EDY CESAR DOS PASSOS JUNIOR[1]
(orientador)
RESUMO: Analisa as inovações trazidas pela nova legislação que alterou a Lei de Improbidade Administrativa, bem como demonstra o posicionamento do Supremo Tribunal Federal quanto a possibilidade de retroatividade da nova norma a casos que já estavam em aberto quando da sua entrada em vigor.
Palavras-chave: Administrativo. Improbidade. Retroatividade.
1.INTRODUÇÃO
No presente artigo, “Direito Administrativo Sancionador: Lei de Improbidade Administrativa e as Inovações Trazidas Pela Lei nº 14.230/2021”, é possível encontrar, num primeiro momento, as definições de direito administrativo e como se organiza a Administração Pública – objeto de estudo do direito administrativo.
A partir de então, entra-se no cerne principal, qual seja: improbidade administrativa. Explorando conceitos legais e doutrinários, bem como fazendo comparações entre leis, doutrinas e jurisprudências.
A Lei de Improbidade Administrativa, no ano de 2021, sofreu grande alteração legislativa, de modo que afastou tipos ímprobos, excluiu o elemento subjetivo culpa, tornou o rol de violação aos princípios da administração pública taxativo, alterou prazos prescricionais, inovo com a chegada da prescrição intercorrente e, sobretudo, tentou afastar o caráter civilista para tentar, a grosso modo, forçar uma retroatividade da norma mais benéfica.
Com isso, como a nova legislação trouxe vários benefícios, o Supremo Tribunal Federal viu a necessidade de, sob repercussão geral, julgar o tema da retroatividade da norma, se deve ou não retroagir a casos que já encontravam em aberto ou, até mesmo, transitados em julgados.
Destarte, busca-se no presente artigo analisar as inovações legislativas, as teses fixadas pelo Supremo Tribunal Federal e se elas foram, de certo modo, no caminho adequado a fim de preserva o princípio pro societate.
2.DIREITO ADMINISTRATIVO
O direito administrativo enquadra-se, a fins didáticos, como ramo do direito público, do qual tem como objeto de estudo a Administração Pública, o qual é o meio pelo usado pelo gestor da coisa pública para implementar suas políticas públicas, além de administrar a res pública.
Neste sentido, confira o entendimento de Alexandra Mazza (2019, p. 49) “o Direito Administrativo é o ramo jurídico que estuda a disciplina normativa da função administrativa, independentemente de quem esteja encarregado de exercê-la: Executivo, Legislativo, Judiciário ou particulares mediante delegação estatal”.
2.1 ORGANIZAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Administração Pública, em uma visão geral, classifica-se em descentralizada e desconcentrada, em que temos, para a primeira, a descentralização política e administrativa, que por sua vez são reconhecidas como Administração Pública Direta e Indireta, em que temos como direta as seguintes pessoas jurídicas de direito público: União, Estados, Municípios e Distrito Federal.
Alexandra Mazza diz que (2019, p. 198): “na descentralização, as competências administrativas são distribuídas a pessoas jurídicas autônomas, criadas pelo Estado para tal finalidade. Exemplos: autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista”.
Ou seja, no que concerne à Administração Pública Indireta, existem as pessoas jurídicas de direito público e privado, sendo, de direito público, as autarquias e fundações, sendo que essa segunda pode ser enquadrada, também, como pessoa jurídica de direito privado, a depender de sua natureza jurídica. Já a administração pública indireta de direito privado, pode-se dizer que são elas, ainda: Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista.
Ainda, como mencionado, existe o fenômeno da desconcentração administrativa, que pode ser entendido como uma divisão setorial dentro de umas das entidades ou entes da administração pública direta ou indireta, como no caso de secretarias municipais e estaduais e ministérios federais.
Tais entes e entidades não serão objetos diretos de análise no presente artigo, limitando-se a alcançar o direito administrativo sancionador, com o fim último na Lei de Improbidade Administrativa.
3.SUJEITOS ATIVO E PASSIVO NA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Em breve síntese, sabe-se que será sujeito passivo a pessoa jurídica lesada pelos atos ímprobos, sendo eles os entes e entidades, direta ou indireta, os quais estão elencados no art. 1º, §5º, da Lei de Improbidade Administrativa.
Ainda, será considerado sujeito passivo a entidade privada que, de alguma forma, receber incentivo fiscal ou creditício, dos entes/entidades acima citados, nos termos do que dispõe o §6º do art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa.
Já para o polo ativo, tem-se que serão eles os agentes públicos, políticos, servidor, bem como àqueles que exerçam, temporariamente ou voluntariamente sem ou com remuneração, seja por eleição, designação, nomeação ou contratação, quando gozarem de atos ímprobos.
Mazza diz que:
os atos de improbidade podem ser praticados por todas as categorias de agentes públicos, incluindo servidores estatutários, empregados públicos celetistas, agentes políticos, contratados temporários e particulares emcolaboração com a Administração, tais como os requisitados de serviço (mesários e conscritos, por exemplo). (MAZZA 2019, p. 840).
Dessa forma, pode-se concluir que todos aqueles, ainda que transitoriamente, exercerem função pública, poderão incorrer nas penas da lei de improbidade administrativa.
4.TIPOLOGIA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
A Lei nº 8.492/92 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA) traz em seu bojo as tipificações dos atos que podem ensejar em improbidade administrativa, sendo eles: o enriquecimento ilícito, constante no art. 9º; o dano ao erário, constante no art. 10 e; atos atentatórios aos princípios da Administração Pública, constante no art. 11, sendo todos os dispositivos da citada lei.
Assim, é de rigor compreender, separadamente, cada ato que pode caracterizar improbidade administrativa, necessariamente sob a perspectiva da Lei nº 14.230/21, norma essa que alterou alguns artigos da Lei nº 8.492/92.
A propósito, se faz necessário elucidar, de plano, que a Lei nº 14.230/21 alterou, dentre vários dispositivos, o art. 1º da LIA, de modo geral, inovando, além da redação do caput, com inclusão de parágrafos, deixando claro que somente serão consideradas atividades ímprobas, aquelas de cunho doloso, trazendo, ainda, o conceito de dolo, vejam o teor dos §§ 1º e 2º do art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa, trazidos pela nova Lei:
[...] § 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais. § 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente [...]. (BRASIL, 2021).
Isso porque, anteriormente, havia grande controvérsia jurisprudencial acerca da necessidade de exigência ou não do elemento subjetivo (culpa ou dolo), vez que a LIA, antes da inovação ocorrida em 2021, com a chegada da Lei nº 14.230/21, apenas trazia, expressamente, a exigência do elemento subjetivo para a caracterização de atos ímprobos pelas práticas de dano ao erário. Confira-se a antiga redação do art. 10 da LIA:
[...] Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente [...] (grifos nosso). (BRASIL, 1992).
Enquanto que para o enriquecimento ilícito (art. 9º da LIA) e atos que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11 da LIA), não havia essa previsão expressa. In verbis:
[...] Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: [...] Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: [...]. (BRASIL, 1992).
Atualmente, com o advento da Lei nº 14.230/21, os citados artigos (arts. 9º, 10 e 11) estão com as seguintes redações:
[...] Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando em enriquecimento ilícito auferir, mediante a prática de ato doloso, qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, de mandato, de função, de emprego ou de atividade nas entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente. [...] Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente. [...] Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas. [...] (grifos nossos). (BRASIL, 2021).
Ou seja, contam, expressamente, com a exigência da presença do elemento subjetivo, qual seja: dolo. Isto é, o agente público deve pautar-se de conduta livre e consciente, a fim de alcançar o ilícito positivado na Lei de Improbidade Administrativa.
Ainda, a exigência do elemento subjetivo dolo se estendeu àqueles que não integram o quadro da Administração Pública na condição de agente público. Nesse ínterim, confira-se a redação anterior do art. 3º da LIA, seguido da nova redação trazida pela Lei nº 14.230/21: “art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.” e “art. 3º As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra dolosamente para a prática do ato de improbidade”.
Firme em tais considerações, passa-se à análise minuciosa das tipificações de improbidade administrativa, mantendo-se a corrente comparativa da LIA momentos pré e pós Lei nº 14.430/21.
4.1 ENRIQUECIMENTO ILÍCITO
Consoante já exposto, o enriquecimento ilícito pode configurar ato de improbidade administrativa, desde que praticado com dolo. Os verbos utilizados como peças-chave para se compreender o enriquecimento ilícito são: receber; perceber; utilizar; adquirir; aceitar; incorporar e usar, os quais, dos incisos constantes no art. 9º da LIA, podemos organizar da forma que segue.
A teor do que dizem Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:
Como derivação lógica e consequência inevitável dos atos de corrupção, tem-se o enriquecimento ilícito, sendo aquela o principal meio de implementação deste. Em geral, o enriquecimento ilícito é o resultado de qualquer ação ou omissão que possibilite ao agente público auferir uma vantagem não prevista em lei. (ALVES e GARCIA, 2017, p. 760).
Tem-se, assim, que incorre na prática de ato ímprobo deste tópico aquele que receber ou perceber vantagem econômica, em moeda corrente ou de qualquer outra forma, com o fito de ocultar ato de ofício, seja declaração ou providência; intermediar verba pública, seja para liberação ou aplicação; fazer declaração falsa sobre dados técnicos de obras e seus acessórios e bens de serviços fornecidos às entidades; tolerar exploração de jogos de azar, a circulação de narcotráficos, contrabando ou qualquer outra atividade ilícita (aqui, abra-se parênteses para afirmar que o simples aceite da promessa em receber a vantagem econômica, configura ato ímprobo); e, por fim, facilitar alienação, locação ou permuta de bem público, móvel ou imóvel, assim como o fornecimento de serviços por parte do Estado e a contratação dos mesmos [serviços] por preço inferior ou superior ao do mercado.
Ainda, incorre na prática do ato ímprobo em questão, quem utilizar, em construção particular, bens móveis públicos, assim como os trabalhadores da Administração Pública. Também, aqueles que usam em proveito próprio, ou incorporam rendas ou bens das entidades em seu patrimônio pessoal.
Por fim, frisa-se que o agente ativo que incorporar a seu patrimônio, bens desproporcionais aos seus ganhos, também incorrerão na prática dos atos deste tópico.
Neste toar, Mazza (2019, p. 849) descreve que: “são hipóteses em que o agente público aufere dolosamente uma vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade pública”.
4.1.1 Sanção
As sanções previstas para as práticas de ato ímprobo de enriquecimento ilícito estão previstas no art. 12, inciso I, da LIA. Antes da nova lei, Lei nº 14.230/21, as penas eram: a perda dos bens/valores adquiridos indevidamente; o ressarcimento do dano; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos por um prazo de 8 (oito) a 10 (dez) anos, o pagamento de multa de até 3 (três) vezes o valor dos bens/valores adquiridos indevidamente; bem como a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais por um prazo de 10 (dez) anos.
Atualmente, com o advento da nova lei, extrai-se que das penas antes previstas, houveram mudanças quanto: aos anos em que os direitos políticos deverão ser suspensos, bem como à proibição de contratar com o Poder Público, saltando-os para 14 (quatorze) anos; ao valor da multa, que antes era de até 3 (três) vezes o valor dos bens/valores adquiridos indevidamente, passando a ser limitada ao real valor do ilícito obtido, em havendo. Veja o teor do inciso I do art. 12 da LIA, com a nova redação:
I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos. (BRASIL, 2021).
4.2 DANO AO ERÁRIO
O dano ao erário, previsto no art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, antes da nova lei, admitia-se o elemento subjetivo culpa, contudo, como já explicitado acima, a Lei nº 14.430/21 retirou do texto legal essa previsão, admitindo-se somente os atos praticados com dolo. Os verbos utilizados como peças-chave para se compreender o dano ao erário são: facilitar; permitir; doar; realizar; conceder; frustrar; ordenar; agir; liberar; celebrar e usar, os quais, dos incisos constantes no art. 10 da LIA, podemos organizar da forma que segue.
Incorre na prática de ato ímprobo deste tópico aquele que permitir, facilitar, ou, concorrer em: agregar ao patrimônio particular, seja de pessoa física ou jurídica, bens/valores que constitui patrimônio das entidades/entes da Administração Pública, seja direta ou indireta, bem como intermediar, às pessoas jurídica ou física de cunho privado, o uso dos bens/valores das mesmas entidades/entes mencionadas, sem as devidas formalidades dispostas em lei.
Ainda, incorre o agente que facilitar ou permitir alienação, locação, permuta ou aquisição de bem público, móvel ou imóvel, da Administração Pública, assim como o fornecimento de serviços por parte dela [Administração Pública], por preço inferior ou superior ao do mercado, assim como a aquisição de bens ou serviços.
No mesmo toar, incorre o agente que facilitar, concorrer ou permitir: o enriquecimento ilícito de terceiro; o uso de bens e servidores públicos em obras particulares; a incorporação ao patrimônio particular ou uso, à pessoa jurídica ou física, de bens ou valores transferidos pela Administração Pública à entidade privada, sem as devidas observâncias constituídas em lei.
Na doutrina de Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, constata-se que (2017, p. 816): "os danos causados ao patrimônio público podem advir de atos dissonantes dos princípios regentes da atividade estatal, ou mesmo de conduta em que tenha ocorrido a sua estrita observância.". Ou seja, o agente causador do dano, muito embora cause o mesmo, pode fazer sem dolo, de modo que não poderá ser condenado por tal dano.
Dando seguimento, tem-se que responderá às sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, o agente que: frustrar procedimento licitatório, bem como processo seletivo; deferir benefícios administrativos, liberar a realização de despesas, verbas públicas, celebrar contratos de prestação de serviços públicos ou rateio de consórcio público, celebrar pactos de parcerias da Administração Pública junto do particular, bem com, nesta situação, agir para o ilícito na prestação de contas dos pactos celebrados para os fins de parcerias privadas e liberar recursos, e, por fim, àqueles que manterem benefício fiscal/financeiro, todos sem a devida observância legal.
Aqui, frisa-se que com o advento da Lei nº 14.430/21, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa, a manutenção, liberação ou aplicação de benefício fiscal, estava adstrito em artigo solo, qual seja, art. 10-A, contudo, passou a integrar o rol do art. 10 da LIA.
4.2.1 Sanção
As sanções previstas para as práticas de ato ímprobo de dano ao erário estão previstas no art. 12, inciso II, da LIA. Antes da nova lei, Lei nº 14.230/21, as penas eram: ressarcimento integral do dano causado; perda dos bens/valores acrescidos indevidamente ao patrimônio pessoal; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 5 (cinco) a 8 (oito) anos; o pagamento de multa de até 2 (duas) vezes o valor dos bens/valores adquiridos indevidamente; bem como a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais por um prazo de 5 (cinco) anos.
Atualmente, com o advento da nova lei, extrai-se que das penas antes previstas, houveram mudanças quanto: aos anos em que os direitos políticos deverão ser suspensos, bem como a proibição de contratar, saltando-os para 12 (doze) anos; ao valor da multa, que antes era de até 2 (duas) vezes o valor dos bens/valores adquiridos indevidamente, passando a ser limitada ao real valor do ilícito obtido, havendo. Veja o teor do inciso II do art. 12 da LIA, com a nova redação:
II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos. (BRASIL, 2021).
4.3 VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS
Antes de adentrarmos de fato nos atos ímprobos deste tópico, é importante frisar que com o advento da nova lei que alterou alguns dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa, o rol era exemplificativo, contudo, com a vigência da lei nova, o caput do art. 11 da LIA prevê um rol taxativo.
Os atos que violam os princípios da Administração Pública, de forma comissiva ou omissiva, de forma taxativa, respondem na forma da Lei de Improbidade Administrativa. Aqui, houveram diversas mudanças com a nova lei publicada em 2021, conforme será visto adiante.
Anteriormente, o agente que praticasse ato com o fito de obter fim proibido em lei, bem como deixar de praticar, ou, retardar, ato que deveria fazer de ofício, ou, dificultar a acessibilidade prevista na legislação e repassar recursos à entidade privada que prestasse serviço de saúde sem a devida celebração de contrato e afins, eram considerados atos que atentavam contra os princípios da Administração Pública, porém, foram revogados pela nova lei.
Ainda, houveram alterações quanto às seguintes condutas: retirar de segredo fatos ou circunstâncias que detém o privilégio de obtê-las; não dar publicidade dos atos oficiais; e frustrar concurso público ou processo licitatório, da quais, agora, exige-se que o agente o faça com o fito de obter proveito próprio ou de terceiros. Tal exigência se fez constar, ainda, no §1º do art. 11 da LIA.
Uma outra grande novidade, foi inclusão do nepotismo, que antes já era entendido como ato ímprobo, contudo, não estava elencado na LIA.
Mazza (2019, p. 855), discorre acerca dessa conduta ímproba como:
A terceira espécie de ato de improbidade, descrita no art. 11 da LIA, envolve as condutas de menor gravidade que atentam dolosamente contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, mas sem provocar qualquer lesão financeira ao erário.
Outro ponto importante encontrado na doutrina é que, para Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:
Ante a natureza e a importância dos interesses passíveis de serem lesados pelos ímprobos, afigura-se louvável a técnica adotada pelos arts. 4º e 11 da Lei n. 8.429/1992, preceitos em que a violação aos princípios regentes da atividade estatal, ainda que daí não resulte dano ao erário, consubstanciará ato de improbidade (ALVES e GARCIA, 2017, p. 853)
Com isso, tem-se que os princípios administrativos servem para dar maior efetividade na gestão da coisa pública, para que, ainda que não haja um dano mensurável, seja o agente violador devidamente punido.
4.3.1 Sanção
As sanções previstas para as práticas de ato ímprobo de violação aos princípios da Administração Pública estão previstas no art. 12, inciso III, da LIA. Antes da nova lei, Lei nº 14.230/21, as penas eram: ressarcimento integral do dano, em havendo; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 3 (três) a 5 (cinco) anos; o pagamento de multa de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração recebida pelo agente; bem como a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios fiscais por um prazo de 3 (três) anos.
Atualmente, com o advento da nova lei, extrai-se que das penas antes previstas, houveram mudanças quanto: o valor da multa civil, que agora é de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente, bem como o prazo na proibição de contratar, que saltou de 3 (três) anos para 4 (quatro) anos. Veja o teor do inciso III do art. 12 da LIA, com a nova redação:
III - na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos. (BRASIL, 2021).
5.INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO
Nos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves (2021, p. 549), o instituto da prescrição, sempre que ocorrer, trará a perda e o ganho, os quais nunca estarão no mesmo lugar. No caso da Lei de Improbidade Administrativa, quando restar configurada a prescrição, o lado vencedor sempre será o agente que cometeu o ilícito, enquanto o perdedor será, de certa forma, a sociedade.
Ainda nos ensinamentos de Carlos Robertos Gonçalves (2021, p. 549), extrai-se que a prescrição é imprescindível para a manutenção da estabilidade da ordem jurídica. No mesmo sentido, Camara Leal, citada por Gonçalves, diz que:
O interesse público, a estabilização do direito e o castigo à negligência; representando o primeiro o motivo inspirador da prescrição; o segundo, a sua finalidade objetiva; o terceiro, o meio repressivo de sua realização. Causa, fim e meio, trilogia fundamental de toda instituição, devem constitui o fundamento jurídico da prescrição. (LEAL apud GONÇALVES, 2021, p. 549)
5.1 PRESCRIÇÃO GERAL
Na LIA, a prescrição é regulamentada no capítulo VII. Antes da vigência da Lei nº 14.430/21, o art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa, impunha que:
[...] Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego. III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei. (BRASIL, 1992).
Extrai-se que o prazo prescricional era de 5 (cinco) anos, com termos iniciais distintos, sendo, para os detentores de mandato eletivo e ocupantes de cargos de confiança, tinha-se a data em que deixaram de exercer a função (inciso I) e, para os agentes que praticavam atos ímprobos nos limites das entidades constantes no parágrafo único do art. 1º da LIA (redação anterior), tinha-se a data da efetiva prestação de contas (inciso III). A propósito, veja a redação anterior do citado parágrafo único:
[...] Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos. (BRASIL, 1992).
Quanto ao servidor de cargo efetivo ou celetista (inciso II), tendo como parâmetro normas federais, tinha-se como termo inicial a data da prática do ato, aplicando-se, ainda, o prazo prescricional quinquenal, conforme sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do REsp 1098669/GO, de Relatoria do Ministro Arnaldo Esteves Lima.
Com o advento da Lei nº 14.430/21, houve drástica mudança nos termos iniciais da prescrição, bem como nos prazos, havendo, ainda, inovação quando da prescrição intercorrente, que será apreciada adiante. O prazo prescricional, pela nova redação dada ao art. 23 da LIA, é de 8 (oito) anos, com termo inicial a data em que o fato ocorreu ou, para atos permanentes, o dia em que se encerrou a atividade ímproba.
5.1.1 Marcos interruptivos e suspensivos da prescrição geral
Uma das grandes novidades da nova lei são os marcos interruptivos e suspensivos da prescrição geral, como a instauração de inquérito civil, processo administrativo e o ajuizamento da ação civil pública por ato de improbidade administrativa.
O inquérito civil e o procedimento administrativo, ambos previstos na Lei de Improbidade Administrativa, irão acarretar na suspensão do prazo geral, contudo, tal suspensão dar-se-á no prazo de 180 dias corridos, independentemente da conclusão ou não dos referidos atos legais, voltando, após esse prazo, ao decurso normal de 8 (oito) anos. In verbis:
[...] § 1º A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos referidos nesta Lei suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão. [...] § 4º O prazo da prescrição referido no caput deste artigo interrompe-se: I - pelo ajuizamento da ação de improbidade administrativa [...]. (BRASIL, 2021).
Já para a interrupção do prazo prescricional, tem-se que, para o prazo prescricional geral (oito anos), só será interrompido quando do ajuizamento da ação civil pública por ato de improbidade administrativa, do qual, uma vez interrompido, não será mais computado o prazo de 8 (oito) anos, porém, abre-se espaço para a prescrição intercorrente, a qual será de 4 (quatro) anos.
5.1.2 Prescrição intercorrente a seus marcos interruptivos
Dentro do instituto de prescrição intercorrente, é de rigor trazer à baila a redação do §5º do art. 23 da LIA, também uma novidade da nova lei, o qual dispõe que: “§5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo.”
Da leitura do aludido dispositivo legal e pelo que já fora exposto no tópico anterior, extrai-se que, proposta a ação civil pública por ato de improbidade administrativa, o prazo prescricional não será mais de 8 (oito) anos, mas sim de 4 (quatro) anos, sendo, dali em diante, todos intercorrente, recomeçando do zero (com o prazo de quatro anos) sempre que houver um marco interruptivo superveniente, que serão abordados a seguir.
Proposta a ação civil por ato de improbidade, dá-se início à prescrição intercorrente de quatro anos, que somente será interrompida, dando início a um novo cômputo de igual período, quando da publicação da sentença condenatória, ou seja, caso a sentença seja de indeferimento da inicial, ou de absolvição do réu, não haverá a interrupção desse prazo.
Após a sentença, o próximo marco interruptivo é o acórdão ou decisum publicados pelos Tribunais Federal ou de Justiça, sendo necessário que, no caso de sentença condenatória, haja a confirmação, e para sentença não condenatória, haja a sua reforma com o fito de condenar o agente passivo.
Mais adiante, há outros dois marcos interruptivos, que como todos, reiniciam o prazo de 4 (quatro) anos, quais sejam: publicação de decisum ou acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça – STJ -, ou pelo Supremo Tribunal Federal – STF -, ambos no sentido de, caso haja um acórdão recorrido de improcedência inicial, reformar e, caso haja um acórdão recorrido de procedência, manter.
Posto isso, conclui-se que antes da Lei nº 14.230/21, não havia um prazo de prescrição intercorrente, e que, embora haja várias discussões acerca desses novos prazos e marcos, em uma visão particularizada, entende-se que trará, de certa forma, mais agilidade na conclusão desses processos que visam o bem da sociedade.
6.RETROATIVIDADE DA NOVA LEI A CASOS ANTERIORES À SUA VIGÊNCIA.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 843989, com repercussão geral reconhecida sob o nº 1.199, do Estado de Paraná, distribuído à relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, que teve como recorrente Rosmery Terezinha Cordova e recorrido o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, fixou as seguintes teses acerca da retroatividade da nova lei que alterou a lei de improbidade administrativa a casos que já se encontravam em andamento à data da sua publicação:
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO; 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes; 3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente; 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. (STF, 2022)
Contudo, o julgamento ficou marcado por um longo debate jurídico, uma vez que a nova lei de improbidade administrativa, quando da inclusão do art. 17-D, fez constar que a ação de improbidade administrativa é de caráter repressivo, não constituindo ação cível, dando, portanto, azo para debates de que seja uma lei de cunho penal, sendo admitida, desta forma, sua retroatividade em favor do réu, tudo em observância ao que dispõe o art. 5º, XL, da Constituição Federal. A propósito, confira o teor dos aludidos dispositivos, respectivamente:
Art. 17-D. A ação por improbidade administrativa é repressiva, de caráter sancionatório, destinada à aplicação de sanções de caráter pessoal previstas nesta Lei, e não constitui ação civil, vedado seu ajuizamento para o controle de legalidade de políticas públicas e para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (BRASIL, 2021)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. (BRASIL, 1988),
Porém, na contramão ao que apregoa o art. 17-D, desvirtuando-se da aplicação do art. 5º, inciso XL, da CF/88, que fora o entendimento exarado pelo Douto Ministro Alexandre de Moraes, tem-se o art. 37, §4º, também da CF/88, o qual vem dizer que os atos que importarem em improbidade administrativa previstos na respectiva lei, não farão prejuízos à aplicação de ação penal cabível, levando a uma interpretação de que não se trata de uma norma penal, em que, por uma questão lógica, não haveria que se falar em retroatividade da nova lei de improbidade administrativa a casos que já estavam em abertos quando da sua entrada em vigor, falando-se, inclusive, de uma inconstitucionalidade do art 17-D. Mas, como visto pelas teses fixadas, não foi dessa forma que se portou a Suprema Corte Nacional Brasileira.
Nesse sentido, cumpre trazer à baila o posicionamento de Gustavo Scatalino e João Trindade (2016, p. 782 e 783), os quais dizem que “a ação de improbidade administrativa é de caráter CIVIL, e não penal. Em razão do art. 37, §4º dispor que as sanções serão aplicadas ‘sem prejuízo da ação penal cabível’, entende-se que se trata de ação civil, uma vez que ainda poderá se interposta ação penal”. Ou seja, uma vez que o dispositivo constitucional continua em vigor, não há que se falar, de outro modo, no caráter penal da ação de improbidade administrativa.
Ressalta-se que, ainda que o Supremo Tribunal Federal tenha entendido, em sua maioria, pela retroatividade da lei de improbidade administrativa como se norma penal fosse, entende-se que houve uma modulação hábil que, a bom modo, zelou pelo princípio do in dubio pro societate quando da fixação de algumas teses, como será demonstrado a seguir.
Em detida análise, entende-se que duas das teses seguiram o princípio do in dubio pro societate, ou melhor, foram no sentido de não retroagir a norma. Quais sejam: teses 2 e 4, in verbis:
[...] 2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes [...] 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei. (STF, 2022).
A aludida tese 2 diz respeito à coisa julgada, que, caso retroagisse, àqueles que por ventura, tivessem sido condenados na lei de improbidade administrativa e tivessem dentro do lapso temporal de dois anos, prazo em que é cabível uma ação rescisória, poderiam reverter a sua condenação, voltando tudo ao status quo. Porém, com a citada tese, tanto é irretroativa a norma no tocante a casos já transitados em julgado com sanção satisfeita como em que o réu ainda esteja cumprindo a sua sanção, bem como é incabível ação rescisória em ação por ato ímprobo.
Já a tese 4 diz respeito ao prazo prescricional, em que este foi irretroativo a caso em andamento. O objeto da referida tese, como visto em tópico próprio, teve bastante inovação na legislação em comento, como a inclusão do prazo prescricional intercorrente e a ampliação do prazo na pretensão para um só, qual seja: 8 anos, mudando tão somente o marco inicial.
Entende-se que a referida tese é benéfica à sociedade, porquanto muitas ações levam anos a serem julgadas. Como antes não havia um prazo prescricional intercorrente, magistrados seguiam uma lógica de julgamento não tão ágil, o que fazia com que um processo levasse muito mais que quatro anos para se obter uma sentença.
Dessa forma, ter-se-ia, de imediato, com a retroatividade da norma, ainda que os autos se encontra-se em segundo grau de jurisdição, uma extinção da ação por ato ímprobo, sem resolução de mérito, com a consequente pronúncia de prescrição intercorrente, uma vez que transcorrido, ainda que não se poderia prevê tal mudança legislativa, o prazo “futuro” legal intercorrente.
Explica-se: supondo-se que determinando agente político fora condenado por ato ímprobo por meio de sentença condenatória, a qual só veio a ser proferida 6 (seis) anos após a propositura da ação e que da referida sentença sobreveio apelação cível, a qual encontra-se pendente de julgamento, ter-se-ia que, com a interveniência da nova lei, caso houvesse sua retroatividade, considerando que o magistrado deverá gozar do prazo de 4 (quatro) anos para instruir o processo e conduzi-lo a uma sentença, esse agente condenado deveria, de imediato, ter a sua condenação cassada, uma vez que o juiz não observou um prazo legal que ainda não estava previsto.
Ainda que seja uma ideia difícil de se pensar, que o magistrado devesse prevê uma mudança legislativa quando do julgamento, tiveram dois ministros que entenderam que a nova lei deveria retroagir para aplicar, a caso em abertos, a prescrição intercorrente, apesar de não terem formado maioria, sendo eles: Ministro Nunes Marques e Ministro Dias Toffoli.
Outrossim, seguindo uma linha tênue, cumpre elucidar um julgado Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, ocorrido antes da fixação das teses pelo Supremo Tribunal Federal, o qual já estava aplicando a retroatividade da nova lei de improbidade administrativa, inclusive no mesmo toar do que entenderam, por seguinte, os Ministros Nunes Marques e Dias Toffoli para a tese 4, de que a prescrição intercorrente, inovação da nova lei, se aplica a casos já andamento.
Para isso, confira a seguinte apelação cível julgada pela 1ª Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça Tocantinense, que teve como relatora a Desembargadora Angela Issa Haonat, acompanhada do Desembargador Helvécio de Brito Maia Neto e Desembargadora Jacqueline de La Cruz Barbosa, nos autos de nº 0002242-79.2017.8.27.2726, tendo como recorrente Abrahao Costa Martins e recorrido o Ministério Público, cujo o teor da ementa é o seguinte:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APLICAÇÃO DO TEMA Nº 1199 DO STF. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DO MINISTRO RELATOR PARA SUSPENSÃO DOS PROCESSOS EM ANDAMENTO. PRESCRIÇÃO EM RELAÇÃO ÀS SANÇÕES. ART. 23 DA LEI 8.429/92 ALTERADA PELA LEI 14230/21. PRAZO PRESCRICIONAL DE 08 ANOS A PARTIR DA OCORRÊNCIA DO FATO. APLICAÇÃO DA LEI NOVA. POSSIBILIDADE. INTERRUPÇÃO DO PRAZO PELO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. REDUÇÃO DO PRAZO PARA METADE. OCORRÊNCIA DA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. PRECEDENTES DESTA CORTE DE JUSTIÇA. RECURSO PROVIDO. 1. Conforme leitura do disposto no artigo 1º, § 4º da Lei nº 14230/21 e vasta jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, se depreende que se aplicam os princípios constitucionais mesmo em processos em andamento. 2. "A suspensão de processamento prevista no §5º do artigo 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la". RE 966.177/STF. 3. Nos termos do artigo 23 da Lei 14230/21, a ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência. 4. O § 4º do artigo 23 da Lei nº 14230/21, traz como marco interruptivo da prescrição, o ajuizamento da ação de improbidade administrativa. 5. O § 5º do mesmo artigo determina que a interrupção reduz pela metade o prazo prescricional. 6. A sentença só foi prolatada em 16.12.2021 (evento 90 dos autos de origem), restando caracterizado o instituto da prescrição conforme previsto no artigo 23 da Lei nº 14230/2021. 7. Recurso conhecido e provido. (TJTO, 2022).
Infere-se do supracitado julgado que os Doutos Desembargadores seguiram um raciocino de que, uma vez que os princípios constitucionais devem ser aplicados à lei de improbidade administrativa, não haveria que ser diferente quanto à aplicação da retroatividade da norma mais benéfica, aplicando, de imediato, o prazo prescricional intercorrente, considerando a data da propositura da ação e a data em que fora prolatada a sentença, conforme se aufere nos itens 1 e 6 da mencionada ementa.
Portanto, de mais a mais, é possível concluir que, ao caso hipotético descrito acima, com a fixação da tese 4 pelo Supremo Tribunal Federal, o agente político condenado por meio de sentença, ainda que por prazo superior a 4 (quatro) anos, não será beneficiado pela nova lei de maneira retroativa, sendo-lhe aplicado o referido prazo tão somente entre a interposição do recurso de apelação e a publicação de acórdão de manutenção de sentença pelo respectivo órgão de segundo grau de jurisdição, nos termos alinhavados no tópico 5.1.2 do presente artigo.
7.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, a Lei nº 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa, foi alterada pela Lei nº 14.230/2021, a qual trouxe diversas inovações no campo jurídico e político. Isso porque, como visto, antes das alterações legislativas, haviam tipificações que puniam a conduta praticada na forma culposa, contudo, com o advento da nova lei, o elemento subjetivo culpa foi excluído do mundo ímprobo, de modo que somente os atos praticados na forma dolosa podem ser levados à juízo para eventual condenação.
Além da inovação no campo do elemento subjetivo, a legislação inovou quanto à chegada de um novo lapso prescricional único para todos os tipos administrativos ímprobos, bem como a existência de uma prescrição intercorrente, em que, essa segunda, pode, de certo modo, acelerar os julgamentos para que se obtenha, em tempo mais razoável, uma condenação.
Ainda, houve a exclusão de certos tipos ímprobos e a transformação do rol taxativo constante no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa, que trata da violação aos princípios administrativos, ao passo que somente certas condutas que atentem contra os princípios, praticados na forma dolosa, poderão ensejar condenação.
Tais inovações causaram certo desconforto jurídico, isso porque passou-se a discutir acerca da retroatividade dos pontos que poderiam beneficiar agentes causadores de danos em processos que já estavam em aberto, isso porque a legislação que inovou o ordenamento jurídico, quando da edição do art. 17-D da mencionada lei, afastou o caráter civilista da ação de improbidade, de pronto que, à primeira vista, poderia se ter, de certo modo, a sua retroatividade, vindo a beneficiar até mesmo, processos que já estavam transitados em julgado com réu cumprindo pena,
Contudo, ante à necessidade de se unificar as decisões em todo território nacional, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o tema sob repercussão geral nº 1.199, limitou a retroatividade da norma mais benéfica, que, ao longo do debate, foi arguida a inconstitucionalidade do afastamento civilista dada a redação do §4º do art. 37 da Constituição Federal, que não impede, em eventual condenação por ato de improbidade administrativa, a condenação penal.
De mais a mais, é possível concluir que a fixação de teses para o tema ora em debate pelo Supremo Tribunal Federa, que decidiu pela parcial retroatividade da nova legislação tão somente a casos em abertos sem condenação transitada em julgado, vedada a retroatividade do cômputo do prazo prescricional, devendo a contagem se dar tão somente no efeito ex nunc, foi de suma importância, tendo em vista que já haviam julgados em sentido diverso do que fora decidido, indo, inclusive, contrário ao princípio pro societate, como no caso do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, conforma alhures mencionado.
8.REFERÊNCIAS
ALVES, R. P.; GARCIA, E. Improbidade administrativa. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BRASIL. Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm>. Acesso em: 25/10/2022.
BRASIL. Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2021/Lei/L14230.htm>. Acesso em: 25/10/2022.
GONÇALVES, C. R. Direito Civil Brasileiro. 19. Ed. São Paulo: Saraiva Educação. 2021.
MAZZA, A. Manual de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
SCATOLINO, G.; TRINDADE, J. Manual de Direito Administrativo. 4. ed. Salvador: Ed. Juspodvm, 2016.
STF, Plenário. Recurso Extraordinário nº 843.989/PR. Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe 19.08.2022.
STJ, Primeira Turma. Recurso Especial nº 1.098.669/GO. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 12.11.2010.
TJTO, 1ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 0002242-79.2017.8.27.2726. Rel. Desa. Angela Issa Haonat, DJe 08.06.2022.
[1] Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Tocantins - UFT. Pós-graduado em Gestão Pública pela Faculdade Suldamerica. Bacharel em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC. Advogado e Professor da Faculdade Serra do Carmo - FASEC.
Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, HELENA PAULA SILVA FELIPE. Direito administrativo sancionador: Lei De Improbidade Administrativa e a as inovações trazidas pela Lei Nº 14.230/2021. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2022, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60264/direito-administrativo-sancionador-lei-de-improbidade-administrativa-e-a-as-inovaes-trazidas-pela-lei-n-14-230-2021. Acesso em: 23 dez 2024.
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