EMANUELLE ARAÚJO CORREIA[1]
(orientadora)
RESUMO: No presente artigo, aponta-se violações dos direitos civis das transexuais no sistema penitenciário brasileiro. Ao se pensar em desenvolver um trabalho sobre essa temática, levantou-se como problemática o que a literatura tem abordado sobre as violações dos direitos civis das transexuais no sistema penitenciário brasileiro? Diante deste problema, este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica integrativa abordando as violações dos direitos civis das transexuais no sistema penitenciário brasileiro. Desta maneira, o presente artigo foi estruturado de maneira a demonstrar os direitos civis conquistados pelas transexuais, a realidade das transexuais no sistema penitenciário brasileiro e por fim colocar os problemas enfrentados pelas transexuais no sistema penitenciário brasileiro. Todo esse percurso levou a verificar que o binarismo sexual marca o sistema penitenciário brasileiro, e a realidade jurídica brasileira ainda está susceptível a ultrapassar esse modelo imposto a muito tempo atrás, uma vez que vários Estados têm criado políticas públicas com a intenção de garantir cidadania e dignidade às detentas transexuais.
Palavras-chave: Direitos Humanos. Sistema Penitenciário. Transexuais. Violações.
ABSTRACT: In this article, we tried to carry out a literary analysis regarding the violations of civil rights of transsexuals in the Brazilian penitentiary system. When thinking about developing a work on this theme, what was raised as a problem in the literature about the violations of civil rights of transsexuals in the Brazilian penitentiary system? Faced with this problem, this work aims to carry out an integrative literature review addressing the violations of civil rights of transsexuals in the Brazilian penitentiary system. Therefore, the bibliographic research was developed through databases, such as CAPES (Coordination for the Improvement of Higher Education Personnel); SciELO (Scientific Electronic Libralyonline) and Google Scholar. In this way, this article was structured in order to demonstrate the civil rights conquered by transsexuals, the reality of transsexuals in the Brazilian penitentiary system and, finally, to put the problems faced by transsexuals in the Brazilian penitentiary system. All this journey led to the verification that sexual binarism marks the Brazilian penitentiary system, and the Brazilian legal reality is still susceptible to overcoming this model imposed a long time ago, since several States have created public policies with the intention of guaranteeing citizenship and dignity to transgender prisoners.
Keywords: Human Rights. Penitentiary system. transsexuals. violations.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como tema a violação dos direitos das transexuais no sistema penitenciário brasileiro. A escolha pelo tema se deu devido perceber que as mulheres transexuais, a muito tempo, sofrem com a discriminação e o preconceito, sendo que isto é uma realidade que ocorre dentro e fora do sistema penitenciário.
Na maioria dos casos, essas mulheres são rejeitadas pela família devido sua identidade de gênero, e acabam indo parar nas ruas, e por este motivam acabam se prostituindo para sobreviver e, muitas vezes também, cometem roubos, pequenos furtos, se envolvem com o tráfico de drogas, para conseguir dinheiro para o seu sustento.
Diante de um sistema penitenciário em colapso, permeado por superlotação, onde está implantando uma situação precária de vida para os presos em geral, tudo se torna ainda mais complicado para as transexuais, uma vez que essa classe social, é duas vezes mais negligenciada, tanto pela sociedade excludente, levando-a cometer crimes, e por consequência, a ser presa, quanto pelo sistema penitenciário, que pouco tem demonstrando se importar com seus direitos e necessidades.
Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica integrativa abordando as violações dos direitos civis das transexuais no sistema penitenciário brasileiro.
É um trabalho que foi estruturado de maneira a atingir o objetivo proposto, sendo o mesmo construído em capítulos, propondo abordar assuntos como: os direitos conquistados pelas transexuais, falar sobre a realidade das transexuais no sistema penitenciário brasileiro, e descrever os problemas enfrentados pelas transexuais no sistema penitenciário brasileiro.
A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica integrativa, ao qual teve uma abordagem qualitativa descritiva. A pergunta norteadora foi elaborada tendo como base o direcionamento do estudo, onde levantou-se alguns problemas enfrentados pelos transexuais no sistema penitenciário brasileiro, e a partir daí questiona-se: o que a literatura tem abordado sobre as violações dos direitos civis das transexuais no sistema penitenciário brasileiro?
2 DIREITOS CIVIS CONQUISTADOS PELAS TRANSEXUAIS
O direito civil está legalizado no Código Civil (Lei 10.406/2002) e pode ser entendido como o direito do cidadão, sendo o mesmo um ramo do direito privado com o objetivo de determinar regras e condutas que pessoas físicas e jurídicas devem possuir em sociedade. Na esfera jurídica, a sexualidade é estudada pela ciência denominada direito da personalidade fundamentado pela bioética. Esse direito assegura o bem-estar dos indivíduos, evitando e garantindo possíveis danos que possam vir a ocorrer com essas pessoas (DUTRA, 2020).
A bioética tem como dever viabilizar o direito ao respeito e à vontade, respeitando os valores e crenças de cada pessoas que são, nada mais que direitos humanos, sendo, assim, um conjunto de características próprias do indivíduo, comuns à existência humana, ampliando-se com base no acúmulo de conquistas históricas, de cunho ético, filosófico, político e cultural. Os direitos humanos são direitos universais, que veio, e ainda vem, evoluindo ao longo do tempo. A doutrina classifica os direitos humanos em direitos fundamentais de primeira, segunda, terceira e quarta dimensões, com conteúdo voltado aos princípios da igualdade, fraternidade e liberdade (SIQUEIRA; MACHADO, 2017).
O dia 29 de janeiro 2004 é consagrado com o Dia da Visibilidade Trans, que inclui travestis, homens e mulheres trans. É uma data que marca uma das primeiras iniciativas públicas contra a transfobia. Foi nesta época que foi lançada a companha Travesti e Respeito: já está na hora dos dois serem vistos juntos. Foi uma companha promovida pelo Ministério da Saúde (ONU, 2018).
No ano de 2013, o Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU), conhecido como grupo G8-Generalizando, juntamente com a ONG Igualdade, deram início ao projeto “Direito à identidade: viva seu nome”, que tinha como objetivo dar visibilidade às demandas de retificação de registro com o protocolo de várias ações judiciais. Nesta época, protocolou-se nove ações, sendo que destas, sete obtiveram sentença favorável em uma semana, com o trânsito em julgado em três semanas a partir da propositura das ações (HOSCHEIDT, 2018).
A respeito do uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas transexuais e travestis, no âmbito da esfera federal, tem-se o Decreto nº 8.727/2016, que, em seu Art. 1º, Parágrafo Único, considera:
I - Nome social - designação pela qual a pessoa travesti ou transexual se identifica e é socialmente reconhecida; e II - identidade de gênero - dimensão da identidade de uma pessoa que diz respeito à forma como se relaciona com as representações de masculinidade e feminilidade e como isso se traduz em sua prática social, sem guardar relação necessária com o sexo atribuído no nascimento (BRASIL, 2016).
Com a intenção de entrar em consonância com o Decreto Federal nº 8.727/2016, a Receita Federal promulgou a Instrução Normativa nº 1718/2017, que prevê a inclusão e/ou exclusão do nome social para pessoas transexuais e travestis no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF). O Superior Tribunal Eleitoral, por meio da Resolução TSE nº 23.562/2018, inclui a possibilidade do uso do nome social no título de eleitor, sendo que, através da Portaria Conjunta nº 1/2018, o TSE regulamenta a inclusão do nome social no cadastro eleitoral (SECIC, 2022).
Observa-se que o direito brasileiro vem evoluindo em relação a discussão dos homossexuais e transexuais, utilizando como principal fundamento os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da igualdade (ELY, 2020). Assim, é importante destacar que a primeira lei que assiste aos transexuais é a Constituição Federal de 1988, que em seu Art. 3º estabeleceu como objetivos fundamentais da república federativa brasileira a construção de uma sociedade justa, livre e solidaria. Neste mesmo artigo, foi estabelecido o bem estar de todos, “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 1988).
No ano de 1998, foi promulgada a Lei nº 9.612, de 19 de fevereiro, ao qual previu em seu Art. 4º, IV a “não discriminação de raça, religião, sexo, preferências sexuais, convicções político-ideológico-partidárias e condição social nas relações comunitárias”, ou seja, essa lei estabeleceu a não discriminação pelas preferências sexuais dentro deste serviço prestado (BRASIL, 1998). Em 2011, a comunidade LGBTQI+ alcançou importantes conquistas dentro das instâncias superiores do país, como é o caso do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI 132 conjuntamente com a ADPF 4277, ao qual o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união homoafetiva, além de, ainda, entender como entidade familiar (BUSACARO JUNIOR; DOTTA, 2020).
Em 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNF), promulgou a Resolução nº 175, que dispõe sobre a habilitação, celebração de casamento civil, ou de conversão de união estável em casamento, entre pessoas do mesmo sexo. Nesta resolução ficou determinado que seria vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo, sendo que sua recusa implica na imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para tomada de providências cabíveis (CNJ, 2013).
Neste mesmo ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizou a inclusão de casais homossexuais em processos de reprodução assistida, garantindo a realização de fertilização in vitro (BUSACARO JUNIOR; DOTTA, 2020). Em 2018, através da Resolução 270, assinada pelo ministro Dias Toffoli, presidente do STF e do CNJ, foi assegurado a possibilidade do “uso do nome social às pessoas trans, travestis e transexuais usuárias dos serviços judiciários, aos magistrados, aos estagiários, aos servidores e aos trabalhadores terceirizados do Poder Judiciário, em seus registros funcionais, sistemas e documentos” (CNJ, 2018).
Ainda em 2019, mais precisamente no dia 13 de junho, durante o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 26 e do Mandado de Injunção nº 4733, o plenário do STF, com base na omissão do Congresso Nacional, enquadrou a homofobia e a transfobia como crimes de racismo. O entendimento da suprema corte foi de que a demora do Poder Legislativo em incriminar a homofobia e a transfobia ofende direitos e garantias dos indivíduos. Assim, ministros votaram para que condutas semelhantes ao combate ao racismo, determinadas na Lei nº 7.716/1989, sejam aplicadas ao combate à homofobia e transfobia (ALMEIDA, 2020).
3 REALIDADE DAS TRANSEXUAIS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
Transexual é aquela pessoa que possui uma identidade de gênero oposta ao sexo natural estigmatizado no seu nascimento. A explicação casual desse gênero é que ele possui um corpo oposto ao que está no seu subconsciente, ou seja, uma mulher transexual aprisionada em corpo de um homem, que não se reconhece. Os transexuais são pessoas detentoras de direitos e obrigações e deste modo o direito básico e fundamental é para todos, independentemente do seu gênero. A dignidade plena deve ser sempre reconhecida e respeitada por toda a sociedade, o que envolve ter o seu nome social, identidade de gênero e a sua liberdade de escolha (SANTOS; OLIVEIRA, 2018).
Porém, o que se vivencia são situações norteadas de preconceitos por parte da sociedade e no sistema carcerário não é diferente. O preconceito e desrespeito à essa população ocorre de maneira desenfreada. E, se para a população LGBT em geral já existe um histórico difícil em relação à sua convivência na sociedade, dentro das celas brasileiras não seria diferente. A privação da liberdade para travestis e transexuais pode tornar-se mais que um ambiente para cumprimento de pena, quando se transforma em um local de violências constantes à integridade sexual, física, psicológica, entre outras, gerando consequências significativas para a estética e, principalmente, para a identidade de gênero do indivíduo (SANTOS, 2019).
A Constituição brasileira, em seu art. 5º, inciso XLVI, estabelece que deve ser garantido a individualização de sua pena a todos os condenados, levando em conta todas as suas particularidades, para que seja justo o seu cumprimento e a sua aplicação. Porém, o que se tem percebido é que ocorre uma homogeneização do indivíduo, não levando em consideração suas especificidades, ou seja, como um indivíduo possuidor de direitos. O Estado, apesar de frisar e estabelecer a igualdade entre todos, acaba fechando os olhos para as diferenças.
No Brasil, além dos problemas que acometem a todos os presidiários como os da superlotação das celas, falta de estrutura e recursos destinados ao sistema penitenciário, falta de acompanhamento da execução da pena e de estrutura para ressocialização dos apenados, existe ainda o tratamento dado às pessoas transexuais e seu convívio em locais incompatíveis com a identidade de gênero, que resultam em constantes humilhações, torturas praticadas pelos próprios agentes públicos, abusos sexuais, exposição da intimidade a uma população diferente de sua identidade gênero, proibição de tratamentos hormonais, entre outros (CALDEIRA, 2020).
O sistema penitenciário brasileiro é norteado por um ambiente extremamente violento, que não leva em conta os direitos individuais dos cidadãos, destacando ainda mais a vulnerabilidade das pessoas transexuais, homossexuais e travestis. Na sociedade como um todo, essas pessoas sofrem com preconceitos, sendo que dentro dos presídios a história se repete com mais rigor, provocando sofrimento nessas pessoas.
A legislação penal brasileira não tem previsão suficiente para a diversidade sexual, tão presente, na realidade carcerária. Tampouco, a Lei de Execução Penal, determina expressamente, que seus direitos, enquanto diferentes do binarismo sexual, sejam observados. O que se vê, em todas as prisões brasileiras, sem sombra de dúvidas, é uma discriminação total ao transexual e a flagrante violação das garantias inerentes ao preso dentro de um Estado Democrático de Direito, aqui instalado (REQUI, 2018).
Diante de tantas violações de direitos, no ano de 2014 o Conselho Nacional de Combate à Discriminação estipulou certos parâmetros em relação ao acolhimento das pessoas LGBT em privação de liberdade no Brasil por meio da Resolução Conjunta n. 1 de 15 de abril. Essa resolução disciplinou sobre a transferência para o espaço de vivência específico, e também regulamentou assuntos relevantes para a comunidade LGBTQI+ encarcerada:
Art. 2º - A pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade tem o direito de ser chamada pelo seu nome social, de acordo com o seu gênero. (...). § 2º - A transferência da pessoa presa para o espaço de vivência específico ficará condicionada à sua expressa manifestação de vontade. (...). Art. 4º - As pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para as unidades prisionais femininas. Parágrafo único - Às mulheres transexuais deverá ser garantido tratamento isonômico ao das demais mulheres em privação de liberdade. Art. 5º - À pessoa travesti ou transexual em privação de liberdade serão facultados o uso de roupas femininas ou masculinas, conforme o gênero, e a manutenção de cabelos compridos, se o tiver, garantindo seus caracteres secundários de acordo com sua identidade de gênero. Art. 6º - É garantido o direito à visita íntima para a população LGBT em situação de privação de liberdade, nos termos da Portaria MJ nº 1.190/2008 e na Resolução CNPCP nº 4, de 29 de junho de 2011. Parágrafo único - À pessoa travesti, mulher ou homem transexual em privação de liberdade, serão garantidos a manutenção do seu tratamento hormonal e o acompanhamento de saúde específico. (...). Art. 8º - A transferência compulsória entre celas e alas ou quaisquer outros castigos ou sanções em razão da condição de pessoa LGBT são considerados tratamentos desumanos e degradantes (BRASIL, 2014).
Diante disso, alguns Estados passaram a adotar resoluções a fim de orientar agentes penitenciários quanto ao tratamento dado a população LGBTQI+, estabelecendo espaços específicos exclusivos para essas pessoas e garantindo seus direitos no ambiente prisional, tais como a Resolução SEAP Nº 558, de 29 de maio de 2015 no Rio de Janeiro e a Resolução SAP Nº 11, de 30 de janeiro de 2014 em São Paulo.
O fato é que o sistema prisional brasileiro possui uma realidade que demonstra falhas comuns a todos, como é o caso de insatisfações quanto a alimentação, especialmente quando se fala em qualidade; quanto as condições de higiene, frente a escassez de itens básicos de higiene pessoal; quanto a superlotação; quanto a carência de oportunidades de estudo e trabalho, essenciais para o processo de ressocialização e, não menos importante, quanto a saúde e os diversos outros aspectos relacionados a ela. Levando em consideração as necessidades especificas à questão de gênero, pode-se destacar a dificuldade de acesso a itens femininos, como é o caso de produtos para cabelo, roupas, dentre outros. Outro fator relevante diz respeito à convivência com os demais detentos, e até mesmo com agentes penitenciários, quando as transexuais são expostas a situações humilhantes, sem falar na violência física e/ou psicológica.
Assim, pode-se dizer que os transexuais, dentro do sistema penitenciário brasileiro, passam por todos os tipos de violência, tornando-se vítimas não somente das pessoas com as quais convivem, mas também de todo o sistema prisional, uma vez que não conseguem ajuda para suas necessidades, em respeito a seus direitos referente a identidade de gênero, tornando-se invisíveis por imposição do próprio sistema. É visível que o sistema prisional atual não resguarda os direitos das pessoas transexuais. Verifica-se que, além das violações sofridas, as transexuais tornam-se invisíveis pelo sistema prisional.
Castro Rosa (2016) destaca que as mulheres transexuais nos presídios masculinos além de sofrer violação de seus direitos, passam ainda por humilhações, torturas, exposição de sua intimidade, estrupo, proibição do tratamento com hormônios, revista intima vexatória, dentre outros. Um exemplo é o caso que ocorreu no Ceará, onde uma transexual que foi levada a audiência de custodia, possuía marcas de espancamento, chorava e vomitava. Ela relatou, na época, que passou vinte dias na penitenciaria masculina de Caucaia, e foi estuprada e espancada por quatro detentos. Outro exemplo é o de Vitória R. Fortes, um dos casos que incentivou a criação da “ala gay” em Minas Gerais, o primeiro Estado a possuir área reservada a transexuais e travestis. Por sofrer com abusos e violências constantes dentro do presidio, Vitória, começou a se mutilar para chamar a atenção da diretoria do presídio.
A visão binaria do sistema prisional brasileiro ainda é forte e presente, uma vez que divide os gêneros somente em masculino e feminino. Aos transexuais, quando inseridos no sistema prisional, acabam passando e sofrendo situações vexatórias e de preconceito desde a sua admissão no sistema. A LEP, em seu Art. 41, XI, em conjunto com o Decreto 8.727/2016, prevê como um dos direitos dos presos, o chamamento nominal. Ao ingressarem no sistema prisional, as pessoas transexuais são obrigadas a abandonar o nome social, sendo obrigados a rasparem a cabeça e usarem roupas de acordo com o seu sexo de nascimento, violando integralmente os direitos a personalidade, direitos esses considerados essenciais ao indivíduo, ao qual a doutrina disciplina e preconiza, com a intenção de resguardar a dignidade humana.
4 PROBLEMAS ENFRENTADOS PELAS TRANSEXUAIS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
As mulheres transexuais, na maioria dos casos, são rejeitadas pela sociedade e, especialmente, pela família devido a sua identidade de gênero e por este motivo, algumas dessas mulheres acabam morando na rua e se prostituindo para sobreviver e, muitas vezes, acabam, também cometendo furtos, roubos e até mesmo tráfico de drogas. De acordo com a pesquisa realizada pelo Departamento de Promoção dos Direitos LGBT e Departamento Nacional Penitenciário, 38,5% dessas mulheres estão presas por roubo e 34,6% por tráfico. Esses tipos penais, aos os mais comuns quando comparado a essa população que está privada de liberdade (ALGARTE; BARBOSA, 2021).
No sistema penitenciário brasileiro, as transexuais têm seus direitos e garantias violados constantemente, uma vez que estão sempre expostas a todo o tipo de violência. Essa transgressão de direitos é ainda mais agravada frente a limitação de diversidade entre o gênero feminino e masculino dentro dos presídios, por não abranger os transexuais, além da falta de amparo legal para essa população com o objetivo de regulamentar essa situação nas unidades prisionais (FERREIRA; SILVA, 2021). Dentro dos presídios, os gays, bissexuais, transexuais, travestis e transgêneros, na maioria das vezes, são colocados no mesmo espaço de pessoas intolerantes, que costumam utilizar de uma suposta posição de superioridade para cometer abusos, humilhações e até mesmo assassinatos contra pessoas que são igualmente humanas e possuidoras de direitos e deveres como todo e qualquer cidadão (SANTOS, 2018).
Em um levantamento realizado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), no ano de 2020, existiam, no Brasil, 687.546 pessoas presas, sendo que, destas, 10.457 presos de autodeclararam LGBTQIA+, e destes, 248 são mulheres transexuais (ALGARTE; BARBOSA, 2021).
O Estado precisa cumprir com o seu dever de ressocializar, porém o sistema carcerário brasileiro apresenta grande descaso com a pessoa transexual, não sendo asseguradas condições básicas para suprir suas necessidades, ferindo os direitos fundamentais, como é o caso da dignidade, saúde e segurança humana (SANTOS, 2018).
Sabe-se que é um dever do Estado punir aqueles(as) que cometem infrações, porém também é dever dele ofertar condições dignas para sobrevivência enquanto o indivíduo estiver cumprindo pena pelos crimes cometidos (SANTOS, 2018).
Os transexuais que estão em unidades prisionais vivenciam, na maioria das vezes, situações que violam seus direitos como cidadão, uma vez que a estrutura carcerária intensifica as violações que acontecem tanto no seu exterior quanto no seu interior, acentuando a situação de pessoas que já se encontram em estado de vulnerabilidade, como é o caso dos transexuais. A violação dos direitos da personalidade sofridos pelos transexuais em situação de cárcere são inúmeros e constantes, uma vez dentro dos presídios brasileiros acontece uma grande falta de respeito quanto a identidade de gênero, de corpo e de nome social (DIAS, 2019).
Os transexuais, dentro de um sistema carcerário, passam por uma série de violências socialmente impostas em nome de uma suposta segurança. No contexto de uma suposta proteção, as pessoas transexuais ainda são expostas a situações desumanizadoras, como é o caso do cárcere em alas direcionadas a homens que cometeram crimes sexuais, como forma de evitar possíveis abusos de outros presos (SOUZA; FERREIRA, 2016).
Dentro do sistema penitenciário, as transexuais, como método de sobrevivência, acabam mantendo relacionamentos forçados com outros presos para obter proteção. Dentro do sistema penitenciário, o estrupo, na maioria das vezes, está relacionado a organização de gangues, onde as transexuais acabam sendo vendidas para facções ou até mesmo obrigadas a se prostituir. É comum as vítimas serem estupradas por diversas vezes devido a divulgação do mesmo entre os presos e servidores da prisão, de maneira que estes acabam vendo a transexual como um alvo. O que se percebe é que a legislação penal brasileira não possui previsão suficiente para a diversidade sexual, tão presente na realidade prisional. Tampouco, a LEP determina, expressamente, que seja observado os direitos quanto ao binarismo sexual.
Silva; Silva (2019) destacam que, ao serem encaminhadas a presídios divergentes da sua identidade de gênero, são impostas às transexuais, padrões e regras de um gênero com a qual não se identificam, ficando, assim, vulneráveis a violências psicológicas e físicas. A violência é conceituada, segundo a OMS, como o uso da força física ou poder, na pratica ou em ameaça, contra si próprio, outra pessoa ou contra uma comunidade ou grupo, que provoque sofrimento, dano psicológico, morte, desenvolvimento prejudicado ou privação.
A situação das mulheres transexuais dentro dos presídios demonstra as desvantagens vivenciadas por essas mulheres, uma vez que os presídios masculinos possuem esse gênero como referência, sendo que as pessoas consideradas femininas por esse sistema encontram dificuldades para cumpri a pena. Nesse sentido, as mulheres transexuais passam por situações de violência, controle e punição. Verificou-se que a Resolução Conjunta nº 1/2014, em vigor, traz em seu escopo, dentre outras coisas, que as transexuais privadas de liberdade, possuem o direito de serem chamadas pelo seu nome social, e devem possuir espaços de vivencia específicos, sendo que a sua transferência para esses locais deverá levar em consideração a sua expressa vontade, o que torna facultativo a destinação da classe às especificidades aqui colocadas.
Apesar da resolução se destinar ao público LGBTQI+ como um todo, os transexuais masculinos não possuem o direito de serem presos no mesmo estabelecimento direcionado a homens. Isso ocorre devido a proteção da dignidade sexual, prevendo estrupo dos apenados, conforme artigo 213 do CP. A Advocacia Geral da União, através da ADPF 527, possui a compreensão de que permitir que travestis cumpram pena em presídios femininos, viola a CF, que determina a segmentação espacial da população carcerária segundo o sexo do preso, dentre outros critérios. Segundo a AGU a possibilidade de recolhimento de travestis em unidades prisionais destinados ao sexo masculino não fragiliza a proteção da dignidade da pessoa humana e a saúde dos custodiados, nem desrespeita a vedação constitucional ao tratamento desumano ou degradante e a prática de tortura dessas pessoas.
Justificam essa colocação apontando o artigo 3º da Resolução Conjunta nº 1/2014, que estabelece que os travestis recolhidos em unidades prisionais masculinas devem ser ofertados espaços de vivencia específicos, caso esses desejem. De acordo com a ADPF, transferir travestis para unidade prisional feminina pode provocar o agravo, ainda mais, da situação instável ao qual já é verificada no sistema prisional brasileiro, pois demanda a criação de mais vagas nesses locais, além do uso de recursos humanos e materiais significativos para essa finalidade, o que iria gerar grandes dispêndios de recursos públicos, podendo comprometer a gestão do sistema penitenciário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificou-se que as transexuais são permeadas por violações particulares de direitos. Os princípios constitucionais da dignidade humana e da igualdade estão preservados apenas àquelas pessoas que pouco se desviam das regras sociais vigentes, colocando os indivíduos transgressores totalmente a parte da sociedade justa e igualitária.
Sabe-se que os direitos fundamentais, preconizados na Constituição Federal, deveriam estar garantidos a todas as pessoas, porém esse processo ainda está em construção, uma vez que se verificou que os direitos das mulheres transexuais que se encontram presas, não são garantidos em sua totalidade. Sabe-se que os avanços sociais conseguidos até a atualidade, são provenientes de lutas e resistências para que políticas públicas sejam realmente efetivas, quanto ao respeito aos direitos das mulheres transexuais inseridas no sistema penitenciário brasileiro.
Neste cenário, ainda é comum encontrar violações de direitos, além de uma cultura permeada de preconceitos, onde as mulheres transexuais passam por situações desumanas e degradantes, como é o caso da violência, do estrupo e da sua inserção em selas reservadas a pessoas do sexo masculino. É preciso que essas transgressões sejam eliminadas, para que se possa realmente afirmar que, não somente as transexuais, como também toda a classe LGBTQI+, são pessoas possuidoras de direitos que merecem ser preservados, independentemente de estar ou não inserido no ambiente penitenciário.
Desta maneira, sugere-se que mais estudos sejam realizados, afim de levantar informações que sejam úteis para contribuir para que realmente os direitos das mulheres transexuais e demais classe pertencente ao grupo LGBTQI+, possam ser totalmente garantidos.
REFERÊNCIAS
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[1] Professora orientadora. Graduada pela UNIRG-TO. Pós graduada em Direito Processual Civil e Penal (2006) e em Direito Público (2007). Doutora em Direito.
graduanda do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Luana Rosario. Violação dos direitos civis das transexuais no Sistema Penitenciário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 fev 2024, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60165/violao-dos-direitos-civis-das-transexuais-no-sistema-penitencirio-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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