FRANCINE ADILIA RODANTE FERRARRI NABHAN
(orientadora)
RESUMO: Observa-se que o Brasil encara, há tempos, as terríveis consequências da corrupção sistematizada e instalada na administração pública em âmbito municipal, estadual e federal. Em virtude disso, o constituinte indicou a necessidade de processo licitatório para a contratação na administração pública nos termos da Constituição Federal e da Lei nº 8.666/1993. Ocorre que, a nova Lei de Licitações publicada em 2021, a qual já se encontra em vigência, admite dispensa de licitação em casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada a urgência para a contratação conforme se evidenciou na pandemia do COVID-19, surgindo a seguinte problemática: em atenção aos casos de improbidade administrativa por parte dos agentes públicos, existe alguma relação entre a dispensa de licitação para a contratação diante da decretação de estado de emergência ou de calamidade pública? O presente artigo científico, possui, portanto, o objetivo de analisar se houve ou não, casos de improbidade administrativa dos agentes públicos diante dessa flexibilização, durante a pandemia. A metodologia utilizada para tanto, trata-se do método qualitativo, exploratório e bibliográfico, visto que o trabalho se fundamentou na legislação vigente, na doutrina jurídica e em artigos científicos, encontrados em bases de dados como o Google Acadêmico e Capes. Assim, ao longo da pesquisa foi possível concluir que, embora a nova legislação tenha trazido benefícios para a sociedade e principalmente aos envolvidos no processo licitatório, a contratação direta corroborou com o aumento de casos de corrupção durante a pandemia em virtude da conduta improba dos agentes públicos.
Palavras-chaves: Processo licitatório. Lei de licitações. Improbidade administrativa.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A SUA APLICABILIDADE. 3 ASPECTOS GERAIS DA NOVA LEI DE LICITAÇÃO. 4 A DISPENSA DA LICITAÇÃO EM RAZÃO DE ESTADO DE EMERGÊNCIA E DE CALAMIDADE PÚBLICA. 5 O CRESCIMENTO DOS CASOS DE DISPENSA DE LICITAÇÃO DIANTE DO PERÍODO DA PANDEMIA DE COVID-19. 6 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
Atualmente o mundo passa por uma severa crise sanitária em virtude da pandemia do COVID-19, causada pelo Sars-CoV-2. Diante das grandes dificuldades enfrentadas, seja no campo sanitário, econômico, social e político, no Brasil, ainda encarasse as terríveis consequências da corrupção sistematizada e instalada na administração pública, seja em âmbito municipal, estadual ou federal.
A tempos o Brasil passa por uma crise moral, sobretudo, no campo político, transcendendo a atualidade e caracterizando-se um problema corriqueiro impregnado na cultura política brasileira, o famoso “jeitinho brasileiro”. Diante disso, o artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assegura que a administração pública direta ou indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios será pautada nos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (BRASIL, 1988).
Nessa seara, o constituinte indicou a necessidade de processo licitatório para a contratação na administração pública nos termos da lei, conforme o art. 37, XXI da CRFB/1988. A referida regulamentação foi feita por meio da Lei nº 8.666/1993 e, recentemente, mais precisamente no dia 1º de abril de 2021, fora publicada a nova Lei de Licitações, a Lei nº 14.133/2021 a qual já está em vigência.
Ocorre que em casos excepcionais, conforme se extrai de Brasil (2021), a lei admite dispensa de licitação, sobretudo, nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada a urgência para a contratação. Dessa maneira, a administração pública pode contratar diretamente sem a necessidade de licitar, o que pode corroborar com o aumento nos casos de corrupção em virtude da conduta improba dos agentes públicos. Assim, surge a seguinte problemática: em atenção aos casos de improbidade administrativa por parte dos agentes públicos, existe alguma relação entre a dispensa de licitação para a contratação diante da decretação de estado de emergência ou de calamidade pública?
A presente pesquisa demonstra-se fundamental diante dos efeitos causados pela pandemia de COVID-19, a qual gerou, no Brasil, a decretação de estado de emergência ou de calamidade pública, por parte dos entes federados em quase toda sua totalidade. Com isso, o presente estudo relacionará o crescimento, ou não, nos casos de improbidade administrativa dos agentes públicos diante da flexibilização, leia-se dispensa de licitação, para as contratações. Desse modo, espera-se, com a pretensa pesquisa a agregação de conhecimento à comunidade jurídica, bem como trazer conscientização social acerca das mazelas causadas pela má administração pública em sentido amplo.
Ademais, a escolha do tema se deu diante da situação pandêmica em que se encontra o mundo, refletindo efeitos no Brasil, bem como, por motivação pessoal, dada o contato diário com a administração pública e a forma como ela influencia no dia-a-dia do administrado. Em relação a metodologia empregada pra realizar o trabalho, destaca-se a abordagem qualitativa, a qual descreve uma relação entre o objetivo e os resultados que não podem ser interpretadas por meio de números (FERNANDES, 2018), posto que a análise sobre a flexibilização do processo licitatório frente ao estado de calamidade causado pela COVID-19 e a incidência de improbidade administrativa nas contratações realizadas durante esse período será feita por meio de uma interpretação subjetiva.
Quanto aos objetivos, a pesquisa possui cunho exploratório, uma vez que se fez imprescindível conhecer os aspectos gerais da nova legislação de licitações (14.133/2021), bem como, sua natureza, a forma como se constitui, as características e processos que dela fazem parte (LAKATOS; MARCONI, 2010). No que se refere ao procedimento técnico utilizado, a revisão literária do estudo denomina-se bibliográfica, por se basear no entendimento da legislação vigente, na doutrina jurídica e em artigos científicos, livros e periódicos encontrados em bases de dados como o Google Acadêmico e Capes.
Assim, ao longo do trabalho, será abordado, primeiramente, acerca dos princípios da administração pública arrolados na Constituição Federal de 1988, trazendo os seus conceitos e especificidades. Posteriormente, analisar-se-á as nuances da licitação e os casos de sua dispensa em razão de estado de emergência e de calamidade pública.
Em seguida, será abordado sobre as espécies de atos de improbidade administrativa e as especificidades de cada um desses atos, ao fim indicando o enquadramento diante das irregularidades cometidas ante a dispensa de licitação. E por fim, não menos importante, será relacionado o crescimento nos casos de pratica de atos de improbidade administrativa com a dispensa de licitação diante da decretação do estado de emergência ou de calamidade pública no período de pandemia de COVID-19.
2 OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A SUA APLICABILIDADE
Inicialmente, compreende-se que o Estado prevalece em face do indivíduo, isso porque o mesmo tutela o interesse da coletividade, e não os seus próprios interesses. Nesse sentido, há a necessidade de condução da sociedade sempre em busca do melhor interesse geral. Para isso, surge o Direito Administrativo como ramo do direito público, autônomo, que discute os princípios e as normas que regulamentam a função administrativa no Estado (MAZZA, 2019).
Assim, quando se fala em direito administrativo, faz-se necessário distinguir o seu regime jurídico – que é, em regra, ramo do direito público – e regime jurídico administrativo. O segundo, se trata de todo o conjunto de princípios e normas que atingem o direito administrativo. Nesse viés, Di Pietro traz uma importante distinção entre as expressões mencionadas acima:
A expressão regime jurídica da Administração Pública é utilizada para designar, em sentido amplo, os regimes de direito público e de direito privado a que pode submeter-se a Administração Pública. Já a expressão regime administrativa é reservada tão somente para abranger o conjunto de traços, de conotações, que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa (DI PIETRO, 2019, p. 203).
Para o estudo do direito administrativo, bem como das relações entre Administração e administrado, o regime jurídico administrativo faz-se essencial e é tido como elemento valioso na orientação e aplicação do direito (MARINELA, 2011). Dito isso, importa salientar que a doutrina elenca dois princípios implícitos, quais sejam: o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e o princípio da indisponibilidade do interesse público. Ambos são tidos como supra princípios, e deles decorrem, logicamente, todos os outros princípios que serão estudados (MAZZA, 2019).
Tem-se por supremacia do interesse público sobre o privado como aquele que versa a superioridade dos interesses da coletividade, razão pela qual o a administração recebe da lei poderes especiais para agir. Conforme de Di Pietro (2019), tratam-se de prerrogativas ou privilégios que administração possui, com a finalidade de defender o melhor interesse da coletividade. Por essa razão, explica a autora, que esses privilégios se desdobram, por exemplo: “[...] a autotutela, o poder de expropriar, o de requisitar bens e serviços, o de ocupar temporariamente o imóvel alheio, o de instituir servidão, o de aplicar sanções administrativas, o de alterar e rescindir unilateralmente os contratos, o de impor medidas de polícia” (DI PIETRO, 2019, p. 204).
Já o supra princípio da indisponibilidade do interesse público assegura que os agentes públicos não são os titulares, ou seja, donos, do interesse pelo qual estão agindo. Isso significa dizer que os agentes não estão livre para atuar da forma que lhes parecer melhor, mas tão somente em conformidade com o mandamento legal. Dessa dualidade principiológica, implícita no ordenamento jurídico brasileiro, como já expresso, decorrem todos os outros princípios expressos, sejam constitucionais ou infraconstitucionais.
Desta feita, passa-se ao estudo dos princípios constitucionalmente previstos, também conhecidos como princípios explícitos ou expressos. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 trouxe em seu art. 37, caput¸ a disciplina de cinco princípios que fundamentam a Administração Pública, direta ou indireta, de todos os entes federados, ou seja, União, Estados, Distrito Federal e Município. São eles: o princípio da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência (BRASIL, 1988).
Em primeiro lugar, o princípio da legalidade na administração pública surgiu junto com o Estado de Direito, constituindo uma das principais ferramentas para a garantia dos direitos individuais. Isso porque ao mesmo tempo em que o Estado está constituindo esses direitos e garantias fundamentais, está, do mesmo modo, impondo limites à sua atuação, com fito de evitar arbitrariedades (DI PIETRO, 2019).
Tem-se que o princípio da legalidade é o mais importante dos que estão expressamente previstos. Sua relevância se justifica porque a Administração Pública só pode praticar o que está autorizado em lei. Não se pode confundir o princípio da legalidade administrativo com o princípio da legalidade geral que está disposto no artigo 5º, inciso II, da CRFB/88. Nessa, o indivíduo só é proibido de fazer ou obrigado a fazer se houver lei disciplinando, ou seja, se não há lei proibindo certo ato, o indivíduo pode praticá-lo. Já no princípio da legalidade administrativa, do artigo 37 da CRFB/88, na ausência de lei o agente público não pode atuar.
Em arremate, Marinela (2011, p. 31), assevera que:
De outro lado, encontra-se a legalidade para o direito público, em que a situação é diferente, tendo em vista o interesse da coletividade que se representa. Observando esse princípio, a Administração só pode fazer aquilo que a lei autoriza ou determina, instituindo-se um critério de subordinação à lei. Nesse caso, a atividade administrativa deve não apenas ser exercida sem contraste com a lei, mas, inclusive, só pode ser exercida nos termos da autorização contida no sistema legal (grifo da autora).
Ademais, o princípio da impessoalidade estabelece que o agente público, no exercício de suas funções, deve abster-se de subjetivismo em face da defesa do interesse coletivo. Segundo Mazza (2019), impera um dever de imparcialidade, impedindo discriminações ou favoritismo, a fim de prejudicar ou beneficiar determinada pessoa. Pode-se afirmar ainda que, toda a atuação dos agentes públicos é atribuída ao Estado, em outras palavras, a atuação da pessoa física agente pública recai sobre a pessoa jurídica do Estado.
Conforme leciona Marinela (2011, p. 38), o princípio da moralidade “exige que a Administração e seus agentes atuem em conformidade com princípios éticos aceitáveis socialmente”. O conceito de moralidade administrativa está intimamente ligado ao de bom administrador. É importante ressaltar que a Constituição consagra o princípio da moralidade e ao mesmo tempo traz a necessidade de proteção e responsabilização dos agentes que atuam de forma amoral e imoral. Em razão disso, pode-se observar inúmeros mecanismos de responsabilização desses agentes, como, por exemplo, a Lei nº 8.429/1992, a Lei de Improbidade Administrativa.
Em continuidade, o princípio da publicidade assevera que todos os atos da administração pública devem ter divulgação oficial. Tal princípio tem por objetivo a efetivação do livre acesso às informações pública pelo indivíduo, consagrando a transparências dos atos públicos, bem como a exteriorização de sua vontade. O último princípio arrolado no caput do artigo 37 da CRFB/88, é o da eficiência. Ele foi acrescido ao texto pela Emenda Constitucional nº 19/1998. Tal princípio apresenta dois aspectos, nas lições de Di Pietro (2019, p. 243):
[...] pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.
Cabe ressaltar que esses não são todos os princípios expressos no ordenamento jurídico brasileiro, havendo vários outros princípios, como o da autotutela, hierarquia, continuidade do serviço público, razoabilidade, motivação etc. Importa salientar que o regime jurídico administrativo abrange toda a Administração Pública, direta ou indireta, dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
3 ASPECTOS GERAIS DA NOVA LEI DE LICITAÇÃO
Os princípios mencionados no tópico anterior não são apenas ferramentas hermenêuticas ou, dito de forma mais simples, critérios interpretativos colocados à disposição do exegeta em sua atuação quotidiana. Desde há muito, os princípios são considerados normas jurídicas dotadas de força coativa. Em obra seminal sobre o conceito de princípios constitucionais, Ruy Samuel Espíndola recorda que: “O primeiro a afirmar a normatividade dos princípios foi Crisafulli, que, em sólida conceituação, datada de 1952, acentuou o caráter de norma jurídica dos princípios” (ESPINDOLA, 1998).
Por meio de um contrato administrativo o particular celebra com a administração pública uma relação jurídica. O legislador para acompanhar as mudanças sociais e garantir a lisura no procedimento realizado nos processos de contratação realizado pelo governo, criou uma nova Lei de Licitação capaz de sanar irregularidade que vinham se perdurando nas contratações públicas (ROSILHO, 2013).
A Lei de licitações é conceituada por uma parte dos doutrinadores como excessivamente rígida. Porém, para entender melhor esse excesso de formalismo, é interessante a exposição de Egon Bockmann Moreira e Fernando Vernalha Guimarães, os quais explicam que ela foi influenciada pela busca de paradigmas éticos para Administração Pública, tendo sido criada em meio à discussão pública sobre vários escândalos de corrupção, que culminaram com o impeachment do Presidente da República (MOREIRA; GUIMARÃES, 2012).
Nesse sentido, cabe aqui destacar que a criação de uma nova lei que está inovando nos procedimentos de contratação da administração pública tem a finalidade de coibir o fenômeno da corrupção que infelizmente tem se perdurado durante o tempo. Se torna necessário preceituar o fenômeno chamado "rent-seeking" pelo qual esse é analisado. Em conformidade com Maciel, o referido comportamento pode ser definido como:
(...) o dispêndio de recursos escassos na captura de transferências de riqueza, é prejudicial ao desenvolvimento de uma sociedade e ocorre quando os recursos são alocados politicamente, ao invés de pelo mercado. A corrupção, que pode ser definida como a venda, por funcionários públicos, de propriedade do governo para ganho pessoal, é determinada pela existência de poderes discricionários; pela existência de rendas econômicas consideráveis; e por uma probabilidade de detecção e punição relativamente baixa, e pode ser entendida como um comportamento de "rent-seeking" (MACIEL, 2005).
Gordon Tullock precursor dessa teoria, afirma que tanto no ponto de vista teórico quanto no empírico definiu-a como sendo o desembolso de recursos por indivíduos e grupos de interesse na obtenção de rendas criadas pelo Estado (TOLLISON, 2012).
A licitação é uma matéria técnica de diferentes opiniões. Há desde os que exaltam o fato de haver um processo mais controlado do ponto de vista normativo das futuras contratações do Poder Público, o que mostra muitos dos valores republicanos enfeixados também no princípio da impessoalidade, corolário da igualdade, até os que distinguem a licitação como um instrumento inócuo, que acrescenta formalismo estéreis e, consequentemente, pouco contribuiu para garantir nos negócios públicos a lisura que os procedimentos precisam.
Destaca-se, portanto, que a Lei Geral de Licitações e Contratos é a Lei 8.666/1993 (NOHARA, 2019). O legislador por vezes se encontra no embate doutrinário quando aborda a manutenção da Legislação que trata sobre o processo licitatório. Verifica-se inúmeros conceitos nos quais uns trazem o pensamento que há necessidade de grandes ajustes na legislação, outro que já traz a ideia de junção das modalidades afim de flexibilizar processo dando maior espaço de discricionariedade.
Segundo expõe André Rosilho, além da possibilidade de fuga da Lei 8.666/93, por meio da fragmentação do regime de licitações por inúmeros regimes específicos, o que, em sua visão, compromete a racionalidade e o bom funcionamento das licitações, há ainda a perspectiva de substituição da Lei de Licitações por um diploma normativo menos procedimental e burocrático, que estabeleça limites à regulação jurídica, abrindo espaços para mais criatividade na gestão pública (ROSILHO, 2013).
Com relação aos doutrinadores que defendem que a legislação do processo licitatório, necessita apenas de alguns ajustes, sem necessitar de uma mudança mais emblemática, Gabriela Verona Pércio pensa: A grande maioria dos servidores públicos se sente mais segura com a prolixidade do texto normativo, detalhado e incisivo. Não estão preparados para uma lei mais sucinta, que os tornaria dependentes dos pareceres técnicos e jurídicos a todo tempo (PÉRCIO, 2013, p. 29).
Acontece que os doutrinadores que defendem esse ponto de vista afirmam que a lei de n°8.666/93, não é por si só responsável pelos escândalos de corrupção nas contratações. Devendo essa ser aperfeiçoada, afim de coibir as práticas de corrupção em sua utilização. As licitações e contratos administrativos são assuntos de extrema relevância, uma vez que, é por meio deles que a Administração Pública dispõe de insumos, materiais, serviços e obras para a realização de suas atividades (NIEBUHR, 2013).
A nova Lei n° 14.133/2021 atrai a atenção na medida em que promove mudanças no cotidiano de milhares de órgãos e entidades administrativas e nas milhares de empresas que contratam com a Administração Pública. É importante mencionar que o legislador não estabeleceu período de vacância, após sua publicação sair em 01 de abril de 2021, somente pontuou o prazo de dois anos até a administração pública adotar a nova lei em detrimento das que já eram usadas como a Lei n° 8.666/1993, a Lei n°10.520/2002 e a Lei n°12.462/2001 (RDC), podendo essa escolher qual das leis utilizar. Tanto que o legislador enfatizou isso no artigo 191 da Lei n° 14.133/2021, que tem a seguinte redação:
Art. 191. Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 193, a Administração poderá optar por licitar ou contratar diretamente de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso (BRASIL, 2021, online).
O período de dois anos mencionado anteriormente se trata do tempo que a administração pública vai dispor para ajustar o processo interno dos órgãos, qualificar os servidores afim de aplicar os estudos sobre a nova lei de licitação a lei n° 14.133/2021. É importante ressaltar que durante tal período a administração vai poder aplicar o novo regime, aplicar o antigo regime ou alternar o uso das duas leis.
A nova lei de licitação, estabelece, portanto, uma série de inovações dentre as quais estabelece procedimentos e obrigações para toda a administração pública nacional, não incluindo somente as estatais que são disciplinadas pela lei de n°13.303/2016. Em que muitas dessas obrigações e procedimentos são difíceis de serem executados pelos órgãos e entidades que possuem menos estruturas, como exemplo estão os municípios de pequeno porte. O artigo 176 dispõe que os municípios que possuem o total de 20 (vinte mil) habitantes devem cumprir as exigências dos artigos 7 e 8 da lei, relacionando dessa forma os responsáveis pelo processo de licitação e condução, quanto a obrigação de licitação eletrônica e a divulgação das regras.
Apesar de tudo isso, tal processo já era até realizado como bem demonstra o artigo § 3º 1º do Decreto Federal n. 10.024/2019. Dessa forma, é notório que qualificar todos os servidores para atuar com a nova redação da lei de licitação, será imprescindível, afim de ter todos os requisitos de lei cumpridos e de evitar a incidência em processo de improbidade administrativa. É importante mencionar que muitas são as dificuldades enfrentadas pelos gestores de municípios que ainda não tem um quadro de servidores capacitados para atuar com os procedimentos da nova lei.
Acontece que para trabalhar na qualificação desses servidores o município vai precisar de recursos, e infelizmente vão enfrentar muitas restrições financeiras. O artigo 176 da Lei de n°14.133/2021 no seu parágrafo único afirma que os municípios de até 20 (vinte mil) habitantes devem inserir no portal Nacional de contratações públicas todos os atos tocantes ao processo de licitações e contratos em âmbito nacional, o que representa uma forma de positivar e trazer maior transparência a todo procedimento. Cabe ressaltar que enquanto o município não se inserir nesse portal deverá utilizar o diário oficial para publicar os requisitos exigidos pela nova lei de licitação, além de ter que deixar disponível a versão física do processo no âmbito de suas repartições. Sendo que todo esse procedimento foi pensado justamente para garantir a transparência no processo de licitação.
Dessa forma é importante mencionar que o princípio da transparência é muito relevante para todo o processo de licitação, uma vez que assegura que ninguém favoreça de forma indevida e também para garantir que outros licitantes possam ter oportunidade e garantindo a publicação dos atos da administração pública.
4 A DISPENSA DA LICITAÇÃO EM RAZÃO DE ESTADO DE EMERGÊNCIA E DE CALAMIDADE PÚBLICA
A dispensa de licitação ocorre quando o estado decreta o estado de calamidade pública, pois necessita celebrar contratos de maneira mais ágil afim de evitar todo procedimento que é realizado quando se tem esse decreto. Nesse contexto, por ser uma situação fora da normalidade o prejuízo já se encontra instalado, ao passo que com o decreto da calamidade pública o governo poderá celebrar contratos afim de garantir medidas urgentes.
Na prática, decretar estado de calamidade pública permitirá ao governo gastar mais do que o previsto com medidas, por exemplo para conter os efeitos da COVID-19, e de forma mais rápida. A Lei de Licitações, por exemplo, prevê dispensa de licitação nesses casos, "quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares” (NIEBUHR, 2021).
O artigo 75 da lei de n° 14.133/2021 dispõe sobre os casos em que pode ser realizado a dispensa de licitação, destacando-se os seguintes parágrafos:
Art. 75. É dispensável a licitação: I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores;
Art. 75. É dispensável a licitação: [...] II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras; (BRASIL, 2021, online).
Com a proposta direta e o procedimento de dispensa de licitação a administração pública deve buscar a melhor proposta frente a situação passageira. Destarte, durante o estado de calamidade pública alguns servidores veem uma brecha para ilicitudes causando danos ao erário ou também o simples descumprimento dos princípios da administração, sem necessariamente gerar danos as finanças públicas, gerando uma corrupção administrativa com seu desvio de ato e corrompendo o princípio do ato administrativo, acarretando o enriquecimento ilícito (MAZZA, 2019).
Assim, a administração pública tem poder para licitar fechando contrato com as empresas para promover serviços e adquirir bens. Nesse sentido Mazza, preceitua que:
O supra princípio da indisponibilidade do interesse público enuncia que os agentes públicos não são donos do interesse por eles defendido. Assim, no exercício da função administrativa os agentes públicos estão obrigados a atuar, não segundo sua própria vontade, mas do modo determinado pela legislação. Como decorrência dessa indisponibilidade, não se admite tampouco que os agentes renunciem aos poderes legalmente conferidos ou que transacionem em juízo (MAZZA, 2019, p. 111).
Frisa-se que os princípios e os supra princípios desenvolvem nessa seara um papel de extrema relevância. Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, que são norteadores para a criação de outros princípios, no qual se adequa o princípio da indisponibilidade do poder público. Ressalta-se que para o desenvolvimento da atividade administrativa só irá ser exequível se respeitado os princípios que regem a administração pública (NIEBUHR, 2021). Confirmando tal pensamento, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região possui o seguinte precedente:
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. ENVIO DE DOCUMENTOS. INTEMPESTIVIDADE. PREVISÃO DO EDITAL. PRINCÍPIOS DA VINCULAÇÃO AO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO, DO JULGAMENTO OBJETIVO E DA ISONOMIA. A controvérsia cinge-se à análise da desclassificação de participante de certame licitatório, na fase de entrega de documentação, em razão de ter sido efetuada fora do prazo previsto no Edital. Considerando a ausência de previsão editalícia sobre a alegada suspensão do horário comercial, a existência de norma municipal passível de incidir, supletivamente, no caso, que a diferença entre o valor das propostas impetrante e da licitante vencedora não representa montante hábil a recomendar, sob o pretexto de atender ao interesse público, o afastamento do critério objetivo de atendimento ao prazo, bem como os princípios da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e da isonomia, impõe-se o entendimento de que a lei municipal configura veículo normativo idôneo a colmatar a referida lacuna. Diante disso, face ao descumprimento da norma editalícia, mantém-se a desclassificação da impetrante. Desprovimento das apelações (BRASIL, 2020, online).
Portanto, o princípio da motivação é a razão pelo qual a administração pública deve motivar e fundamentar todos os seus atos ao licitar e contratar. Não bastando para tanto que as decisões sejam publicadas, mas que externem os motivos que a determinaram. Sem a motivação não tem como saber se a contratação foi por dispensa ou inexigibilidade de licitação, e se ela seguiu todas as exigências prevista na lei.
Nesse sentido, temos a interpretação exageradamente restritiva das hipóteses de dispensa de licitação que fez com que os autores Renato Geraldo Mendes e Egon Bookman Moreira, se propusessem a repensar “a contratação pública e o dever de licitar”: Quem é atuante na área de contratação pública se depara constantemente com a seguinte afirmação de que a licitação é a regra, e a dispensa e a inexigibilidade são exceções (MENDES; MOREIRA, 2016).
Mas, fato é que isso se tornou uma espécie de mantra na área da contratação pública ou uma frase pronta, que todos repetem sem refletir melhor sobre seu conteúdo. Ao afirmar que uma coisa é regra e a outra sua exceção, definimos uma ordem de prevalência de uma sobre outra. No entanto, esse não é o ponto mais relevante.
O maior problema se abriga em adotar a ideia de regra e exceção imaginando que há apenas um único pressuposto aplicável para toda a realidade normatizada. Com isso, passamos a crer, por exemplo, que o certo, o comum é licitar, e que não licitar é incomum, é errado. Cria-se, assim, uma ideia de que se valer da exceção é não fazer o que deveria ter sido feito. Gera-se a errada concepção de que se deveria evitar a dispensa e a inexigibilidade.
Mas é preciso dizer que não é nada disso. Primeiro, porque não há apenas um único pressuposto para definir o cabimento da regra e o da exceção. Segundo, porque a legalidade depende tanto da aplicação da regra quanto da exceção. Ademais, em razão de tal equívoco de concepção, amplia-se demasiadamente o dever de licitar e, por via de consequência, o cabimento da contratação sem licitação é reduzido consideravelmente (MENDES; MOREIRA, 2016).
5 O CRESCIMENTO DOS CASOS DE DISPENSA DE LICITAÇÃO DIANTE DO PERÍODO DA PANDEMIA DE COVID-19
Em tentativas de evitar a proliferação e o aumento de casos de óbitos em decorrência da pandemia do COVID-19, o Estado se viu com a necessidade de adquirir bens e serviços. Com essas obtenções é importante destacar o princípio da proporcionalidade para os atos administrativos. Considerando-se que ele evita os excessos e visa que a Administração Pública exerça e atue de acordo com suas limitações e satisfazendo a real demanda do interesse público.
Alguém, ou alguns, se aproveitando de vantagens para atingirem seus próprios objetivos, sem se importar com o dano causado ou se tal conduta é legal, não é algo novo para a população. No Brasil, a corrupção está concatenada dentro do seu percurso histórico. Dessa forma, os acusados no nosso país têm o amparo de diversas disposições leais, como a presunção de inocência, direito ao contraditório e ampla defesa, devido processo legal e outros (NIEBUHR, 2021).
A Lei Federal de n° 13.979/2020, nomeada também como “Lei do Coronavírus”, procurou agilizar o processo de aquisições e compras para atender os itens necessários ao combate à pandemia. Para isso, entre outras necessidades, a lei instituiu uma nova modalidade de dispensa de licitação para compras e aquisições durante todo período de pandemia. Desde então, as dispensas, normalmente que deveriam ser uma exceção no direito administrativo e nas contratações da administração pública, têm se tornado uma realidade em basicamente todos os estados da federação.
A fiscalização dos contratos administrativos é de grande notoriedade para a Administração Pública e sociedade. O que não descarta que, com a decretação de estado de calamidade pública, os processos estão dispensados de licitar os que não possuem vulnerabilidade e adversidades, devendo dar celeridade às aquisições, porém, a flexibilização da dispensa de licitação pode acarretar uma deficiência da utilização dos recursos ou até uma ausência de observância das regras pertinentes (NIEBUHR, 2021).
Os desvios de dinheiro público destinados para municípios e estados comprarem insumos que ajudassem na pandemia, foram sendo descobertos com o trabalho dos órgãos de controle que levantavam muita falta de credibilidade sobre a boa aplicação do dinheiro por parte dos gestores. É valido ressaltar que mesmo com as dificuldades que muitos estados e municípios enfrentaram para coibir o avanço da pandemia também não foi visto com bons olhos por muitos órgãos de controle. Com isso destaca-se o artigo 4 da lei de n° 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 (Lei do Coronavírus):
Art. 4º Fica dispensada a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei (BRASIL, 2020, online).
Essa nova modalidade de licitação buscou facilitar o processo de licitação realizado pela administração pública não só de maneira nacional, como internacional. Ressalta-se que o artigo anteriormente mencionado sofreu alteração em sua redação a Medida Provisória n° 926, de 20 de março de 2020 passando o referido artigo a vigorar nos seguintes termos:
Art. 4º É dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus de que trata esta Lei (BRASIL, 2020, online).
O período pandêmico fez com que muitos entes até legislassem sobre o tema, afim de facilitar o processo de compra, tendo em vista a excepcionalidade do momento afim de trazer celeridade no processo de contratações. Nesse contexto Adilson Abreu preceitua Dallari: “Começando pela parte final do que foi dito acima, é evidente que a dispensa de licitação não pode levar a uma contratação aventurosa, insegura, ilícita e imoral” (DALLARI, 2003).
Não só o contratado deve ter idoneidade jurídica, técnica e financeira como o contratante deve estar atento aos princípios constitucionais (artigo 37 da CF) da impessoalidade e da moralidade. A contratação não pode ser um meio para socorrer amigos de situação ruinosa, nem de saldar dívidas das campanhas eleitorais. Nem pode haver contratação quando houver exigência legal de outros requisitos além da licitação, como é o caso, por exemplo, da situação do contratado perante o sistema de seguridade social (artigo 195, §3, da CF).
Infelizmente, muitos gestores tanto no âmbito municipal como no estadual, se utilizaram do dinheiro público para promover inúmeros escândalos de corrupção que tem sido descoberto dia após dia, investigação, por investigação. É notório que muitos se utilizaram da flexibilização da lei para beneficiar o próprio bolso, se utilizando do dinheiro público e aproveitando da situação de calamidade pública instaurada para honrar favores políticos e acordos que eram negociados durante o período de campanha eleitoral. Para Marçal Justen Filho:
“A contratação direta se submete a um procedimento administrativo, como regra. Ou seja, ausência de licitação não equivale à contratação informal, realizada com quem a Administração bem entender, sem cautelas nem documentação. Ao contrário, a contratação direta exige um procedimento prévio, em que a observância de etapas e formalidades é imprescindível” (FILHO, 2014, p. 391).
Desta forma, não é pelo procedimento ter se tornado flexível que ele não exija uma atenção sobre procedimento que é realizado no decorrer do processo para contratação, mas sim que deve ser tomado as devidas precauções afins de evitar o enquadramento na lei de improbidade administrativa. É importante mencionar que o artigo 15, 16 e 17 da lei de n° 8.429/92, pontua penalidades sobre os atos de improbidade e descreve o desempenho do tribunal de contas e do Ministério público na apuração desses atos.
Art. 15. A comissão processante dará conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal ou Conselho de Contas da existência de procedimento administrativo para apurara prática de ato de improbidade. Parágrafo único. O Ministério Público ou Tribunal ou Conselho de Contas poderá, a requerimento, designar representante para acompanhar o procedimento administrativo.
Art. 16. Havendo fundados indícios de responsabilidade, a comissão representará ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão para que requeira ao juízo competente a decretação do sequestro dos bens do agente ou terceiro que tenha enriquecido ilicitamente ou causado danos ao patrimônio público.
§ 1º O pedido de sequestro será processado de acordo com o disposto nos arts.822 e 825 do Código de Processo Civil (BRASIL, 1992, online).
Tratar esse problema de corrupção que tanto traz atraso para a sociedade é tratar de um assunto relevante, e ainda mais, no que tange os atos de improbidade que foram destacados e que traz penalidades sobre os que o cometem durante o processo de licitação. Dessa maneira, fica muito clara a importância que os órgãos que fiscalizam como o dinheiro público tem sido utilizado desempenham. Além disso, o maior fiscal desta utilização deve ser o povo, ou seja, a sociedade que pode por meio dos portais de transparência acompanhar os contratos e com o que o dinheiro público tem sido gasto. O autor Joel Niebuhr aborda o princípio da moralidade por meio do seguinte preceito:
A moralidade posta no meio administrativo quer agregar força ao princípio da legalidade, evitando que agentes administrativos deturpem as competências que lhes foram atribuídas por lei para a prática de atos incompatíveis com os valores que a sociedade considera acertados. Sobremaneira, para o Direito Administrativo, a moralidade significa harmonia com o interesse público, vetor máximo de todos os princípios e regras que o informam, revelando-se intimamente ligada à legitimidade (NIEBHUR, 2013, p. 57).
Cabe ressaltar que a moralidade abordada nesse conceito não se trata da moralidade religiosa ou social, mas sim da que é prevista no ordenamento jurídico que é a legalidade a qual impõe graves sanções quando se pratica os crimes que importam no enriquecimento ilícito, os que causam prejuízo ao erário, os decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário e também os que atentam contra os princípios da Administração Pública. Neste sentido, temos a seguinte decisão:
DECISÃO. (Empresário/Amazonas), por ocasião do Procedimento de Compras sem licitação, Processo n. 17101.011455/2020-77, que deu origem ao Registro de Dispensa de Licitação (RDL) n. 047/2020), teriam cometido ou participado dos seguintes crimes: 1) dispensa de licitação sem observância das formalidades legais (art. 89 da Lei n. 8.666/1993); 2) fraude em ‘licitação’/aumento abusivo de preços/sobrepreço (art. 96, I, da Lei n. 8.666/1993); 3) peculato (art. 312 do Código Penal). Os fatos tiveram início por volta de 30/3/2020, quando a empresária LUCIANE ZUFFO VARGAS DE ANDRADE, sócia-proprietária da Empresa Andrade Mansur Comércio de Material Hospitalar (SONOAR), por meio de mensagens de WhatsApp, teria ofertado ventiladores pulmonares à Secretária Adjunta de Atenção Especializada da Capital DAYANA PRISCILA MEJIA DE SOUSA (encarregada de verificar as demandas do Estado e dar início ao procedimento das aquisições). Depois de trocas de mensagens entre ambas, em atenção ao contato/oferta da empresária LUCIANE (SONOAR), a Secretária de Atendimento Especializado DAYANA PRISCILA MEJIA DE SOUSA, no dia 2/4/2020, deu início ao processo de compra direcionada de 28 ventiladores pulmonares, conforme combinado Legislação (HC 212670/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Julgamento: 10/03/2022) (BRASIL, 2022) online).
Dessa maneira, com o crescimento do processo de dispensa de licitação realizado pelos gestores públicos e seus secretários em decorrência da pandemia do COVID-19, a desconfiança por parte dos órgãos de fiscalização e controle e também na transparência que a sociedade exige e que está prevista em lei. Todo ato que incida sobre a lei de improbidade administrativa deve ser apurado e coibido, afim de não permitir que tais condutas se perpetuem. Além disso, todo processo e inovação trazidos pela nova lei de licitação para flexibilizar o processo de contratação ocorreu justamente pela situação atípica vivenciada não só a âmbito nacional como internacional.
Compreende-se que a tempos o Brasil passa por uma crise moral, sobretudo, no campo político, transcendendo a atualidade e caracterizando-se um problema corriqueiro impregnado na cultura política brasileira, o famoso “jeitinho brasileiro”. Diante disso, o artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assegura que a administração pública direta ou indireta, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios será pautada nos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (BRASIL, 1988).
Os princípios basilares da Administração Pública buscam, acima de tudo, o equilíbrio entre os direitos dos administrados e as garantias da Administração. Dessa forma, os alicerces da Administração Pública existem para assegurar que servidores dos órgãos federais, estaduais e municipais atuem de acordo com as leis brasileiras, respeitando os interesses públicos e os direitos de todos os cidadãos e cidadãs a fim de garantir a boa gestão pública. Assim, é de grande importância a prática dessas fontes para a organização da Administração Pública, permitindo uma boa estruturação e efetivação com aquilo que é para o bem social e também para formação de uma imagem exemplar do administrador público, indivíduo este que deve honrar sua prática com atitudes legais.
Entretanto, a partir da publicação da nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/2021) a qual já se encontra em vigência, houve a possibilidade de dispensa de licitação, sobretudo, nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada a urgência para a contratação, necessidade evidenciada no período da pandemia do COVID-19. Isso implica, conforme foi possível notar, no aumento de casos de corrupção em virtude da conduta improba dos agentes públicos, visto que muitos gestores, tanto no âmbito municipal como no estadual, se utilizaram do dinheiro público para promover escândalos de corrupção durante a pandemia.
Em virtude da flexibilização da lei, muitos utilizaram dessa “brecha” para beneficiar o próprio bolso, se utilizando do dinheiro público e aproveitando da situação de calamidade pública instaurada para honrar favores políticos e acordos que eram negociados durante o período de campanha eleitoral. Diante disso, restou evidente que tratar esse problema de corrupção que tanto traz atraso para a sociedade é tratar de um assunto relevante, e ainda mais, no que tange os atos de improbidade ora destacados, que traz penalidades sobre os que o cometem durante o processo de licitação.
Dessa maneira, fica clara a necessidade do respeito aos princípios basilares da Administração Pública, bem como, a importância dos órgãos que fiscalizam como o dinheiro público tem sido utilizado. Além disso, ressalta-se que o maior fiscal desta utilização deve ser o povo, ou seja, a sociedade que pode, por meio dos portais de transparência acompanhar os contratos e com o que o dinheiro público tem sido gasto. Assim, cabe aos operadores do direito compreender inicialmente, as fragilidades legais e morais que assolam as riquezas do Brasil, para que então seja possível agir em torno de um país melhor, no que diz respeito à fiscalização da utilização dos recursos públicos.
Conclui-se, portanto que, embora a nova Lei tenha trazido benefícios para a sociedade, por outro lado, a contratação direta corroborou com o aumento de casos de corrupção. Todo ato que incida sobre a lei de improbidade administrativa deve ser apurado e coibido, afim de não permitir que tais condutas se perpetuem. É necessário prudência por parte dos intérpretes seja juízes, desembargadores ou turmas recusais na aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa (Lei no 8.429/1992), a fim de que haja o controle efetivo dos atos previstos nessa norma, sobretudo os atos de enriquecimento ilícito.
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Graduanda em Direito pela Unidade de Ensino Superior do Sul do Maranhão - UNISULMA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, Edmara Azevedo Rocha. A dispensa do processo licitatório frente ao estado de calamidade causado pela covid-19 e a incidência de improbidade administrativa nas contratações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 fev 2024, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60124/a-dispensa-do-processo-licitatrio-frente-ao-estado-de-calamidade-causado-pela-covid-19-e-a-incidncia-de-improbidade-administrativa-nas-contrataes. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
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