RESUMO: O objetivo deste estudo é analisar os impactos ocasionados pelo covid-19 nas obrigações da Administração Pública brasileira, verificando-se a responsabilização civil do Estado no que concerne a prestação do serviço de Saúde Pública. Nesta perspectiva o artigo trata inicialmente acerca do contexto histórico e evolução da responsabilidade civil, propiciando uma reflexão sobre o referido instituto. Em seguida debate-se se a omissão de serviços prestados pela administração pública pode ensejar o dever de indenizar, e se o fato de se tratar de uma pandemia pode ensejar em excludente de ilicitude ou atenuante no que se refere a responsabilização civil estatal, o que se baseará em decisões dos Tribunais acerca da temática.
PALAVRAS-CHAVE: Covid-19. Responsabilidade Civil. Administração Pública.
ABSTRACT: The aim of this study is to analyze the impacts caused by covid-19 on the obligations of the Brazilian Public Administration, verifying the civil accountability of the State with regard to the provision of the Public Health Service. In this perspective, the article initially deals with the historical context and evolution of civil liability, providing a reflection on this institute. Next, it is debated whether the omission of services provided by the public administration may give the duty to indemnify, and whether the fact that it is a pandemic can lead to an exclusion of illegality or mitigating with regard to state civil accountability, which will be based on decisions of the Courts on the subject.
KEYWORDS: Covid-19. Liability. Public administration.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Da evolução histórica da responsabilidade civil do Estado; 3. Dos principios e da função da responsabilidade civil do Estado; 3.1. Dos princípios; 3.2. Princípio da primazia do interesse da vítima; 3.3. Princípio da solidariedade social; 3.4. Princípio da proteção; 4. Funções da responsabilidade civil; 4.1. Função preventiva; 4.2. Função reparatória/compensatória; 4.3 Função de realizar justiça material; 4.4. Elementos da responsabilidade civil do Estado; 4.5. Da conduta ou fato administrativo; 4.6 Do dano; 4.7 Nexo de Causalidade; 5. Das Excludentes da responsabilidade civil do Estado; 5.1. Caso fortuito ou força maior; 5.2. Culpa exclusiva da vítima; 5.3. Da culpa concorrente; 5.4. Fato de terceiro; 6. Pandemia de covid-19 e causa excludente ou atenuante de responsabilidade civil do estado; Considerações finais; Referências.
1. INTRODUÇÃO
A crise sanitária desencadeada pela propagação do Covid-19 trouxe inúmeros problemas econômicos, sociais e sanitários. Partindo dessa premissa, o presente artigo visa analisar os impactados da pandemia do novo coronavírus sobre as obrigações da Administração Pública, mais especificamente em relação à responsabilidade civil do Estado no ponto referente à prestação do serviço de saúde pública.
Em um primeiro momento iremos abordar os aspectos históricos, bem como a evolução ao longo das décadas até chegarmos aos dias atuais, tanto da responsabilidade civil do estado, quanto da saúde pública.
Em seguida iremos abordar se a má prestação do serviço, seja por ausência ou insuficiência, é capaz de gerar algum tipo responsabilização, seja ela de índole objetiva ou subjetiva, ao Estado, levando em consideração que trata-se da maior crise sanitário dos últimos 100 (cem) anos.
Outro aspecto relevante que será abordado diz respeito ao entendimento dos tribunais, sejam os de âmbito estadual, quanto os superiores, que apresentam grande relevância para solução de casos complexos, servindo como verdadeiras balizas quando o assunto é responsabilidade civil do Estado.
Por fim, após tratarmos de todas as nuances que o caso necessita, iremos apresentar uma reposta ao aparente conflito, haja vista que no direito nenhum caso pode ficar sem solução, devendo o operador do direito buscar uma saída razoável independente da complexidade apresentada.
2. DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Para tratarmos do contexto histórico da responsabilidade civil do Estado, devemos dividi-la em 3 (três) grandes momentos, indo além, podemos denominá-las fases, haja vista que com o passar dos anos as mais antigas acabaram por superadas pelas mais modernas.
Na primeira fase temos a chamada irresponsabilidade estatal, que consistia em uma total e irrestrita ausência de responsabilidade do estado, tal premissa tinha como fundamento a forma de governo presente na época, que era monarquia, onde o líder máximo retira seu poder de uma força divina, sendo o próprio escolhido por Deus, por essa razão a maioria da doutrina, ao resumir a referida fase, a fazia por meio da expressão “the King can do no wrong”, ou seja, o rei, por ter seu poder advindo de Deus, e este não comete erros, também erra.
Por sorte, nos dias atuais, tal fase tem o condão apenas histórico, uma vez que no Estado Democrático de Direito, mostra-se inconcebível uma hipótese de irrestrita irresponsabilidade do Estado. Vale lembrar que citada fase não chegou a vigorar no Brasil que desde das primeiras constituições já previam algum tipo de reponsabilidade por parte do Estado.
Em seguida, tivemos a fase da responsabilidade subjetiva, teoria essa que aproxima bastante do direito civil, haja vista que nesse ramo do direito a responsabilidade é fundada na culpa do agente causador do dano. Em que pese as críticas à essa teoria, uma vez que na prática mostra-se de difícil comprovação, não podemos negar que em relação a teoria antecessora, tivemos um grande avanço, já que saímos de um Estado inflexível para um de cunho mais individual, como era o civilista.
Após a superação da fase civilista/subjetiva, chegamos a fase da responsabilidade civil objetiva, na qual não se exige mais o elemento culpa para que o Estado seja responsabilizado, bastando que haja dano, que o mesmo seja causado por uma agente do Estado (nexo causal), e que não fique comprovada nenhuma causa excludente, por ser a teoria mais atual, e a adotada pelo Estado Brasileiro, abordaremos a referida teoria em tópico especifico, quando analisarmos o principal fundamento legal da responsabilidade civil do estado, qual seja: o artigo 37, § 6º da Constituição da República.
Apenas para fins didáticos, analisaremos, de forma breve, uma quarta fase de responsabilização do Estado. Com o avanço do Estado como garantidor de direitos fundamentais, temos uma nova teoria para embasar a responsabilidade civil do estado, pautada nos direitos fundamentais. A muito se discute a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, que seriam aplicados, inclusive, em relações providas.
Pela clássica teoria dos direitos fundamentais, temos que eles podem ter uma feição negativa, atuando como verdadeiras barreiras a atuação estatal, protegendo o indivíduo contra os abusos do Estado, e da mesma forma podem ter caráter positivo, ou seja, impõe ao Estado um dever, uma ação, visando o bem comum. Trazendo para seara civilista, teríamos que pela acepção negativa os direitos fundamentais apresentam verdadeiras obrigações de não fazer, enquanto que na visão positiva, trata-se de obrigação de fazer.
Assim, analisando os conceitos acima apresentados, vemos que os direitos fundamentais irradiam para as relações privadas, sendo dever do Estado prezar por uma boa aplicação dos mesmos, ainda que em relações privadas, caso não o faça, ou faça de forma inadequada pode gerar responsabilização do Estado.
Por fim, teceremos comentários acerca dos os atos de império e de gestão, assunto que, em que pese não mais revestida de tanta importância, no que diz respeito a sua diferenciação para fins de responsabilidade civil do Estado, merece atenção.
Por ato de império, temos o Estado se valendo de sua força impositiva, como exemplo clássico de tais atos podemos citar a cobrança de tributos, que, ainda contra a vontade da maioria dos contribuintes, é cobrada utilizando-se a força estatal.
Já os atos de gestão, temos o Estado atuando de forma mais próxima a um particular, ainda que com ele não se iguale, haja vista que ainda que em tais relações, o estado deve obedecer ao interesse público, ainda que de forma secundaria, como exemplo podemos citar os chamados contratos privados da administração, espécie do gênero contratos da administração.
Pois bem, é notório que em ambas as situações podem gerar dano, devendo esse ser indenizado caso fique evidenciados os requisitos para responsabilização do Estado.
Contudo, por algum tempo, chegou-se a levantar a teoria de que, nos atos de império, por o Estado estar revestido de sua força vinculante atuando em pé de desigualdade para com demais, e consequentemente atuando em prol do interesse público primário, não haveria responsabilidade do Estado, ou seja, o particular deveria suportar o ônus do dano em benefício de toda coletividade.
Em contrapartida, em relação aos atos de gestão, em que a Administração atua em um maior grau de igualdade para com o particular, haveria, em caso de dano, o dever de indenizar por parte do Estado, uma vez que tais casos, o Estado atuaria como verdadeiro particular, desprovido de força cogente, e perseguindo os seus interesses enquanto pessoa jurídica, o chamado interesse público secundário. Logo por não estar em jogo o interesse da coletividade, como no caso dos atos de império, o particular que sofresse dano, deveria ser indenizado.
Todavia, atualmente a supracitada diferenciação possui fins apenas acadêmicos, já que para teoria adotada hoje há responsabilidade civil do Estado independentemente do tipo de ato que gerou o dano, seja ele de império ou de gestão.
3. DOS PRINCÍPIOS E DA FUNÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
3.1 Dos princípios
Por princípios, segundo a clássica lição de Robert Alexy, temos mandamentos de otimização, clausulas gerias que servem como norte para os operadores do direito, logo, quando abordamos o tema responsabilidade civil do Estado, tais mandamentos são de suma importância para guiarem a melhor aplicação da Lei.
Em suma, trataremos nesse tópico de 3 (três) princípios, quais sejam: 1. Princípio da primazia do interesse da vítima; 2. Princípio da solidariedade social e 3. Princípio da proteção.
3.2 Princípio da primazia do interesse da vítima
Apesar de não ser um princípio exclusivo da responsabilidade civil do estado, o princípio da primazia da vítima mostra-se de extrema relevância ao temo, ganhando grande importância no cenário mundial. Por este princípio o Estado deve, no momento de reparar o dano causado, buscar reaver o equilíbrio social rompido, devendo apresentar uma solução mais humana, levando em consideração as condições e peculiaridades da vítima.
Logo, não se trata apenas de pegar uma indenização em dinheiro, é dever do Estado enquanto causador do dano a buscar a solução que mais se amolda à vítima, haja vista que após a ação ou omissão, o dano restará concretizado, devendo a partir a preocupação se voltar para o atendimento à pessoa lesionada. Verifica-se, mais uma vez, uma clara e forte influência de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, presente no artigo 1º, inciso III, qual seja: a dignidade da pessoa humana.
3.3 Princípio da solidariedade social
Em segundo ponto, temos o da solidariedade social, onde apresenta um conceito de divisão dos prejuízos, ou seja, caso alguma pessoa sofra um dano, e esse seja causado pelo Estado, nada mais justo que esse dano repartido com toda sociedade, não podendo o indivíduo lesionado suportar de forma integral.
Tal princípio fica mais claro nos casos de desapropriação, ora, se o Estado visa construir uma estrada, e para tal haja a necessidade de desapropriação de um imóvel, nada mais justos que toda coletividade que será beneficiada com essa obra, arque com a indenização a ser paga proprietário.
Outro ponto visualizamos o referido princípio é na cobrança de tributos com base em alíquotas progressivas, onde aquele que detém maior poder econômico deve contribuir mais para os cofres públicos, onde tais recursos serão transformados em, por exemplo, prestação de serviço público que beneficiará toda população, afinal de contas, em sua essência, tributo quer dizer dividir.
Aqui verificamos, mais uma vez, uma forte presença de cunho constitucional, uma vez que, de acordo com o artigo 3º, inciso I, um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, é construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
3.4 Princípio da proteção
Por último, temos o princípio da proteção que visa, senão evitar, pelo menos mitigar possíveis danos. É que, apesar das garantias conferidas ao sofredor do dano, essas não podem ser cartas em branco para que o Estado pratique atos causadores de dano valendo-se do dever de indeniza-los.
Ora, o objetivo do Estado não deve ser esse, ao contrário, deve evita-los e tratar tais situação como excepcionais. Logo, o princípio da proteção atua como verdadeira tutela inibitório, impondo ao Estado que adote medidas eficazes para se evite danos, ou seja, atuando com o dever de prevenção de danos, haja vista que uma vez causados, muito difícil, quiçá impossível, que se retorne ao status quo ante.
4. FUNÇÕES DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Inegavelmente todo e qualquer instrumento do direito, ainda mais tratando-se de Estado, deve cumprir uma função, função essa que vai além dos interesses das partes envolvidas, maior exemplo do citado, é caso da função da social da propriedade, onde, ainda que se trate de propriedade particular, esta deve irradiar em prol de toda coletividade, sob pena, inclusive, de um dos meio mais invasivos sobre os bens, que é a desapropriação. Pois bem, qualquer ato ou negócio não pode ser um fim esse mesmo, por essa razão abordaremos agora as funções da responsabilidade civil do Estado.
Para melhor compreensão, dividiremos as funções da responsabilidade em 3 (três): função preventiva, reparatória e função sob o prisma de realizar justiça social.
4.1 Função preventiva
Ligada diretamente ao princípio da proteção abordo acima, a função preventiva tem como papel principal o de prevenir, de forma mais concreta, a ocorrência de novos danos.
Apesar de bastante parecido como princípio supracitado, podemos apontar uma diferença determinante entre a duas. Enquanto o princípio da proteção, até por se tratar de norma abstrata, tem o papel de ser guia para a Estado tome medidas a fim de da evitar danos, criando ações e mecanismo de inibição, a função preventiva atua mais no campo concreto, quando, por exemplo, do momento da definição da indenização.
Como dito alhures, o fato de, em regra, um dano gerar uma indenização, não pode servir como fundamento para qualquer pessoa pratique atos lesivos sob o pretexto de que, em caso de dano, os mesmos serão indenizados, logo, a fim de evitar, inclusive, o abuso do poder estatal, a função protetiva funcionaria no momento da definição do quantum relativo à indenização, atuando de forma pedagógica.
Logo, enquanto o princípio da proteção atuaria em um momento anterior ao dano, a função social agiria em momento posterior, mas antes da definição por completo, para que ato sirva como exemplo e assim evitando que casos semelhantes aconteçam.
4.2 Função reparatória/compensatória
Conforme abordado em um dos tópicos anteriores, quando um dano é causado, dificilmente, do ponto de vista fático, pode-se retornar ao estado anterior, razão pela a responsabilidade civil do Estado ganha contornos repressivos, uma vez que o dano causado deve ser indenizado.
A partir dessa premissa é que entramos na função compensatória e ou reparatória, para visualizarmos melhor a referida função, precisamos saber que tipo de dano foi gerado, se material ou moral, já que a depender da modalidade, gerará um ou outro, ou até mesmo os dois.
Quando estivermos diante de um dano material, passível, pelo menos em tese, de retorno ao status quo ante aplicaremos a função reparatória, já que nesse caso, o bem pode ser substituído por outro, é caso, por exemplo, da distribuição de um carro, onde o mesmo pode ser substituído por outro sem grandes perdas.
Já no que diz respeito aos danos morais, ou seja, aqueles que atingem a honra, não possíveis de serem precificados ou retornados ao estado anterior, aplicamos a função compensatória, a fim de amenizar os danos sofridos. Logo, tenta-se chegar o mais perto possível da situação pretérita ao evento causador do dano.
Portanto, visualizamos, mais uma vez que, assim como ocorre na função preventiva, a função compensatória/reparatória age no momento posterior ao dano, atuando diretamente no âmbito da indenização.
4.3 Função de realizar justiça material
Como aludido no tópico introdutório deste capitulo, todo instrumento do direito deve perseguir um fim social, podendo ficar adstrito a beneficiar apenas as partes envolvidas diretamente com o mesmo. Temos assim que, através da função social busca-se realizar justiça material.
A ideia de justiça material está ligada a resguardar direitos não patrimoniais como: vida, honra, integridade física entre outros. Logo, a deve-se sempre buscar uma tutela de inibir que danos aconteçam, merecendo os referidos direitos, justamente por não poderem ser precificados e, uma vez violados, não voltarem ao status quo ante, atenção especial.
Aqui, diferentemente do que acontece com as funções supracitadas, temos um comando direcionado ao interprete que, na hora da aplicação do direito, em relação a casos envolvendo responsabilidade civil do Estado, deve buscar mecanismos de mitigar danos. Aliás, a função de realizar justiça material aproxima-se muita mais de um princípio do que uma função em si, haja vista que atua como pilar tanto para aplicação, como para e elaboração de normas que envolvam o presente tema.
Um importante instrumento da função de realizar justiça material encontramos na equidade, que nada mais é do que um comando direcionado ao julgado para que, em situação expressamente permitidas, esse busque a chamada justiça do caso concreto.
4.4 Elementos da responsabilidade civil do Estado
Após a análise da parte mais histórica e conceitual, iremos adentrar na essência da responsabilidade civil do Estado, em um primeiro momento vamos elencar, conceituar e exemplificar os elementos que juntos compõe a responsabilidade civil do Estado.
Como analisado na parte introdutória, quando o assunto é responsabilidade civil do Estado, o campo de fundamentação legal fica bem restrito, em suma, a principal base legislativa sobre tema encontra-se na Constituição da República, em seu artigo 37, parágrafo 6º, o qual transcrevemos a seguir:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Pois bem, da leitura do dispositivo, verificamos que para configuração da responsabilidade civil do Estado, exige-se a presença de 3 (três) elementos, quais sejam: A) Conduta ou fato administrativo; B) Dano e C) Nexo causal, abordaremos a seguir cada ponto.
4.5 Da conduta ou fato administrativo
Conduta ou fato administrativo, está ligada a uma ideia de ação. Contudo, quando tratamos de responsabilização do Estado, não apenas a atuação pode gerar responsabilização, mas a sua omissão também o faz.
Entretanto, a ação ou omissão deve ser realizada por um agente do estado. Além do referido requisito, ainda devemos lembrar mais um fator de suma importância para a ação ou omissão seja enquadrada como conduta capaz de gerar responsabilidade do Estado, que é pratica deve ser feita na qualidade de agente público.
Logo, não basta que conduta seja realizada por agente público, ele deve atuar nessa qualidade e não como particular. Para exemplificarmos, podemos citar o caso do policial que, em seu dia de folga, utiliza arma da corporação e envolve-se em tiroteio, matando uma pessoa, nesse caso, por o policial não agir na qualidade de servidor público, o dano não pode ser imputado ao Estado.
4.6 Do dano
Por dano podemos entender como lesão causada a determinado bem. Como já demonstrado no tópico referente a função reparatória e compensatória, o dano pode ser de caráter material ou patrimonial, esse se subdividindo em danos emergentes e lucros cessantes, ou dano de caráter moral ou extrapatrimonial. Vale lembrar que não apenas pessoa físicas podem sofrer dano moral, a muito foi pacificado no âmbito dos tribunais que pessoas jurídicas também podem sofrer dano moral quando atingida a sua honra objetiva, conforme súmula 227 do STJ.
Logo, chegamos ao segundo elemento para ensejar a responsabilização do Estado, como exemplo citamos o caso de um carro oficial, em serviço, de determinada secretaria, trafega pela contramão de uma via e bate em outro veículo, nesse caso a conduta foi a de dirigir em local proibido e dano verifica-se no carro particular amassado.
4.7 Nexo de Causalidade
Por fim, temos o último elemento para fins de responsabilização do Estado, que é a o nexo causal, que pode ser entendido como a relação entre causa e efeitos existente entre a conduta e o dano.
Em outras palavras, nexo de causalidade é ligação entre e uma ação ou omissão e o dano decorrente desses. Assim, como no exemplo citada no tópico anterior, temos conduta (carro oficial do Estado trafegando pela contramão), o dano (carro particular amassado) e nexo de causalidade (lesão foi decorrente da batida entre o carro do Estado e o particular).
5. DAS EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Conforme já abordado anteriormente, no Brasil, adota-se, em regra, a responsabilidade civil objetiva do Estado, essa pautada na teoria do risco administrativo. Contudo, em que pese tratar-se de objetiva, a responsabilização não pode ser absoluta, nas palavras do Ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello “o princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado”.
Em síntese, o Estado, quando chamado a uma demanda que envolva responsabilidade civil do Estado, o mesmo apresenta as hipóteses de exclusão de sua responsabilidade, que são: 1. Caso fortuito ou força maior; 2. Culpa exclusiva da vítima; 3. Culpa concorrente e 4. Fato de terceiro, a seguir iremos analisar cada uma das 4 hipóteses.
5.1 Caso fortuito ou força maior
Historicamente a literatura jurídica tentou, sem grande sucesso, fazer uma distinção entre o que seria caso fortuito e o que seria força maior, uma vez que sem parâmetros objetivos os conceitos acabavam por se confundir, quando não apenas eram invertidos a depender da escolha do jurista. Pois bem, em nosso ordenamento jurídico, o Código civil de 2002 optou por opor equipar os dois institutos, a bem da verdade a distinção entre ambos não ganha relevância do ponto de vista jurídico.
Contudo, existe uma distinção que é de extrema importância quando é assunto é responsabilidade civil do Estado, e está na questão de sabermos se trata-se de um fortuito interno ou externo.
Para enxergamos os casos de fortuito interno, devemos nos questionar, em relação ao fato analisado, se a o dano sofrido pela vítima guarda relação com a atividade desenvolvida pelo ofensor, caso a reposta seja positiva, estaremos diante de um fortuito interno. Aqui visualizamos de forma clara a teoria do risco, elencada no artigo 927, parágrafo único do Código Civil, onde quando o maior o bônus, maior o ônus.
Exemplo clássico de fortuito interno se dá nos acidentes envolvendo transporte de pessoas, nesse caso, ainda que o acidente seja causado por terceiro, em virtude do risco da atividade desenvolvida pelo prestador do serviço, este deve arcar com a indenização pelos danos porventura sofridos pelos passageiros, devendo o empresário de transporte buscar, por meio de ação regressiva, reavir os ônus sofridos do terceiro causador do dano.
Em contrapartida, caso o dano não guarde relação com a atividade desenvolvida pele ofensor, estaremos diante de um fortuito externo, razão pela qual em relação aos casos envolvendo fortuito externo, fica afastada o dever de indenizar.
Voltando ao caso envolvendo o serviço de transporte público de passageiros, caso haja um assalto, e esse cause danos aos passageiros, no interior do veículo, estaria o empresário obrigado a indenizar tais danos? No âmbito jurisprudencial, em que pese a passada controvérsia existente sobre o tema, foi pacificado que tais casos fica afastada a responsabilização do empresário.
Para corroborar o apresentado acima, temos o seguinte trecho do julgado do Superior Tribunal de Justiça “A concessionária de serviço público não responde pelo roubo à mão armada ocorrido no interior de o ônibus” (STJ, Resp. 331.801, Rel. Min. Fernando Gonçalves, 4ª T., j. 05/04/10). A razão de tal excludente se dá justamente pelo fato de que assalto não guarda qualquer relação com a atividade desenvolvida, não podendo nem mesmo ser enquadrada como possíveis ônus inerentes à atividade. Diferentemente do que ocorre, por exemplo, no caso de falha de um freio, ainda que o veículo estivesse com revisões em dia, nesse caso, tal fato guarda forte relação com a atividade desenvolvida, fazendo parte dos riscos do negócio.
5.2 Culpa exclusiva da vítima
Na culpa exclusiva da vítima, como o próprio nome já diz, temos uma conduta ou fato da administração e o dano, ou seja, uma ação e um prejuízo, contudo, em pese a existência de dos elementos caracterizadores da responsabilidade civil do Estado, o mesmo não resta configurado em virtude da ausência de ligação entre os dois, qual seja: o nexo causal.
Logo, na culpa exclusiva da vítima, rompe-se o nexo de causalidade existente entre a conduta e dano, e mesmo se dá em razão de uma ação totalmente imputável à vítima do dano. Como exemplo podemos o citar o caso de um cidadão que no intuito de suicidar-se, se joga na frente de um carro de polícia, vindo a óbito, nesse caso, está presente a conduta (atropelamento por um carro do Estado), o dano (a morte da pessoa), contudo mostra-se ausente o nexo de causalidade, haja vista que acidente em função da intenção da vítima em se atirar na frente do carro.
Em tais casos, fica afastada a responsabilização do Estado, uma vez que, como regra, adota-se, para reponsabilidade civil do Estado, a teoria do risco administrativo. Diferente seria se adotássemos a teoria do risco integral, na qual não se admite excludentes, como no caso, por exemplo, de danos ambientes e nucleares.
Admitir que o Estado seja responsabilizado em casos de culpa exclusiva da vítima seria torna-lo garantidor universal de todo e qualquer dano, o que desvirtuaria os princípios e funções da responsabilidade civil do Estado.
5.3 Da Culpa Concorrente
Como acontece em diversos ramos do direito, e no direito administrativo não é diferente, por vezes nos valemos de conceito criados por diferentes “ramos” do direito, afinal de contas o Direito é uno, sendo divido apenas para fins didáticos.
No caso da culpa concorrente, buscamos seu conceito do Código Civil, que em seu artigo 945, assim o preceitua “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano”.
Logo, verifica-se que na verdade estamos de diante de uma hipótese de atenuação da responsabilidade civil do Estado, haja vista que ambos concorrem para o evento danoso, aqui a referida hipótese atuaria mais no campo da definição do quantum indenizatório, sendo maior ou menor a depender do grau de atividade em relação ao dano.
5.4 Fato de terceiro
Conforme analisado no tópico relativo ao caso fortuito e força maior, existem casos em que, mesmo a contudo não sendo imputada à agente público no exercício de sua função, haverá responsabilidade civil do Estado. Contudo, em determinadas situações, o fato de terceiro, por não guardar qualquer relação com a atividade, ensejará a exclusão da responsabilização do Estado.
Logo, o fato de terceiro guarda estrita relação com o fortuito externo, quebrando a o nexo causal e com isso gerando a irresponsabilidade do Estado. Novamente trataremos do exemplo envolvendo um assalto no interior de um veículo de transporte público e que gerou danos para os passageiros, nesse caso fica notório a o fato exclusivo de terceiro, se encaixando na álea extraordinária dos riscos da atividade, afastando, portanto, a indenização por parte do Estado.
Outro exemplo clássico de fato de terceiro e capaz de afastar a responsabilização do Estado se refere aos danos causados por multidões, como é caso de eventos em vias públicas que, em determinado momento, perdem o controle e acabam em depredação do patrimônio alheio. Claro que, em situações excepcionais, ainda que o dano seja decorrente de multidões, ocasionará responsabilização do Estado. É caso, por exemplo, de uma passeata que, informada aos órgãos de controle, e pedido apoio, não é prestada, contribuindo assim para um evento danoso futuro.
6. PANDEMIA DE COVID-19 E CAUSA EXCLUDENTE OU ATENUANTE DE RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
No dia 11 de março de 2020, a OMS – Organização Mundial da Saúde, entidade de caráter técnico-científico, e que atua na seara da saúde de forma global, possuindo em seu quadro representantes de diversos países, declarou que as infecções causadas pelo novo Coronavírus haviam chegam a níveis nunca antes vistos, em relação a sua presença no globo, bem como pela sua capacidade de disseminação, razão pela qual foi declarada que o mundo encontrava-se em situação de pandemia.
O surgimento da referida doença ainda é uma incógnita, certo é que os primeiros casos surgiram na China e que, após algum tempo, até em função da proximidade territorial, os casos começaram a se espalhar pela Europa e em seguida para os demais continentes.
No brasil, a notícia do primeiro caso de covid-19 confirmado aconteceu no final de fevereiro de 2020 na cidade de São Paulo, a partir de então, nos meses seguintes, a doença se espalhou pelo resto dos Estados.
Com a doença espelhando de forma rápida, várias medidas tiveram que ser tomadas a fim de conter a proliferação do vírus, entre ela medidas legislativas impactantes, como exemplo, podemos a citar a Lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que trouxe entre outras novidades, a ampliação das compras diretas emergenciais, bem como a possiblidade de acréscimos decorrentes de aditivos contratuais no percentual de 50 % (cinquenta por cento).
Contudo, em pese os esforços dos governos para combater a doença, devemos analisar e estudar um horizonte pós-pandemia, mais especificamente na questão das sequelas deixadas por ela.
É notório que nenhum sistema de saúde do mundo estava pronto para uma pandemia dessa magnitude, apenas para fins exemplos, podemos citar dois países com sistema de saúde bem diferentes, os Estados Unidos da América do Norte, que possui um sistema contributivo de saúde, possuindo hospitais públicos, contudo os mesmo exigem uma contraprestação, e Inglaterra, país que possui um sistema público de saúde, sistema esse, inclusive, que serviu de referência para o criação do Sistema Único de Saúde presente no Brasil.
Trazendo para realidade brasileira, onde o sistema de saúde, apesar do grande esforço dos profissionais que o compõe, sempre um gargalo em razão da falta de cobertura adequada, obviamente que em uma situação onde a muitas pessoas precisem de atendimento médico ao mesmo, o sistema iria evidenciar, ainda mais, suas falhas.
Não podemos esquecer que o sistema público de saúde brasileiro não exige contraprestação por parte dos usuários, sendo a todos gratuito. Logo, após tais apontamentos, chagamos a seguinte questão: o fato de viver uma pandemia, sem precedentes na história recente do planeta, é capaz de afastar uma possível responsabilidade do Estado em razão de uma possível inadequada prestação de serviço?
Para respondermos a tal questionamento, devemos analisar o tópico referente as excludentes de responsabilidade civil, na qual temos 4 (quatro) hipóteses possíveis, quais sejam: Caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva vítima, culpa concorrente e fato de terceiro.
Da cara, de acordo com exposto, já podemos excluir duas hipóteses: a o fato de terceiro, bem como a culpa exclusiva da vítima, haja vista que, em situações normais de temperatura e pressão, nenhum cidadão opta por contrair uma doença que pode leva-lo a morte, bem como a contração do vírus se dá, em tese, de forma involuntária, não tendo o indivíduo controle sobre o comportamento da doença, bem como, mais uma vez, em tese, não há conduta imputável ao Estado como disseminador da doença.
Contudo, a depender do caso concreto, podemos visualizar a presenta de um caso fortuito ou força maior ou de culpa concorrente, na primeira delas (caso fortuito ou força maior), ainda que presente no caso, só teria o condão de afastar a responsabilidade de Estado no caso de fortuito externo, ou seja, em situação alheias a vontade do Estado, estranhas à prestação do serviço, bem como de casos imprevisíveis.
De fato, nenhum Governo do mundo poderia prever uma crise de tamanha magnitude, muito menos que seus efeitos seriam tão devastadores. Contudo, não podemos esquecer de objetivo principal de qualquer sistema de saúde é prestar auxílio ao cidadão, atuando de forma preventiva ao evitar doenças, mas também de repressiva.
Logo, não como afastar a correlação de doença causada por vírus, e que demanda um atendimento médico ao objetivo primordial de serviço de público de saúde, ainda mais em casos que pacientes vem a óbito em razão da falta de medicamento ou, como ocorreu em Manaus – AM, por falta de insumo tão básico que é o oxigênio.
Portanto, não vislumbrasse que a pandemia, ainda que não prevista, tenha o condão de afastar o nexo de causalidade entre a conduta do Estado ao prestar serviços ineficientes e o dano decorrente do mesmo.
Contudo, em relação à culpa concorrente, devemos fazer uma diferenciação, primeiro, como já levantado em tópico específico, não se trata propriamente de uma hipótese de exclusão da responsabilidade, mas de uma forma de atenuar a mesma, agindo no momento da definição do quantum indenizatório.
Pois bem, como já aventado, na culpa concorrente, há tanto responsabilidade do ofensor como do ofendido, havendo diferencia no grau contribuição de cada para o dano.
Como já exposto acima, não podemos negar que existe uma conduta por parte do Estado, principalmente na prestação do serviço de saúde, mas podemos lembrar também a falta de políticas efetivas de prevenção, falta de comando central, bem como omissão no seu papel de fiscalização.
Entretanto, conseguimos visualizar, também, ação por parte dos cidadãos, principalmente na falta de cumprimento de medidas sanitárias mínimas com o distanciamento e uso de máscaras, contudo tal ação não é capaz de gerar a quebra do vínculo ao ponto de ocasionar a exclusão do nexo causal, com o consequente afastamento da responsabilidade, mas também é inegável o papel do cidadão, ou não caso sua falta, no combate à doença.
Em que pese o ineditismo da pandemia, em caso, guardadas as devidas proporções, similar, decidiu o STJ que: “não há, assim, que se falar em responsabilidade civil do poder público quanto às epidemias. É certo que deve a administração utilizar todos os meios necessários e possíveis para contar potenciais epidemias como a da AIDS ou da Hepatite C. Mas o problema é de todos: o cidadão também tem o dever de colaborar com a prevenção de tal doença, levando-se em conta a forma de contágio” (STJ, AgRg no Resp 1286814, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Dj 09/12/12).
CONCLUSÃO
Conforme abordado pelo presente artigo, onde passamos por diversos tópicos, desde a evolução histórica do tema, princípios e função, pressupostos ou elementos, bem como a as causas de excludentes, podemos ter um panorama, ainda que breve e sucinto, dos possíveis impactos que a pandemia de COVID-19, que ainda está longe do fim, pode causar no âmbito da responsabilidade civil do Estado.
Vimos também que, em que pese o ineditismo da situação, qual seja: uma pandemia global, a maior dos últimos 100 anos de história, ainda assim conseguimos vislumbrar, ainda que de forma mitigada, a responsabilidade estatal.
Ademais, não se afasta a responsabilidade que todos possuem no combate à doença, razão pela qual, o ônus de uma eventual indenização devido à má prestação do serviço público de saúde, e que se dará, muitas vezes em função do sobrecarregamento do sistema público de saúde, não pode recair apenas sobre o Estado, devendo ser dívida com todos, de acordo com o grau de responsabilidade de cada um (cidadão e Estado).
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 14. Ed. São Paulo: Editora JusPodivm, 2022.
FIGUEIREDO, Luciano; FIGUEIREDO, Roberto. Manual de Direito Civil – Volume Único. 3. Ed. São Paulo: JusPodivm, 2022.
HEINEN, Juliano. Curso de Direito Administrativo. 3.ed. São Paulo: JusPodivm, 2022.
NETTO, Felipe Peixoto Braga. Manual da Responsabilidade Civil do Estado. 4.ed. Salvador: JusPodivm, 2017.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 9. Ed. Rio de Janeiro: Forense; Método. 2021.
SANTOS, Eduardo dos. Manual de Direito Constitucional. 2. Ed. São Paulo: JusPodivm, 2022.
Advogado, formado na Faculdade Martha Falcão de Manaus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHAVES, Felipe Carneiro. Obrigações da Administração Pública frente aos impactos causados pelo covid-19 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2022, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60000/obrigaes-da-administrao-pblica-frente-aos-impactos-causados-pelo-covid-19. Acesso em: 23 dez 2024.
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