EDY CÉSAR DOS PASSOS
(orientador) [1]
RESUMO: O trabalho tem por objetivo determinar a aplicação da lei geral de proteção de dados dentro das relações consumeristas virtuais. Objetiva ainda elencar os conceitos de proteção ao consumidor e ao indivíduo com seus dados sendo tratados pelas empresas e pelos órgãos públicos, ensejando a proteção integral daquele com os dados tratados dentro de uma relação consumerista. O presente estudo trata-se de uma revisão bibliográfica de teor qualitativo e descritivo, que visou a revisão integrativa para se chegar aos objetivos propostos. As relações de consumo, pautadas na proteção do consumidor, objetivando a harmonia social e a equiparação das relações consumeristas, possuem um caráter de atuação do poder público que busca criar e aplicar leis com base na vulnerabilidade do consumidor dentro da relação consumerista. Deste modo, temos que a atuação do poder público tem por base a proteção do consumidor e a sua prevalência em relação à empresa, objetivando a compensação da vulnerabilidade vivida pelo consumidor dentro das relações de consumo e ensejando a harmonização da sociedade.
Palavras-chave: Dados. Internet. Proteção.
O presente trabalho vem estabelecer uma conexão entre os elementos constantes na lei geral de proteção de dados e o código de defesa do consumidor quando aplicado dentro das relações comerciais virtuais. O tratamento de dados pela nova lei geral de proteção de dados pode ainda ser inserida dentro do contexto de relações virtuais, não possuindo sua incidência somente no âmbito das relações públicas, mas também nas consumeristas. As relações consumeristas virtuais estabelecem a necessidade de tratamento de dados dos consumidores em todas as suas instâncias, sendo necessária a aplicação da lei geral de proteção de dados.
O trabalho tem por objetivo determinar a aplicação da lei geral de proteção de dados dentro das relações consumeristas virtuais. Objetiva ainda elencar os conceitos de proteção ao consumidor e ao indivíduo com seus dados sendo tratados pelas empresas e pelos órgãos públicos, ensejando a proteção integral daquele com os dados tratados dentro de uma relação consumerista. Enseja ainda o estabelecimento dos princípios que regem a lei geral de proteção de dados e das relações consumeristas, observando as semelhanças entres ambas cargas principiológicas e a sua incidência dentro do contexto jurídico brasileiro.
O contexto dos princípios que envolvem a lei geral de proteção de dados se baseia na proteção integral daquele cujos dados se encontram em tratamento dentro da relação. O contexto que se aplica aos princípios do direito consumerista tem por anseio a proteção integral do consumidor ante a relação desproporcional ao qual se encontra inserido, tendo na figura do consumidor presente a vulnerabilidade. Deste modo, temos que ambas as legislações se baseiam na proteção do indivíduo vulnerável em relação às empresas, ensejando a presença do profissional do direito em auxílio aos direitos individuais.
O presente estudo trata-se de uma revisão bibliográfica de teor qualitativo e descritivo, que visou a revisão integrativa para se chegar aos objetivos propostos. Dessa forma possibilitando a assimilação do conhecimento na área de conhecimento legalista, procurando apontar lacunas a serem preenchidas com a efetivação de novos estudos para dar suporte a melhores práticas de atuação do advogado.
2.1 PRIVACIDADE E DE INTIMIDADE
A intimidade e privacidade, apesar de possuírem conceitos parecidos, são distintas entre si. A intimidade, conforme preceitua Alexandre de Moraes (2016, p. 81) se refere às “relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho, de estudo etc.”
A inviolabilidade da privacidade e intimidade, garantida pelo constituinte, busca proteger o individuo tanto de ações públicas quantos privadas, de modo que sempre que os direitos estiverem ameaçados ou terem sido lesados, a vítima busque o judiciário para cessar ou evitar a coação à sua intimidade e privacidade.
A esse respeito, José Afonso da Silva ( 2006, p. 210) ensina que a violação da privacidade e intimidade poderá ser atacada na condição de ilícito penal bem como poderá ser assegurada, à vítima, a possibilidade de entrar com ação de indenização por dano moral e material contra as pessoas que tenham atingido o seu direito à privacidade e/ou intimidade.
Eis o que a Constituição Federal estabelece no artigo 5°; inciso XII:
é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei - estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
Nota-se que a inviolabilidade não é um principio absoluto. Logo, nos casos legalmente estabelecidos, a serem declinados oportunamente, nas questões atinentes à investigação criminal e instrução processual penal, poderá ser flexibilizado sigilo.
Sobre a flexibilização do principio da correspondência, Pedro Lenza (2010, p. 762) disserta: ‘‘ Podemos observar [...] que esse direito não é absoluto e poderia, de acordo com as circustâncias [...] ser afastado, por exemplo, na interceptação de uma carta enviada por seqüestradores. A suposta prova ilícita convalida-se em razão do exercício da legitima defesa.’’
Alexandre de Morais, ao falar sobre a defesa da privacidade e intimidade, afirma que:
a defesa da privacidade [e intimidade] deve proteger o homem contra: (a) a interferência em sua vida privada, familiar e doméstica; (b) a ingerência em sua integridade física ou mental, ou em sua liberdade intelectual e moral; (c) os ataques à sua honra e reputação; (d) sua colocação em perspectiva falsa; (e) a comunicação de fatos relevantes e embaraçosos relativos à sua intimidade; (f) o uso de seu nome, identidade e retrato; (g) a espionagem e espreita; (h) a intervenção na correspondência; (i) a má utilização de informações escritas e orais; (j) a transmissão de informes dados ou recebidos em razão de segredo profissional. (MORAIS. 2001, p. 89)
Com a salvaguarda à privacidade, na qual se encontra inserida à intimidade, a pessoa poderá se ver, de certa forma, distanciada das ingerências sobre os fatos pertinentes à sua intimidade; ao uso de seu nome bem como terá salvaguardas juridicas conta espionagem ou espreita de questões pessoais, tais como a quebra de sigilo telefônico e correspondências, entre outras.
José Afonso da Silva destaca que:
A tutela constitucional [ da privacidade e intimidade] visa proteger dois atentados particulares: (a) ao segredo da vida privada; e (b) à liberdade da vida privada. O segredo da vida privada é condição de expansão da personalidade. Para tanto, é indispensável que a pessoa tenha ampla liberdade de realizar sua vida privada, sem perturbação de terceiros. São duas veriedades principais de atentados ao segredo da vida privada [...]: a divulgação, ou seja, o fato de levar ao conhecimento do público [...] os eventos relevantes da vida pessoal e familiar; a investigação , isto é, a pesquisa de acontecimentos referentes à vida pessoal e familiar; envolve-se aí também a proteção contra a conservação de documento relativo à pessoa, quando tenha sido obtido por meios ilícitos (SILVA, 2016, p. 208)
Desse modo, a tutela da privacidade, na qual também se inclui a intimidade, visa proteger o segredo e a vida privada per si da pessoa. A proteção envolve até documentos, tais como fotografias, diários, etc, sobre a pessoa. Também como salvaguarda da privacidade e intimidade, a Carta Magna, no artigo 5°, inciso XI estabelece a inviolabilidade da casa, como parte integrante da privacidade e intimidade do indivíduo. Assim, conforme o citado dispositivo ‘‘a casa é asilo inviolável do individuo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou durante o dia por determinação judicial. ’’
O termo casa no texto constitucional tem uma amplitude maior que o utilizado na gramática propriamente dita, conforme ensina Gilmar Mendes:
Refere-se à possibilidade de uma pessoa exercer direito de se manter sozinho, distante dos demais. Segundo René Ariel Dotti (2017, p. 69), a intimidade se caracteriza como “a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”. Semelhante conceito é abordado por Adriano de Cupis (2017, p. 115) que define a intimidade, como “o modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento de outrem, de quando se refira à pessoa mesma.”
Privacidade, por sua vez, é mais abrangente que a intimidade. Trata-se de uma terminologia oriunda do direito anglo-americano, que abrange o modo de vida doméstico, familiar e afetivo, com tudo aquilo que ele representa incluindo, ainda, pensamentos, segredos e outras questões de fórum íntimo da pessoa. Observa-se que a privacidade é definida, portanto, por cada pessoa, que pode escolher com quem deve compartilhar fatos e atos relacionados à esfera pessoal (CUPIS, 2017).
A privacidade e intimidade são inerentes aos direitos da personalidade, explicitados na Constituição Federal vigente e no Código Civil Pátrio. Com isso os direitos da personalidade dizem respeito à pessoa, tendo o condão de diferenciá-la frente aos demais membros da sociedade.
Assim, a personalidade envolve diversas questões atinentes à pessoa e sua individualidade. Consiste em ordenamento vital para a pessoa alcançar outros direitos. Silvio Rodrigues (2017, p. 37) explica que “no mundo moderno, e na quase totalidade dos países, a mera circunstância de existir confere ao homem a possibilidade de ser titular de direitos”.
Conforme preceituado pelo artigo 2° do Código Civil, a personalidade inicia-se com o nascimento com vida, sendo garantidos, desde a concepção os direitos do nascituro. A intimidade e privacidade fazem parte dos direitos da personalidade, tendo em vista serem estas inerentes à liberdade do ser humano e sua dignidade como pessoa . (BRASIL, 2012).
Vale destacar que o Código Civil não conceituou dos direitos da personalidade. Contudo, a doutrina traçou uma conceitualização do epigrafado instituto.
Nesse sentido, direitos da personalidade, conforme Goffredo Teles Júnior:
A personalidade consiste no conjunto de caracteres próprios da pessoa. A personalidade não é um direito, de modo que seria errôneo afirmar que o ser humano tem direito à personalidade. A personalidade é que apóia os direitos e deveres que dela irradiam, é o objeto de direito, é o primeiro bem da pessoa, que lhe pertence como primeira utilidade, para que ela possa ser o que é, para sobreviver e se adaptar às condições do ambiente em que se encontra, servindo-lhe de critério para aferir, adquirir e ordenar outros bens. (TELES JÚNIOR, 2013, p. 119)
Assim, a personalidade envolve diversas questões atinentes à pessoa e sua individualidade. Consiste em ordenamento vital para a pessoa alcançar outros direitos. Silvio Rodrigues ( 2013, p. 37), por seu turno, explica que “no mundo moderno, e na quase totalidade dos países, a mera circunstância de existir confere ao homem a possibilidade de ser titular de direitos”
Venosa faz uma análise mais profunda dos direitos da personalidade:
Os direitos da personalidade são os que resguardam a dignidade humana. Desse modo, ninguém pode, por ato voluntário, dispor de sua privacidade, renunciar à liberdade, ceder seu nome de registro para utilização de outrem, renunciar ao direito de pedir alimentos no campo da família por exemplo. Na busca de audiência e sensacionalismo, já vimos exemplos de programas televisivos nos quais pessoas autorizam que sua vida seja monitorada e divulgada permanentemente; que sua liberdade seja cerceada e sua integridade física seja colocada em extremo limite de resistência etc. Ora, não resta dúvida de que, nesses casos, os envolvidos renunciam negocialmente a direitos em tese irrenunciáveis. A situação retratada é contratual, nada tendo a ver com cessão de direitos da personalidade, tal como é conceituado. [...] Evidente, porém, que nunca haverá de se admitir invasão de privacidade de alguém, utilização de sua imagem ou de seu nome sem sua expressa autorização. (VENOSA, 2014, p. 152)
Os direitos da personalidade, nesse sentido, não podem ser renunciados, apesar das situações vistas na mídia atual, onde pessoas abrem mão de sua intimidade e privacidade para fazerem partes de programas tais como ‘Fazenda’ , ‘Big Brother’ entre outros. A privacidade não poderá ser invadida sem anuência da pessoa. Conforme preceituado pelo artigo 2° do Código Civil, a personalidade inicia-se com o nascimento com vida, sendo garantido, desde a concepção os direitos do nascituro. A intimidade e privacidade fazem parte dos direitos da personalidade, tendo em vista serem estas inerentes ao ser humano e sua dignidade como pessoa.
2.2 PRINCÍPIOS QUE ENSEJAM A LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
A criação da Lei Geral de Proteção de Dados versa sobre o esteio de efetivação e caracterização de determinados princípios constitucionais basilares de direitos individuais e coletivos, que se embasam na constituição da sociedade e dos elementos responsáveis pela manutenção da ordem social em consonância com os preceitos que estabeleceram e conceituaram a criação da Constituição Federal de 1988, onde o Estado Democrático de Direito encontrou sua aplicação em meio ao direito brasileiro.
A carga principiológica encontrada na criação de cada lei possui cerne material dentro da constituição, visando garantir a disseminação dos conceitos e a efetividade da Carta Magna, objetivando o bem coletivo e a proteção dos direitos individuais invioláveis previstos nesta carta.
A composição legal brasileira não pode se encontrar fora dos ditames constitucionais, devendo assim ser justificada dentro dos parâmetros estabelecidos e delimitados pela lei maior brasileira, esta detendo artigos que não podem ser contrariados por leis infraconstitucionais.
A sociedade, em seu cerne, objetiva sua manutenção no contrato social, devendo este, através de uma carta magna, reger as leis e o regramento social destinado à manutenção do mesmo, pois o homem objetiva a sua preservação e, assim, cria maneiras para que possa crescer e se desenvolver, gerando diferenças entre os homens, onde estes se organizam em um estado para que possa aumentar a sua chance de sobrevivência, destinando a sua realidade e a sua vivência ao contrato social (HOBBES, 2016).
Deste modo, há na condição humana um conceito onde a sua natureza, objetivada primordialmente à sua sobrevivência, uma característica de dominação quanto ao seu próximo, onde as condições de proteção do bem individual somente podem ser encontradas na união dos indivíduos em favor de um bem maior, abandonando parte de sua liberdade e de seus direitos fundamentais para que haja a proteção de sua capacidade de sobrevivência e consequente preservação da espécie em forma de sociedade (HOBBES, 2016).
Assim, para que a convivência em sociedade seja pacífica e garantidora dos direitos relativos à condição humana de cada indivíduo, é necessária a construção de um contrato social, uma constituição que venha a nortear e guiar as leis e regulamentações posteriores a esta, limitando o poder do Estado para que abusos não sejam cometidos e delimitando os ditames sociais de cada indivíduo em seu estado de sociedade, também elencando em seus dizeres os direitos e deveres das pessoas jurídicas contidas na sociedade (HOBBES, 2016).
Ao tratarmos da constituição da sociedade no contexto da atualidade, pode-se observar a presença de uma constituição norteadora do Estado e das leis infraconstitucionais presentes no ordenamento jurídico brasileiro, dentre estas a Lei Geral de Proteção de Dados, que encontra seu escopo e justificativa na proteção de princípios consagrados na Carta Magna, sendo eles a liberdade, a privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural, que são o principal objeto de cuidado desta lei.
Para a caracterização de uma lei com caráter de proteção de direitos fundamentais com um viés de tratamento de dados, sejam estes físicos ou digitais, é de vital importância determinar e especificar os princípios norteadores desta, em caráter de uma lei atual e de grande importância para os meios digitais de comunicação, que gerem e tratam dados de todos os usuários de suas redes, que possuem grande usabilidade na sociedade, devido à grande quantidade de usuários e a sua utilidade para estes.
Em caráter primário, para delimitar o que se trata por liberdade, é importante estabelecer que a liberdade é um direito fundamental basilar do estado democrático de direito, pilar da revolução francesa que teve impacto direto dentro dos estados democráticos que surgiram e se desenvolveram a partir de seus conceitos e fundamentos.
A liberdade possui caráter intrínseco a cada cidadão, não sendo determinado o direito relativo à liberdade em quaisquer conceitos esparsos, sendo de autonomia do cidadão todos os seus atos (SOUZA; SILVA, 2019).
Nas palavras de Souza e Silva (2019, p.8):
Dos três direitos citados pelo dispositivo em questão, o mais inusitado (diante da abertura excessiva de seu conteúdo) é o de “liberdade”; com efeito, a autonomia está no cerne de todas as questões atinentes às relações privadas (ainda que contemporaneamente funcionalizada a interesses de ordem supraindividual, como os vinculados à solidariedade social). Já no que tange às relações entre indivíduo e Estado, as liberdades civis consistem nos direitos fundamentais há mais tempo reconhecidos, ditos de primeira geração, o que faz parecer despicienda sua remissão legislativa, exceto para a finalidade de afirmar o norte valorativo que o legislador tinha em mente quando da elaboração da lei.
Destarte, a liberdade é um direito fundamental elencado a todos os atos de cada indivíduo, dotado de autonomia para exercer seus direitos e deveres, ao contrário dos entes públicos que possuem seus atos limitados aos dizeres da lei, não podendo atuar de forma diversa desta, somente sendo lícito a fazer aquilo determinado legalmente, o cidadão não está limitado em seus atos pela lei, possuindo autonomia total em seus atos, sendo limitado apenas naquilo que não lhe é lícito a fazer legalmente.
Ao tratarmos do princípio da privacidade, podemos observar que este trata da proteção e do cuidado com as informações pessoais e com a construção da esfera particular do indivíduo.
Deste modo, ao elencarmos a Lei Geral de Proteção de Dados, o princípio da privacidade ganha demasiado destaque na construção desta lei, tendo em vista o caráter protetivo dos dados pessoais dos indivíduos em face do tratamento destes dados por empresas privadas, sendo o caráter de proteção da privacidade do direito fundamental brasileiro (SOUZA; SILVA, 2019).
Adiante, quando se analisa o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana se pode observar a proteção dos demais princípios norteadores desta lei, pois o desenvolvimento da personalidade humana de forma livre despende de sua liberdade para exercer seus direitos e a sua condição de pessoa humana com liberdade de expressão, privacidade e proteção de seus direitos fundamentais, não sendo caracterizada a proteção de seus dados pessoais como irrelevante no que se concerne seu desenvolvimento (TEIXEIRA, 2019).
Elenca Teixeira (2019, online):
A privacidade tem posição de destaque nos fundamentos da LGPD, tendo sido elencada em primeiro lugar pelo legislador. Conforme garante a Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 12), bem como nossa Constituição Federal (art. 5º, X), o direito à privacidade é garantia fundamental do ser humano, tratando-se de condição essencial para o livre desenvolvimento da personalidade humana.
Ainda nos dizeres de Teixeira (2019, online):
Também garantia fundamental da Constituição Federal (art. 5º, IX), a liberdade de expressão, e as consequentes liberdades de informação, comunicação e opinião, são fundamentos da LGPD por se tratarem de condições necessárias para o livre desenvolvimento da pessoa humana, uma vez que representantes da expressão da personalidade dos indivíduos. Ao prever tais garantias como fundamentos da LGPD, o legislador demonstrou o interesse em harmonizar sua existência com o respeito à privacidade, devendo ser coibidos eventuais excessos, conforme já garantido pela legislação pátria (injúria, difamação etc.). No mais, em caso de excesso da liberdade de expressão com violação das normas relativas ao tratamento dos dados pessoais, deve prevalecer o respeito à privacidade, objetivo e fundamento da LGPD.
Assim, o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana encontra-se em destaque como princípio da Lei Geral de Proteção de Dados, tendo em vista que abarca todos os direitos e garantias fundamentais antes elencados e a partir daí gera os preceitos necessários para se determinar o entendimento de uma proteção do tratamento dos dados pessoais dos indivíduos, caracterizando a efetivação dos direitos individuais e a sua aplicabilidade de forma eficaz dentro do ordenamento jurídico pátrio.
Teixeira (2019, online) elucida ainda:
Os fundamentos expostos no último inciso do art. 2º da Lei 13.709/18 demonstram novamente a preocupação do legislador em garantir os objetivos traçados no artigo primeiro da lei, isto é, a proteção dos direitos fundamentais à liberdade e à privacidade e a livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural. Ao prever que os direitos humanos como fundamento da LGPD, o legislador ampliou a proteção do titular dos dados pessoais para além dos direitos da personalidade, especialmente reafirmando a proteção à liberdade, um dos objetivos expressos da lei. Por sua vez, a dignidade e a cidadania são fundamentos da República Federativa do Brasil, também reafirmados pela LGPD. Assim, o último fundamento elencado no art. 2º da Lei Geral de Proteção de Dados reafirma alguns dos fundamentos anteriormente expostos e os amplia, demonstrando, mais uma vez, o caráter protetivo da norma em favor do titular de dados pessoais com vistas a atingir os objetivos da lei.
Deste modo, a proteção do livre desenvolvimento da personalidade da pessoa humana abarca os demais direitos elencados e os engrandece, garantindo maior eficácia na sua aplicação, em decorrência da necessidade de proteção do indivíduo como um todo em seu desenvolvimento e caracterização de sua personalidade, não podendo este estar restrito aos conceitos unificados que não se encontram previstos em lei, somente lhe sendo restrito aquilo que a lei proíbe, devendo as demais faculdades serem protegidas e garantidas pelo Estado.
Ainda na forma constitucional, assevera Oliveira (2020, online):
Portanto, quando a CF/88 instituiu o habeas data para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante e para retificação de seus dados constantes de bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público (art. 5º, inciso LXXII), deu ao cidadão a possibilidade de inspecionar a utilização de seus dados pessoais, sendo um instrumento para o exercício do direito à autodeterminação informativa.
Assim, os conceitos constitucionais previstos anteriores à Lei Geral de Proteção de Dados já elencavam a proteção de dados pessoais, contudo, de forma breve e através de um procedimento processual constitucional, onde as informações eram protegidas em caráter público, não sendo abarcada a esfera privada neste ditame, contudo, já havia o preceito e a determinação, devendo então ser conceituada e preconizada em lei própria para que a proteção também alcançasse a esfera privada e a completude do direito do cidadão.
2.3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS
Ademais, o tratamento de dados, apesar de sua caracterização ser elencada aos meios digitais através dos dados contidos nos bancos de armazenamentos digitais e dos sítios contidos na internet, não é uma atividade que remete aos dias atuais, sendo uma característica que descende de tempos remotos e que elenca atividades antigas e primordiais ao contexto social que se desenvolveu aos dias de hoje, em compêndio dos serviços canônicos e públicos efetuados e preceituados ao longo da história (ZANON, 2013).
Dito isto, não se pode elencar a atividade de armazenamento, e consequentemente a aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados, somente ao ambiente digital, sendo de vital importância o entendimento do armazenamento de dados em todas as suas vertentes para que sejam aplicados os conceitos e ditames conceituados nesta lei de forma justa e para que esta cumpra o seu propósito em todos os âmbitos, não se restringindo a uma parcela dos dados tratados pelas empresas públicas e privadas que a estes detêm a posse.
Analisa Nascimento (2019, online):
(...) o banco de dados pessoais surgiu com o desenvolvimento do comércio e suas atividades econômicas. Assim, para acompanhar o mercado comercial tão competitivo, surgiu a importância ainda perante os pequenos comerciantes de armazenarem os dados dos seus clientes, gerando o conhecido banco de dados. A partir da década de 60, com o forte desenvolvimento tecnológico e industrial, passou-se a realiza-se o cadastro de informações pessoais em computadores, gerando a expansão dessa prática. Desse ponto, começaram a surgir às problemáticas decorrentes da atividade de coleta e armazenamento de dados pessoais, em razão da facilidade que as pessoas possuíam em ter acesso a esse tipo de informação através de um simples acesso ao computador.
Assim, a atividade de armazenamento de dados está intrinsecamente ligada à atividade comercial, gerando nesta um forte entendimento acerca dos conceitos relativos aos dados pessoais. Com o advento da internet e de sua expansão, há uma intensa mudança no modo como é entendida a ciência do direito, pois da mesma forma que preceitua benesses aos indivíduos pode prejudica-los, fazendo com que seu direito seja relativizado ou ainda descartado, tirando de sua égide a proteção de dados e informações privadas e pessoais (NASCIMENTO, 2019).
Há de se observar que com o crescimento das empresas e de sua presença no mundo globalizado e inundado de novas tecnologias, há um aumento significativo na voracidade das empresas na busca por clientes e no consequente ataque a outras empresas em busca das informações lá contidas de clientes e indivíduos.
Com isso, é evidenciada a vulnerabilidade dos bancos de dados corporativos e da consequente possibilidade de espionagem por meio de hackers, além do uso indevido pelas próprias empresas que divulgam ou vendem estes dados sem consentimento (BARROS, et. al. 2019).
A convivência em sociedade demanda do Estado um sistema que propicie a harmonia social e a proteção da liberdade dos indivíduos, não sendo passível a promoção e a conivência de atos capazes de prejudicar os direitos individuais de cada pessoa. Assim, para a manutenção do pacto social temos que a atuação do Estado é necessária e essencial, objetivando a proteção daqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, propiciando a todos uma condição digna de sobrevivência e a possibilidade de prosperidade a todos, buscando o desenvolvimento da sociedade em caráter de harmonia.
3 A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LGPD NOS RELAÇÕES CONSUMERISTAS
Este capítulo tratará, em linhas breves, acerca do contexto histórico do direito do consumidor e das relações consumeristas, sobre o consumo digital e ainda sobre o impacto proveniente da lei geral de proteção de dados dentro desta relação. Será dividido em três tópicos, onde o primeiro trabalhará o histórico das relações consumeristas e do direito do consumidor. O segundo versará sobre o consumo digital, seu histórico e a sua atualidade. O terceiro tratará da relação existente entre a lei geral de proteção de dados e as relações abarbadas pelo direito do consumidor.
3.1 CONTEXTO HISTÓRICO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E DO DIREITO DO CONSUMIDOR
O direito do consumidor, dentro da ótica prevista na conceituação legislativa e principiológica brasileira, pode ser preceituado na condição de vulnerabilidade do consumidor em face da relação estabelecida com o fornecedor. O direito do consumidor trata da proteção do consumidor, sendo a parte vulnerável da relação, em face do fornecedor, prevalecendo a tutela integral, sistemática e dinâmica do consumidor, elencando as relações consumeristas da sociedade de consumo em torno do conjunto de regras e princípios que versam acerca desta temática (SILVA, 2020). Explica Silva (2020, p.13):
A elaboração de um conceito sobre o Direito do Consumidor não pode deixar de abordar os seguintes fatores fundamentais:
1) Composição: normas e princípios;
2) Objeto de preocupação: sociedade de consumo;
3) Objetivo: “tutela integral, sistemática e dinâmica” da parte vulnerável na relação consumerista, qual seja, o consumidor.
Assim, o Direito do Consumidor seria conceituado como o conjunto de normas e princípios que tratam da sociedade de consumo em busca da promoção da “tutela integral, sistemática e dinâmica” da parte vulnerável na relação consumerista (consumidor).
Observado o conceito temos então a contextualização acerca do contexto histórico formador do direito consumerista. A priori, é necessário entendermos que as relações consumeristas, como vistas atualmente, possuem um marco histórico proveniente da Revolução Industrial, onde a capacidade produtiva do ser humano teve um aumento significativo, gerando assim um aumento nas relações onde o consumo era o objeto final da produção. A produção artesanal dando lugar à industrializada e o aumento demográfico dos grandes centros geraram um aumento na produção e nas relações de consumo (FILHO, 2020).
A partir deste contexto de aumento demográfico e de produção, aumentaram também os incidentes intermediários de produção, onde não mais seria o fabricante a distribuir ou transportar o produto de seu trabalho. Então as relações de consumo, onde o molde artesanal era preconizado e o conteúdo real do produto eram vigorantes, passaram a ser determinados por produtos embalados e lacrados. Os contratos estabelecidos entre as partes passaram a conter cláusulas gerais e que serviriam às mais diversas relações, determinadas pelo fornecedor, sem a participação do consumidor (FILHO, 2020).
Explica Filho (2020, p.15):
O novo mecanismo de produção e distribuição impôs adequações também ao processo de contratação, fazendo surgir novos instrumentos jurídicos – os contratos coletivos, contratos de massa, contratos de adesão, cujas cláusulas gerais seriam estabelecidas prévia e unilateralmente pelo fornecedor, sem a participação do consumidor. Por outro lado, os remédios contratuais clássicos não evoluíram e se revelaram ineficazes na proteção e defesa efetivas do consumidor. Rapidamente envelhecia o direito material tradicional, até restar completamente ultrapassado. O direito privado de então, marcadamente influenciado por princípios e dogmas romanistas – autonomia da vontade, pacta sunt servanda e responsabilidade fundada na culpa –, não tardaria a sucumbir.
A partir deste contexto, a aplicação da legislação civil, onde a pessoalidade dos contratos e a autonomia da vontade dos agentes possuía grande influência dentro da pactuação feita, tende a se esmorecer diante das novas relações estabelecidas no contexto social e jurídico presente à época. Contudo, o contexto ao qual é inserido se torna propício para práticas abusivas por parte dos fornecedores em face dos consumidores, prevendo contratualmente a exclusão da responsabilidade, a limitação da responsabilidade, o controle do mercado, a eliminação de concorrentes e outras práticas (FILHO, 2020).
Observa Nunes (2018, p.30):
Anote-se essa observação: nos Estados Unidos, que hodiernamente é o país que domina o planeta do ponto de vista do capitalismo contemporâneo, que capitaneia o controle econômico mundial (cujo modelo de controle tem agora o nome de globalização), a proteção ao consumidor havia começado em 1890 com a Lei Shermann, que é a lei antitruste americana. Isto é, exatamente um século antes do nosso CDC, numa sociedade que se construía como sociedade capitalista de massa, já existia uma lei de proteção ao consumidor. Sabe-se, é verdade, que a consciência social e cultural da defesa do consumidor mesmo nos Estados Unidos ganhou fôlego maior a partir dos anos 1960. Especialmente com o surgimento das associações dos consumidores com Ralf Nader.
Com o contexto de aumento da população e das relações de consumo, ainda em contexto global, a proteção dos direitos do consumidor galgava seus primeiros passos nos Estados Unidos já em 1890, onde a edição da Lei Shermann foi o primeiro passo para se garantir uma proteção ao consumidor. Em meio a uma ótica capitalista de expansão, onde os termos do capitalismo em massa geraram, desde então, uma preocupação com o consumidor. Entretanto, o movimento em torno dos direitos do consumidor ganharam forma e força a partir de 1960, com as associações dos consumidores (NUNES, 2018).
Trazendo estes ideais para o contexto brasileiro, o direito do consumidor, antes regulado e pautado dentro da legislação civil, encontrou, na confecção de nossa Carta Magna Cidadã, o princípio da dignidade da pessoa humana, onde os contextos relacionados ao indivíduo seriam pautados na preservação de sua dignidade. Então, com o advento da Constituição Federal de 1988, veio também a necessidade de se criar uma legislação voltada à proteção dos interesses dos consumidores em face dos fornecedores, reconhecendo seu direito à dignidade da pessoa humana (NUNES, 2018).
Explica Nunes (2018, p.32):
Foi a experiência com o nazismo da Segunda Guerra Mundial que fez com que as nações escrevessem, produzissem textos constitucionais reconhecendo esse elemento da história. Não tem sentido que o direito não venha reconhecer esse avanço do pensamento humano. Isto foi feito, como dito, logo pela Constituição Federal alemã. Agora, a Constituição Federal brasileira de 1988 também o fez no art. 1º, III: a dignidade da pessoa humana é um bem intangível.
Deste modo, com a evolução do pensamento humano, envolvendo as nuances mercadológicas e as variantes que envolvem a evolução das relações de consumo, evoluiu-se também o cerne desenvolvido para a proteção dos direitos do consumidor. Sob a égide de intangibilidade da dignidade da pessoa humana, além de sua extensão a todos os pontos que cercam e permeiam a vida do indivíduo, as relações de consumo, sob a ótica capitalista do consumo e do mercado, a proteção dos interesses e dos direitos dos consumidores não poderiam ser esquecidos pelo legislativo (NUNES, 2018).
Temos então, em 1990, a edição do código de defesa do consumidor, onde a norma seria destinada à proteção de vulneráveis, ensejando uma regra adaptada à pós-modernidade, buscando conceitos advindos dos protestos e movimentos em busca da liberdade e de outros valores sociais. Tal conceito visa a proteção de direitos humanos, pautados na pluralidade, onde os vulneráveis devem ser protegidos daqueles em situação de força contra si, sendo elencado na constituição nas pessoas do consumidor, da mulher sob violência, do trabalhador, da criança e do adolescente, dentre outros (TARTUCE; NEVES, 2020).
Os avanços constantes e ininterruptos da sociedade geram grandes benefícios para estes, de forma que o desenvolvimento da tecnologia e dos meios digitais modificou completamente a ótica e o modo com que o mundo ensejou as relações de empreendedorismo e de consumo. Os avanços tecnológicos possibilitaram a concentração de novos meios para a efetivação das relações de consumo, pautando esta nas novas tecnologias. Os termos de facilidade e utilidade com os quais os consumidores podem se pautar levam estes ao mundo digital para a efetivação de seus desejos (SILVEIRA; SANTOS, 2019).
Explicam Silveira e Santos (2019, p.159):
Especificamente, o avanço da tecnologia possibilitou que as plataformas digitais se tornassem um modelo de negócios cada vez mais presente em nosso cotidiano. A utilidade e facilidade com que os consumidores interagem nelas os tornaram cada vez mais dependentes, sendo que algumas relações de consumo, como a busca por informações ou a hospedagem turística, raramente se dão fora delas. Por possuírem dinâmicas diferentes dos modelos de negócio tradicionais, tratar as plataformas como se têm tratado negócios dito ‘tradicionais’ pode levar a equívocos e soluções pouco efetivas por parte das autoridades.
O consumo, voltado ao ambiente digital, tende a se constar da criação da rede mundial de computadores, conceituando-se no acesso, na produção, na disponibilização e no compartilhamento de quaisquer tipos de conteúdo digital, envolvendo a relação de conteúdos físicos disponibilizados em plataformas digitais, decorrente ou não de uma transação financeira. Deste modo, o consumo digital está pautado dentro dos moldes de disponibilização de conteúdo, produtos ou quaisquer serviços a serem ofertados em uma plataforma digital, para que sejam adquiridos por um consumidor (MONTARDO; FRAGOSO; AMARO; PAZ, 2017).
Dentro do contexto brasileiro, as relações envolvendo a rede mundial de computadores, ganhou um cerne jurídico específico com a criação da lei do Marco Civil da Internet, incorrendo no provedor de internet a figura do fornecedor, determinado na legislação consumerista pátria. Contudo, determinou ainda que a responsabilidade civil presente nas relações envolvendo o provedor de internet não seria de sua alçada, somente podendo ser responsabilizado nesta relação consumerista, em decorrência de uma determinação judicial que o obrigue a tomar providências sobre o caso (SILVA, 2020). Explica Almeida (2020, p.176):
Igualmente, cumpre destacar que o CDC, ao estabelecer o produto objeto da relação de consumo como também aquele com característica de bem imaterial, albergou ainda que de forma inconsciente nesse conceito as relações oriundas de meios eletrônicos, como da internet. Tal assertiva nos leva a crer pela incidência das disposições do Diploma Consumerista às atividades prestadas por este meio.
Deste modo, temos que a previsão do consumo digital, em face da proteção oferecida pelo código de defesa do consumidor, é abarcado pela legislação consumerista, devendo assim se utilizar dos mesmos meios e regramentos inerentes ao consumo físico, objetivando as mesmas práticas. Os serviços contratados pela rede mundial de computadores devem se pautar na égide do CDC, elencando as suas práticas de oferta física ao meio digital, devendo ser responsabilizado civilmente quando não cumprir as determinações legais sobre o consumo, podendo incidir nas sanções administrativas previstas no código (ALMEIDA, 2020).
Deste modo, temos que o consumo digital possui a sua evolução decorrente da criação da rede mundial de computadores, onde, com o avanço da tecnologia, o homem se utilizou dos meios digitais tecnológicos para ofertar os produtos que ofertara fisicamente anteriormente. O consumo digital, hodiernamente, tem sua égide pautada na proteção do consumidor, tendo em vista os preceitos e princípios de proteção integral do consumidor, visando a sua equiparação frente à relação desigual à qual se encontra, primando pelos interesses do vulnerável e pela manutenção da ordem jurídica.
3.3 DA INCIDÊNCIA DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS NAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS
A lei geral de proteção de dados, em que se pese a legislação consumerista brasileira, não atribui nenhuma sanção criminal que estabeleça em seu rol, contudo, há de se considerar que condutas previstas nesta legislação são passíveis de incidência dentro de tipos penais previstos dentro do código de defesa do consumidor. A lei geral de proteção de dados, aliada à legislação consumerista, visa a proteção do consumidor, tendo em vista a proteção de seus dados dentro do ambiente do consumo, vedando práticas abusivas e visando a boa-fé da relação e a ordem jurídica mercadológica (ROSA, 2020).
Deste modo, temos que a aplicação da lei geral de proteção de dados, observada a sua incidência em território nacional, tem por consequência a aplicação da codificação consumerista, devido ao concurso de normas e de princípios presentes na relação, observado o intento constante de proteção do consumidor, tendo em vista a sua vulnerabilidade na relação de consumo. A lei geral de proteção de dados, assim como o código de defesa do consumidor, determina a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, reafirmando a sua função protetiva (QUINAIA, 2019).
Afirma Quinaia (2019, online):
Não há dúvida de que na maior parcela de relações jurídicas nas quais incidirá a LGPD haverá também o concurso de normas protetivas do consumidor, como nas relações bancárias, planos de saúde, serviços públicos etc. Nota-se que a LGPD prevê mecanismos protetivos similares aos previstos no CDC, como é o caso da inversão do ônus da prova, realçando a comunicação das fontes entre os dois sistemas de proteção de dados e proteção do consumidor. Nesses poucos mais de trezentos dias as empresas devem se preparar não só quanto à adaptação à LGPD, mas também seu SAC – Serviço de Atendimento ao Consumidor para atender tempestivamente às dúvidas de consumidores evitando litígios e reclamações junto ao PROCON e ao Poder Judiciário. Igualmente é preciso que o corpo jurídico de assessoria se prepare para este novo tipo de conflito com a simbiose entre as regras do CDC e a LGPD.
Assim, a afirmação da necessidade de defesa do consumidor em conjunto com os preceitos protetivos presentes na lei geral de proteção de dados, visam estabelecer um parâmetro de qualificação de vulnerabilidade do consumidor, estabelecida a relação de dados prevista pela LGPD, onde este gozará de proteção estatal no âmbito administrativo e judicial. O sistema administrativo de projeção dos efeitos da lei geral de proteção de dados visam ainda a prestação de informação aos consumidores, tendo em vista a simbiose das normas observadas em direito para ambos os casos (QUINAIA, 2019).
A legislação de proteção de dados, conjunta à legislação consumerista, visa a proteção do consumidor em meio aos dados tratados pelas empresas. A proteção de dados do consumidor busca equilibrar os poderes dentro da relação consumerista, visando a decisão livre, autônoma e informada do consumidor, objetivando a preservação de sua dignidade. Com o crescimento da internet e das relações de consumo dentro da internet, a proteção dos dados do consumidor em meio a suas relações consumeristas é de essencial importância dentro da aplicação do direito e da manutenção da ordem social (CARVALHO; FERREIRA, 2018).
Observado o exposto, mediante o consumo digital, tendo em vista a ótica consumerista, há a necessidade de aplicação dos conceitos da lei geral de proteção de dados sob a ótica dos direitos do consumidor, objetivando a proteção dos dados do consumidor também dentro das relações de consumo digital, elenca os conceitos de proteção do indivíduo em situação de vulnerabilidade na relação. O conceito protecionista visa equilibrar a balança regente da relação consumerista e do tratamento de dados, tendo em consideração os conceitos relativos ao consumo digital, observando a incidência dos dados do consumidor na relação e a sua efetiva proteção pela LGPD. Deste modo, como normas concorrentes, o CDC e a LGPD, relativos ao consumo digital, visam proteger o consumidor em todas as instâncias da relação vivenciada, tratando desde o fornecimento de dados para a compra até a entrega do produto.
O presente trabalho, em seu corpo, em linhas gerais, veio conceituar os princípios que regem e perfazem a lei geral de proteção de dados, tendo por base os conceitos de proteção do usuário que se fazem presentes em todo corpo do texto legal promulgado. Temos uma relação de proteção conferida àquele que dispensa seus dados a uma empresa ou órgão público, tendo uma relação de vulnerabilidade por parte do indivíduo, elencando a necessidade de proteção por parte do Estado para com os que se encontram em situação de vulnerabilidade, fator que ensejou a criação da referida lei.
Assim, as relações de consumo, pautadas na proteção do consumidor, objetivando a harmonia social e a equiparação das relações consumeristas, possuem um caráter de atuação do poder público que busca criar e aplicar leis com base na vulnerabilidade do consumidor dentro da relação consumerista. Deste modo, temos que a atuação do poder público tem por base a proteção do consumidor e a sua prevalência em relação à empresa, objetivando a compensação da vulnerabilidade vivida pelo consumidor dentro das relações de consumo e ensejando a harmonização da sociedade.
Quando relacionamos o contexto encontrado nos princípios da lei geral de proteção de dados e os princípios estabelecidos para as relações consumeristas, temos que ambas buscam a compensação de uma relação de vulnerabilidade vivida pelos consumidores e por aqueles que dispensam seus dados às empresas. Deste modo, ambas as legislações são voltadas à proteção do indivíduo, tendo por base a construção de uma relação igualitária e equiparada, ensejando a participação do poder público para garantir que os dados e os direitos dos indivíduos sejam assegurados em suas relações.
As relações que envolvem a proteção de dados e as relações consumeristas são pautadas dentro da proteção dos direitos e garantias fundamentais de cada indivíduo, buscando a harmonia social e a compensação das vulnerabilidades vividas pelo ser humano em relação às empresas. A proteção de dados quando relacionada às relações consumeristas, em âmbito nacional, possui concordância com a legislação consumerista, ensejando a possível aplicação de suas determinações pelos órgãos de defesa do consumidor quando não for possível em órgão específico de proteção de dados.
A lei geral de proteção de dados, destarte o que se pode entender, não estabelece parâmetros apenas para o tratamento de dados virtuais, mas também o faz em relação aos dados obtidos e armazenados de forma física, por empresas e órgãos públicos. Esta proteção determina a manutenção do sigilo e dos direitos individuais dos cidadãos, elencando a possibilidade de responsabilização daqueles que se encontram em desconformidade com os ditames estabelecidos nesta legislação, caracterizando a proteção integral dos usuários dos serviços que necessitam da cessão de seus dados.
A referida lei tem por objetivo proteger todos aqueles que gozam de uma relação de vulnerabilidade quando contratantes de um serviço ou em contato com qualquer empresa que possa requisitar seus dados pessoais, determinando que o tratamento destes dados deve prezar pela dignidade da pessoa humana do usuário e da manutenção de seus direitos essenciais. Esta lei vai de encontro à necessidade social de adequação ao direito de privacidade dos indivíduos, tendo por base a proibição do uso irrestrito dos dados dispersados pelo usuário, objetivando a privacidade deste.
Quando aplicada às relações comerciais, temos que a cessão de dados dos usuários em transações comerciais é extremamente comum, ensejando a necessidade de aplicação da lei geral de proteção de dados nestes casos, tendo em vista a dupla vulnerabilidade do consumidor. Esta vulnerabilidade se encontra presente na relação consumerista e na relação de tratamento e armazenamento de seus dados, elencando a possibilidade de uso indevido destes dados, fator extremamente prejudicial aos direitos fundamentais do indivíduo presente na relação, buscando assim sua proteção nesta relação.
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[1] Bacharel em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC. Advogado. Pós-graduado em Gestão Pública pela Faculdade Suldamerica. Mestre em Gestão de Politicas Públicas pela Universidade Federal do Tocantins-UFT.. Professor da Faculdade Serra do Carmo. Servidor público federal.
Acadêmico de Direito – Fasec.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARCOS PAULO DE ARAúJO, . O consumo virtual e a proteção de dados: análise da incidência da LGPD nas transações consumeristas digitais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2022, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60282/o-consumo-virtual-e-a-proteo-de-dados-anlise-da-incidncia-da-lgpd-nas-transaes-consumeristas-digitais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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Por: Erick Labanca Garcia
Por: Erick Labanca Garcia
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