RESUMO: O presente artigo tem como objetivo mostrar como a biopirataria se instaura e permite uma distribuição desigual de lucros obtidos através dos recursos da Amazônia, entre os estados, grandes corporações multinacionais e comunidades indígenas, além disso, objetiva pesquisar medidas alternativas para dar espaço a globalização e promover o desenvolvimento sustentável associado à produção e comercialização de produtos da Amazônia, bem como os conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas, visando sempre a cautela para não degradar o meio ambiente. Partindo do método indutivo e dedutivo, pesquisa bibliográfica e análise de caso, percebe-se que os países que detém uma grande quantidade de riqueza de patrimônio genético da Amazônia e fornecedores de recursos biológicos precisam de uma nova estrutura legal, com fortes mecanismos de fiscalização, eficazes e suficientes para regular os contratos de bioprospecção e proteger o uso de recursos genéticos e o conhecimento tradicional, associando essas medidas a um ótimo ambiente de conservação.
PALAVRAS-CHAVE: Biopirataria. Conhecimento tradicional. Vegetais. Exploração.
ABSTRACT: This article aims to show how biopiracy is established and allows an unequal distribution of profits obtained through the resources of the Amazon, between states, large multinational corporations and indigenous communities, in addition, it aims to research alternative measures to give space to globalization and promote sustainable development associated with the production and commercialization of products from the Amazon, as well as the traditional knowledge of indigenous communities, always seeking to be careful not to degrade the environment. Starting from the inductive and deductive method, bibliographic research and case analysis, it can be seen that countries that hold a large amount of wealth of genetic heritage in the Amazon and suppliers of biological resources need a new legal structure, with strong inspection mechanisms, effective and sufficient to regulate bioprospecting contracts and protect the use of genetic resources and traditional knowledge, associating these measures with an optimal conservation environment.
KEYWORDS: Biopiracy. Traditional knowledge. Vegetable. Exploration.
1 INTRODUÇÃO
O grupo ETC (Grupo de Ação sobre Erosão, Tecnologia e Concentração) definiu o termo biopirataria como a "apropriação do conhecimento e dos recursos genéticos de agricultura e comunidades indígenas por indivíduos ou instituições que buscam controle de monopólio exclusivo (patentes ou propriedade intelectual) sobre esses recursos e conhecimento.
Convém citar que outra definição muito mais simples para a biopirataria “é roubo, ou apropriação ilegal de material genético sem o consentimento das partes interessadas”. Esta prática ilegal contribui para a destruição do meio ambiente e põe a biodiversidade em risco, não somente do Brasil, mas de todo o mundo.
A biopirataria permite uma distribuição desigual de lucros obtidos através dos recursos da Amazônia, entre os estados, grandes corporações multinacionais e comunidades indígenas.
A falta de uma divisão justa se torna uma apropriação indevida dos recursos naturais de um país que não participou da repartição dos benefícios gerados pelo uso dos recursos genéticos nascidos em seu território, esta prática viola as disposições da Convenção sobre Biodiversidade Biológica (CDB).
A Convenção sobre Biodiversidade Biológica (CDB), em conjunto com o Protocolo de Nagoya regulamentam o uso dos recursos naturais e busca prevenir a atuação da biopirataria internacionalmente.
O Brasil também promulgou a Le nº 13.123 de 20 de Maio de 2015 e os decretos legislativos que serviram para implementar as disposições da CDB. No entanto, essas leis são vagas, fazendo com que não sejam rigorosamente cumpridas.
Essa Lei, teve uma grande participação de setores como pesquisadores e indústrias, mas foi esquecido algo importante, o papel das comunidades tradicionais. Sendo assim, a exclusão dessa população em relação as atividades associadas a biodiversidade contradizem totalmente o que diz a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.
No Brasil, a retirada descontrolada de recursos naturais é uma ocorrência regular que ameaça a rica biodiversidade brasileira e cria injustiças sociais que contribuem para a pobreza entre as comunidades indígenas, consequentemente, o aumento da pobreza leva à corrupção.
A falta de melhores oportunidades dos povos indígenas acompanhada pela perda de recursos naturais permite o crescimento do comércio ilegal no Amazonas. As comunidades indígenas precisam vender animais e plantas para suprir suas necessidades de subsistência.
No entanto, nem toda exploração da biodiversidade de um país é ilegal ou é um caso de biopirataria. A bioprospecção é a exploração "legal" de biodiversidade para fins comerciais e pode ser visto como um incentivo para os países em desenvolvimento protegerem a biodiversidade e conhecimento enquanto desenvolve a biotecnologia.
Primeiramente este artigo irá apresentar uma visão geral dos impactos da biopirataria na Amazônia brasileira. Essa parte ilustra como a ilegalidade e a exploração da fauna e da flora colocam espécies em risco de extinção, e investigar o papel das comunidades indígenas.
Em seguida, será apontado como a estrutura legal internacional que regula a repartição de benefícios, como a CDB e o Protocolo de Nagoya, desempenham um papel importante na regulação da comercialização internacional de recursos genéticos. Neste decorrer considerasse como tais regulamentações afetam o aumento das atividades relacionadas à biopirataria.
Mais à frente, será discutido o papel dos direitos de propriedade intelectual como obstáculo para implementar a repartição de benefícios. Examina a linguagem de TRIPS e como isso entra em conflito com a CDB e o Protocolo de Nagoya, além de fornecer uma breve visão geral sobre como as patentes dos EUA e a lei de marcas registradas facilita a biopirataria ao permitir o registro de produtos nativos para a Amazônia brasileira.
Este artigo irá descrever a estrutura legal existente no Brasil e examinar as deficiências de suas leis atuais sobre contratos de bioprospecção e proteção da biodiversidade. Além disso, ele examina como a bioprospecção pode proporcionar a conservação da biodiversidade e o desenvolvimento sustentável.
Por fim, explica como mudanças na legislação vigente podem impedir a biopirataria, o que protegerá a rica biodiversidade da Amazônia, bem como as comunidades indígenas que dependem da floresta para sua subsistência.
2 BIOPIRATARIA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA
O Brasil possui cerca de 10% a 20% de toda a diversidade biológica de todo o planeta, mais do que qualquer outra nação. A floresta amazônica é o maior bioma do país, abrange aproximadamente 49% do território brasileiro e abriga diversas comunidades indígenas. (IBGE, 2022).
Diante de um país que está em processo de busca de desenvolvimento social e econômico, é possível observar o perigo que essas mudanças trazem para a biodiversidade e comunidades indígenas, já que todo o processo é realizado sem leis que os assegurem.
A biopirataria não abrange apenas o comércio ilegal de espécies de animais e plantas, mas também a apropriação ilegal e o monopólio do conhecimento das populações tradicionais brasileiras sobre o uso de recursos existentes no ambiente em que vivem.
Essa exploração resulta na perda de direitos de propriedade sobre os recursos naturais essenciais para os indígenas sobreviverem em suas comunidades. Além disso, contribui para a extinção de espécies ameaçadas e graves problemas ambientais.
Produtos e subprodutos derivados da biodiversidade amazônica são utilizados principalmente pelas indústrias farmacêuticas e de biotecnologia, um grande exemplo desses artefatos são os chamados “óleo verde”.
Apesar do aspecto muito lucrativo dessa atividade, o Estado explorado e as comunidades indígenas cujos conhecimento ajudou a indústria a encontrar e comercializar o óleo verde não recebem qualquer porcentagem dos lucros das empresas estrangeiras.
E assim se cria um círculo viciosa da biopirataria na floresta, onde pessoas físicas e jurídicas estrangeiras se beneficiam do conhecimento tradicional e compram os recursos necessários a um custo muito baixo. Uma fórmula muito simples dessa exploração se ergue diante dos seguintes elementos: conhecimento livre + recurso barato = milhões de dólares em produtos.
Anualmente, estima-se que o Brasil perde mais de US$ 5 bilhões com o tráfico de extratos de plantas nativas, madeira, animais silvestres e outros biológicos. Esse resultado se dá pela da falta de melhores políticas públicas ambientais e má aplicação da legislação existente. (ARAUJO, 2021).
Infelizmente, a maior parte dos recursos é obtida por meio da biopirataria, afastando a possibilidade do Brasil, juntamente com os indígenas e outras comunidades tradicionais participarem de uma divisão justa desses lucros.
2.1 Extração ilegal de plantas
A exploração descontrolada de plantas é responsável pela perda da biodiversidade amazônica. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) estima que milhares de plantas medicinais e madeira são exportados ilegalmente a cada ano.
Além disso, dois terços das plantas utilizadas pelas empresas farmacêuticas são provenientes de florestas tropicais.
Cientistas estrangeiros vieram ao Brasil a frente de uma ONG, supostamente para promover a conservação dos recursos naturais encontrados na Amazônia. Mas a realidade é que sob a ONG havia uma máscara que escondia a verdadeira vinda desse grupo, esses cientistas trabalhavam ilegalmente com as comunidades indígenas para catalogar plantas e suas capacidades medicinais e, em seguida, vendê-los para corporações estrangeiros.
O comércio de madeira é uma ameaça significativa para as florestas tropicais do Brasil. Os Estados Unidos, por exemplo, são o maior importador de mogno.
A extração excessiva desse tipo de madeira causa desmatamento. O desmatamento é resultado não só da extração do mogno em si, mas também o corte de árvores em áreas próximas do local de extração, devido à necessidade de espaços abertos para permitir o transporte das toras.
Esse desflorestamento causa alterações de habitat e, consequentemente, perda de biodiversidade. Ademais, além da madeira, muitas outras plantas são exportadas sem quaisquer medidas regulamentares.
As plantas nativas da Amazônia são amplamente utilizadas nas indústrias farmacêutica, cosmética, alimentícia e de pesticidas. Empresas estrangeiras obtiveram patentes para muitas plantas brasileiras.
Por exemplo, a Aveda, uma corporação norte-americana, tem uma patente sobre a "copaíba", uma árvore amazônica. A Merck Laboratories tem uma patente do "jaborandi" que contém a molécula "pilocarpina", que é um importante componente da medicina do glaucoma.
Na tentativa de evitar patentes internacionais de seus produtos naturais, o governo brasileiro criou uma lista com mais de 5.000 nomes genéricos dos recursos biológicos brasileiros e o enviou aos organismos internacionais para desencorajar o registro.
3 PARTICIPAÇÃO E CONHECIMENTO DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS
Um dos componentes da biodiversidade é o conhecimento tradicional. As tradicionais comunidades da Amazônia, como os povos indígenas, os "quilombolas" (descendentes de escravos africanos), e a população que vivem em pequenas comunidades ribeirinhas chamadas de ribeirinhos, dependem dos recursos naturais para sua subsistência.
Essa população realiza técnicas, não só de pesca e caça, mas também de como usar esses recursos naturais para fins médicos. Por esta razão, as comunidades tradicionais desempenham um papel fundamental no processo da biopirataria.
As comunidades tradicionais são vítimas e precisam de proteção especial contra a exploração. Além do mais, eles precisam ser capacitados e informados sobre suas importantes funções na conservação e no desenvolvimento sustentável das regiões em que habitam.
Essa participação das comunidades tradicionais na biopirataria ocorre de duas formas: seja porque seu conhecimento é roubado ou porque eles foram coagidos a vendê-los.
O conhecimento tradicional é a parte essencial da biopirataria porque para saber onde encontrar os recursos e o que pode ser usado deles, os exploradores precisam da ajuda das comunidades locais. Fazendo-se passar por cientista ou turista, os criminosos enganam as pessoas para obter informações.
As comunidades que habitam a Amazônia são amigáveis, simples e em sua maioria, não bem-educados, facilitando com que os chamados “cientistas” se passem como amigos confiáveis e extraiam informações que fazem toda a diferença na hora de produzir remédios e outros produtos da biotecnologia.
Outra dimensão do problema é a pobreza. Como as comunidades indígenas carecem de soluções financeiras, o único meio de sobrevivência é vender plantas, animais e o conhecimento sobre esses bens naturais para o comércio ilegal.
Ademais, as populações tradicionais são os principais contribuintes para o comércio ilegal de espécies ameaçadas de extinção devido ao alto nível de pobreza que essas comunidades enfrentam. A falta de recursos em tempo de seca, por exemplo, leva essas comunidades a vender animais selvagens por sobrevivência.
Alguns grupos têm a sorte de se tornarem mais bem informados sobre a valorização do conhecimento tradicional com a ajuda de organizações não governamentais ("ONGs"). Um bom exemplo é o caso da Natura que é uma empresa de cosméticos líder no Brasil.
No ano de 2007, o Ministério Público ajuizou uma ação civil em nome de uma tribo sobre a possível utilização de conhecimento tradicional não autorizado pela empresa. Esta ação é um passo na direção certa; entretanto, muito mais precisa ser feito para capacitar as comunidades tradicionais, como o empoderamento em forma de educação e as melhores infraestruturas.
As populações tradicionais em todo o mundo são vítimas de exclusão política, perseguição e muitas outras limitações, incluindo a falta de seus direitos civis. Suas atividades econômicas e de subsistência são cruciais para a proteção do meio ambiente.
Portanto, é extremamente importante respeitar os direitos humanos dessas pessoas para que possam viver suas vidas com dignidade. Eles precisam entender a importância de proteger seu conhecimento, seu habitat e a biodiversidade ao seu redor.
4 REPARTIÇÃO DE BENEFÍCIOS NO PANORAMA JURÍDICO INTERNACIONAL
O direito internacional desempenha um papel importante na proteção da biodiversidade. Como resultado da migração de animais entre continentes e plantas sendo comercializados em todo o mundo, o aumento do comércio internacional de biotecnologia criou uma interconexão entre a conservação da biodiversidade e os direitos de propriedade intelectual.
O valor econômico da biodiversidade pode ser medido por seu uso diverso de finalidade, alguns exemplos são: comércio de vida selvagem, ecossistema, serviços, agricultura e segurança alimentar. Portanto, existem uma série de tratados sobre o assunto.
A biodiversidade tem valor e é definida pelo direito internacional como "a variabilidade entre os organismos vivos de todas as fontes, incluindo, entre outros, ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte; isso inclui diversidade dentro das espécies e dos ecossistemas”. Essa definição abrange não apenas o valor intrínseco dos animais e plantas como organismos vivos, mas também o valor económico da biodiversidade.
As três fontes mais relevantes do direito internacional em questão são a CBD, TRIPS e o Protocolo de Nagoya. A CDB (Convenção sobre Diversidade Biológica) concentra-se principalmente na conservação da biodiversidade. Seus principais objetivos são a "repartição equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos" e a "proteção do conhecimento tradicional".
O TRIPS, por outro lado, é um contrato de direito de propriedade intelectual ("DPI") e suas disposições conflitam com a CDB, porque protege apenas os direitos de propriedade intelectual sem reconhecer a repartição de benefícios ou o conhecimento tradicional.
O desenvolvimento mais recente no contexto de repartição de benefícios é o Protocolo Nagoya que teve um atraso de 10 anos para ser ratificado. O Brasil finalmente realizou está ratificação em 4 de março de 2021, sancionado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro.
Esse protocolo versa sobre o acesso a Recursos Genéticos e o Direito Justo e Equitativo das Repartição de benefícios decorrentes de sua utilização à Convenção sobre Diversidade Biológica.
O principal objetivo do Protocolo de Nagoya é garantir que as partes do acordo estão adotando a disposição de repartição de benefícios da CDB.
Assim, há uma crescente consciência internacional de que a biodiversidade é indispensável para garantir a existência contínua de vida humana neste planeta. Portanto, a conservação é uma questão de sobrevivência e as práticas de biopirataria precisam acabar em todo o mundo.
4.1 A Convenção sobre Diversidade Biológica
A Convenção sobre Diversidade Biológica foi adotada em junho 1992, na Cúpula da Terra do Rio no Rio de Janeiro, Brasil. As partes que negociaram a convenção chegaram à conclusão de que a preservação da biodiversidade era uma "preocupação comum da humanidade".
Apesar das críticas à linguagem vaga da CDB, a Convenção tem vários conceitos ambientais positivos, ela incentiva o uso sustentável dos recursos naturais por meio de leis nacionais de conservação de seus Estados membros e prevê o reconhecimento do saber tradicional e sua relevância para conservação da biodiversidade.
Um dos artigos mais controversos da CDB é o Artigo 15, que fala acerca da repartição de benefícios. Esse artigo estabelece que a compensação deve ser dada pelo uso dos recursos genéticos de um país. Isso significa uma parte equitativa dos benefícios e resultados obtidos da utilização dos recursos genéticos ou do conhecimento tradicional associado a esses recursos deve ser compartilhada. Em outras palavras, o Sul facilita o acesso à biodiversidade para fins comerciais e a Norte deve pagar por isso.
Este é o tipo legal de biopirataria também conhecido como bioprospecção. O objetivo da provisão de repartição de benefícios é que os países ricos em biodiversidade possam fazer acordos de comércio para acesso a recursos genéticos.
Os Estados Unidos assinaram, mas não ratificaram a convenção. Suas principais objeções eram as provisões de propriedade intelectual, compartilhamento de benefícios e os requisitos para conservação doméstica. Ele detém muitas patentes de recursos genéticos localizados em outros países. Portanto, os EUA não têm interesse na repartição de benefícios, apenas no beneficiamento próprio.
4.2 Protocolo de Nayoga
Um dos objetivos mais importantes da CDB é o acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios previsto no artigo 15 da Convenção.
Ao reconhecer os direitos soberanos dos Estados provedores sobre seus recursos naturais, a Convenção estabeleceu que os Estados possuem autoridade para determinar o acesso a recursos genéticos em áreas dentro de sua jurisdição. Além disso, os Estados membros têm a obrigação assegurar a repartição dos benefícios derivados da sua utilização.
Os Estados Partes da CDB adotaram o Protocolo de Nagoya sobre acesso aos recursos genéticos e à repartição justa e equitativa de benefícios decorrente de sua utilização para a Convenção sobre Diversidade Biológica na décima reunião da conferência das partes, realizada em Nagoya, Japão, em outubro de 2010.
O Protocolo exige que suas disposições sejam implementadas por seus Estados Partes na legislação nacional. O principal objetivo do Protocolo de Nagoya é criar mais certeza e transparência para os provedores e usuários dos recursos genéticos de determinado país. No entanto, o sucesso também depende da adoção e aplicação de fortes legislação interna pelas partes no acordo.
Esse regulamento é um grande passo para acabar com a biopirataria porque essas transações devem ser feitas contratualmente, o que poderia garantir recursos econômicos usados para conservação e compensação do conhecimento tradicional.
A adoção deste acordo de repartição de benefícios ajudará as comunidades tradicionais e os países em desenvolvimento a superar a falta de proteção contra ameaças domésticas e internacionais.
5 INSTRUMENTOS DEFICIENTES DO ATUAL SISTEMA BRASILEIRO
Um dos maiores desafios do Brasil para combater a biopirataria no Amazônia é a falta de instrumentos jurídicos fortes que possam regular o acesso à biodiversidade. Há, no entanto, um grupo de leis federais que complementam a Constituição Federal.
A estrutura legal responsável por regular a pesquisa, o uso da biodiversidade e a repartição de benefícios é extensa. Todas as leis seguem a ratificação da CDB como mecanismos de implementação.
As regulamentações mais importantes são: Decreto 2.519/98, Lei 13.123/15, e Decretos 8.772/16, 4.339/02, 5.439/05. Este trabalho terá como foco a Lei 13.123/15 como principal instrumento legal abordando o uso comercial de recursos genéticos e conhecimento.
5.1 A Constituição Federal Brasileira
A Constituição Federal Brasileira é a lei máxima do Brasil e expressa os princípios e valores nacionais sobre a conservação da biodiversidade brasileira. Reconhece que biodiversidade pertence ao povo.
Os artigos relevantes da Constituição estabelecem diretrizes federais para a pesquisa científica, o direito à ambiente saudável, conservação ambiental e proteção de povos indígenas e conhecimentos tradicionais.
A disposição para pesquisa científica encontra-se no artigo 218, que prevê que "O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação”. O § 2º exige que esta pesquisa deve focar principalmente na solução do problema brasileiro e para o desenvolvimento dos sistemas produtivos nacional e regional.
O direito a um ambiente saudável no artigo 225 da Constituição garante a todos os cidadãos brasileiros "o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Esta disposição também incorpora o princípio do desenvolvimento sustentável e impõe ao governo "o dever de defender e preservar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras."
Adiante, no § 1º, II afirma que o governo é responsável pela preservação da "diversidade e integridade do patrimônio genético do País" e pela fiscalização de "entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético."
O direito dos povos indígenas à terra e aos recursos naturais está expresso no artigo 231. Ele reconhece a "organização social, costumes, línguas, crenças e tradições" dos povos indígenas brasileiros e protege seus interesses, bem como seus direitos originais às "terras que tradicionalmente ocupam”.
O § 1º explica que as terras tradicionalmente ocupadas são “aquelas terras em que os índios habitam permanente, aquelas utilizadas para suas atividades produtivas, as indispensáveis para a preservação dos recursos ambientais necessários para seu bem-estar e os necessários à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”.
Além do parágrafo 1º do artigo 231, o parágrafo 6º estabelece que qualquer exploração da riqueza natural dessas terras será "nula" e não produzirá efeito jurídico "exceto no caso de relevante interesse público da União, conforme disposições de lei.
Assim, o parágrafo 6º abre a porta para a legislação que permite a comercialização e o acesso à biodiversidade das terras ocupadas pelos indígenas.
A Constituição foi adotada em 1988 e estabeleceu normas federais para quaisquer leis que o Congresso sancione. De acordo com suas disposições, o governo tem a responsabilidade de seguir esses padrões para fins científicos. desenvolvimento, conservação da biodiversidade e proteção de pessoas.
Em 1994, o governo brasileiro ratificou a CDB e desde então, o Brasil promulgou várias leis para implementar a CDB em jurídico interno. A Constituição e outras leis criaram instrumentos e instituições governamentais para explorar a vasta biodiversidade do Brasil.
5.2 A insuficiência da Lei 13.123/15 na proteção do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais
A Lei nº 13.123/15, foi bem recepcionada por algumas categorias, por exemplo, os cientistas e indústrias farmacêuticas, pois houve uma grande simplificação em relação aos procedimentos legais que eram usados anteriormente, que praticamente inviabilizavam o acesso aos produtos naturais da Amazônia e os conhecimentos tradicionais do povo ao redor, em razão de obstáculos impostos à inovação e às patentes.
Essa lei é regulamentada pelo Decreto nº 8.772/2016, surgiu no ordenamento jurídico nacional com o objetivo de regulamentar o Art. 225, §1º, II e o § 4º da Constituição Federal de 1988; bem como o art. 1, art. 8, j, art. 10, art. 15, e art. 16, §§ 3º e 4º da Convenção sobre Diversidade Biológica.
De acordo com a nova lei, “os procedimentos e autorização prévia foram substituídos por um cadastro durante a fase da pesquisa e desenvolvimento tecnológico e por uma notificação antes do início da exploração econômica de um produto acabado ou material reprodutivo oriundos do acesso ao patrimônio genético do país e do acesso ao conhecimento tradicional associado. Ou seja, a repartição dos benefícios ocorre somente quando da comercialização destes produtos”.
Desde quando começou a vigorar essa lei é objeto de muitas discussões, principalmente por ser marco legal de acesso ao patrimônio genético, da proteção e acesso ao conhecimento tradicional e da repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade.
Diversos defensores dessa legislação, afirmam que nela existem vários estímulos para o desenvolvimento tecnológico associado a biodiversidade. Alegam ainda que essa lei tem o encalço de compatibilizar a proteção ao meio ambiente com as normas aplicáveis à questão da propriedade intelectual.
Outrossim, a legislação que antecedeu a Lei nº 13.123/15 obrigava a solicitação de autorização prévia para pesquisa. No entanto, atualmente essas exigências foram retiradas, eliminando os longos processos para o início da exploração da biodiversidade.
Apesar de algumas categorias recepcionar muito bem a edição dessa lei, a mesma traz um grande retrocesso relacionado aos direitos das comunidades tradicionais, quanto aos seus conhecimentos em relação a biodiversidade do local em que vivem.
É importante ressaltar que o processo de tramitação da lei em questão, foi realizado em regime de urgência, não dando importância as normas de direito internacional, especialmente a Convenção 169 da OIT (Organização Social do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais), que foi promulgada em nosso ordenamento jurídico por meio do Decreto nº 5.051/2004.
A referida Convenção é um tratado internacional e embora não compreenda caráter constitucional, possui força supralegal, ela visa a preservação dos usos, costumes e tradições dos povos indígenas, além de assegurar a essas comunidades o reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana.
A norma citada garante a população tradicional o direito de serem consultados quando ocorrerem medidas que possam afetá-los diretamente. Porém esse direito de consulta não foi observado no processo legislativo que deu origem ao marco legal da biodiversidade, o que já permite questionar a aplicabilidade e a própria validade da Lei nº 13.123/15.
Em relação ao conteúdo da lei, observa-se a valorização sobretudo dos aspectos econômicos, privilegiando pesquisadores e empresas, deixando de lado os aspectos sociais. No entanto, a intepretação dessa lei deveria ser em prol dessas comunidades indígenas, mas não é o que acontece.
Ou seja, a Lei nº 13.123/15, “embora fundamentada na proteção da natureza e dos conhecimentos tradicionais, abre a porta para o acesso barato aos capitais interessados em explorar a natureza e os conhecimentos tradicionais associados”, violando a Constituição Federal.
Dentre os pontos importantes que integram à biodiversidade, estão os conhecimentos tradicionais, eles são um patrimônio cultural brasileiro, além disso, os artigos 215 e 216 da Constituição Federal falam sobre esse direto à cultura.
Para mais, o artigo 2º da Lei nº 13.123/15, conceitua esses direitos culturais como sendo a “informação ou prática de população indígena, comunidade tradicional ou agricultor tradicional sobre as propriedades ou usos diretos ou indiretos associada ao patrimônio genético”.
Para que se tenha acesso a esses conhecimentos tradicionais, presumisse a necessidade de que haja um aviso prévio daqueles que os possui. Esses pressupostos podem ser comprovados de várias maneiras, como um termo de consentimento, registro audiovisual de consentimento e vários outros.
No entanto, esse consentimento é exigido apenas nos casos em que o conhecimento é de origem identificável. Porém há situações na qual esse consentimento é dispensável, como quando não há a possibilidade de vincular a origem desses saberes a pelo menos uma população. Apesar de ter essa segunda opção a importância da consulta e do consentimento prévio é incontestável.
Segundo os escritores Ribeiro e Brito, a evolução do ser humano só continua sendo possível, pois há uma relação com o ecossistema, através de estudos e utilizações dos recursos biológicos e naturais de onde se tira o que é necessário para manter a vida.
No entanto, essa relação foi se modificando, passou “a basear-se na prevalência do ser humano sobre os demais componentes da biodiversidade, e na objetificação da natureza, que possibilita uma atuação de dominação e exploração”.
Percebe-se, contudo, que a Lei nº 13.123, teve uma grande participação de setores como pesquisadores e indústrias, mas foi esquecido algo importante, o papel das comunidades tradicionais. Sendo assim, a exclusão dessa população em relação as atividades associadas a biodiversidade contradizem totalmente o que diz a Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.
Embora o conteúdo da lei mostre ter pontos positivos, ainda é possível observar a presença de alguns retrocessos quanto ao consentimento prévio em relação ao uso do conhecimento tradicional dos povos da Amazônia. Ademais, ainda há de se falar da repartição de benefícios, direcionando ainda mais o pensamento de que essa norma prioriza mais o caráter econômico do que o social.
Logo, o disposto na Lei nº 13.123 não faz jus aos objetivos que são trazidos em seus anunciados, mostrando-se insuficiente à proteção do patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade brasileira.
6 CONTRATO DE BIOPROSPECÇÃO
O termo biodiversidade refere-se à diversidade genética encontrada em populações, espécies, comunidades, habitats, ecossistemas e paisagens. Essa diversidade dos genes resultou, ao longo do tempo, não somente na enorme variedade de organismos que habitam o planeta, como também na grande diversidade genética dentro de cada espécie. (JUNIOR, Nilo. 2012)
Nos regulamentos existentes, ainda ocorrem diversos impedimentos á sua aplicação adequada, apesar da existência de um extenso corpo de regulamentações normativas sobre o acesso à biodiversidade. Sendo assim, todos os dispositivos que seriam para a proteção dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais, não são eficazes no Brasil.
Antes da promulgação da Medida Provisória nº 2186-16/01, revogada posteriormente pela Lei nº 13.123/15, a Associação Brasileira de o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (BIOAMAZONIA) celebrou um contrato de bioprospecção de três anos com a empresa farmacêutica suíça Novartis Pharmaceuticals. A empesa concordou em pagar à BIOAMAZONIA US$ 3 milhões de todo o mundo vendas.
A Novartis contratou o direito de criar produtos a partir de extratos de amostras biológicas, e que teriam o direito exclusivo de uso dos extratos por um período de dez anos após a invenção do produto.
A BIOAMAZONIA em troca receberia 1,6 milhões de reais por cada produto clinicamente testado, R$ 750.000 para cada patente registrada, R$ 500 mil no primeiro dia em que um produto fosse colocado no mercado, e um 1% (por cento) de todos os royalties durante um período de dez anos.
Os opositores do contrato alegaram que isso causaria sérios danos ao meio ambiente, também alegaram que se tratava de uma usurpação de conhecimento tradicional porque não previa investimento em conservação ou compensação para as comunidades tradicionais.
O acordo com a BIOAMAZONIA-Novartis viola o artigo 218 da Constituição, porque a pesquisa não está focando nos problemas brasileiros. Um dos grandes problemas enfrentado pelo Brasil é o esgotamento e a exploração generalizada da biodiversidade da Amazônia e, portanto, qualquer pesquisa científica tem que levar isso em consideração.
Críticos dizem que o acordo BIOAMAZONIAnovartis permite uma forma de biopirataria em larga escala na coleta e exportação de cerca de 30.000 amostras biológicas, autorizadas pelo governo por meio de decreto executivo. Além disso, o acordo não contribui para o desenvolvimento da ciência e tecnologia brasileira, impede o crescimento da pesquisa removendo os materiais que poderiam ter sido objeto de investigações científicas e impede a formação de cientistas brasileiros em novas técnicas contribuindo para a perda de oportunidades de trabalho e crescimento econômico do país.
Esse acordo também viola o artigo 225 da Constituição, porque o acordo não protege o meio ambiente ao permitir que a Novartis retire 30.000 amostras biológicas da Amazônia. 260
Após forte oposição pública chamando o acordo BIOAMAZONIAnovrtis de forma legalizada de biopirataria, o governo brasileiro rescindiu o contrato.
A problemática da legislação brasileira é um obstáculo para a criação de contratos que possam realmente beneficiar o Brasil e acabar com a biopirataria. Se os contratos de bioprospecção fossem bem estabelecidos, poderiam exigir que as partes estabelecessem fundos para a geração de empregos para cientistas brasileiros, remuneração para comunidades tradicionais e, o mais importante, destinar recursos para a conservação da biodiversidade.
Deve ser reconhecido o quão importante são as patentes e o incentivo que dão aos contratos de bioprospecção. Contudo, deve ser avaliada a adoção de medidas alternativas, combinando a proteção dos direitos intelectuais das comunidades ao redor da Amazônia, em relação aos conhecimentos tradicionais, com a CDB e os direitos intelectuais com a CDB e os interesses dos países fornecedores de recursos genéticos e biológicos. (BRITO. Nathalia.2012)
Por fim, conclui-se que nenhuma medida será eficaz e suficiente, se não tiver uma legislação nacional adequada para assuntos direcionados ao acesso de recursos biológicos da Amazônia brasileira. A soberania dos Estados sobre a riqueza de seu patrimônio biológico e genético, já está assegurado pela CDB, agora cabe a cada uma, fortalecer a fiscalização dos contratos de modo que a proteção da biodiversidade seja garantida. O meio pelo qual tudo isso pode ser feito é adequando a legislação conforme as peculiaridades e necessidades do país que detém esse tesouro chamado Amazônia.
7 CONCLUSÃO
A Amazônia brasileira é a maior região tropical intocada do mundo, devendo ser imprescindível a conservação da sua biodiversidade, tanto pelo governo brasileiro quanto pelas comunidades tradicionais que dependem dos recursos advindos da floresta para sobreviver.
Ademais, a melhor abordagem política para conservar a biodiversidade amazônica é dar espaço para a globalização e promover desenvolvimento sustentável associado à produção e comercialização de produtos da Amazônia, mas não deixando de lado a preservação dos ambientes onde se encontram esses artigos.
Portanto, o Brasil pode aumentar suas vantagens econômicas, através da exploração consciente dos recursos genéticos da Amazônia, visando sempre a cautela para não degradar o meio ambiente e além de tudo dar uma importância para o compartilhamento dos benefícios de maneira adequada, para evitar que a biopirataria e os direitos de propriedade intelectual coloquem em risco a biodiversidade da Amazônia.
Contudo, para que se cumpra os objetivos de repartição de benefícios da CBD e que seja alcançado um eficiente desenvolvimento sustentável na Amazônia, o Brasil precisa de uma nova estrutura legal, com fortes mecanismos de fiscalização para regular os contratos de bioprospecção e proteger o uso de recursos genéticos e o conhecimento tradicional associado a um ótimo ambiente de conservação.
8 REFERÊNCIAS
AMBIENTE BRASIL. Biopirataria na Amazônia. 2020. Disponível em: https://ambientes.ambientebrasil.com.br/amazonia/floresta_amazonica/biopirataria_na_amazonia.html Acesso em: 25 de outubro. 2022.
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CAMPOREZ, André. “As madeiras mais cobiçadas pelo mercado são mogno, jacarandá e ipê”; CNN Brasil. 2020. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/mogno-jacaranda-e-ipe-sao-as-madeiras-mais-cobicadas-pelo-mercado/ Acesso em: 25 de outubro.2022.
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QUIROZ, Luiz. “São uns Santos”; Capital Digital. 2019. Disponível em: https://capitaldigital.com.br/sao-uns-santos/ Acesso em: 25 de outubro. 2021.
Graduanda do curso de Direito pela Faculdade Metropolitana de Manaus (FAMETRO).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Cindy Brenda Correa dos. Biopirataria na Amazonia: a exploração não autorizada de vegetais para uso farmaceutico x a perda da propriedade do conhecimento tradicional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2022, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60294/biopirataria-na-amazonia-a-explorao-no-autorizada-de-vegetais-para-uso-farmaceutico-x-a-perda-da-propriedade-do-conhecimento-tradicional. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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