Resumo: O presente artigo tem a finalidade de estudar os conflitos entre normas derivadas de negociação coletiva. Abordando a importância das negociações coletivas para o direito do trabalho, bem como os limites destas negociações que podem ser encontrados tanto na Constituição Federal, como nas legislações infraconstitucionais, em especial na própria Consolidação das Leis Trabalhistas. Analisar-se-á também as premissas existentes na doutrina e na jurisprudência de forma a analisar diante de tantas regras, quais serão os critérios que definirão a melhor forma de interpretação das normas conflitantes. Nesse diapasão, analisar-seá os critérios de conflitos de normas no Direito, como uma das formas de interpretação do conflito de normas coletivas. Concluindo, apontaremos o quanto é importante que o julgador ao interpretar estes conflitos utilize os instrumentos corretos e adote os critérios, dentre outros, como forma de solução do conflito.
Palavras-chave: Negociação Coletiva. Conflito de Normas Coletivas. Critérios.
Abstract: This article aims to study the conflicts between norms derived from collective bargaining. Discussingthe importance of collective bargaining for labor law, as well as the limits of these negotiations that can be found both in the Federal Constitution, as in infra-constitutional legislation, especially in the Consolidation of Labor Laws. We will also analyze the existing premises in the doctrine and jurisprudence in order to analyze between so many rules, which criteria will define the best way of interpreting the conflicting rules. Within this context, it will be analyzed the criteria of conflicts of norms in the Law, as one of the forms of interpretation of the conflict of collective norms. In conclusion, we will point out how important it is that the judge in interpreting these conflicts uses the correct instruments and adopts the criteria, among others, as a way of solving the conflict.
Keywords: Collective Bargaining. Conflict of Collective Norms. Criteria.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 IMPORTÂNCIA DOS INTRUMENTOS COLETIVOS DE TRABALHO E SEUS LIMITES CONSTITUCIONAIS E INFRACONSTITUCIONAIS. 1.1 A importância Dos Instrumentos Coletivos. 1.2 Os Limites Constitucionais Dos Instrumentos Coletivos De Trabalho. 1.3 Os Limites Legais Dos Instrumentos Coletivos. 2 CONFLITO DE NORMAS COLETIVAS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
O Direito do Trabalho possui algumas características próprias, decorrentes da própria essência do Direito do Trabalho que é de regular as normas existentes e encontrar o bom senso entre os interesses dos trabalhadores e dos empregadores. Uma das formas mais comum de se buscar equilibrar estes interesses é através de dos instrumentos coletivos.
Estes instrumentos coletivos são importantíssimos para o Direito do Trabalho, pois, haja vista uma mesma lei precisar ser aplicada em uma territorialidade como a do Brasil, podem ocorrer distorções em sua aplicação no dia a dia, trazendo ao invés de benefícios, dificuldades para o trabalhador.
Desta forma serve a negociação coletiva, dentre outras hipóteses, para adaptar a legislação e o Direito do Trabalho como um todo, à realidade de uma região, de um grupo ou até mesmo de uma empresa, para que se garanta que os interesses coletivos dos trabalhadores representados por certa categoria estarão refletidos efetivamente no seu trabalho.
Entretanto, uma das maiores dificuldades no estudo do tema é a identificação dos limites para a utilização de tais instrumentos. Estes limites podem decorrer tanto das previsões constitucionais, como infraconstitucionais. A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu inciso XXVI a previsão expressa que prevê não só a negociação coletiva, como o dever de reconhecimento de sua validade. Porém, muitos doutrinadores se debatem entre os limites deste reconhecimento, se estariam adstritos exclusivamente às hipóteses previstas na própria Constituição ou também seria possível pelas hipóteses das leis infraconstitucionais.
Há também uma segunda fase, ultrapassada a primeira discussão, em que, sendo possível a hipóteses de negociação coletiva, em hipóteses além das expressas na Constituição Federal, quais seriam os limites infraconstitucionais para a negociação coletiva? A princípio esta discussão poderia estar ultrapassada, uma vez que a Lei 13.497/2017 estabeleceu os limites para a negociação coletiva, porém já existem vários questionamentos de sua constitucionalidade junto ao Supremo Tribunal Federal.
Do ponto de vista formal e de alcance, a princípio estes instrumentos coletivos são divididos em dois grandes tipos. O primeiro tipo seria a Convenção Coletiva de Trabalho que se destaca pelo fato de ser uma negociação entre os sindicatos representantes das duas categorias, desta forma, teremos uma Convenção Coletiva sempre que as partes signatárias forem os sindicatos dos trabalhadores e os sindicatos das empresas. Por sua vez, o Acordo Coletivo é aquele negociado entre o sindicato dos trabalhadores e uma única empresa.
Todas estas premissas são essenciais para que ao analisar o conflito de normas coletivas do trabalho, se possa entender os questionamentos prévios que devem ser analisados, dos seus limites constitucionais e infraconstitucionais, bem como, se possa entender as características de cada um dos seus instrumentos.
Ocorre que no conflito de normas coletivas tem pairado uma divisão jurisprudencial entre a prevalência da lei mais benéfica ao trabalhador e a aplicação da lei mais específica, que poderia ser interpretada na regra de critérios como a especificidade. As possíveis soluções para esta problemática, diante de todos o cenário apresentado é o que se busca a partir de agora.
1 A IMPORTÂNCIA DOS INSTRUMENTOS COLETIVOS E SEUS LIMITES CONSTITUCIONAIS E INFRANCONSTITUCIONAIS
Ao mesmo tempo que os estudiosos se deparam com a importância dos instrumentos coletivos para o Direito do Trabalho, também se debruçam sob quais seriam os limites destes instrumentos, pois, apesar de ter a característica de adaptar os direitos dos trabalhadores a uma certa realidade social, cultural e até mesmo regional, concomitantemente, também pode trazer riscos aos trabalhadores, com supressão de diretos e até mesmo, nas condições de trabalho.
Para mesmo compreender este fenômeno e então poder estudar os possíveis conflitos destas normas coletivas nos casos concretos, essencial se faz compreender sua importância, bem como, seus limites, tanto os que decorrem da própria Constituição Federal, como aqueles que se respaldam em legislação infraconstitucional.
1.1 A importância Dos Instrumentos Coletivos
Os instrumentos coletivos são essenciais para o Direito do Trabalho, uma vez que são eles que conseguem, no dia a dia, colocar a realidade de determinados trabalhadores e de determinadas empresas no caso concreto.
Ao se editar uma lei, neste caso uma lei trabalhista, o legislador sempre buscará uma lei que contemple a realidade de todos os trabalhadores para o qual esta lei é promulgada. No caso deste estudo, ao estabelecer um novo regramento trabalhista busca-se o legislativo uma lei que possa ser aplicada a todos os trabalhadores brasileiros.
Ocorre que temos um país de dimensões continentais e estas leis nem sempre alcançarão a melhor realidade para cada local. Neste ponto, essencial a utilização de instrumentos coletivos para que possam adaptar as leis vigentes às realidades locais, que podem ser derivadas de questões regionais, culturais, dentre outras.
Um ótimo exemplo que sempre se encontra é o do intervalo intrajornada, enquanto em muitos lugares há uma severa discussão para que o intervalo possa ser fracionado em período inferior à uma hora de trabalho, pois, para aquele grupo de trabalhadores é mais importante ter um intervalo de refeição menor e chegar mais cedo do trabalho. Já em outras regiões há previsão expressa em instrumentos coletivos de que o intervalo deverá ser de 2 (duas) horas, pois, para aquele grupo de trabalhadores, é essencial que o intervalo intrajornada seja de, pelo menos, duas horas.
Este poder de adaptar à realidade de cada grupo de trabalhadores ao caso concreto, além de ser essencial do ponto de vista prático, como narrado acima, tem um grande respaldo na própria Constituição Federal. Inicialmente nos deparamos com a previsão expressa do artigo XXVI da Constituição Federal que prevê, não só as negociações coletivas, como o seu reconhecimento: “Art. 7º (...) XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;”[1].
Entretanto, estes instrumentos são tão importantes que, em várias outras passagens o legislador constituinte fez questão de autorizar, expressamente, a flexibilização de alguns direitos trabalhistas, através de negociação coletiva, dos quais podemos citar os incisos VI, XIII e XIV, in verbis:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
[...]XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
[...]XIV - jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;[2]
Podemos verificar, que a própria Constituição previu, não somente a negociação coletiva, como, reconheceu seu direito e esculpiu em seu bojo algumas hipóteses expressas em que os direitos dos trabalhadores poderiam ser flexibilizados.
Ocorre que há uma mensagem importantíssima nesta previsão, pois, ao prever tais possibilidades, o fez nas hipóteses mais protetivas possíveis, sendo elas, no salário e na jornada de trabalho. O salário e a jornada de trabalho são, indubitavelmente, dois dos direitos mais protegidos do Direito do Trabalho e, mesmo assim, quis o legislador constituinte, deixar claro a hipótese de que estes direitos, mesmo sendo muito importantes, poderiam ser flexibilizados através dos instrumentos coletivos.
O que se pode concluir é que a Constituição reconheceu a importância dos instrumentos coletivos. Juntamente com este reconhecimento, procurou garantir os direitos fundamentais aos trabalhadores, vários deles de forma expressa, porém, ao mesmo tempo, procurou valorizar a flexibilização dessas normas através da negociação coletiva. Buscou-se, também, valorizar os movimentos sindicais, como partes capazes de representar os trabalhadores e, através da negociação, buscar melhores condições de trabalhos para aqueles que representam. Tudo isso sob a ótica de que, com a negociação coletiva é possível adaptar a lei à realidade das partes no caso concreto.
1.2 Os Limites Constitucionais dos Instrumentos Coletivos
Apesar da previsão expressa do reconhecimento da negociação coletiva na Constituição Federal demonstrando claramente a importância que o constituinte deu a este instrumento, positivando o dever de respeitar sua validade. Todavia, a dúvida mais comum é se essa “validade” afirmada expressamente no texto constitucional, poderia também flexibilizar outros direitos constitucionalmente previstos, mas não autorizados expressamente pela Constituição Federal.
Diante da ausência de uma resposta expressa, temos várias correntes, algumas bastante divergentes acerca daquilo que pode ou não ser flexibilizado através de negociação coletiva. Uma corrente, mais conservadora, defende que o texto constitucional que prevê a flexibilização da legislação trabalhista através de acordos e convenções coletivas, seguindo um raciocínio lógico, só o poderia fazer para beneficiar o trabalhador e, assim sendo, não poderia de maneira alguma retirar direitos já adquiridos por esses trabalhadores.
Entende, portanto, essa corrente que somente poderão ser flexibilizados os direitos com previsão expressa na Constituição Federal e para favorecer o trabalhador. Dentre os doutrinadores que caminha por essa linha está Ipojucan Demétrius Vecchi, que defende a interpretação da flexibilização constitucional de maneira restritiva:
A interpretação restritiva parece a mais razoável se levarmos em conta o todo constitucional. Assim, mesmo para as hipóteses de flexibilização expressamente previstas na CF de 1988, não se está dando uma carta em branco para a restrição, pois qualquer restrição a um direito fundamental sempre deverá passar pelos critérios de razoabilidade, proporcionalidade e preservação do núcleo essencial dos direitos restringidos.[3]
Para esta corrente os direitos elencados no artigo sétimo da Constituição Federal de 1988 são direitos fundamentais, não podendo, portanto, serem modificados por meio de uma simples negociação coletiva. Neste mesmo sentido, o doutrinador Arnaldo Sussekind reforça:
Se nem por emenda constitucional poderão ser abolidos direitos relacionados no art. 7º. Da Carta Magna, elevados a categoria de clausulas pétreas, como se admitir possam fazê-lo convenções ou acordos coletivos ou que esses instrumentos normativos possam modificá-los em sua essência?[4]
Fica evidente através das citações dos autores acima, que a corrente restritiva só admite a flexibilização de direitos que a própria Constituição Federal expressamente previu e, ainda assim, há quem defenda que mesmo naqueles expressamente previstos, para que seja válida a flexibilização ela deverá ser analisada sob o ponto de vista dos direitos fundamentais e ser benéfica ao trabalhador.
Os doutrinadores que se filiaram a esta corrente entendem que a flexibilização através de acordo coletivo, quando prevista pela Constituição, deve buscar sempre cumprir uma finalidade social. Não há que se falar em supressão ou retirada de direitos já previstos, uma vez que não é esta a característica e nem a finalidade da Constituição Cidadã. Entendem, também, que poderá haver outros tipos de flexibilizações, tais como as legais e até emendas constitucionais, mas, somente dentro dos limites que respeitem os mesmos direitos fundamentais já apontados.
Para eles, pode até ser necessária e válida, em cenários extremos, a flexibilização dos direitos trabalhistas através de acordos e convenções coletivas com modulação dos direitos dos trabalhadores, mas, apenas aqueles em que a Constituição expressamente prevê e, ainda assim, dentro dos limites dos direitos fundamentais previstos nesta mesma Constituição.
A segunda corrente, que se pode chamar de mais liberal, consegue enxergar nesta mesma previsão constitucional algo bem mais amplo do que o que vislumbra a corrente restritiva. Os autores adeptos desse entendimento, afirmam que a Constituição Federal ao instituir um inciso específico de reconhecimento da negociação coletiva, positivou um direito, tendo sido o constituinte claro e preciso em sua intenção de atestar a validade desses instrumentos, sendo, portanto, um dever de todos o reconhecimento das negociações coletivas.
Para os doutrinadores dessa corrente quando o constituinte realizou essa previsão expressa, deu origem ao princípio constitucional da autodeterminação coletiva. Este princípio, de maneira ampla, significa que nas relações de trabalho deverá prevalecer a consagração constitucional da autodeterminação coletiva, que se caracteriza pela liberdade das partes comporem situações específicas da relação de trabalho, podendo, inclusive, transacionarem outros direitos, além daqueles expressamente previstos na Constituição de 1988.
Esse posicionamento é amplamente encontrado na jurisprudência, podemos citar como exemplo a própria súmula do Tribunal Superior do Trabalho, súmula n.º 349, que dispõe:
Acordo de compensação de horário em atividade insalubre, celebrado por acordo coletivo. Validade. A validade de acordo coletivo ou convenção coletiva de compensação de jornada de trabalho em atividade insalubre prescinde de inspeção prévia da autoridade competente em matéria de higiene do trabalho.[5]
Ora, o artigo 60 da Consolidação das Leis do Trabalho é claro e expresso no sentido que o empregador, para realizar atividades além da jornada normal em locais insalubres, deverão informar, previamente, autoridade competente. Porém, a própria Súmula 349 do Tribunal Superior do Trabalho, afirma que tal informação à autoridade competente é desnecessária quando prevista a compensação em acordo coletivo, demonstrando de forma clara que poderá uma negociação coletiva, restringir direitos dos trabalhadores, dentro do razoável.
Em outro entendimento, desta vez em um acórdão, o Tribunal Superior do Trabalho também se posicionou no sentido de reconhecer a validade de uma negociação coletiva que autorizou o pagamento de resíduo salarial, sem integralização, através de acordo coletivo, senão vejamos:
Reajuste salarial – pagamento de resíduo salarial previsto em acordo coletivo – Flexibilização – Violação do art. 7 º, XXVI, da CF, caracterizada – Se a Constituição Federal adimite a flexibilização das normas laborais mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, tornado viável até a redução dos salários, a diminuição da jornada de trabalho e a adoção de turnos de revezamento superiores a seis horas, conforme se vê nos incisos VI, XIII e XIV, do Art. 7º, deve o judiciário admitir que, na negociação coletiva, as Partes façam concessões mútuas. Alias, a Eg. SDI, deste C. Tribunal firmou jurisprudência neste sentido. Tem-se, desse modo, que é válido o acordo coletivo que condicionou o pagamento do resíduo salarial relativos aos meses de janeiro e fevereiro de 1994 à obtenção de lucros pela empresa, restando configurada a violação do art. 7º, XXVI, da CF. Recurso de Revista conhecido e provido.[6]
Se o entendimento da corrente restritiva prevalecesse na jurisprudência, nenhuma das duas decisões acima seria possível, pois, não há nenhuma previsão expressa, quer seja para a possibilidade de flexibilização do artigo 60, de informar previamente sobre jornada em atividades insalubres, tampouco para validar nova coletiva que autorizou o pagamento de resíduo salarial.
O autor Arion Sayão Romita, defensor dessa corrente mais liberal, entende que o Direito do Trabalho deve ser um regulador que olha para todas as partes de maneira isonômica, não podendo proteger nenhuma das partes, e expressa isso de forma cristalina nesse trecho de sua obra:
Numa ordem democrática, inexiste possibilidade de antagonismo ou oposição entre o negociado e o legislado. Existiria apenas o negociado, pois o legislador se limitaria a promover as condições em que o negociado poderia expandir-se. O Estado, como nume tutelar do interesse maior da coletividade, atuaria como mediador e arbitraria os conflitos.[7]
Zamboto, se baseando no professor Cassar, explicita que: “Existem muitos pronunciamentos de autores e juristas que adotam a tese de que a norma coletiva pode acordar o que quiser, desde renunciar, até transacionar direitos previstos em lei ou de caráter privado, sendo que a própria carta de 88 autoriza e dá luz a essa flexibilidade.”[8].
Há ainda uma corrente que defende ser possível a flexibilização, porém, resguardados alguns direitos dos trabalhadores para que não se cometam excessos. Para esta corrente intermediária, há também situações específicas em que caberia esse tipo de flexibilização, e não em qualquer caso.
Quem explica com clareza esse raciocínio é Sérgio Martins[9], que em sua obra, ao estabelecer os limites para a flexibilização do direito do trabalho, diz que a sua admissibilidade se dará de duas formas: a) os admissíveis – que são usados, por exemplo, nas épocas de crise, permitindo a continuidade da empresa, porém garantindo um mínimo ao trabalhador, sendo realizado, nesse caso, geralmente por meio da negociação coletiva e b) os inadmissíveis – quando são instituídos apenas com o objetivo de suprimir direitos trabalhistas.
O mesmo doutrinador ao demonstrar os limites, faz uma diferenciação entre os tipos de flexibilização quanto a sua possibilidade, dividindo em: a) proibida - em que a lei veda a flexibilização, como ocorre nas hipóteses de normas de ordem pública; e b) autorizada ou permitida – como, por exemplo, a contida no inciso VI do art. 7º da Constituição, que permite a redução dos salários mediante convenção ou acordo coletivo.
Sendo assim, sobre a possibilidade de flexibilização do Direito do Trabalho através da Constituição Federal, temos três correntes, uma mais rígida, que entende só ser possível através de negociação coletiva nos casos expressamente previstos na própria Constituição.
Uma segunda a favor da flexibilização ampla, que entende que há um princípio constitucional previsto no artigo 7º, inciso XXVI, princípio da autodeterminação coletiva, que permite uma flexibilização generosa, desde que através de negociação coletiva, devendo prevalecer a vontade das partes mais interessadas na relação de trabalho, quer seja, o trabalhador e a empresa.
E uma corrente intermediária que entende ser possível a flexibilização através da Constituição federal, porém, em situações específicas e sem retirar direitos dos trabalhadores, respeitando os limites legais de previsão e/ou ausência de previsão legal para que ocorra a flexibilização.
Este corte é importantíssimo, pois, como será apresentado a seguir, uma das maiores discussões na jurisprudência reside justamente sobre o que se poderia ou não flexibilizar através de normas coletivas, bem como, quais os limites destas flexibilizações para que não prejudique ou retire direitos dos trabalhadores.
1.3 Os limites Legais dos Instrumentos Coletivos
Dentro deste conceito, buscando adaptar a lei à realidade fática, seja pela perda da sua eficácia ao longo do tempo, ou simplesmente para adaptar esta lei a uma realidade mais específica, como por exemplo uma regionalidade, tem-se recorrido à maneira mais céleres e eficientes para essa flexibilização, que são as negociações coletivas.
Contudo, apesar da necessidade imperiosa de se flexibilizar a legislação trabalhista, seja através de leis infraconstitucionais ou de negociação coletiva, indispensável se faz também o questionamento de quais deverão ser os limites desta flexibilização.
Quanto a flexibilização através do legislativo, com a criação de novas leis, é pacífico na doutrina a ideia de que esta deverá respeitar e se adequar à Constituição Federal. Esta subordinação não se limita apenas as leis ali previstas, mas também aos princípios constitucionais.
Quanto as negociações coletivas, o questionamento mais comum encontra-se na possibilidade do sindicato dos trabalhadores, que tem como missão a defesa dos direitos laborais, poder realizar instrumentos coletivos que se sobreponham a uma lei. Nesse sentido ensina Bomfim que “era impensável, até a última década, discutir-se a possibilidade de uma norma negociada na área do direito do trabalho – cuja razão de ser é a proteção jurídica do trabalhador em face da sua inferioridade econômica frente ao empregador – sobrepor-se a lei”[10].
Haja vista a previsão constitucional de tais flexibilizações, como narrado acima, várias são as correntes que se formaram acerca da possibilidade e dos limites de tais flexibilizações. A primeira corrente defende que podem ser objetos de negociação qualquer direito de caráter privado, podendo as partes firmar entre si as melhores formas de trabalho, tendo como limites apenas aquilo que a lei expressamente vedar sua flexibilização.
A segunda corrente tem um entendimento no sentido de que os direitos já previstos em lei não podem ser passíveis de modificação, salvo quando a lei de forma expressa autorizar sua flexibilização. Quanto ao direito privado, só poderão ocorrer alterações que não acarretem na supressão ou retirada de direitos do trabalhador, ou seja, somente poderão ser flexibilizados, mesmo os direitos privados, quando comprovadamente não houver redução dos direitos já adquiridos pelos trabalhadores.
A terceira corrente procura ela própria fazer uma divisão dos direitos trabalhistas, de forma a poder determinar quais direitos poderiam ou não ser flexibilizados. Para tanto, dividem estes direitos em direitos de indisponibilidade absoluta e direitos de indisponibilidade relativa. Para esta corrente, os primeiros não poderiam em momento algum ser alterados, enquanto os segundos, poderiam ser flexibilizados, desde que analisados caso a caso. A grande crítica a esses pensadores, reside na dificuldade de elencar quais direitos se encontra em cada uma das hipóteses e, consequentemente, quais poderiam ou não ser flexibilizados, dado sua classificação como direitos de indisponibilidade relativa.
Maurício Godinho em sua obra faz um misto das duas correntes acima, admitindo a hipótese de serem transacionadas direitos mais benéficos ao trabalhador, bem como, a flexibilização de direitos de indisponibilidade apenas relativa:
As normas autônomas juscoletivas construídas para incidirem sobre certa comunidade econômico-profissional podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo justrabalhista desde que respeitados certos critérios objetivamente fixados. São dois esses critérios autorizativos: a) quando as normas autônomas juscoletivas implementam um padrão setorial de direitos superior ao padrão geral oriundo da legislação heterônoma aplicável; b) quando as normas autônomas juscoletivas transacionam setorialmente parcelas justrabalhistas de indisponibilidade apenas relativa (e não de indisponibilidade absoluta).[11]
É nesta mesma obra que Maurício Godinho tenta caracterizar o que seriam parcelas de indisponibilidade relativa:
[...] se qualificam quer pela natureza própria à parcela mesma (ilustrativamente, modalidade de pagamento salarial, tipo de jornada pactuada, fornecimento ou não de utilidades e suas repercussões no contrato, etc.), quer pela existência de expresso permissivo jurídico heterônomo a seu respeito (por exemplo, montante salarial: art. 7º, VI, CF/88; ou montante de jornada: art. 7º, XIII e XIV, CF/88).[12]
A quarta e última corrente, fortemente encontrada nos tribunais, como será apresentado doravante, defende a primazia da negociação coletiva, contemplando o inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal. Defende que não há limites específicos para a negociação coletiva, salvo aqueles que não podem ser transacionados pela sua própria característica, como, por exemplo, as normas de ordem pública. Para esta corrente, o próprio constituinte previu a flexibilização do bem mais nobre do trabalhador, o salário, consequentemente, não há que se falar em vedação à flexibilização dos demais direitos.
Apesar dos exemplos das correntes acima estarem intimamente ligadas as negociações coletivas, as mesmas se aplicam perfeitamente as possibilidades de flexibilização através de leis infraconstitucionais. Sobretudo a última corrente, onde, é possível qualquer alteração legislativa, desde que respeitados os limites constitucionais, como as normas de ordem pública.
Dentre as quatro correntes, a que mais se destaca e vem seguida pelos Tribunais, é esta, que entende ser possível a flexibilização de qualquer direito do trabalhador, desde que respeitados certos limites, em regra, constitucionais.
Essa corrente é muito criticada por parte da doutrina, Cassar diz que “forçoso concluir que todos os direitos trabalhistas previstos na lei são indisponíveis, imperativos, cogentes. Somente poderão ser disponibilizados quando a própria lei autorizar sua disponibilidade”[13].
Assim também entende Bomfim, que em sua obra critica de forma clara a redução de direitos já consagrados:
Se se permitir que, mediante negociação coletiva, os percentuais ou valores, correspondentes a cada direito ou parcela, sejam, reduzidos os direitos ali consagrados serão, na prática, anulados, perderão efetividade, tornar-se-ão meramente simbólicos. Seria um desvirtuamento do prece constitucional. Criar-se-iam , por via oblíqua, outras exceções, que, ao em vez de visarem à melhoria dos direitos sociais, redundariam em prejuízo destes.[14]
Para muitos a limitação a flexibilização também derivaria do raciocínio destes autores, onde uma lei ordinária ou mesmo uma negociação coletiva, que diminuam ou retirem direitos dos trabalhadores já previstos na Carta Magna ou na Consolidação das Leis do Trabalho, não poderiam ser validadas pelo judiciário.
Este entendimento é seguido pela maioria da doutrina, que destacam o princípio da irrenunciabilidade de direitos dos trabalhadores e até mesmo o princípio da aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, para validar o pensamento, e reforçar a impossibilidade de aplicação de uma lei ordinária ou uma negociação coletiva que diminua ou retire direitos do trabalhador. O autor Vecchi leciona nesse sentido:
Se muitos dos direitos dos trabalhadores são configurados como direitos fundamentais, entra em discussão a questão de sua proteção e limitação não só pelo Estado, por meio de emendas constitucionais ou leis, mas também por instrumento de autonomia privada, como as convenções e acordos coletivos de trabalho. Se estes direitos estão protegidos contra uma emenda constitucional que atente contra o seu núcleo essencial, mas isso se acentua perante qualquer norma infraconstitucional ou norma provida da autonomia privada coletiva, que jamais poderão afetar o núcleo essencial ou não observar o princípio da proporcionalidade.[15]
Observem que segundo o autor, nem mesmo uma Emenda Constitucional poderia alterar um direito fundamental do trabalhador e, nesse sentido, muito menos uma negociação coletiva ou norma infraconstitucional. Porém, a jurisprudência caminha em sentido totalmente contrário ao apresentado pelos doutrinadores acima. Para a jurisprudência, tanto a legislação infraconstitucional, mas principalmente a negociação coletiva deverá ser contempladas em todos os momentos, por gozar de previsão constitucional, como profetiza o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal de 1988.
Ocorre que, em tese, tal discussão está superada, uma vez que com a Reforma trabalhista trazida pela Lei 13.497/2017 há previsão expressa do que poderia ou não ser negociado através de Negociações Coletivas. Esta nova lei que incluiu os Arts. 611-A e 611-B na Consolidação das Leis do Trabalho estabeleceu, pela primeira vez de forma expressa, os limites para esta flexibilização.
Em seu artigo 611-A esculpiu as hipóteses de flexibilização, por meio de um rol, não exaustivo (previsto de forma expressa no caput, com as palavras: dentre outras), de quinze incisos de direitos passíveis de negociação coletiva, como por exemplo a Participação nos Lucros e Resultados, previsto no próprio inciso XV.
Já no artigo 611-B, trouxe hipóteses onde não seria possível a utilização da negociação coletiva, desta vez, em rol taxativo (previsto expressamente com a palavra: “exclusivamente”), em um total de trinta direitos não possíveis de serem negociados por instrumento coletivo, dentre eles, por exemplo, o número de dias de férias do trabalhador, consagrado no inciso XI.
Uma das grandes críticas à esta novidade trazida pela reforma trabalhista, além de possíveis supressão de direitos, pesa sobre a previsão expressa de que estes instrumentos coletivos se sobrepõe à lei. Esta previsão encontra-se no próprio caput do artigo 611-A: “Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre:(...)”[16].
Tais questionamentos já foram levados ao Supremo Tribunal Federal, por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidades, até o presente momento, sem decisão. Porém, na única ADI julgada até o momento, a de número 5.794, onde se pleiteava a inconstitucionalidade da Lei 13.497/2017, sob a premissa de que a mesma extinguiu a Contribuição Sindical Obrigatória e por isso seria inconstitucional. Neste julgamento foi julgada improcedente a ADI e reconhecida a constitucionalidade da Lei 13.497/2017.
Muitos doutrinadores têm entendido que este é um sinal de que ad demais decisões seguirão no mesmo sentido, uma vez que um dos argumentos mais fortes de inconstitucionalidade era justamente a contribuição sindical, esta não sendo reconhecida, não se acredita que os demais serão.
2 CONFLITO DE NORMAS COLETIVAS
O que se pode desde já compreender através do conceito de tal instrumento, é que ele busca uma adaptação a legislação trabalhistas, tornando-a mais flexível, utilizando, por exemplo, o instrumento da negociação coletiva, seja entre sindicatos de empresa e empregados, a chamada Convenção Coletiva, ou através do sindicato dos trabalhadores com a própria empresa, conhecido como Acordo Coletivo, e desta forma valorizar as partes principais da relação de trabalho, empregador e empregado. Porém, se não realizada de forma correta, pode levar a desregulamentação.
Esta classificação de Convenções Coletivas de Trabalho e Acordos Coletivos de Trabalho serão de suma importância na análise que será feita neste tópico, uma vez que é um dos cernes do debate na jurisprudência. Temos duas características importantíssimas no conceito acima: 1) a Convenção Coletiva de Trabalho é, em regra, bem mais ampla do que o Acordo Coletivo de Trabalho, uma vez que são firmadas através de dois sindicatos, ou seja, dois grandes blocos, de um lado o sindicato dos trabalhadores e de outro o sindicato das empresas; e, 2) O Acordo Coletivo de Trabalho é, em regra, bem mais específico do que a Convenção Coletiva de Trabalho, uma vez que é estabelecido entre o sindicato representante dos trabalhadores de uma empresa e a própria empresa, em tese, refletindo mais especificamente as realidades daquele grupo.
Doravante se irá entender a importância desta contextualização. Tem-se hoje na jurisprudência uma grande divisão entre duas grandes correntes que balizará os estudos de agora em diante. A primeira delas defende que não há hierarquia entre Convenções Coletivas de Trabalho e Acordos Coletivos de Trabalho e que, diante deste cenário, o que se deveria aplicar é sempre a norma mais favorável ao trabalhador. Uma segunda corrente defende que, ao contrário, o Acordo Coletivo de Trabalho deverá sempre prevalecer à Convenção Coletiva, por ser este mais específico e refletir melhor os interesses daquela categoria ali prevista. A terceira corrente se posicionou no sentido de que apesar da prevalência do Acordo Coletivo sob as Convenções Coletivas, pela sua especificidade, excepcionalmente as Convenções Coletivas irão se sobrepor, quando estas forem mais favoráveis ao trabalhador.
A terceira hipótese dominou o entendimento de forma que, encontrava-se expressamente esculpida na Consolidação das Leis Trabalhistas, em seu artigo 620: “As condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em Acordo.”[17].
A jurisprudência desta forma também demonstrava que nos casos em que havia um conflito aparente de normas coletivas, dever-se-ia analisar os instrumentos e avaliar aquele que mais trazia benefícios ao trabalhador, como pode ser visto no julgamento do Agravo de Instrumento nº 1124-02.2015.5.14.0091 no Tribunal superior do Trabalho:
Agravo de instrumento em recurso de revista interposto pela reclamada. (...) Convenção coletiva. Prevalência sobre acordo coletivo. Norma mais benéfica. O Tribunal a quo, instância soberana na análise do conjunto probatório, concluiu que a CCT deve prevalecer sobre os ACTs invocados pela ora agravante, tendo em vista que aquela é mais favorável, em seu conjunto, que os acordos coletivos, entendimento que se encontra em conformidade com o art. 620 da CLT. 4. COMPENSAÇÃO DE VALORES. Extrai-se do acórdão regional que foi autorizada a compensação dos reajustes salariais concedidos por meio de acordo coletivo celebrado durante a vigência da convenção coletiva. Contudo, no tocante àqueles reajustes concedidos com amparo no ACT 2013/2014, que iniciou sua vigência em período anterior à CCT 2014/2014, não há falar em compensação. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (...)[18]
Sobre este entendimento leciona Maurício Godinho Delgado, que demonstra que apesar do reconhecimento de que o Acordo Coletivo atende melhor aos interesses de determinadas classes, em havendo norma mais favorável em Convenção Coletiva, esta irá se sobrepor. In verbis:
Nesse quadro de conflito de regras, qual é a hierarquia existente entre os preceitos normativos de convenção e acordo coletivos que abranjam os mesmo trabalhadores, considerado um mesmo período de tempo? A resposta mais imediata conduziria à prevalência das regras do acordo coletivo de trabalho, por serem especiais, em contraponto aos preceitos da CCT, que teriam, na categoria, caráter geral. Esta conclusão derivaria da teoria geral do Direito Comum regulatória dos conflitos de regras, que informa que a regra especial não se comunica com a geral, prevalecendo na ordem jurídica - a menos que haja sua revogação expressa. Tal critério teórico, aliás, foi incorporado pela Lei de Introdução ao Código Civil (art. 2º, §2º). Entretanto, a ordem justrabalhista tem regra explícita a respeito, estipulando que as condições estabelecidas em convenção, quanto mais favoráveis, prevalecerão sobre as estipuladas em acordo coletivo de trabalho (art. 620, CLT). Está claro, portanto, que a Consolidação determina a preponderância da convenção coletiva sobre o acordo coletivo, como fórmula para se cumprir o princípio da norma mais favorável, afastando-se o critério geral oriundo do Direito Civil. Porém, se o acordo coletivo foi mais favorável, ele há de prevalecer, evidentemente.[19]
Observe-se que o Maurício Godinho começa a traçar um paralelo interessante entre as regras do Direito do Trabalho e de negociações coletivas, com as regras de Direito Comum, inclusive citando a consagrada Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, que serão importantíssimas no presente trabalho.
Doravante se irá entender a importância desta contextualização. Tem-se hoje na jurisprudência uma grande divisão entre duas grandes correntes que balizará os estudos de agora em diante. A primeira delas defende que não há hierarquia entre Convenções Coletivas de Trabalho e Acordos Coletivos de Trabalho e que, diante deste cenário, o que se deveria aplicar é sempre a norma mais favorável ao trabalhador. Uma segunda corrente defende que, ao contrário, o Acordo Coletivo de Trabalho deverá sempre prevalecer à Convenção Coletiva, por ser este mais específico e refletir melhor os interesses daquela categoria ali prevista. A terceira corrente se posicionou no sentido de que apesar da prevalência do Acordo Coletivo sob as Convenções Coletivas, pela sua especificidade, excepcionalmente as Convenções Coletivas irão se sobrepor, quando estas forem mais favoráveis ao trabalhador.
Pois bem, pode-se verificar por todo exposto acima de que com uma ou outra divergência, doutrina e jurisprudência caminhavam no sentido de que, em regra, o Acordo Coletivo de Trabalho prevalecia sobre a Convenção Coletiva de Trabalho, por ser este mais específico. Porém, em se tratando de Convenção Coletiva de Trabalho, por força do então artigo 620 da CLT, este deveria prevalecer sempre que previstas condições mais benéficas.
Ocorre que a Reforma Trabalhista trazida com a Lei nº 13.497/2017, mudou a redação do artigo 620, que passou a constar da seguinte forma: “As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho.”[20].
Ora, pela letra fria da nova lei, não mais haveria que se falar em qualquer sobreposição das Convenções Coletivas de Trabalho em nenhuma hipótese, quer seja pela lei utilizar expressamente os termos “sempre prevalecerão”, ou mesmo porque a previsão anterior de prevalência das Convenções Coletivas em casos que a norma fosse mais favorável estava justamente no artigo substituído.
Mas na prática a jurisprudência começou a se dividir, entre aqueles que continuam a entender que, independente da previsão expressa da redação antiga do artigo 620 que não mais existe, ainda assim ter-se-á que aplicar a lei mais favorável decorrente da Convenção Coletiva, mesmo que ferindo lei expressa, por ser a aplicação da norma mais favorável um princípio do Direito do Trabalho.
Vejamos a decisão ocorrida após a Reforma Trabalhista em que os Tribunais Regionais reconheceram a aplicação do princípio da norma mais favorável e o Tribunal Superior do Trabalho validou este entendimento:
Agravo de instrumento em recurso de revista. Procedimento sumaríssimo. Jornada de trabalho. Intervalos intrajornada. Prevalência do acordo coletivo em face da convenção coletiva. Consignou o Regional, ao excluir da condenação as horas extras relativas aos intervalos intrajornadas, deferidas com base em cláusula da CCT, que estabelece que tanto o intervalo para refeição como os intervalos para repouso devem ser incluídos na jornada de seis horas diárias, que, no caso vertente, o ACT, ao excluir o intervalo, converge com a regra estabelecida no art. 71, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, além de conferir, em contrapartida, alguns benefícios ao grupo de trabalhadores alcançados pelo acordo celebrado entre a entidade que os representa e a empresa empregadora. Nesse contexto, insuscetível de revisão nesta instância extraordinária, não há como vislumbrar afronta ao art. 7, XXVI, da CF, tendo em vista que o Regional não afastou o reconhecimento das convenções e dos acordos coletivos, mas apenas decidiu qual a norma aplicável, considerando a regra de prevalência da norma mais favorável. Agravo de instrumento conhecido e não provido.[21]
Uma segunda linha vem se firmando também, contrária à disposição expressa, quer seja no sentido de que não deverá prevalecer o Acordo Coletivo de Trabalho sobre a Convenção Coletiva de Trabalho, pois, aquele deriva deste, portanto, somente poderá prevalecer se em seu conteúdo tiver previsto condições mais favoráveis do que o instrumento principal, sendo este a Convenção Coletiva de Trabalho:
A este respeito já decidiu esta Egrégia Corte por reiteradas vezes, tendo prevalecido no âmbito desse Tribunal a aplicabilidade das CCT's, a exemplo do julgamento do RO-0001447-48.2013.5.18.0161, de 03/02/2015, de relatoria do Exmo. Desembargador Mário Sérgio Bottazzo, cujos pertinentes fundamentos transcrevo como razões de decidir, em atenção ao princípio da segurança jurídica e da celeridade processual, in verbis: 'Sem ambages, vejo que não existe conflito de normas no caso dos autos, simplesmente porque a questão é resolvida pela própria CCT. Com efeito, diz a CCT em sua cláusula décima sexta: 'CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA - DOS ACORDOS COLETIVOS Faculta-se às partes convenentes, celebram acordos coletivos complementares a presente CCT, inclusive em âmbito de cada empresa interessada, mediante ofício remetido, pela mesma, ao Sindicato Profissional e realização de Assembleia com seus empregados, filiados ou não" (conforme o original, fls. 56, 66 e 81, negritei). Extrai-se do conteúdo da cláusula acima transcrita que os Acordos Coletivos podem ser celebrados como complemento à Convenção Coletiva de Trabalho, restando evidente que somente podem instituir benefícios adicionais e não retirar direitos assegurados na convenção coletiva.”[22]
Fato é que em todas as pesquisas para o presente trabalho, não se encontrou qualquer hipótese em que foi aplicado no caso concreto a nova redação do artigo 620 da CLT. O que a princípio soa estranho, uma vez que antes ele era amplamente utilizado nos julgamentos do Tribunal Superior do Trabalho e hoje se busca justificativa para a sua não aplicação no caso concreto.
A princípio não haveria motivos para a não aplicação da norma acima, uma vez que válida e eficaz. Se analisarmos também os critérios para a aplicação desta norma, mais uma vez encontraríamos respaldo, pois, ainda que não houvesse previsão expressa de sobreposição dos Acordos Coletivos de trabalhos, ao analisarmos os critérios do Direito Comum em um possível conflito entre normas coletivas, chegaríamos à mesma conclusão.
Em uma antinomia de normas jurídicas. Para solucioná-las teríamos três critérios: 1) Lex Superior (hierárquico), que consiste na ideia de que lei superior prevalece sobre lei inferior; 2) Lex Posterior (cronológico), onde normas posteriores revogam normas anteriores, quando forem incompatíveis; e, 3) Lex Specialis (especialidade), quando as normas mais específicas se sobrepões às normas gerais.
No caso em tela, porém, não temos a possibilidade de solução pelo critério hierárquico, uma vez que ambas são Normas Coletivas do Trabalho. Aqui não vislumbra-se ser a Convenção Coletiva “superior” ao Acordo Coletivo, pois, seria o mesmo que dizer que uma norma que se inicia com o Senado, seria superior à uma norma que se inicia na Câmara dos Deputados. O signatário dos trabalhadores é o mesmo em ambos os casos, quer seja o sindicato dos Trabalhadores.
Poderíamos ter, portanto, uma Convenção Coletiva de Trabalho mais recente, porém, novamente valeria a regra de que prevalecerá a lei mais específica, conforme estipulado no próprio novo artigo 620 da CLT.
Portanto, mesmo não sendo possível verificar no caso concreto, até o presente momento, nenhuma decisão do sentido de reconhecimento do artigo nº 620 da CLT, que a princípio prestigiou o critério da especialidade, não parece haver qualquer motivo para que o mesmo não seja reconhecido, uma vez que o signatário dos instrumentos por parte dos trabalhadores são o mesmo, ou seja, o Sindicato e, sabedores que são de que o Acordo Coletivo de Trabalho prevalece à Convenção poderão prever regras iguais ou melhores do que aquelas previstas na Convenção.
CONCLUSÃO
A utilização de normas coletivas no Direito do trabalho é uma realidade cada vez mais difundida, seja porque os sindicatos possuem uma certa legitimidade para negociar em nome dos trabalhadores, seja porque essa relação entre empresa e sindicato já está bastante consolidada ao longo do tempo, de maneira a favorecer que os instrumentos coletivos sejam repetidamente negociados anualmente.
Essa característica ganhou ainda mais destaque com a Reforma Trabalhista e sua previsão de prevalência do negociado sobre o legislado, fazendo com que tanto as empresas como os sindicatos tivessem ainda mais interesse em estabelecer regras favoráveis a cada um deles, podendo, inclusive se sobrepor aquilo já estabelecido pela lei.
Ocorre que pela característica de negociação coletiva no Brasil, poderia ocorrer de as próprias negociações coletivas que ocorrem de forma simultânea entrarem em conflito, como é o caso de uma convenção coletiva realizado por uma federação dos trabalhadores e um acordo coletivo realizado pelo sindicato de base, prevendo coisas distintas entre si para os trabalhadores.
Nesse caso poderia se considerar que temos uma antinomia de normas jurídicas cujas soluções já foram apresentadas pelos doutrinadores acima, sendo elas os fatores hierárquicos, cronológicos e especialidade. Conforme estudado, não poderia se considerar as hipóteses de hierarquia e cronologia, vez que não se considera no cenário estudado e no Direito do Trabalho ambas as possibilidades.
Restaria, portanto, o critério da aplicação da lei mais específica. Por anos a jurisprudência firmou o entendimento de que o acordo coletivo por ser mais específico do que a convenção coletiva sempre prevaleceria sobre ele desde que mais benéfico. Tal previsão acabou por ser esculpida no artigo 620 da CLT quando da Reforma Trabalhista e fixou ainda mais esse entendimento.
Dessa forma, podemos afirmar que em caso de um conflito entre normas coletivas no Direito do Trabalho, principalmente entre um acordo coletivo e uma convenção coletiva, sempre se utilizou o critério utilizado para solucionar a antinomia de normas jurídicas. Por anos utilizando esse critério e na ausência de hierarquia e cronologia, se aplicou a prevalência da lei mais específica, prestigiando o Acordo Coletivo. Tal previsão ganhou ainda mais força e acabou consagrada no artigo 620 da CLT de maneira a encerrar o debate e prestigiar a norma mais específica.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 04 mai. 2019.
[2] Idem.
[3] VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo Fundo: UPF, 2007, p. 208.
[4] Arnaldo Sussekind, 2001, p. 10 apud ZAMBOTTO , Martan Parizzi. Os limites e os riscos da flexibilização das normas trabalhistas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12541&rev>. Acesso em 04 mai. 2019.
[5] BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. Súmula n.º 349. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em 04 mai. 2019.
[6] BRASIL, Tribunal Superior do Trabalho. RR681551/2000 – 5ª T. – Rel. Min. Rider Nogueira de Brito – DJU 31.05.2002. Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em 04 mai. 2019.
[7] ROMITA, Aron Sayão. Princípios em conflito: autonomia privada coletiva e norma mais favorável. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: RT, p. 13-27. ano 28, n.107, 2002, p. 23.
[8] ZAMBOTTO , Martan Parizzi. Os limites e os riscos da flexibilização das normas trabalhistas. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=12541&rev>. Acesso em 04 mai. 2019.
[9] MARTINS, Sérgio Pinto. Flexibilização das Condições de Trabalho. 1 ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 101.
[10] BOMFIM, Benedito Calheiros. A legislação trabalhista e a flexibilização. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: RT, p. 31-37, ano 28, n.108, 2002, p.13.
[11] DELGADO, Maurício Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2001, p.1229.
[12] Ibidem, p.1359.
[13] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5ª ed. Niterói: Editora Impetus, 2011. P.409.
[14] BOMFIM, Benedito Calheiros. A legislação trabalhista e a flexibilização. Revista de Direito do Trabalho. São Paulo: RT, 2002, p.18.
[15] VECCHI, Ipojucan Demétrius. Noções de Direito do Trabalho: um enfoque constitucional. 2. ed. v.1. Passo Fundo: UPF, 2007, p. 204.
[16] BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 04 de mai. de 2019.
[17] BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 04 de mai. de 2019.
[18] AIRR - 1113-67.2015.5.14.0092, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 22/03/2017, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/03/2017). Disponível em < http://aplicacao4.tst.jus.br/banjurcp/#/resultados/#resumo.>. Acesso em: 04 de mai. de 2019.
[19] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho, 11ª ed, São Paulo: LTr, 2012, p. 1412.
[20] BRASIL. Consolidação das Leis Trabalhistas. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 04 de mai. de 2019.
[21] AIRR - 1030-04.2016.5.21.0001 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 26/06/2018, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/06/2018). Disponível em < http://aplicacao4.tst.jus.br/banjurcp/#/resultados/#resumo.>. Acesso em: 04 de mai. de 2019.
[22] AIRR – 2215.2015.5.18.0161. Disponível em < http://aplicacao4.tst.jus.br/banjurcp/#/resultados/#resumo.>. Acesso em: 04 de mai. de 2019.
Doutorando em Direito pela PUC - São Paulo
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, ETINON RAMOS DE OLIVEIRA. Os conflitos de normas coletivas do trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 out 2022, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59535/os-conflitos-de-normas-coletivas-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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