LETÍCIA VIVIANNE MIRANDA CURY[1]
(orientadora)
Resumo: Tanto a Constituição Federal, quanto a Lei de Execução Penal (Lei n° 7.210/1984) constituem os direitos dos presos, sendo o Estado responsável por garantir a não violação desses. O presente artigo tem como objetivo geral possibilitar uma análise sobre o direito à educação dos presos, desde o seu surgimento até as presentes legislações. No mais, foi realizado um breve estudo comparado entre o sistema penal do Brasil e da Noruega, além de explorar a oferta do ensino nas penitenciárias de Rondônia. No fim, foi possível observar que, de fato, o indivíduo que comete infrações deve ser penalizado, contudo é extremamente necessário observar o respeito à dignidade individual, assim como dispõe o ordenamento jurídico brasileiro.
Palavras-Chave: sistema penitenciário. educação. ressocialização.
Abstract: Both the Federal Constitution and the Law of Criminal Execution (Law No. 7.210/1984) constitute the rights of prisoners, and the State is responsible for ensuring the non-infringement of these. This article has as general objective to enable an analysis on the right to education of prisoners, from its emergence to the present legislation. In addition, a brief comparative study was conducted between the penal system of Brazil and Norway, and explore the offer of teaching in the prisons of Rondônia. In the end, it was possible to observe that, in fact, the individual who commits infractions should be penalized, however it is extremely necessary to observe respect for individual dignity, as well as the Brazilian legal system.
Keywords: prison system. education. resocialization.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Desenvolvimento. 1.1. Origem do ensino nas penitenciárias. 1.2. Evolução do ensino nas penitenciárias brasileiras. 2. A educação na Constituição Federal e Lei de Execução Penal. 3. Estudo comparado: Uma análise das diferenças entre o Sistema Penitenciário Brasileiro e o Norueguês. 4. Educação nas penitenciárias do Estado de Rondônia. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O sistema carcerário brasileiro demonstra uma realidade contrária àquela estabelecida no ordenamento jurídico. Teoricamente, ao ser preso, o único direito que deve ser restringido é o direito à liberdade. No entanto, os condenados têm seus direitos básicos violados e, além de tudo, sua dignidade desrespeitada. A superlotação, a ausência de atendimento básico à saúde, as condições precárias e insalubres dos presídios, são alguns dos problemas enfrentados no sistema penitenciário brasileiro.
Essa situação das penitenciárias é um problema público que deve ser observado não somente pelas autoridades, mas também pela sociedade, já que ao invés da ressocialização e reinserção do condenado à vida social, a prisão desmoraliza o cidadão preso e favorece a reincidência. Isto porque, ao cumprir a pena e retornar ao convívio social, possivelmente o indivíduo voltará a delinquir, causando, assim, medo e insegurança à toda coletividade mediante o aumento da criminalidade.
Por óbvio, a legislação dispõe de outras formas que têm a mesma finalidade ressocializadora, todavia, neste artigo, será tratado a respeito do direito à educação aos presos.
Não há dúvidas de que o legislador, tanto na Constituição Federal de 1988, quanto na Lei de Execução Penal, trouxe diversos dispositivos acerca da educação aos indivíduos reclusos, a fim de promover a ressocialização e capacitação, preparando-os para o retorno ao convívio social. Portanto, resta evidente que é dever do Estado prestar a assistência educacional ao condenado, conforme as disposições legais.
Acontece que, o ambiente das penitenciárias não oferece as mínimas condições adequadas para o funcionamento do sistema educacional nas prisões.
No decorrer do artigo, será abordado desde a origem do ensino nas penitenciárias, bem como a sua evolução dentro do sistema penal brasileiro, tratando-se, portanto, do avanço das legislações relativas ao tema no decorrer dos anos.
No mais, será feita uma breve análise das diferenças entre o sistema penal norueguês e o sistema penal brasileiro. Por fim, será tratado quanto ao direito à educação nas penitenciárias do Estado de Rondônia.
Assim sendo, o presente estudo justifica-se pela necessidade do pesquisador em propor uma análise sobre a educação no sistema carcerário brasileiro, desde a sua previsão legal até a forma como ela realmente é proporcionada aos presos. Para este artigo, utilizou-se a pesquisa bibliográfica e a documental, baseando-se em livros, artigos e legislações concernentes ao tema.
DESENVOLVIMENTO
1.1 Origem do Ensino nas Penitenciárias
Neste primeiro momento, objetiva-se elucidar, de modo claro e objetivo, a origem da educação nas prisões no contexto mundial, sendo que, posteriormente, será compreendida tal temática nas penitenciárias brasileiras. No entanto, faz-se necessário realizar um breve resumo acerca do início das penas privativas de liberdade.
Com o início das comunidades organizadas, surge a necessidade de proteger aqueles que fazem parte dela. Dessa forma, originou-se a elaboração de um padrão de comportamento a ser seguido, com condutas adequadas para o bom convívio em conjunto (sociedade). Nessa época, o Estado não intervia nas punições, sendo cada indivíduo responsável por seu próprio resguardo e de sua família. Assim, nasce a “justiça com as próprias mãos” ou “vingança privada”.
Destaca-se que, até a Idade Média, não havia a existência de um local específico para encarcerar os indivíduos infratores, estes apenas eram mantidos em locais de custódia, já que, posteriormente, seriam submetidos a tortura e à pena de morte.
Com o passar dos anos, como bem pontua Carvalho Filho (2002), as instituições penais passaram a assumir uma dinâmica que fosse capaz de reprimir o delito e promover a reinserção social daqueles que os comete. Assim, portanto, surgiu o que, teoricamente, é o sistema prisional dos dias atuais.
Ocorre que, incontroverso é que a pena, incontestavelmente, se caracteriza(va) pela ausência de requalificação dos presidiários. Desta forma, com a superlotação das instituições prisionais, situação que ficou ainda mais marcante com o crescimento da população, bem como, diante da ausência de maior direcionamento quanto à ressocialização do preso após o cumprimento da pena privativa de liberdade, fez-se necessário observar as causas de tais fatores, bem como a aferição do cumprimento da pena, não apenas como um ato puramente punitivo, mas também a partir de um ato de viabilizar a não reincidência.
Aqui, inicia-se a breve contextualização acerca da origem da educação nas prisões que, conforme Marcondes e Marcondes (2007, p. 6-7), teve a religião como base:
A educação carcerária tem as suas origens na religião e as primeiras preocupações ocorreram nos Estados Unidos da América para possibilitar aos presos a leitura da Bíblia e de outros livros sagrados. Contudo, os esforços iniciais à escolarização da população carcerária encontraram grandes obstáculos das autoridades penitenciarias, tanto que um diretor da Penitenciária de Auburn em 1824 proibiu os presos de ler e escrever, sob o argumento de que a instrução destes presos poria em risco a sociedade, porque iriam utilizar-se desses conhecimentos para falsificar documentos. (MARCONDES; MARCONDES, 2007, p.6-7).
Observa-se que, naquela época, a educação consistia na leitura de livros religiosos, todavia, houve certo receio em ofertar tal ensino aos presos, já que estes, do ponto de vista das autoridades penitenciárias, poderiam utilizar da leitura e escrita para cometer mais crimes.
No âmbito mundial, o grande marco histórico quanto ao direito à educação ocorreu em 1948, quando este fora consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em seu artigo 26:
Artigo 26
1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. (ONU, 1948).
No entanto, pode-se dizer que o marco para a instituição da educação nas prisões, ou ao menos como garantia aos presos, ocorreu em 1955, com a elaboração do documento Regras Mínimas para o Tratamento dos Reclusos, das Nações Unidas, que trouxe, na seção “Regras de Aplicação Geral” os “Princípios Básicos” a serem seguidos pelas autoridades no tratamento dos reclusos. Em específico, a regra 4, dispõe que:
Regra 4
[...]
2. Para esse fim, as administrações prisionais e demais autoridades competentes devem proporcionar educação, formação profissional e trabalho, bem como outras formas de assistência apropriadas e disponíveis, incluindo aquelas de natureza reparadora, moral, espiritual, social, desportiva e de saúde. Estes programas, atividades e serviços devem ser facultados de acordo com as necessidades individuais de tratamento dos reclusos. (ONU, 1955).
Ademais, neste mesmo documento, na seção “Educação e Lazer”, afirma-se que:
Regra 104
1. Devem ser tomadas medidas no sentido de melhorar a educação de todos os reclusos que daí tirem proveito, incluindo instrução religiosa nos países em que tal for possível. A educação de analfabetos e jovens reclusos será obrigatória, prestando-lhe a administração prisional especial atenção. 2. Tanto quanto for possível, a educação dos reclusos deve estar integrada no sistema educacional do país, para que depois da sua libertação possam continuar, sem dificuldades, os seus estudos. (ONU, 1955).
Verifica-se que tal documento trouxe diversas previsões que auxiliaram as legislações vigentes quanto ao tratamento destinado aos reclusos, não somente quanto à educação, mas também tendo estabelecido que estes devem ser tratados com o respeito inerente ao valor e dignidade humana.
Numa perspectiva histórica e teórica, diz-se que o momento de instauração da educação dentro do sistema prisional foi reflexo do final da Segunda Guerra Mundial, com o advento do ideário liberal e o recebimento de novos aportes teóricos (AMARAL; SANTANA, apud SARAIVA; LOPES, 2011).
No mais, convém destacar que em 1975, em seu livro “Vigiar e Punir”, Michel Foucault traz “sete máximas universais da boa condição penitenciária”, sendo a educação o quinto princípio elencado. Sobre o tema, SOUZA (2013, p.19) nos ensina que:
Com a revolta dos detentos em 1945 – ainda quando Foucault escrevia Vigiar e Punir -, pelo fato da reforma penitenciária não ter dado certo, fez com que os princípios constituídos há quase 150 anos, voltem a fazer algum efeito sobre os apenados. Esses princípios são as “sete máximas universais da boa condição penitenciária". O primeiro é princípio da correção (os detentos devem ser transformados novamente seu comportamento); o segundo, o princípio da classificação (devendo ser os detentos isolados ou agrupados de acordo com a gravidade penal); o terceiro, o da modulação das penas (as penas devem ir mudando de acordo com as mudanças de comportamento, progressos ou recaídas dos apenados); o quarto, é o princípio do trabalho como obrigação e como direito (o trabalho deve ser a chave principal para que ocorram as mudanças nos apenados); o quinto, o princípio da educação penitenciária (sendo responsável por este o poder público, assim como se torna uma precaução indispensável nos interesses da sociedade e uma obrigação com o detento); o sexto, o princípio do controle técnico da detenção (este se caracteriza pelo surgimento dos agentes penitenciários); e por fim, o sétimo, o princípio das instituições anexas (dando assistência aos detentos durante e depois de cumprida sua pena, até sua readaptação definitiva dos delitos cometidos). (SOUZA, 2013, p.19).
Assim, observa-se que Foucault defende a educação como direito do preso e dever do Estado: “A educação do detento é, por parte do Poder Público, ao mesmo tempo uma precaução indispensável no interesse da sociedade e uma obrigação para com o detento, ela é a grande força de pensar” (FOUCAULT, 1987, p. 224 apud SANTOS; MEDEIROS, 2020).
Na atualidade, a educação nas penitenciárias é reconhecida como política pública, tendo como finalidade a inclusão social e a prevenção da criminalidade, sendo, inclusive, garantido como um direito do preso. No Brasil, tal direito é assegurado pelas variadas normas internacionais das quais o país é signatário, bem como encontra previsão na Constituição Federal de 1988 e na Lei de Execução Penal, fato estes que serão abordados nos tópicos seguintes.
1.2 Evolução do Ensino nas Penitenciárias Brasileiras
Agora, tratando-se da educação nas prisões do Brasil, tem-se que seu marco inicial fora em meados do século XX, época em que possibilitou a percepção acerca dos cidadãos carcerários serem minimamente instruídos até mesmo na educação básica, com a edição das denominadas Normas Gerais do Regime Penitenciário, na forma da Lei 3.274/1957.
Estas Normas Gerais foram sancionadas por Juscelino Kubitschek, e apresentavam termos como “educação moral”, “educação intelectual”, “educação física”, “educação artística” e “educação profissional” (AMARAL; SANTANA, apud VASQUEZ, 2008, p. 70), sendo, portanto, responsável por trazer a inclusão da educação escolar para o âmbito das prisões.
Assim, tem-se que até o presente marco histórico, na realidade brasileira, a prisão apenas se valia para a finalidade de encarcerar aqueles acusados ou condenados pela prática de conduta criminosa sem que, todavia, houvesse uma real preocupação com a observância quanto à forma de reinserção daquele criminoso na sociedade.
Em 1984, a Lei nº 3.724/1957 foi revogada pela Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), tendo esta a finalidade de “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (artigo 1º, Lei de Execução Penal, 1984), sendo a principal legislação em relação aos direitos dos presos. Prevê, inclusive, em seu artigo 3º, que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei”.
Quanto ao direito à educação dos presos, tem-se no artigo 11, da referida Lei, que é dever do Estado prestar a assistência educacional. No mais, os artigos 17 a 21 discorrem sobre tal assistência, incluindo, também, a instrução escolar e formação profissional, além de prever a disponibilização de bibliotecas nas unidades prisionais. Ademais, conforme o artigo 83, §4º, da LEP, deve o estabelecimento penal contar com áreas destinadas a prestar os serviços assistenciais previstos.
Posteriormente, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei nº 9.394/1996, também elencou, em seu artigo 2º, a educação como dever do Estado, bem como no artigo 5º dispôs que o acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão acionar o Poder Público a fim de exigi-lo.
Já em 1988, na Constituição Federal, a educação passou a ser tratada como um direito social. É o que dispõe o artigo 6º, da Constituição Federal de 1988:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).
Para Oliveira (1999, apud FREITAS, 2014) a CF/88 traz um salto de qualidade em relação às legislações anteriores, pois a declaração do direito à educação encontra-se bem detalhada, com maior abrangência e precisão da redação, prevendo inclusive os instrumentos jurídicos que garantam tal direito.
Assim, sendo a educação direito fundamental e social, é dever do Estado provê-la não somente a todos os indivíduos, mas também aos reclusos, a considerar que não se pode haver tratamento discriminatório, conforme o artigo 3º, IV, da CF/88:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
[...]
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 1988).
Outra legislação importante para a evolução do ensino nas penitenciárias, foi o Plano Nacional de Educação, instituído na Lei nº 10.172/2001, que trouxe metas a serem cumpridas quanto à implantação de programas de educação de jovens e adultos nas unidades prisionais. No mesmo sentido, foi instituída a Lei nº 12.106/2009, na qual prevê, em seu artigo 1º, §1º, inciso IV, fomentar a implementação de projetos de capacitação profissional e reinserção social do interno e egresso.
Todavia, até então, é possível verificar que era assegurado ao preso o direito à educação, contudo, não havia qualquer “bonificação” para aqueles que optavam pelo ensino, o que causava um grande nível de desinteresse entre os detentos.
Assim, no ano de 2011, a Lei nº 12.433 alterou a Lei de Execução Penal para “dispor sobre a remição de parte do tempo de execução da pena por estudo ou trabalho”. Desta forma, regulamentada a remição da pena pelos estudos, o preso, a cada 12 (doze) horas de frequência escolar comprovadas, passou a ter direito a um dia a menos na pena (art. 126, Lei de Execução Penal), podendo, ainda, ser acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, conforme §5º do referido artigo.
Ademais, no Decreto nº 7.626/2011, instituiu-se o “Plano Estratégico de Educação no âmbito do Sistema Prisional”, com a finalidade de ampliar e qualificar a oferta de educação nas penitenciárias (art. 1º, Decreto nº 7.626/2011). Inclusive, tal Decreto, em seu artigo 6º, dispôs que:
Art. 6º Compete ao Ministério da Educação, na execução do PEESP:
I - equipar e aparelhar os espaços destinados às atividades educacionais nos estabelecimentos penais;
II - promover a distribuição de livros didáticos e a composição de acervos de bibliotecas nos estabelecimentos penais;
III - fomentar a oferta de programas de alfabetização e de educação de jovens e adultos nos estabelecimentos penais; e
IV - promover a capacitação de professores e profissionais da educação que atuam na educação em estabelecimentos penais. (BRASIL, 2011).
No mais, este Decreto visa a reintegração social da pessoa em privação de liberdade por meio da educação” (art. 3º, Decreto nº 7.626/2011), o que fica evidente em todos os seus artigos, já que institui desde os objetivos gerais do Plano Estratégico, até as competências do Ministério da Educação e da Justiça para o cumprimento das demandas nos estabelecimentos penais.
Por esta breve análise, é possível observar o avanço durante todos estes anos quanto à implementação da educação no sistema penitenciário brasileiro.
Não há dúvidas de que o ordenamento jurídico brasileiro no âmbito penal é vasto e dispõe de diversos dispositivos, além de tratados internacionais, que objetivam a garantia deste direito aos apenados, já que, como qualquer outro cidadão, os presos possuem direitos e deveres, bem como garantias fundamentais.
Importante ponderar que, à luz de atuais estudos realizados na sociedade brasileira, tem-se que apenas uma pequena parcela da população carcerária deteve acesso à educação, situação que atinge cerca de apenas 13% da referida população. Com tal fundamento, tudo conforme estudo realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), tem-se que, dos 700 mil presos de todo o país, 70% não concluíram o ensino médio, 92% não concluíram o ensino fundamental, e menos de 1% possui diploma do ensino superior:
Menos de 13% da população carcerária tem acesso à educação. Dos mais de 700 mil presos em todo o país, 8% são analfabetos, 70% não chegaram a concluir o ensino fundamental e 92% não concluíram o ensino médio. Não chega a 1% os que ingressam ou tenham um diploma do ensino superior. Apesar do perfil marcado pela baixa escolaridade, diretamente associada à exclusão social, nem 13% deles têm acesso a atividades educativas nas prisões, segundo dados levantados junto ao Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN). (NOVO, 2021).
Feitas tais considerações, tem-se que a instituição da educação junto às prisões preconiza o alcance das finalidades da pena, quais sejam, a finalidade retributiva, repressiva e a reeducadora.
Observa-se que para que se alcance tal finalidade é necessário que se estudem todos os fatores e limites que vinculam a aplicação da pena, seja quanto à necessidade de aplicação de uma sanção eficaz, para que se alcance a finalidade de reprimir pela prática de um ato ilícito, bem como com o fito de se evitar a reincidência.
2. A Educação na Constituição Federal e na Lei de Execução Penal
Neste tópico, pretende-se fazer uma análise do direito à educação dos presos à luz da Constituição Federal de 1988, e da Lei de Execução Penal, instituída pela Lei n° 7.210/84.
Assim, considerando a hierarquia das normas, tem-se como principal dispositivo legal a Constituição Federal de 1988, que em seu artigo 6° prevê os direitos sociais, sendo a educação um deles. Veja-se:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).
Em consonância, tem-se o artigo 205, da Lei Maior:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1988).
Ademais, de acordo com o art. 23, da Constituição Federal, é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, proporcionar os meios de acesso à educação. Além disso, observa-se que o artigo 208, I, da Constituição Federal, prevê que é dever do Estado garantir “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 1998).
Desta forma, a considerar o Brasil como Estado Democrático, e sendo todos iguais perante a lei, conforme o artigo 5°, da CF/88, é dever do Estado garantir que esses direitos não sejam violados, até mesmo enquanto o indivíduo cumpre a pena. No mais, convém ressaltar que os direitos dos presos estão elencados como direitos fundamentais, e são baseados no princípio da dignidade humana, devendo ser respeitados, dada a imperatividade, eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais.
Acerca disto, tem-se o que discorre Shecaira e Corrêa Junior (1995, p. 31):
O Estado Democrático de Direito elenca como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF/88). Portanto, o homem deve ser a medida primeira para a tutela do Estado, alcançando ainda maior destaque no direito penal, onde o condenado será encarado como sujeito de direitos e deverá manter todos os seus direitos fundamentais que não forem lesados pela perda da liberdade em caso de pena privativa. Note-se que a pena é privativa da liberdade, e não da dignidade, respeito e outros direitos inerentes à pessoa humana. (SHECAIRA; CORRÊA JUNIOR, 1995, p. 31).
Além da Carta Magna, e tratados internacionais que não serão discutidos no presente estudo, convém destaque à Lei de Execução Penal (LEP - Lei n° 7.210/84) como instrumento normativo no tocante aos direitos dos presos. Tal Lei, em seu artigo 1°, estabelece que tem por objetivo “proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado” (BRASIL, 1984). Ainda, o art. 3º da Lei de Execução Penal (LEP) determina que “ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei” (BRASIL, 1984). Ou seja, no sentido legal, a pena atinge tão somente o direito à liberdade do indivíduo preso.
Assim, pode-se dizer que a finalidade da LEP é reprimir e prevenir a prática de novos delitos, enquanto resguarda os direitos dos condenados, inclusive propõe um ambiente adequado para a reintegração do preso à sociedade, enquanto cumpre a pena.
A Lei de Execução Penal institui os direitos dos presos em seu artigo 41 diante de um rol exemplificativo, os quais incluem direito à assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa; direito à alimentação; vestuário; exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena; entre outros.
Em consonância, ainda, o art. 11 da LEP estabelece que a assistência que o Estado deve promover ao preso e egresso, é material (alimentação, vestuário e instalações higiênicas), educacional, social, religiosa, jurídica, bem como à saúde. Assim, sendo a educação um destes direitos do preso, resta evidente que ao Estado incumbe o dever de prestar tal assistência ao condenado, a fim de prepará-lo para o retorno ao convívio social.
Quanto à assistência educacional, conforme o artigo 17 da LEP, tem-se que “a assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado” (BRASIL, 1984). Além disso, há previsão de ensino à distância (art. 18-A, §3°, LEP) e implementação de uma biblioteca por unidade prisional (art. 21, LEP), bem como dispõe que tais atividades educacionais poderão ser objeto de convênio com entidades públicas ou particulares, a fim de ofertar cursos especializados (art. 20, LEP).
Não há dúvidas de que a educação é primordial ao desenvolvimento humano, tanto no contexto social quanto moral, já que através dos estudos é possível alcançar uma melhor qualidade de vida, com independência financeira e intelectual. Para Gadotti (1999, p. 62 apud NOVO, 2019) “Educar é libertar [...] dentro da prisão, a palavra e o diálogo continuam sendo a principal chave, a única força que move um preso é a liberdade; ela é a grande força de pensar”.
No mais, é possível observar que os apenados, na maioria das vezes, são indivíduos que devido a uma lacuna na sua educação ou na ausência da mesma, obtém uma falta de capacitação que faz com que enfrentem uma dificuldade significativa para se realocarem no mercado de trabalho, e assim, tornam por compreender a criminalidade como um caminho mais “fácil e acessível”.
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), em 2019, dos 748 mil presos no Brasil, pelo menos 327 mil não completaram os nove anos do ensino fundamental e 20 mil são considerados analfabetos. Ademais, 64% dos estabelecimentos informaram haver internos em atividade educacional, contudo apenas 123 mil presos estão matriculados. Desse total, 23.879 participam de algum programa de remição pela leitura e 15 mil estão envolvidos em remição por esporte ou outras atividades culturais.
Convém destacar que a remição da pena por estudo foi instituída pela Lei nº 12.433 de 2011, já que, até então, a Lei de Execução Penal previa apenas a possibilidade de remição pelo trabalho. Assim, a norma alterou os artigos 126 a 129 da LEP, os quais cuidam exclusivamente da remição. Observa-se que, com a nova redação, é assegurado ao preso, em regime fechado ou semiaberto, o direito à remição pelo estudo na proporção de 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar. É o que dispõe o artigo 126, caput, e §1º, inciso I, da LEP:
Art. 126. O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto poderá remir, por trabalho ou por estudo, parte do tempo de execução da pena.
§ 1o A contagem de tempo referida no caput será feita à razão de:
I - 1 (um) dia de pena a cada 12 (doze) horas de frequência escolar - atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, ou superior, ou ainda de requalificação profissional - divididas, no mínimo, em 3 (três) dias; [...] (BRASIL, 1984).
Além do mais, tais atividades poderão ser na forma presencial ou na modalidade de ensino à distância, conforme o parágrafo 2º, do referido artigo, desde que regulamentadas e certificadas pelas autoridades competentes. No mais, o parágrafo 5º, prevê que, aquele preso que concluir o ensino (fundamental, médio ou superior) durante o cumprimento da pena, poderá receber um acréscimo de 1/3 no tempo de remição.
Ao que se sabe, quando o apenado tem a remição do tempo de pena, este será contado ao da pena privativa de liberdade, sendo que ao cumprir o tempo determinado poderá ser beneficiado com a progressão de regime e ainda livramento condicional, conforme está disposto no art. 128 da Lei de Execução Penal. Mas se ocorrer o caso do apenado que foi beneficiado cometer falta grave, poderá este ter a remição revogada em até um terço, através de decisão judicial, conforme previsão no art. 127 da Lei de Execução Penal (LIMA; SILVA apud AVENA, 2015).
Para Mirabete (2004, p. 517 apud LIMA; SILVA) a remição reeduca o condenado e prepara-o para o retorno ao convívio social, uma vez que proporciona meios para que sua reabilitação se dê diante de si mesmo e diante da sociedade, além de condicionar sua “liberdade” ao próprio esforço.
Na LEP (Lei n° 7.210/84) o legislador buscou especificar os deveres do apenado no cumprimento da pena, bem como o ambiente prisional adequado, além de dispor sobre os direitos dos presos (progressão de regime, saídas temporárias, assistência à saúde, educação e profissionalização, entre outros), e prever punições nos casos de cometimento de falta disciplinar pelo apenado.
Assim, é possível perceber que a Lei de Execução Penal não possui apenas a finalidade de reprimir ou punir o condenado, mas também oferecer condições para que seu retorno ao convívio social ocorra de forma digna e coerente.
3. Estudo comparado: Uma análise das diferenças entre o Sistema Penitenciário Brasileiro e o Norueguês.
É de conhecimento geral o cenário caótico que acomete as penitenciárias brasileiras. As celas superlotadas, a ausência de atendimento básico à saúde, bem como as condições precárias e insalubres dos presídios, são alguns dos problemas enfrentados no sistema penitenciário do país que interferem diretamente no alto índice de reincidência.
Sendo assim, neste tópico será realizado um estudo comparado entre o sistema penitenciário da Noruega e do Brasil, com a finalidade de analisar, de forma breve, as práticas carcerárias nesses dois países, tendo como principal foco as diferenças entre os métodos utilizados no encarceramento, já que ambos os países possuem a ressocialização como principal função.
De início, é importante destacar que a proporção de presidiários na Noruega é de 57 para cada 100 mil habitantes, ao passo que, no Brasil, a taxa é de 389 por 100 mil, conforme dados do World Prision Brief (WPF, 2021). Outro ponto que merece destaque é a taxa de homicídios que, enquanto a Noruega registra 0,6%, no Brasil, segundo dados do Índice para uma Vida Melhor (OECD), é de 19%.
A taxa de reincidência na Noruega é uma das mais baixas do mundo, registrando apenas 20%. Lá, no sistema prisional, prioriza-se o tratamento humanizado dos presos, tendo, inclusive, o ideal de que os detentos devem manter uma rotina comum, como se fora da prisão estivessem. É o que chamam de princípio da normalidade.
Desse modo, os presos realizam diversas atividades de lazer, como jogar videogame, assistir televisão, tocar instrumentos musicais, dentre outras. Inclusive, um diferencial do sistema penal norueguês é que se evita a aplicação de penas duradouras, sendo que a grande parte dos presos não fica um ano, e a sentença máxima é de 21 anos. Assim, é possível perceber que, de fato, o foco do sistema é cumprir sua missão de reabilitação do indivíduo ao convívio social, observando, a todo momento, os direitos humanos.
Cita-se como exemplo, a prisão de Halden, de segurança máxima, considerada “de luxo”, na qual os agentes penitenciários sequer utilizam armamentos. Nela, cada detento tem seu próprio quarto, os quais são devidamente equipados com televisão, frigobar e banheiro.
Ademais, são inúmeras atividades oferecidas aos detentos, dentre elas estão as aulas de música, culinária e, além disso, os presos também podem praticar esportes, receber familiares e amigos em particular duas vezes na semana, bem como há uma biblioteca com livros e revistas. Além disso, os presos recebem questionários destinados a melhorar a vivência deles dentro da penitenciária, isto é, são feitas perguntas para saber como a experiência na prisão pode ser aperfeiçoada.
Ao contrário do que se encontra na Noruega, aqui, no Brasil, tem-se um sistema penal propenso à falência, uma vez que as finalidades da pena, quais sejam, retributiva, repressiva e a reeducadora, não são devidamente cumpridas. Nesse sentido, disserta Oliveira (2009):
A falência do sistema penitenciário brasileiro é resultado do colapso dos diversos aspectos que o compõe, uma vez que as condições de sobrevivência no cárcere são totalmente degradantes, atentando contra o basilar princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, o sistema prisional ao longo dos tempos tem se demonstrado incapaz de cumprir as medidas básicas de reabilitação do apenado, ou seja, o crime cresce de maneira descontrolada e a ressocialização do preso é o que menos ocorre, visto que os índices de reincidência carcerária só têm aumentado. Percebe-se, com isso, o imenso contraditório existente entre o que é previsto no texto constitucional e a realidade cruel e desumana do cumprimento das penas nas prisões brasileiras, pois o indivíduo é tratado de forma degradante. Dessa maneira, o processo falimentar do sistema penitenciário no país é creditado à dimensão da população carcerária, e à falta de investimento nas casas prisionais, ora por falta de recursos do ente estatal e também por total falta de interesse deste em investir na melhoria da qualidade de vida dos apenados. (OLIVEIRA, 2009).
De acordo com Rafael Damasceno de Assis (2007), “o Brasil convive com um abandono do sistema prisional, o que deveria ser um instrumento de ressocialização, muitas vezes, funciona como escola do crime, devido à forma como é tratado pelo Estado e pela sociedade”.
Ao ser preso, o indivíduo, teoricamente, perde tão somente o direito à liberdade, sendo-lhe garantidos todos os outros direitos disponíveis na Carta Magna, bem como na Lei de Execução Penal. No entanto, o sistema penitenciário brasileiro é extremamente cruel, mantém o caráter de vingança, e viola os direitos básicos garantidos aos presos.
Inclusive, convém destacar o desrespeito ao princípio da dignidade humana ante a superlotação das celas, a ausência de atendimento básico à saúde, as condições precárias e insalubres dos presídios, acrescido do tratamento desumano que os presos recebem das autoridades.
Assim, Rolim (2003, p. 121) destaca:
O Brasil, como a maioria dos países latinos - americanos, assiste imobilizado ao desenvolvimento de uma crise em seu sistema penitenciário. Especialmente nesta última década, os indicadores disponíveis a respeito da vida nas prisões brasileiras demonstram de maneira inconsistente um agravamento extraordinário de problemas já muito antigo como superlotação carcerária, a escalada da violência entre os internos, as práticas de abusos, maus tratos e tortura sobre eles, a existência de garantias mínimas aos condenados e o desrespeito sistemático e institucional à legislação ordinária e aos princípios dos direitos humanos. (ROLIM, 2003, p. 121).
A verdade é que, o senso comum acredita que aquele responsável por cometer um crime deve ser tratado da pior forma possível para “aprender”. Ocorre que, esta ideia se mostrou totalmente equivocada, em razão do elevado nível de reiteração criminosa. Isto porque, mesmo se mostrando contrário ao que o ordenamento jurídico propõe, o sistema não se mostra eficiente.
Desse modo, resta evidente que o maior responsável pelo aumento da reincidência é a falta de um sistema adequado, e que realmente forneça ao preso o necessário para promover a ressocialização, e assim, tornar possível sua reinserção social após o cumprimento da pena.
4. Educação nas penitenciárias do Estado de Rondônia.
Por fim, neste último tópico, será abordado quanto ao direito à educação nas penitenciárias no Estado de Rondônia.
Primeiramente, cabe destacar que, conforme dados coletados no Departamento Penitenciário Nacional, utilizando como Julho de 2022 como mês de referência, o custo médio do preso para o governo brasileiro é, em média, R$ 2,3 mil mensais, enquanto um aluno custa, aproximadamente, R$ 4,6 mil por ano, ou seja, o custo médio mensal é de R$ 380 reais mensais.
A educação possui um papel extremamente importante em fornecer às pessoas o conhecimento, as habilidades e as competências necessárias para uma participação efetiva na sociedade e na economia. Ter uma boa educação aumenta consideravelmente a probabilidade de encontrar emprego e ter renda suficiente (OECD, 2022). Dessa forma, resta evidente a importância de investir no sistema educacional e, fornecer educação de qualidade a toda a sociedade, tal como diz o filósofo Immanuel Kant, “o homem não é nada além daquilo que a educação faz dele”.
Assim, sendo a educação classificada como direito universal, deve o Estado proporcioná-la de forma igualitária, inclusive aos presos. Destaca-se o que discorre Novo (2021), em seu artigo “A importância da educação prisional para a recuperação de detentos no Brasil e na Espanha”:
A educação é um direito social assegurado pela Constituição Federal e consagrado na legislação internacional. No entanto, quando se trata da população encarcerada, tal direito parece não ter o mesmo grau de reconhecimento. Se é fato que as camadas pobres da população são privadas de vários direitos, entre eles, o direito a uma educação de qualidade, essa realidade torna-se ainda mais contundente e pior – mais invisível ou naturalizada – em se tratando de pessoas condenadas pelo sistema de justiça penal. (NOVO, 2021).
Neste ano, conforme dados coletados no 12º Ciclo do Sistema de Informações do Departamento Nacional (SISDEPEN), em Rondônia, há 14.420 presos custodiados no sistema penitenciário estadual, e 50 no federal. Analisando essas mesmas informações fornecidas, foi possível verificar que, atualmente, o total de pessoas privadas de liberdade em atividades educacionais, somando-se os custodiados no sistema estadual e federal, é de 5.186, sejam elas na alfabetização, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior, curso técnico, curso de formação inicial e continuada.
Através de pesquisas, foi possível identificar que no estado de Rondônia, a Secretaria de Estado de Justiça (SEJUS) em parceria com entidades, sendo elas o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), aliada à instituições de ensino, quais sejam, Instituto Federal de Rondônia (IFRO) e Instituto Estadual de Desenvolvimento da Educação Profissional (IDEP), somando-se, também, com a Cooperativa de Trabalho Multidisciplinar de Desenvolvimento da Amazônia (COOTAMA) e a Associação Beneficente, Assistência Médica e Social à População Ribeirinha do Vale do Guaporé e Mamoré da Amazônia Ocidental (ASBAMGUAMA), oferta cursos profissionalizantes aos reclusos, com a finalidade de proporcionar o estudo e, posteriormente, após o cumprimento da pena, possibilitar que sejam capazes de construir um futuro diferente, longe da criminalidade.
Em 2020, até o mês de agosto de 2021, a Sejus capacitou 888 reeducandos, com cursos de olericultura, corte e costura, serralheria, panificação, artesão de bordado à mão, atendimento ao público e auxiliar de agropecuária (GENTE DE OPINIÃO, 2021).
Ademais, até o ano de 2021, o acervo bibliográfico das unidades prisionais, formado por meio de doações do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), contava com mais de dez mil obras disponíveis aos presos, o que é de suma importância, uma vez que a leitura diminui a ociosidade e, ainda, contribui para a formação do cidadão.
Outro projeto elaborado pela SEJUS para manter a população carcerária ocupada foi o “Pintando a liberdade”, no qual houve a instalação de uma fábrica de bolas na Penitenciária Estadual Ênio Pinheiro dos Santos e, também, um ateliê de costura. Isso foi possível através do financiamento pelo Ministério do Esporte, de 90%, sendo os outros 10% do Estado de Rondônia.
Nesse projeto, “o material produzido é distribuído para as escolas da rede pública estadual e municipal, associações e entidades filantrópicas que tenham o esporte em suas atividades” (SEJUS, 2022). Inclusive, aqueles que participam deste programa têm remição de pena, além de serem remunerados pela produção.
Destaca-se, também, a elaboração do “Plano Estadual de Educação para Pessoas Privadas de Liberdade e Egressas do Sistema Prisional do Estado de Rondônia”, aprovado pelo DEPEN, o qual objetiva a ampliação e qualificação da oferta de educação nos estabelecimentos penais do Estado, bem como cultura e esporte, para o quadriênio de 2021-2024. Tal Plano foi elaborado pela Secretaria de Estado da Educação de Rondônia (SEDUC) em parceria com a SEJUS, levando-se em consideração o Decreto nº 7.626/2011, referente ao direito à educação nas penitenciárias, inclusive, abordado brevemente neste artigo.
No Plano Estadual, há a oferta desde os ensinos básicos, quais sejam, alfabetização, ensino fundamental e médio, até a educação superior, bem como cursos profissionalizantes e formação técnica. Ademais, conta com indicadores estratégicos para melhor avaliar a eficácia e a efetividade das atividades em todas as unidades prisionais do Estado, bem como analisar os índices de pessoas inseridas nas atividades educacionais, entre outros.
Convém destacar que esses programas, bem como políticas públicas, desenvolvidos dentro dos presídios e para os presos, são extremamente necessários, pois, conforme já verificado, o aumento de investimento na educação liga-se, quase que diretamente, com a diminuição da criminalidade. Isto porque, a falta de oportunidade faz com que o indivíduo procure a alternativa mais fácil, qual seja a marginalidade. Conforme disserta Novo (2021):
A educação é importante na recuperação, muitos detentos têm baixos padrões de escolaridade. Uma parcela significativa não domina as competências básicas de leitura e escrita, esse baixo nível de escolaridade afetou suas vidas e pode ter contribuído para que cometessem delitos, por isso os programas e projetos de educação nos presídios são importantes para desenvolver nos encarcerados seu senso de autovalorização (NOVO, 2021).
De acordo com o Índice para uma Vida Melhor (OECD), apenas 57% dos adultos com idades entre 25 e 64 anos completaram o ensino médio, porcentagem, essa, abaixo da média da OCDE, de 79%. Ao analisar estes números dentro dos presídios, tem-se que cerca de 70% dos presos não concluíram o ensino fundamental.
Dessa forma, oferecer cursos profissionalizantes e proporcionar o ensino a estes indivíduos apenados, que por vezes, sequer, tiveram a oportunidade de estar em uma sala de aula é, de fato, um caminho a ser seguido, assim como é previsto nas diversas legislações já citadas neste artigo.
É evidente que a educação oportuniza o indivíduo a buscar uma melhor qualidade de vida, visto que poderá ingressar no mercado de trabalho e conquistar um futuro diferente daquele que, por vezes, o contexto social o fez escolher.
CONCLUSÃO
Através do estudo realizado, constatou-se que a legislação classifica a pena como sendo retributiva, reeducadora e capaz de criar condições para possibilitar o retorno do apenado ao convívio social de forma proveitosa. Contudo, percebe-se que o Brasil não alcança tal finalidade.
De fato, o indivíduo que comete infrações deve ser penalizado, todavia é extremamente necessário observar o respeito à dignidade individual, assim como dispõe o ordenamento jurídico brasileiro.
Conforme verificado, no Brasil, o próprio sistema penal colabora com o aumento dos níveis de reincidência, uma vez que a prisão funciona como escola para a vida criminosa, e não como via de prevenção e punição aos delitos. Ao contrário, as penitenciárias norueguesas criam um ambiente confortável, que favorece o retorno dos infratores ao convívio social de forma que eles se tornam, novamente, parte da comunidade, o que reduz, consequentemente, as taxas de reincidência criminal.
Inclusive, foi possível observar que a educação é uma forma de promover a ressocialização do preso, sendo dever do Estado garantir à população carcerária o direito ao ensino, uma vez que tal direito se encontra previsto na Constituição Federal de 1988, bem como na Lei de Execução Penal, dentre outras legislações, conforme abordado no presente artigo.
Além disso, observou-se que há, em Rondônia, parcerias entre a SEJUS e a SEDUC com instituições de ensino, entidades e associações, para a oferta de cursos profissionalizantes, cujo objetivo é capacitar os apenados para que, ao término do cumprimento da pena, tenham a possibilidade de construir um futuro diferente.
Tal preocupação em instituir projetos e programas cujos objetivos são proporcionar ao apenado a oportunidade de ser alfabetizado ou concluir o ensino fundamental e médio, devem tornar-se parte do governo e da sociedade, já que essas melhorias não beneficiam somente os indivíduos presos, mas também toda a coletividade.
O tratamento desprezível e de descaso com os apenados impossibilita a ressocialização, além de promover a revolta destes cidadãos, já que estigmatizados após o cumprimento da pena e jogados à margem da sociedade, retornam à vida criminal.
Assim, ao proporcionar as medidas de assistência necessárias ao preso e possibilitar a sua reinserção ao convívio social de forma produtiva, promovendo a escolarização e capacitação deles e, oportunizando o ingresso no mercado de trabalho, tem-se um reflexo positivo na esfera social, inclusive, na diminuição da criminalidade.
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[1] Prof. Orientadora Graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-graduada em Direito Público pela Escola da Magistratura Federal do Paraná. Mestre em Corrupção e Estado De Direito pela Universidade de Salamanca/Espanha. Mestre em Direito Penal pela Universidade de Salamanca/Espanha.
Acadêmica de Direito no Centro Universitário São Lucas | AFYA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SUZUKI, Bianca Rocha. A educação no cárcere: da previsão à realidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60031/a-educao-no-crcere-da-previso-realidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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