscitada, autorizando-se as Empresas Suscitantes a proceder à retenção das mensalidades associativas, até o atingimento do montante global das multas, com possibilidade alternativa de execução das mesmas. Dissídio coletivo de greve que se julga procedente, para declaração da abusividade da greve, com aplicação de multas " (DCG-1000376-17.2018.5.00.0000, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Redator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 17/02/2021).
Atualmente, predomina a corrente que defende a teoria restritiva, ou seja, a que defende que não pode ser reconhecida a licitude da greve exclusivamente política, como nos recentes episódios das greves dos caminhoneiros e dos petroleiros no Brasil.
Para os adeptos da teoria restritiva, alguns dos argumentos que levam a crer que a greve política é inaceitável são: a) o empresário não pode suportar prejuízos decorrentes de um conflito que ele não ocasionou; b) o caput do art. 3º da Lei de Greve, ao dispor que a cessação coletiva do trabalho é facultada uma vez “frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recursos via arbitral”, condiciona o direito de greve à prévia tentativa de negociação e c) o sindicato é órgão de representação profissional, e não político, cargo este incumbido aos partidos.
Em sentido contrário, a corrente que defende a teoria ampliativa tem como argumento base não haver qualquer limitação legal à greve política.
Ao contrário, o art. 9º da Constituição de 1988 dispõe que compete aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercer o direito à greve e sobre os interesses que devam por meio dela defender.
Dessa feita, não há vedação legal para uma greve que defenda interesses políticos, pois caso assim desejasse o legislador, teria estabelecido a expressa proibição legal, a exemplo do que ocorria com a Lei 4.330/1964, nos sombrios tempos de ditadura militar no Brasil.
Sendo parte dessa corrente doutrinária minoritária, SILVA (1993, p. 273-274), assevera que:
A Constituição assegura o direito de greve, por si própria (art. 9º). Não o subordinou a eventual previsão em lei. É certo que isso não impede que a lei defina os procedimentos de seu exercício, como exigência de assembleia sindical que a declare, de quórum para decidi-la e para definir abusos e respectivas penas. Mas a lei não pode restringir o direito mesmo, nem quanto à oportunidade de exercê-lo nem sobre os interesses que, por meio dele, devem ser defendidos. Tais decisões competem aos trabalhadores, e só a eles (art. 9º). Diz-se que a melhor regulamentação do direito de greve é a que não existe. Lei que venha a existir deverá ser de proteção do direito de greve, não deve ir no sentido de sua limitação, mas de sua garantia e proteção. Quer dizer, os trabalhadores podem decretar greves reivindicatórias, objetivando a melhoria das condições de trabalho, ou greves de solidariedade, em apoio a outras categorias ou grupos reprimidos, ou greves políticas, com o fim de conseguir as transformações econômico-sociais que a sociedade requeira, ou greves de protestos.
Corroborando o posicionamento de SILVA, ROMITA (1989, p. 269) assinala que:
A interpretação do art. 9º da Constituição deve observar, em plano sistemático, as diretrizes traçadas pelos textos constitucionais que realçam os valores sociais do trabalho como um dos fundamentos em que se esteia o Brasil constituído em Estado Democrático de Direito (art. 1º, IV); determinam que se construa uma sociedade livre, justa e solidária, como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3º, I); protegem o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art. 5º); protegem o trabalho como um dos direitos sociais (art. 6º); asseguram a participação dos trabalhadores na criação do ordenamento jurídico que lhes diz respeito (art. 10) e bem assim na gestão da empresa (arts. 7º, XI e 11); preconizam a redução das desigualdades sociais, como um dos princípios a que obedece a ordem econômica (art. 170, inc. VII); exaltam a valorização do trabalho humano, como um dos pilares de sustentação da mesma ordem econômica (art. 170); apontam o primado do trabalho como a base da ordem social (art. 193); consagram o bem-estar e a justiça sociais como objetivos colimados pela ordem social (art. 193). À luz desses princípios básicos institucionais, deve ser entendido o preceito constitucional que assegura o exercício do direito de greve. Qualquer interpretação que resulte em repressão ou restrição despropositada do exercício desse direito padecerá de inconstitucionalidade.
Compartilhando do mesmo posicionamento de SILVA e de ROMITA, LEITE (2014, p. 35) discorre:
Parece-nos que no atual paradigma do Estado democrático de direito, a greve apresenta-se como um dos instrumentos de promoção da igualdade substancial entre as duas forças produtoras de riqueza: o capital e o trabalho. A Constituição Federal de 1988, é sabido, inspirou-se: (a) na Constituição Portuguesa de 1976, ao proclamar a greve como direito social dos trabalhadores, os quais têm legitimidade para decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devem por meio dele defender (art. 9º, caput); e (b) na Constituição Espanhola de 1978, ao estabelecer a possibilidade de regulamentação do exercício do direito de greve nas atividades essenciais, objetivando a manutenção dos serviços mínimos destinados à comunidade.
ARAÚJO e NUNES JÚNIOR (2001, p. 168) asseveram que compete aos trabalhadores decidir sobre a conveniência e oportunidade de exercer o direito de greve e sobre os interesses que devam por meio dele defender:
O direito de greve consiste na proteção de interesses, de qualquer natureza, e na reivindicação de direitos por meio de uma ação coletiva, afinada a uma mesma finalidade dos trabalhadores envolvidos, que, para tanto, utilizam-se da paralisação do trabalho como mecanismo básico de pressão contra o patronato. Vige, nesse sentido, o princípio de que, na medida em que a Constituição assegurou o direito de greve, compete aos trabalhadores ‘decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender’ (CF, art. 9º).
Segundo GRAU (2011, p.285), a greve “es un acto coral, un clamor que crece y es capaz de romper el recinto que protege el privilegio económico y la desigualdad”. A greve tem sido, segundo o autor, o instrumento mediante o qual se vem conseguindo a grande maioria dos direitos sociais, conceituados como direitos de cidadania plena.
FILHO (2013, p. 21) discorre, nesse contexto, que a greve consiste em um importantíssimo ato político-democrático.
Sob a perspectiva da teoria política, CARVALHO (2011, p. 14) afirma que a greve faz emergir a importância do princípio democrático. Segundo o autor:
“A ruptura da normalidade, no ambiente da empresa, serve para que ele se deixe contaminar pelo princípio maior da democracia, conjugando, afinal, liberdade e participação”.
Perfilhamos do entendimento de que deve ser admitida a greve exclusivamente política, como forma de garantir o amplo exercício do direito fundamental de greve em nosso Estado Democrático de Direito. Ao garantirmos o amplo exercício de um direito fundamental tão importante quanto o direito de greve, estamos garantindo a manutenção da democracia em nosso país.
4.2. A GREVE DOS TRABALHADORES E DOS ESTUDANTES DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO EM 2012
Uma das greves políticas mais recentes, que inicialmente não foi declarada abusiva pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (“TRT/SP”), é a greve dos trabalhadores e dos estudantes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (“PUC/SP”), deflagrada em 2012 (“Greve da PUC/SP”).
A Greve da PUC/SP foi deflagrada em represália ao fato de que o Grão Chanceler nomeou como reitora a candidata que obteve o menor número de votos dentre os três candidatos à reitoria.
Em 14 de novembro de 2012, os funcionários deliberaram pela realização da greve, reivindicando que fosse observado o resultado da eleição realizada democraticamente.
Foi instaurado dissídio coletivo de greve (TRT/SDC nº 005134-84.2012.5.02.0000). Participaram do dissídio, como primeiro suscitado, o Sindicato dos Professores de São Paulo, representando os professores da PUC/SP, e o Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar de São Paulo, representando os demais funcionários, como segundo suscitado.
Os estudantes da PUC/SP também protestaram, por entender que o ato do Grão Chanceler foi uma arbitrariedade que atenta contra o Estado Democrático de Direito. Como resultado, paralisaram as suas atividades estudantis e organizaram uma série de palestras e debates para discutir o tema.
Vale trazer algumas considerações sobre o acórdão prolatado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região nos autos do dissídio coletivo nº 005134-84.2012.5.02.0000 (“Acórdão”).
A primeira delas é que o desembargador relator, Dr. Francisco Ferreira Jorge Neto, rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho, arguida pelo Ministério Público, sob o fundamento de que, segundo o artigo 114 da Constituição de 1988, “o direito de greve é inerente às relações coletivas de trabalho.”.
Outra consideração de suma importância, em relação à tentativa de negociação prévia, foi o fundamento do Acórdão de que “como se trata de greve política, na qual não se tem nenhuma conotação econômica, não se poderia exigir o requisito da exaustão da negociação coletiva”.
Nota-se que, ao fundamentar que a greve não pode ser classificada como abusiva em decorrência da ausência de negociação prévia, o Acórdão assegurou a eficácia do direito de greve.
Entendemos que ao garantir a eficácia do direito de greve, relativizando uma exigência de negociação que não poderia ocorrer, não houve desrespeito à norma legal – como alguns podem concluir. Ao revés, houve autêntica aplicação dos princípios norteadores do Direito do Trabalho.
A coerência lógica é mantida no Acórdão quando da análise da (des)necessidade de deliberação sobre a paralisação coletiva. O Acórdão, então, conclui que “pelas particularidades do movimento grevista, não se pode exigir tamanho formalismo, como o previsto no art. 4º, da Lei n. 7.783/89. ”
O Acórdão segue destacando o que, de fato, é requisito sine qua non no ordenamento jurídico pátrio para a greve não ser considerada abusiva, que “é inegável que a greve é pacífica e dentro dos limites da normalidade”. E, ao final, “do exame dos autos, pelos aspectos formais, concluímos que a greve não é abusiva”.
Por fim, restou devidamente fundamentado no Acórdão: “É inegável que o direito de greve não se resume tão somente como fator de pressão objetivando a melhoria econômica. Portanto, é possível a eclosão das denominadas greves de solidariedade ou as greves políticas”.
O Acórdão do TRT/SP, a nosso ver, não poderia ter sido mais assertivo. Ele incluiu, com brilhantismo, a greve política na classe dos direitos fundamentais.
Vale destacar que o Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, reformou a decisão Regional, sagrando-se vencedora a tese do ministro relator, que considerou a paralisação abusiva.
Mas tal decisão do TST não foi unânime, mas sim por maioria de votos, eis que o ministro Mauricio Godinho Delgado abriu divergência, com o entendimento de que a greve por motivação política é garantida pela Constituição Federal, cabendo aos trabalhadores decidir sobre seu exercício.
O ministro Godinho foi seguido pelas ministras Kátia Arruda e Maria de Assis Calsing, em outras palavras, apesar do resultado do julgamento, 03 (três) Ministros do TST reconheceram a validade da Greve Política.[9]
A Constituição de 1988 dispõe, em seu art. 9º, que “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-los e sobre os interesses que devam por meio dele defender”.
Não há, no texto constitucional, nenhuma limitação quanto à causa da greve, pelo que nos filiamos à teoria ampliativa e, assim, defendemos que a greve política é uma classe pertencente ao gênero greve, garantido em nosso Estado Democrático de Direito.
Concluímos, ainda, ao concomitantemente, a Lei de Greve, que não há como o direito de greve ser restringido, ou seja, a greve política pertence à classe dos direitos fundamentais ao ser feita a análise no plano infraconstitucional.
Isso porque, o artigo 1º da Lei de Greve também dispõe que compete aos trabalhadores “decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” e o artigo 2º, por sua vez, não retira o direito expresso, de forma ampla, tanto no artigo 9º da Constituição de 1988, quanto no artigo 1º da Lei de Greve.
Em não havendo violência, a greve não deve ser respondida com represália ou ser enquadrada como ilegítima.
Nesse contexto, sendo pacífica, a greve deve ser autorizada e também ouvida, como ocorreu na Greve da PUC/SP, em que o TRT/SP reconheceu tal direito, e três Ministros do TST também votaram para que tal direito fosse mantido.
Outrossim, a greve política, em uma democracia, deve constituir uma oportunidade para que os valores políticos do referido regime sejam consumados.
No Brasil, após muitos anos de ditadura militar, o direito fundamental à greve, prevista na Constituição de 1988, foi uma grande conquista não somente dos trabalhadores, mas da sociedade como um todo.
Não podemos, como a devida vênia, permitir a limitação desse direito, sob pena de estarmos renunciando às nossas garantias democráticas, conquistadas arduamente por todos os que se insurgiram durante muitos anos em que o direito de greve não era garantido à sociedade.
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
BARROS, Cássio Mesquita. Responsabilidade civil do sindicato na greve. In: Revista Síntese Trabalhista. 98, ago/97. p. 11 s/s.
BATALHA, Wilson de Souza Campos. Tratado de direito judiciário do trabalho. São Paulo: LTr, 1985.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. São Paulo: Edipro, 2017.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015.
CARVALHO, Augusto Cesar leire de. Direito fundamental de greve e interdito proibitório. In: Arruda, Katia Magalães; COSTA, Walmir Oliveira da (coords.). Direitos coletivos do trabalho na visão do TST: homenagem ao Ministro Rider Nogueira de Brito. São Paulo: LTr, 2011.
CORTEZ, Julpiano Chaves. A lei de greve. São Paulo: LTr, 2010.
DELGADO, Mauricio Godinho. Princípios constitucionais do trabalho e princípios de direito individual e coletivo do trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2017.
FILHO, Jorge Boucinhas. Direito de greve e democracia. São Paulo: LTr, 2013.
GRAU, Antonio Baylos. Estado Democratico de Derecho y amplio reconocimiento del derecho de huelga. Derecho laboral, tomo LIV, n. 242, abril-junio 2011.
HARDY-VALLÉE, Bernoit. Que é um conceito? Marcos Bagno tradutor. São Paulo: Parábola, 2013.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve como direito fundamental. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2014.
LIMA, Francisco Gérson Marques de. Lei de greve anotada: Lei n. 7.783/89. São Paulo: LTr, 2018.
MAGANO, Octávio Bueno; MALLET, Estêvão. O direito do trabalho na constituição. Rio de Janeiro: Forense, 1993.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Fundamentos para a solução dos conflitos coletivos de greve. In: MAIOR, Jorge Luiz Souto; CORREIA, Marcus Orione Gonçalves (orgs.). Curso de direito do trabalho, v. III, Direito coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 2008.
MALLET, Estevão. Dogmática elementar do direito de greve. 2. ed. São Paulo: LTr, 2015.
MELO, Raimundo Simão de. A greve no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: LTr, 2017.
NOVAIS, As restrições aos Direitos Fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 2010.
RODRIGUES PINTO, José Augusto. Direito sindical e coletivo do trabalho. São Paulo: LTr, 1998.
ROMITA, Arion Sayão. Os direitos sociais na constituição e outros estudos. São Paulo: LTr, 1989.
RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios gerais de direito sindical. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado. v. 7: direito coletivo do trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
SOUZA, Ronald Amorim e. Greve & Locaute. São Paulo: LTr, 2007.
SÜSSEKIND, Arnaldo. Responsabilidade pelo abuso do direito de greve. Revista da Academia Nacional de Direito do Trabalho, ano I, n.1, 1993.
URIARTE, Oscar Ernida. Critica de la libertad sindical. Derecho laboral, tomo IV, n. 242, abril-junio 2011.
VIANA, Márcio Túlio. Direito de resistência: possibilidades de autodefesa do empregado em face do empregador. São Paulo: LTr, 1996.
[1] João Francisco da Silva é advogado, especialista em Direito do Trabalho pela Faculdades Metropolitanas Unidas e mestrando em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
[2] Art.8.1. Os Estados-Partes do presente Pacto se comprometem a garantir:
(...)
d) o direito de greve de conformidade com as leis de cada país.
[3] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve como direito fundamental. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2014. p. 51.
[4]https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/forumCorteSupremaNorma/forumCorteSupremaNorma_AP_75320.pdf, acesso em 25/09/2022.
[5] https://www.europarl.europa.eu/charter/pdf/text_pt.pdf, acesso em 25/09/2022.
[6] A de Portugal, por exemplo, o faz em seu art. 57, a Grécia em seu art. 23.2, a Espanha em seu art. 28.2 e a Suécia em seu art. 17.
[7] Não há no art. 9º da Constituição de 1988 expressões como “a ser definido por lei ordinária”, “a ser regulado por legislação infraconstitucional”, de modo que o direito de greve é amplo, garantido constitucionalmente e fundamental.
[8] Art. 1º, Lei 7.783/89. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
Parágrafo único. O direito de greve será exercido na forma estabelecida nesta Lei.
[9] RO-51534-84.2012.5.02.0000
Advogada, especialista em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e mestranda em Direito do Trabalho pela mesma instituição.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIDELIS, Aline Marques. A greve política como direito fundamental do trabalhador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59403/a-greve-poltica-como-direito-fundamental-do-trabalhador. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Beatriz Ferreira Martins
Por: MARCIO ALEXANDRE MULLER GREGORINI
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: JUCELANDIA NICOLAU FAUSTINO SILVA
Precisa estar logado para fazer comentários.