GUILHERME AUGUSTO MARTINS SANTOS [1]
(orientador)
RESUMO: O Instituto das Diretivas Antecipadas de Vontade tem sua aplicabilidade permitida no Brasil, porém, não se encontra regulamentada pelo ordenamento jurídico brasileiro. Dessa forma pergunta-se quais são as possibilidades e limites ao formalizar as diretivas antecipadas de vontade frente ao ordenamento jurídico brasileiro? Tentando responder esta problemática, este trabalho propõe analisar apenas a espécie do testamento vital utilizando da nomenclatura Diretivas Antecipadas de Vontade e sua aplicação a partir da legislação específica brasileira, apresentando os conceitos relativos ao instituto e as possibilidades ou limitações deste em ser formalizado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Para isso, fez-se uma revisão na literatura, visando uma atualização do estado da arte sobre o tema proposto, diretivas antecipadas de vontade, além da normativa jurídica que o embasa e como se dá sua utilização pelo brasileiro, no que tange a frequência. Concluída a exposição das questões jurídicas que permeiam o Instituto das Diretivas Antecipadas de Vontade, confirma-se que tal Instituto tem consonância com a Constituição Federal brasileira, de modo que é certa a sua futura normatização, tendo em vista que este não objetiva a abreviação da vida, mas resguardar o direito individual do ser humano em optar pelo enfrentamento de uma doença conforme sua vontade, garantindo assim a subjetividade do outro sobre a aplicação da medicina. Caberá ao legislador estabelecer critérios na normativa específica, para que os direitos individuais expostos nesse estudo, dentro outros, sejam garantidos sem afrontar a Constituição Brasileira e demais normas.
Palavras-chave: Autonomia do paciente; Dignidade humana; Diretivas antecipadas de vontade; Ordenamento jurídico; Jurisprudência.
INTRODUÇÃO
O Direito Consuetudinário traz a concepção de que, a partir dos costumes e tradições de um povo, aplicados rotineiramente em um determinado local, nasce a construção jurídica e posteriormente o sistema jurídico a ser adotado, considerando a moral e os costumes já praticados pela sociedade. A partir dessa premissa justifica-se o Instituto das Diretivas Antecipadas de Vontade – DAV’s, o qual surge da prática médica e cuja aplicabilidade é permitida no Brasil, porém, não se encontra regulamentada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
De forma que a relevância do assunto, o qual envolve discussões acerca dos direitos individuais dispostos na Constituição Federal, a manutenção da vida e os deveres dos profissionais de saúde, implica na necessidade em acelerar o processo legislativo, sobre a criação de uma Lei Federal que normatize e oriente a aplicação das DAV’s em território brasileiro.
Diante da contextualização inicial surge a seguinte problemática: Quais são as possibilidades e limites ao formalizar as diretivas antecipadas de vontade frente ao ordenamento jurídico brasileiro?
Para tanto, inicia-se a discussão a partir de um breve esclarecimento sobre as DAV’s, tendo em vista que a sociedade ainda não tem muito conhecimento sobre esse tema. Vale mencionar que uma maior análise sobre o conceito do Instituto está presente no capítulo abaixo. As diretivas antecipadas de vontade também conhecidas como testamento vital em virtude da nomenclatura na língua inglesa living will, foram vistas como um artifício muito utilizado durante a pandemia de COVID-19, trazendo um olhar diferenciado para sua aplicação (IBDFAM, 2021).
Baptista (2020) afirma que a pandemia trouxe a reflexão entre as pessoas acerca da saúde e receio quanto a manifestação de suas vontades quando vistos perante uma doença como a COVID-19, garantindo a execução do seu desejo quanto ao tratamento médico a ser ofertado a elas.
O testamento vital, uma das espécies do gênero Diretivas Antecipadas de Vontade, não é o mesmo instrumento formal do instituto Testamento Civil com eficácia post mortem, presente no livro V do Código Civil Brasileiro de 2002, que trata sobre o Direito das Sucessões. O testamento vital antecipa vontades relativas à escolha quanto a tratamento de saúde, prolongamento ou não da vida de forma artificial, escolha de médicos e hospitais, bem como eleição de representante e mandatário para efeitos da vida civil, notadamente, em momentos de ausência total de capacidade, como na terminalidade da vida (SALOMÃO & JACOB, 2015).
A Sucessão Testamentária, por sua vez, descrita a partir do art. 1.857 do Código Civil Brasileiro traz a possibilidade de o indivíduo dispor de seus bens, ou parte deles, depois de sua morte. Ou seja, a descrição da última vontade do indivíduo com relação a disposição de seus bens é feita por meio de um testamento, garantindo desta forma, os seus desejos quando morrer.
Assemelha-se ao testamento civil por ser um negócio jurídico, unilateral, personalíssimo e gratuito. Porém não produz os efeitos desejados pela pessoa no pós-morte, mas em vida. Trata-se, portanto, de uma declaração prévia de vontade do indivíduo em estado terminal (DADALTO, 2013).
Nunes & Anjos (2014) enfatizam que o avanço tecnológico no tratamento em saúde e as práticas médicas agressivas em situações de doenças graves e fatais, levou a ampliação do conceito das DAV’s. Os autores ressaltam que a falta de legislação própria e o desconhecimento sobre o assunto dificulta as relações entre a medicina e os pacientes nas escolhas pelas DAV’s. O espaço lacunar jurídico, bem como a criação de institutos próprios pelos países sobre as DAV’s torna mais complexo responder algumas questões frente a problemática levantada.
Este trabalho propõe analisar apenas a espécie do testamento vital utilizando da nomenclatura Diretivas Antecipadas de Vontade e sua aplicação a partir da legislação específica brasileira, apresentando os conceitos relativos ao instituto e as possibilidades ou limitações deste em ser formalizado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Procura-se ainda, analisar a frequência da utilização das DAV pelo brasileiro, considerando esta lacuna no ordenamento jurídico.
Para isso, propõe-se revisar a literatura, visando uma atualização do estado da arte sobre o tema proposto, diretivas antecipadas de vontade, além da normativa jurídica que o embasa e como se dá sua utilização pelo brasileiro, no que tange a frequência.
O trabalho está estruturado em três capítulos, sendo que o primeiro versará de forma mais aprofundada sobre os conceitos das DAV e a correlação do tema com os princípios da dignidade humana e da autonomia privada previstos no ordenamento jurídico.
O segundo capítulo trará o arcabouço jurídico a nível internacional e onde está contemplado o tema, nos documentos brasileiros, uma vez que não há dispositivo jurídico a nível nacional.
Por fim, no terceiro capítulo falar-se-á sobre a aplicabilidade do instituto pelo brasileiro nos últimos tempos, de forma a explorar o que diz a jurisprudência e a doutrina brasileiras, quanto aos limites das diretivas antecipadas de vontades.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO ACERCA DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE: CONCEITOS GERAIS E CORRELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS
Para uma melhor compreensão do Instituto é necessário discorrer de forma mais aprofundada sobre o seu conceito, trazendo uma correlação com os princípios da dignidade humana e da autonomia privada para compreender um pouco melhor da aplicabilidade das DAV a partir do contexto de saúde onde comumente ele é vinculado.
Sob o olhar de Borges (2005) apud José (2019), o testamento vital ou DAV se trata do documento em que o indivíduo no gozo de suas capacidades mentais determina de forma escrita, que tipo de tratamento ou não tratamento deseja adotar para situações em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, estando ele incapaz de manifestar sua vontade.
As Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) têm recebido diferentes denominações. No mundo pode ser conhecida como living will, testamento biológico, declaração antecipada de vontade, declaração prévia de vontade do paciente terminal e vontades antecipadas (SILVA JUNIOR; MONTEIRO, 2019).
Para alguns autores, a terminologia testamento vital é utilizada de forma equivocada. O correto é a utilização da nomenclatura expressa na Resolução 1995/2012 CFM o qual dispõe sobre as “Diretivas Antecipadas de Vontade”. Há quem use o termo “declaração vital” ou ainda, “declaração biológica” (JOSÉ, 2019). Seguindo essa linha de pensamento Gusella, et al (2020, p.242) afirma que as DAV’s “são tidas como um gênero do qual são espécies o testamento vital e o mandado duradouro”. O mandado duradouro, não será alvo desse estudo, mas por conceito “consiste na nomeação de um procurador de saúde para decidir em nome do paciente, quando este estiver impossibilitado, definitiva ou temporariamente, de manifestar sua vontade”.
Sobre o testamento vital, os autores explicam que não é sinônimo de DAV, mas é um instrumento físico onde a pessoa enquanto capaz, determinará quais tratamentos deseja ou não receber, caso ou quando vier a se tornar incapaz de declarar a sua vontade.
Desse modo, pode-se entender que o testamento vital é um documento com diretrizes antecipadas, que uma pessoa realiza em uma situação de lucidez mental para que seja levado em conta quando, por causa de uma doença, em condição física ou mental incurável ou irreversível, e sem expectativas de cura ou já não seja possível expressar sua vontade (SOUZA & SANCHES, 2016, p. 316)
Souza e Sanches (2016, p. 315) discorrem sobre o tema de maneira importante, e pelo qual se iniciará a discussão deste capítulo. “Existe a necessidade de se conceber o limiar de quando se deve atender os desejos do paciente e privilegiar àqueles que dizem que amam o ente agonizante, porém não permitem que se exercite seu direito de morrer”.
Abre-se aqui o diálogo sobre até quando os familiares ou médicos decidem sobre as vidas de pessoas em situação de não conseguirem responder sobre si, de forma a desrespeitar o que seria a sua vontade em uma determinada situação de saúde decisiva. Os autores destacam que morrer com dignidade é um desafio, principalmente quando se está disposto na condição de saúde que ausenta o indivíduo de sua capacidade decisória. Normalmente os familiares ou ainda os profissionais que assistem o paciente acabam respondendo pela sua vontade.
Compreende-se até aqui que os dispositivos das DAV’s (testamento vital e o mandado duradouro) asseguram a decisão sobre viver ou “morrer”, morrer de forma digna acerca da negativa de um tratamento, ou de modos terapêuticos paliativos que o deixam incapacitado e prologam o seu sofrimento e ainda, tratativas acerca de medidas para garantia de conforto em situações de incapacidade. Quem deve ser o seu cuidador, como o cuidado deve ser realizado, a que hospital deve se encaminhar em intercorrências clínicas, dentre outros.
É comum a aplicação deste documento sobre “uma condição terminal, sob um estado permanente de inconsciência ou um dano cerebral irreversível que, além da consciência, não possibilite que a pessoa recupere a capacidade para tomar decisões e expressar seus desejos futuros” (SOUZA & SANCHES, 2016, p. 316).
De posse dessa conceitualização, vale mencionar a correlação do tema com o princípio da dignidade humana expresso na Constituição Federal de 1988 no art.1º, inciso III. Para a Constituição Federal brasileira, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos basilares do Estado Democrático de Direito.
Borges (2005) discorre sua compreensão sobre o que a dignidade humana representa ao indivíduo, dando possibilidade a este de conduzir sua vida conforme sua própria consciência, desde que não afete os direitos de terceiros. Para o autor, os avanços tecnológicos para a área da saúde em algum momento atingem a dignidade humana, produzindo efeitos sobre o processo decisório sobre a morte. Trata-se da obstinação terapêutica, no qual “alguns procedimentos médicos, ao invés de curar ou de propiciar benefícios ao doente, apenas prolongam o processo de morte” (BORGES, 2005, p. 02).
Sobre essa temática Piropo, et al (2018, p. 507) explica que “o avanço da tecnologia médica tem envolvido pacientes, familiares e profissionais da saúde, especialmente, quando o assunto é a interdição da morte, o prolongamento da vida e da doença”.
A Bioética é uma ciência que se preocupa exatamente com as consequências do avanço da ciência sobre a finitude da vida humana, discutindo o olhar humano além do profissional para as questões relativas a possibilidades terapêuticas de manutenção da vida. Busca cuidar para que não se viole o limite ético humano na tomada de decisão pelo prolongamento da vida.
Dentro da perspectiva do direito garantido ao processo de morrer de forma digna, o testamento vital exerce um papel fundamental para representação das vontades do paciente, possibilitando a escolha dos procedimentos que podem ou não ser realizados, durante uma fase de incapacidade decisional. Ao colocar em prática as determinações contidas no testamento, o profissional estaria respeitando o princípio bioético da autonomia (PIROPO et al, 2018, p. 508).
Diante do exposto fica evidente que o conceito da dignidade humana permeia toda discussão relativa a escolha terapêutica do paciente. “A pessoa tem a proteção jurídica de sua dignidade e, para isso, é fundamental o exercício do direito de liberdade, o direito de exercer sua autonomia e de decidir sobre os últimos momentos de sua vida” (BORGES, 2005, p. 03).
Olhando brevemente para o contexto jurídico, o autor enfatiza que a não intervenção, desde que desejada pelo paciente, não sinaliza o conceito de eutanásia (provocação da morte humana ou aceleração desta), mas é reconhecer a morte humana como condição inerente a vida, e evitar o prolongamento desta, caso não seja de vontade da pessoa.
Tal afirmação tem respaldo na Constituição Federal em seu artigo 5º em alguns incisos:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei (BRASIL, 1988).
É fato que o artigo acima trata da livre manifestação do pensamento e liberdade de consciência, indo de encontro aos princípios da autonomia e dignidade humana, sobre a decisão pessoal do direito à vida, olhando não só para a vida no sentido biológico da palavra, mas na subjetividade do viver fazendo sentido. Além do art. 5º pode-se afirmar de forma expressa no artigo 1º, inciso III da CF o princípio da dignidade humana como fundamento da Constituição Federal.
Quanto ao princípio da autonomia privada, produzida pela cultura moderna ocidental, não há dúvidas de que as questões discutidas no âmbito das DAV’s dizem respeito à esfera pessoal e privada do indivíduo, não devendo, portanto, ser a decisão relegada a terceiros, como médicos e familiares (GUSELLA, et al, 2020).
E por está inserido no campo privado da autonomia humana, a ausência de legislação vigente expressa sobre as DAV´s no ordenamento jurídico brasileiro, o qual será discorrido logo abaixo, não se configura como impedimento para a validade e eficácia da aplicabilidade do Instituto.
A pessoa tem a proteção jurídica de sua dignidade e, para isso, é fundamental o exercício do direito de liberdade, o direito de exercer sua autonomia e de decidir sobre os últimos momentos de sua vida. Esta decisão precisa ser respeitada. Estando informado sobre o diagnóstico e o prognóstico, o paciente decide se vai se submeter ou se vai continuar se submetendo a tratamento (BORGES, 2005, p.03).
Maria Helena Diniz, traz um questionamento reflexivo acerca da autonomia privada e sua relação com as DAV’s. Para ela, "Poder-se-ia exaltar esse poder decisório do doente, ante o fato de que a autonomia de sua vontade pode ser uma arma contra ele mesmo, porque a decisão, em regra, vale conforme o seu grau de esclarecimento ou informação?" (DINIZ, 2001 apud BORGES, 2005, p.10). De acordo com Borges sob o olhar de Diniz, estar-se-ia falando dos defeitos sobre a formação da declaração de vontade do paciente. É importante preocupar-se sobre as condições no qual o paciente se encontra ao declarar essa vontade, afastando todos os fatores que interfiram em uma decisão livre ou que afetem sua capacidade de compreensão.
Com base nessas considerações iniciais a discussão acima enseja um breve debate sobre o respeito ao direito individual a partir da Constituição Federal, relacionando este, a ética sobre a escolha terapêutica médica quando se trata de situações de risco a vida. E quando as DAV’s se aplicam sobre condições limitantes e terminais de saúde. O intuito deste capítulo foi trazer a tona essa discussão, muitas vezes não mencionada nas discussões éticas da saúde e do direito. A partir desse primeiro ponto, dá-se sequência a explanação sobre o arcabouço jurídico relacionado ao Instituto, na perspectiva de aprofundar juridicamente as previsões acerca do Instituto.
2. ARCABOUÇO JURÍDICO ACERCA DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADE PREVISTO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO E INTERNACIONAL.
O Brasil não tem em seu ordenamento jurídico normas que versem sobre as DAV, mas sua aplicabilidade no país se dá com base em documentos legais, a serem citados a seguir. Já no contexto internacional, há países que dispõem desse tema enquanto normas escritas, o qual também serão elencadas neste estudo. Vale mencionar que, não será feito um resgate histórico sobre o surgimento das DAV, mas um esbouço jurídico de fato, do amparo legal que rege o Instituto.
No âmbito do Brasil as DAV se embasam principalmente através das resoluções da deontologia médica. Não há lei em sentido estrito, nem mecanismos de validade que sejam unânimes na literatura jurídica. Alguns autores ao trabalhar o tema, trazem como problemática, se, de fato, o que já se tem disposto no ordenamento jurídico brasileiro consegue validar o Instituto das DAV ou se faz-se necessário criar uma lei específica ao tema.
As DAV são ainda regulamentadas pelas legislações infraconstitucionais brasileiras nas esferas cível e penal (GUSELLA, et al, 2020). Para os autores são normas que norteiam a disciplina da temática, mas não são específicas. Encontram-se dispostas, principalmente, nas disposições do artigo 15 do Código Civil que trata da proibição sobre a obrigatoriedade do indivíduo ser constrangido a submeter-se a procedimento médico cirúrgico ou tratamento terapêutico, que ponha risco a vida. Além, dos artigos 121 e 146, §3º, inciso I, do Código Penal, que disciplinam os crimes de homicídio e constrangimento ilegal, respectivamente.
De forma específica, as DAV aparecem apenas na deontologia médica na Resolução de nº 1.805 de 2006 do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada no Diário Oficial da União em 28 de novembro de 2006, Seção I, página 169. No seu artigo 1º traz o seguinte texto: “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”.
Na exposição dos motivos do CFM para publicação da Portaria, há a alegação de que durante muito tempo coube ao enfermo apenas obedecer às decisões médicas, sem levar em conta a opinião, valores e crenças dos enfermos.
Ocorre que nossas UTIs passaram a receber, também, enfermos portadores de doenças crônico-degenerativas incuráveis com intercorrências clínicas as mais diversas e que são contemplados com os mesmos cuidados oferecidos aos agudamente enfermos. [...] É importante ressaltar que muitos enfermos, vítimas de doenças agudas, podem evoluir com irreversibilidade do quadro. Somos expostos à dúvida sobre o real significado da vida e da morte. Até quando avançar nos procedimentos de suporte vital? Em que momento parar e, sobretudo, guiados por que modelos de moralidade? (CFM, 2006, p.04).
Em suas exposições o CFM traz ainda que há uma obsessão pela categoria médica em tratar a qualquer custo a doença, para manter a vida biológica. Deixa-se de considerar a busca pelo estado emocional e espiritual do indivíduo, o que sugere a necessidade de ampla discussão do tema em debates acadêmicos e sociais.
Ainda na ótica da medicina, o Código de Ética Médico de 2019, elucida no capítulo V destinado a relação com pacientes e familiares, que é vedado ao médico:
Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte. Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal (CFM, 2019, p. 27)
Posterior a Resolução de 2006 surge um novo documento no CFM dispondo sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Trata-se da Resolução CFM nº 1995 de 09/08/2012 publicada no Diário Oficial da União em 31 de agosto de 2012. De acordo com o documento, o CFM considera para sua criação a inexistência de regulamentação sobre diretivas antecipadas de vontade do paciente no contexto da ética médica brasileira e a necessidade de disciplinar a conduta médica frente as DAV. Enfatizam a necessidade de regulamentar o tema, uma vez que não é previsto nos dispositivos éticos brasileiros nada sobre o assunto.
Quanto a projetos de Lei existentes relacionados ao assunto, “no âmbito nacional, há o conhecimento de quatro projetos de lei relacionados às DAV´s: o Projeto de Lei n° 524/2009, o Projeto de Lei n° 5.559/2016, e mais recentemente, o Projeto de Lei nº 149/2018 e o Projeto de Lei n° 267/2018” (SANTOS; LIMA, 2021, p.16).
O projeto de lei do Senado brasileiro n. 524/2009, de autoria do então senador Gerson Camata, visava dispor sobre os direitos em fase terminal de doença, objetivando a regulamentação da prática da eutanásia, desde que por manifestação favorável da pessoa ou familiar quando essa não dispor de condições decisórias (BOMTEMPO, 2012).
Sobre o Projeto de Lei n° 5.559/2016, de autoria do deputado Pepe Vargas, traz no artigo 20 que "o paciente tem o direito de ter suas diretivas antecipadas de vontade respeitadas pela família e pelos profissionais de saúde” (pag. 04), podendo este dispor do direito de indicar livremente um representante em qualquer momento de seus cuidados em saúde, por meio de registro em seu prontuário, para decidir por ele sobre os cuidados à sua saúde, nas situações em que estiver incapacitado de expressar livre e autonomamente a sua vontade (BRASIL, 2016).
Já o Projeto de Lei do Senado nº 149/2018, de autoria do Senador Lasier Martins, em tramitação, dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade sobre tratamentos de saúde. Estabelece a possibilidade de toda pessoa maior e capaz declarar, antecipadamente, o seu interesse de se submeter ou não a tratamentos de saúde futuros, caso se encontre em fase terminal ou acometido de doença grave ou incurável (BRASIL, 2022).
Diferentemente de projetos anteriores, este visa disciplinar as DAV´s, visando amparar juridicamente as ações em seu entorno. O projeto traz ainda a incumbência dos profissionais, e as situações em que podem se recusar a fazer cumprir as DAV´s dos pacientes. Observa ainda que o paciente pode, em qualquer momento, modificar ou revogar suas diretivas, bem como ainda nomear um representante legal para decidir por ele. Com o intuito de esclarecer os pacientes sobre as diretivas, os ambientes públicos e privados de assistência à saúde devem dispor de pessoal capacitado para esta atividade (SANTOS; LIMA, 2021, p.17).
Por último, o Projeto de Lei n° 267/2018 também elaborado no mesmo ano, pelo Senador Paulo Rocha, trazia em sua ementa os cuidados médicos a serem submetidos os pacientes nas situações asseguradas pelas DAV’s. Esse por sua vez teve sua tramitação encerrada a pedido do autor, justificando já dispor de projeto similar em tramitação.
Em cenário internacional há países que já adotam as DAV’s a exemplo dos Estados Unidos, Espanha, Canadá, Reino Unido, Holanda, Bélgica, e também, o Uruguai, a Colômbia e a Argentina aqui na América Latina. Será discorrido sobre alguns destes a seguir.
A primeira lei sobre as diretivas antecipadas de vontade, conhecidas como testamento vital ou living will nos Estados Unidos, foi aprovada na Califórnia, em 1976. Trata-se do “Natural Death Act”, elaborado pela Faculdade de Direito da Universidade de Yale. A partir da aprovação da lei californiana, leis semelhantes surgiram em outros estados do país sendo que até 1986, mais de 30 estados americanos já haviam legislado sobre o assunto. Hoje, nos EUA já existe a previsão de sanções disciplinares ao médico que desrespeitar a vontade expressa do paciente. Sua regulamentação veio em 1991 como norma federal na Lei de Autodeterminação do Paciente (Patient Self-Determination Act - PSDA). Esta Lei determina que pacientes admitidos em entidades como hospitais e agências de saúde devem ser informados sobre os possíveis benefícios das diretivas prévias (KUNIYOUSHI, 2020).
O autor pontua que na Espanha as disposições acerca da manifestação de vontade do paciente estão regulamentadas desde 2002 pela Lei nº 41/2002, que traz em seu contexto a preocupação com a dignidade da pessoa humana e com a autonomia da vontade do paciente. Já a Alemanha trabalha com Instituto equivalente, conhecido por Patientenverfügungen, promulgado em 2009. Portugal promulgou a Lei nº 25/2012, que regulamenta as diretivas antecipadas de vontade sob a forma do testamento vital. Dispões inclusive de um órgão específico para receber e tramitar essa documentação, o Registro Nacional de Testamento Vital (RENTEV). Outros países como Canadá, Reino Unido, Bélgica e Holanda adotam a eutanásia como ato legítimo para o término da vida.
Diante do exposto neste capítulo, reafirmando que ainda não há lei específica que trate das DAV´s no Brasil faz-se relevante entender a partir de então quais os limites de sua aplicabilidade, tendo em vista que há argumentos por um lado de que o ordenamento jurídico brasileiro dá conta de efetivar as DAV´s sem lei específica, por outro lado, ressalta-se a falta de disciplinar as DAV`s, deixando margem para distintas interpretações em torno da temática. Para tanto, é importante reconhecer o que dita a doutrina e a jurisprudência brasileira sobre o tema.
3. LIMITES DA APLICABILIDADE DAS DIRETIVAS ANTECIPADAS DE VONTADES A PARTIR DA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRAS
Como dito no capítulo anterior, faz-se necessário conhecer o que dizem os autores, considerando inclusive que este estudo se trata de uma revisão de literatura, para um maior embasamento teórico no tema, de forma a buscar a resposta sobre a aplicabilidade do Instituto e sua limitação de uso no Brasil.
Vale ressaltar que poucas são as obras (livros) referentes ao assunto, há um volume considerável de artigos, porém ainda sem o consenso ao trazer as DAVs englobando o testamento vital. Alguns autores se referem apenas ao testamento vital como instituto de modo que nem mencionam as DAVs.
Mabtum & Marchetto (2015) em sua obra “O debate bioético e jurídico sobre as diretivas antecipadas de vontade” discorrem sobre a nomenclatura diretiva antecipada de vontade, onde traz: diretiva – orientação ou instrução; antecipada – situação pretérita; e por fim, vontade – desejo. Ou seja, trata-se do desejo do declarante de forma prévia sobre uma vontade sobre algo. Lembrando que a pessoa deve estar em plena capacidade decisória para este ato, e se remente a renúncia ou aceitação de cuidados ou tratamentos médico-hospitalares futuros. Reforçam ainda que nos documentos que compõem as DAV’s não há menção a solicitação de abreviação da vida, apenas suscita a recusa de tratamentos ou procedimentos médicos, defendendo a vida como um direito e que esta se dê com qualidade de vida e não estar vivo pelo dever de estar.
As DAV’s se limitam a apontar os desejos reais prévios do indivíduo quanto a tratamentos, aceitando-os totalmente ou com limites, ou ainda recusando-os, bem como a oferta ou não de suporte de vida e ordem da reanimação, a serem respeitados no fim da vida com segurança jurídica. Não está no seu escopo ordens para que os médicos causem a morte do declarante, mas indicações que visem minimizar o sofrimento. (FURTADO, 2003.
Os autores trazem a lógica das DAV’s como gênero, como já dito anteriormente no estudo, tendo dois tipos de documento como espécie, que são o testamento vital e o mandato duradouro. Ademais,
a regulamentação dos documentos de vontades antecipadas representa uma evolução importante no que diz respeito à autonomia das pessoas, por permitir-lhes decidir sobre os procedimentos médico-hospitalares que desejam receber ou não no futuro, se estiverem em determinadas circunstâncias (MABTUM; MARCHETTO, 2015, p. 1123).
Sobre a aplicação do Instituto no Brasil, os autores desta obra relatam que alguns estudiosos já vêm desenvolvendo um trabalho para normatização a nível de Brasil, porém as tentativas esbarram na burocracia política. Como já visto, alguns projetos de Lei encontram-se no legislativo, porém caminham a passos lentos.
De acordo com Dadalto (2013) a partir das considerações de Mabtum & Marchetto (2015), as DAV’s tem relação e efeito vinculante aos profissionais de saúde e familiares, bem como procuradores de saúde. Na obra de Dadalto citada pelos autores há a descrição das linhas mestras que devem compor o documento da espécie testamento vital: o documento deve declarar claramente as patologias a que recusa tratamento, local onde o declarante deseja passar os últimos dias de vida, se deseja ser enterrado ou cremado, os procedimentos e tratamentos aceitos ou não. Ademais a obra esclarece as limitações sobre o documento, no que se refere ao cumprimento deste pelo médico. Uma vez que o tratamento indicado pelo indivíduo já tenha sido superado pela medicina, o médico pode negar-se orientado pelo ordenamento jurídico, a não executá-lo. Ou limitação se dá por razões religiosas, morais ou éticas, de forma que o paciente deverá ser encaminhado a outro profissional que concorde em executar sua vontade. Vale lembrar que não é aceita a recusa imotivada do médico.
Em uma outra obra que trata sobre as DAV’s, dos autores Dahas & Silva (2022), intitulada “Diretivas Antecipadas de Vontade: a interface entre autonomia privada e o ordenamento jurídico brasileiro” traz que a autonomia da vontade enquanto princípio é a mola mestra do Direito, de forma que muitos desafios e reflexões devem ser feitos ao analisar o direito à morte digna. Os autores reforçam que no âmago jurídico tem-se a dignidade humana como sustentáculo do interesse público e privado. Portanto, as DAV’s vêm não apenas salvaguardar as vontades do cidadão, mas “o fundamento da dignidade humana face as situações jurígenas existenciais” (pag. 70).
Dahas & Silva (2022) discorrem quanto a algumas limitações, ou melhor, situações que anulariam a declaração de vontade do paciente. Seriam elas: o dolo, estado de perigo, erro e a lesão. Para a efetividade da declaração a manifestação deve ser feita de forma clara, sem ambiguidades ou dubiedades. Colocam ainda que o paciente deve ser orientado pelo médico e advogado que possa esclarecer sobre a parte médica e legal do que consta na declaração, bem como suas consequências. Outra necessidade já citada aqui, é que a pessoa deve estar apta a compreender as informações sobre o instrumento a ser preenchido, bem como para deliberar de maneira autônoma sua vontade.
Os autores citam Dadalto (2018) ao falar sobre o direito à informação contido no artigo 5º, inciso XIV da Constituição Federal de 1988 e artigo 6º, inciso III do Código do Consumidor Brasileiro. Portanto, a pessoa ao decidir pela DAV deve estar plenamente consciente e esclarecida das implicações sobre os tratamentos e procedimentos que deseja ou não ter em determinada condição de saúde.
A obra o qual está sendo citada traz uma informação nova de que as DAV’s podem ser utilizadas não apenas para situações de saúde relativas a doenças terminais, mas situações que envolvem a degradação do estado de lucidez ou estado corporal do paciente como é o caso do mal de Alzheimer ou pacientes sequelados de AVC que são acometidos pela diagnose do estado vegetativo persistente (EVP). Nesses casos o instrumento traz a manifestação da pessoa sobre: por quem ela quer se cuidada, onde ela quer estar, que terapias devem ser realizadas.
Com relação a validade das DAV’s quanto sua aplicação, os autores trazem que, embora não haja normativa específica ao tema, “face a hermenêutica regrada pelos fundamentos constitucionais e infraconstitucionais emerge a possibilidade de coadunar mecanismos constitucionais de forma a amparar este instituto face as conformações normativas brasileiras” (DAHAS; SILVA, 2022, p. 108).
Ademais, algumas legislações estaduais que serão apresentadas a seguir indicam progresso nos direitos dos pacientes a decidirem sobre as possibilidades terapêuticas. Dahas & Silva reforçam que as previsões estaduais juntamente com as resoluções do CFM, assentam a validade das DAV’s no Brasil, embora a fragilidade normativa.
Luciana Dadalto, em sua obra “Testamento Vital”, traz uma informação nova para da divisão das DAV’s, seria as diretivas antecipadas psiquiátricas, que são produto de uma construção norte-americana para trazer a vontade quanto as preferências a serem usadas para possíveis tratamentos de saúde mental. Fala que a Resolução do CFM que trata das DAV’s não trouxe nenhum impacto para este tipo de diretivas. Outra categoria seria as diretivas antecipadas para demência, também iniciativa norte-americana traz as vontades do paciente enquanto este tem condições de definir sua vontade. A ideia é que as decisões sejam respeitadas a medida que a demência progride.
Dadalto (2022) fala ainda sobre a discussão sobre as diretivas acerca do momento do parto, das ordens para a não reanimação, da recusa terapêutica, essa última contemplada nos documentos normativos existentes até então.
No contexto jurídico a autora traz duas Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) do Supremo Tribunal Federal que estão em sub judice, de números 618 e 642, e visam declarar inconstitucional a Resolução do CFM, com pedido de medida cautelar, no qual aquele visa assegurar às Testemunhas de Jeová maiores de idade e capazes o direito de não se submeterem a transfusões de sangue por motivo de convicção pessoal, e este visa tornar inconstitucional o art. 5º, §2º da Resolução 2.232/2019 do CFM.
A autora fala dos limites da aplicabilidade das DAV’s, em específico o testamento vital, como já discorrido anteriormente no capítulo. Seriam limites que a doutrina aponta: “a objeção de consciência do médico, a proibição de disposições contrárias ao ordenamento jurídico e disposições que sejam contraindicadas à patologia do paciente ou tratamento que já estejam superados pela Medicina” (DADALTO, 2022, p.35). Tais limites estão embasados no ordenamento, no código de ética médico.
Olhando agora para a Jurisprudência o tema já foi objeto de indagações do Ministério Público Federal do Goiás, mediante Ação Civil Pública nº 0001039-86.2013.4.01.3500. Na ocasião o Ministério Público Federal do Estado pediu que fosse declarada inconstitucional e ilegal a Resolução CFM nº 1995 de 09/08/2012 cujo objeto era normatizar a atuação de profissionais da medicina frente a terminalidade da vida dos pacientes. A ação teve por desenredo a seguinte decisão favorável a constitucionalidade do Instituto:
dado o vazio legislativo, as diretivas antecipadas de vontade do paciente não encontram vedação no ordenamento jurídico. E o Conselho Federal de Medicina não extrapolou os poderes normativos outorgados pela Lei n° 3.268/57. A Resolução CFM no 1995/2012 apenas regulamenta a conduta médica perante a situação fática de o paciente externar a sua vontade quanto aos cuidados e tratamentos médicos que deseja receber ou não, na hipótese de se encontrar sem possibilidade de exprimir sua vontade.
A sentença traz ainda que: “A resolução do Conselho Federal de Medicina é compatível com a autonomia da vontade, o princípio da dignidade humana, e a proibição de submissão de quem quer que seja a tratamento desumano e degradante (art. 10, inciso III, e art. 5o, inciso III, CF)”.
Leis infraconstitucionais brasileiras trazem o direito à recusa do paciente por tratamentos tidos como extraordinários.
A lei nº 10.241, de17 de março de 1999 do estado de São Paulo traz em seu artigo 2º:
“São direitos dos usuários dos serviços de saúde no Estado de São Paulo:
XXIII - recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida;”
Na mesma lógica a lei nº 16.279, de 20 de julho de 2006 do estado de Minas Gerais traz em seu artigo 2º:
“São direitos do usuário dos serviços de saúde no Estado:
XX - recusar tratamento doloroso ou extraordinário.”
Por fim o Paraná também trouxe uma lei sobre a recusa do tratamento extraordinário, lei 14.254 de 23 de dezembro de 2003.
As DAV’s foram discutidas na 1ª Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça, realizada nos dias 14 e 15 de maio de 2014 em São Paulo. O enunciado 37 traz sobre as DAV’s o seguinte:
As diretivas ou declarações antecipadas de vontade, que especificam os tratamentos médicos que o declarante deseja ou não se submeter quando incapacitado de expressar-se autonomamente, devem ser feitas preferencialmente por escrito, por instrumento particular, com duas testemunhas, ou público, sem prejuízo de outras formas inequívocas de manifestação admitidas em direito (p. 08).
A exemplo da aplicação prática do Instituto, tem-se o Processo 1084405-21.2015.8.26.0100/TJSP cuja autora, uma senhora de 68 anos, pleiteia a validade de sua manifestação de vontade antecipada quanto a recusa de tratamentos fúteis quando estiver no fim da vida. Na época a juíza indeferiu a solicitação e julgou extinto sem resolução de mérito, considerando o procedimento desnecessário pois ela poderia atestar sua manifestação em prontuário médico. A autora interpôs apelação da sentença, e o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou procedente, anulando a sentença e determinando a remessa dos autos para a primeira instância (DADALTO, 2022).
Diante da contextualização acima, reafirma-se a necessidade de uma lei específica sobre o tema, que traga segurança jurídica ao paciente, aos profissionais de saúde, advogados e magistrados quanto aos aspectos formais. Fica claro que há meios de iniciar essa discussão, compreendendo já ter-se uma legislação internacional, e um arcabouço nacional de informações para embasar a construção. O instituto já é naturalizado em outros países, e o Brasil precisa estar normatizado quanto a essa possibilidade. A necessidade dessa discussão no campo da Bioética e do Direito é emergente e merece um espaço mais ampliado nas rodas acadêmicas.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluída a exposição das questões jurídicas que permeiam o Instituto das Diretivas Antecipadas de Vontade, confirma-se que tal Instituto tem consonância com a Constituição Federal brasileira, de modo que é certa a sua futura normatização. Entretanto, nota-se que a confusão sobre o entendimento do conceito deste Instituto ainda é constante ao observar os autores em suas escritas sobre o tema. Cabe a sociedade jurídica e acadêmica, portanto, ampliar a discussão conceitual sobre as DAV’s para que seja possível para os legisladores decidirem pela normatização do Instituto com mais propriedade, e segurança de que a sociedade brasileira terá a compreensão sobre as diferenças que existem no que determina o testamento vital enquanto instrumento garantidor da vontade.
Compreendendo que, a aplicação do Instituto não objetiva a abreviação da vida, mas resguardar o direito individual do ser humano em optar pelo enfrentamento de uma doença conforme sua vontade, garantindo assim a subjetividade do outro sobre a aplicação da medicina.
O respeito ao sistema jurídico brasileiro se dará à medida que na construção da Lei específica as DAV’s sejam determinadas as circunstâncias para sua aplicabilidade, validadas pela Constituição Federal e demais normas infraconstitucionais. Caberá ao legislador estabelecer tais critérios, para que os direitos individuais expostos nesse estudo, dentro outros, sejam garantidos ao indivíduo.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Bacharel em Direito pela Unicatólica, TO. Advogado e professor da Faculdade Serra do Carmo – FASEC.
Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUSA, Nadja de Oliveira Figueiredo de. Diretivas antecipadas de vontade: limites e aplicabilidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 nov 2022, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60200/diretivas-antecipadas-de-vontade-limites-e-aplicabilidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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