RESUMO: No Brasil, as condições econômicas permitem com que indivíduos tenham que tentar furtar alimentos para se alimentarem, na tentativa arriscada da manutenção da vida, submetendo a condições e atos que ferem o princípio da dignidade humana visto que se recorre como última ou pior alternativa mediante algo que não há escolha, senão ser radical para manter-se vivo ou sobreviver mais um dia. O furto famélico, no entanto, quando realizado em primeiro grau é aplicável a excludente de tipicidade, no qual pode-se aplicar o princípio da insignificância, onde não representa a mínima perturbação social e não representa alto custo. Assim, este artigo tem como principal objetivo analisar os casos em que o princípio da insignificância incide sobre os furtos famélicos. Justifica-se a pesquisa pela importância dessa temática perante a dificuldade socioeconômica que assola algumas partes do país, fazendo-se conhecer sobre as particularidades que trazem o ordenamento jurídico sobre esse assunto. Assim, o furto famélico por ser um furto realizado para suprir uma necessidade de manutenção da vida, levando-se os valores subtraídos pode ser aplicado o princípio de significância. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica realizada a partir da análise e reflexão de conteúdos encontrados nas bases de dados, revistas, teses, livros e no próprio ordenamento jurídico.
Palavras-Chave: Furto famélico. Insignificância. Princípio. Penal.
Sumário: 1. Introdução. 2. Código Penal: 2.1 Crime e aspecto relevante: 2.1.1 Fato típico; 2.1.2 Conduta; 2.1.3 Do Resultado; 2.1.4 Nexo Causal; 2.1.5 Tipicidade; 2.2. Condutas comissivas e omissivas; 2.3 Culpabilidade; 3. Furto: 3.1 Furto Simples; 3.2 Furto qualificado; 3.3 Furto Famélico; 4. Jurisprudência voltada para o furto famélico: 4.1 Furto Famélico nos tribunais; 4.2 Decisões em que a incidência do princípio da insignificância não se aplica. 5 Conclusão. 6. Referência.
1 INTRODUÇÃO
O país durante muitos anos vem enfrentando uma significativa quantidade de ocorrências que envolvem a criminalidade em diversas cidades do Brasil, podendo apresentar números lastimáveis, evidenciando o crescimento gradativo de todos tipos de crimes. A quantidade de crimes faz com que haja uma quantidade maior de repressão, no qual o Estado utiliza do seu poder para atuar, como principal intuito de conseguir alcançar a paz e a harmonia social, que resulta em prisões cada vez mais lotadas acima do que é suportado.
No entanto, algumas condições econômicas tem feito com que os indivíduos possam subtrair itens alheios para uso próprio ou para comercialização. Dentro desse tipo de furto voltado para gênero alimentício existe o furto famélico, que é quando o indivíduo furta alimento para saciar sua própria fome. Diante a isto, indaga-se: o que justifica a não punição por furto famélico pelo princípio da insignificância e a sua incidência?
Contudo há entendimento de que, quando o indivíduo furta para tentar suprir sua própria fome, este por sua vez já se encontra punido pela condição em que se encontra, no qual precisa se submeter a atos de risco para tentar alimentar para preservar a manutenção do seu próprio corpo. Com isso, o princípio da insignificância ou da bagatela que determina a não punição para atos ou condutas que representem danos irrelevantes para bem jurídico no qual rege o direito penal.
Diante a isto, este artigo tem como principal objetivo analisar os casos em que o princípio da insignificância incide sobre os furtos famélicos. Como objetivos específicos, busca-se descrever o conceito de furto famélico e suas interpretações nos tribunais; Verificar dentro do Código Penal as possibilidades de um furto famélico ser inimputável; Pontuar os casos em que o princípio da insignificância foi devidamente aplicado em ocorrência de um furto famélico e a apresentar outros casos ocorridos dentro dos Tribunais em que a pena sobre furto é aplicada mesmo o objeto de furto sendo alimentos.
Trata-se, portanto, de uma pesquisa bibliográfica no qual, foram realizadas pesquisas em revistas, livros, teses, leis, bem como na própria Constituição e no ordenamento jurídico que embasa o Direito Penal, para responder à pesquisa norteadora que direciona toda a pesquisa em epígrafe.
2 CÓDIGO PENAL
2.1 Crime e aspectos relevantes
Torna-se importante evidenciar que quando se pretende citar qualquer ato que é contrário à lei, facilmente pode-se relacionar com algo criminoso, ilegal ou ilícito, considerado também como uma contravenção ou delito, contudo nos termos jurídicos cada palavra possui um significado diferenciado. Essa diferenciação está relacionada com o que está discriminado no Decreto-Lei 3.914/41, junto ao seu art. 1º, que discrimina como crime toda e qualquer infração que a lei determina uma pena de reclusão ou detenção (BRASIL, 1941).
Pode-se citar com isso as concepções que adviriam do Código Penal Francês criado em 1791, que afirmava que os crimes retira vam das pessoas direitos naturais, bem como violavam também os direitos advindos de contratos sociais, como no caso de aquisição de propriedades, e traziam contravenções que infringiam os regulamentos de polícia (PRADO, 2005, p.255).
Em outros países assim como o Brasil, bem como na Alemanha e Itália há uma divisão bipartida das infrações no qual se divide em contravenções e crimes ou delitos. O que diferencia um do outro é exclusivamente a quantidade que está relacionada com a conduta e pena. Isso porque os crimes e delitos são punidos com penas que privam a liberdade, bem como pode restringir outros direitos sendo aplicados com multa, como descrita pelo art. 32 do Código Penal. Por outro lado, a contravenção que por sua vez é sancionada com prisão simples e multa, conforme decreto-lei 3.688/1941 denominada de Lei das Contravenções Penais (PRADO, 2005, p.256).
Dessa forma, as contravenções penais são consideradas como delitos-anões, que por sua vez são as infrações menos graves, composta geralmente por aquelas no qual são ofendidos bens jurídicos não importantes como no caso daqueles protegidos quando há uma figura típica de delito (GRECO, 2007, p.138).
No tocante da aplicação das penas, por sua vez as contravenções são puníveis com prisões simples, quando há casos de crime ou delito ocorre a prisão de uma forma mais diferenciada no qual há a prisão na modalidade de reclusão e detenção, conforme as instruções que estão presentes no art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal. No entanto, quando pretende-se referir sobre qualquer uma das duas formas, pode-se utilizar a expressão infração penal (GRECO, 2007, p.136).
De acordo com Delmanto (2007, p. 105), pode-se afirmar que para compreender o fenômeno chamado de “crime” se faz necessário entender como ocorreu a evolução das escolas criminais, como discrimina in verbis:
Para que se possa entender o fenômeno “crime” é indispensável além de se conhecer a evolução das escolas penais (Cf. notas no início dos comentários a este código) que se estabeleçam os conceitos fundamentais de Direito Penal em um Estado Democrático de Direito: o conceito de bem jurídico, conduta, tipo penal e antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade.
Dessa maneira, quando se fala de crime as principais palavras que podem descrever esse fenômeno são violência, roubo, furto, assassinato, agressão, no geral são palavras que remetem a emprego de comportamentos agressivos e com atitudes brutais, no qual utiliza-se força física ou violência emocional, no entanto não pode-se generalizar que o crime está presente com essas características, pois existem mecanismos de trazer danos a outros sem que possa usar a força física ou ser brutal.
Por outro lado, no tocante do que é caracterizado como crime, Capez (2007, p.113) descreve como algo que “[...] pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade ou paz social.
Assim, o conceito de crime está relacionado com o seu conteúdo ilícito, que por sua vez pode trazer danos à alguém ou ainda um certo desvalor social, visto que a própria sociedade através dos danos percebidos estabeleceu como algo que dever ser proibido pela lei penal (PRADO, 2006, p.235).
Entende-se que o conceito que se tem de crime está relacionado ao ilícito penal e vai contra os conceitos de altruísmo que por sua vez alimentam a sociedade em estado de paz profunda. Assim, mesmo sendo importante que as pessoas convivam em harmonia, e sendo necessário o bem para a manutenção da subsistência da sociedade, sem lei penal para proteger as pessoas, não haveria crime caso alguém atacasse outra pessoa, por causa do princípio da legalidade, por isso todos os crimes precisam estar discriminados por lei. Por isso, mesmo que um certo indivíduo cometa algo que é condenável pela sociedade e seu comportamento reprovado, se não tiver lei que acuse que se trata de um crime, tratará de um nada jurídico (GRECO, 2016, p.141).
2.1.1 Fato típico
Uma das principais características de um crime é justamente o fato típico, mas para ser considerado como tal, precisa primeiramente se fazer conhecimento sobre todos os elementos que fazem parte de um fato típico. Assim, alguns elementos precisam ser analisados para que possam ser considerados como crime, sendo eles: conduta, resultado, nexo causal e tipificação. De acordo com Capez (2004, p.108) pode-se afirmar que é considerado como “o fato material que se amolda perfeitamente aos elementos constantes do modelo previsto na lei penal”.
Com isso, Bittencourt (2008, p.258) discrimina da seguinte maneira o crime como fato típico:
Um modelo abstrato que descreve um comportamento proibido. Cada tipo possui características e elementos próprios que os distinguem uns dos outros, tornando-os todos especiais, no sentido de serem inconfundíveis, inadmitindo-se a adequação de uma conduta que não lhes corresponda perfeitamente.
Dessa mesma forma, Teles (2004, p.165) ressalta que a primeira característica de um crime é justamente ser considerado como um fato típico, sendo descrito através de uma lei penal. Para isso, precisa acontecer um fato que esteja exatamente discriminado perante uma lei penal incriminadora. Assim, para um ser considerado como típico precisa ter os elementos necessários, caso contrário é atípico. Dada a importância de ter um conhecimento mais aprofundado voltado para as circunstâncias e características estruturais que são: conduta, resultado, nexo causal e tipicidade.
2.1.2 Conduta
Entende-se como conduta a ação praticada ou a omissão desta, no sentido de ter uma finalidade. Como discrimina Capez (2008, p.108) quando afirma que uma “ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade”. No entanto, dentro desse tocante, a doutrina desenvolveu outras teorias voltadas para a ação, no qual pode-se citar: teoria causalista, teoria finalista e a teoria social da ação. Para a primeira, a vontade que causa uma modificação na conduta. Na segunda, o dolo e a culpa parte da conduta. Por outro lado, a terceira se apresenta como um elo entre a primeira e a segunda, mas nesta última o que mais importa é a relevância social da conduta, levando-se em consideração todo o fato jurídico, não isolando o delito em si.
2.1.3 Do Resultado
O segundo componente do fato típico é o resultado. Assim, este é composto por outras duas teorias no qual pode-se citar: teoria naturalística e a normativa. Para a primeira, o resultado ocasiona modificação no mundo exterior como uma consequência da ação voluntária humana (MIRABETE, 2004, p. 110).
Por outro lado, na teoria normativa afirma que todo crime traz uma lesão. Como discrimina Capez (2004, p.144) que “o resultado é toda lesão ou ameaça a um interesse penalmente relevante. Todo crime tem resultado jurídico porque sempre agride um bem jurídico tutelado. Quando não houver resultado jurídico não existe crime”.
2.1.4 Nexo Causal
Vale ressaltar que o nexo causal é o vínculo que existem entre o comportamento e o crime. Dentro dessa vertente, Leal (2004, p. 215) no qual pode-se afirmar que “entre o comportamento do indivíduo e o resultado criminal, o que deve ser devidamente demonstrado, configura o que se chama de matéria penal da relação de causalidade ou nexo causal”.
Dessa maneira, o nexo causal é uma ligação que existe entre o efeito e a causa, visto que atua como uma comprovação de que de fato teve lesão para outrem, mostrando-se como um prejuízo efetivo, que por sua vez é motivado por uma ação voluntária, negligência ou ainda por uma imprudência que por sua vez causou o dano.
2.1.5 Tipicidade
Entende-se como tipicidade o enquadramento que cerca a conduta humana ao tipo penal que está previsto em lei. Isto é, trata-se de uma forma ou moldura que envolve o crime penal. Com base nisso Barros (2006, p.203) afirma que a tipicidade é a descrição abstrata que discrimina o crime que foi cometido. Como por exemplo em crime de homicídio no qual o tipo legal está descrito como “matar alguém: pena- reclusão de seis a vinte anos”. Assim, torna-se adequado afirmar que a tipicidade é uma forma de adequar para pertencer a um enquadramento do que foi feito, gerando uma união entre a conduta da vida real e o tipo legal.
2.2 Condutas comissivas e omissivas
Para analisar as condutas dos crimes, pode-se primeiramente verificar o que é considerado como crime dentro do Direito Penal, que por sua vez possui correntes doutrinárias e jurisprudenciais voltadas para o entendimento sobre tal. Assim, o crime é considerado como um fato ilícito e culpável e que por sua vez, suas definições estão relacionadas como a sua ilicitude, antijuricidade e culpabilidade (BRANDÃO, 2019, p.45).
Dessa maneira, a conduta está relacionada com o fato típico que por sua vez está diretamente relacionado com o comportamento humano consciente e também voluntário que ocorre para uma determinada finalidade, isto é, uma exteriorização da vontade do indivíduo no momento do “fazer ou não fazer”, sendo que tem livre consciência dos seus resultados e efeitos, bem como consequências (ESTEFAM, 2017, p.89).
Ocorre que a maioria dos crimes trazem consigo condutas positivas, isto é, a indivíduo cometeu com interesse e vontade de cometê-los, para que de fato possa ter resultados lesivos para outrem, mas também há a conduta negativa, que no caso é quando o indivíduo age mas não com a intenção de prejudicar alguém, mas cometeu sem a intenção de lesionar, uma não ação, e que por fim também resulta em danos para outrem (JESUS, 2014, p.34).
Com isso Pacelli (2018, p.214) afirma que “a conduta pode ser vista por meio de um movimento positivo (conduta comissiva), perceptível pelos sentidos, ou decorrer de uma abstenção de atividade, isto é, de uma negação da ação (conduta omissiva)”.
Dessa forma, pode-se ressaltar que não podem ser consideradas como condutas os pensamentos, atitudes internas ou cogitação de algo que não chega a se materializar ou acontecer de fato. Além disso, há certos fatos ou atos no mundo que não são considerados também como condutas que possam ser passíveis de alguma punição, por causa das particularidades que envolvem esses fatos e suas respectivas características (GRECO, 2016, p.98).
2.3 Culpabilidade
Em tempos antigos, dentro do Direito Penal, para que fosse caracterizado como crime e aplicada a sua respectiva punição, bastava ter um nexo causal entre a conduta do indivíduo e o fato, no qual era consagrada a responsabilidade penal objetiva, como pode descrever Bruno (1984, p.24) nestes termos:
As condições da pena sacral e da vingança de sangue satisfaziam-se com o aspecto objetivo do fato punível. Bastava a relação de causalidade física, que prende o fato com efeito ao homem como sua causa, para determinar a responsabilidade. A pena recaía, então, sobre aquele que praticara o ato, fosse este voluntário ou não, existissem ou não as condições de imputabilidade, o que juntava na mesma categoria passíveis de pena ou sãos e os insanos ou imaturos penais.
Teles (1996, p.351) ressalta que esse era o Direito Penal que reinava entre os bárbaros no tempo antigo no caso do Direito romano primitivo, que era denominado também como Direito Penal do resultado. Com base nisso, sobre a culpabilidade Fragoso (1995, p.196):
A essência da culpabilidade está na reprovação que se faz ao agente por sua motivação contrária ao dever. O juízo de reprovabilidade já não teria por fulcro apenas a vontade, em seu sentido puramente naturalístico, como a teoria psicológica acreditava, mas sim a vontade reprovável, ou seja, a vontade que não deveria ser.
Dessa feita, pode-se afirmar que a culpabilidade está relacionada ao fato praticado por um indivíduo imputável que tinha todas as possibilidades de ter entendimento se seu comportamento era proibido pelo ordenamento jurídico, podendo ter agido de outra forma, mas optou atuar de forma contrária com o direito (TELES, 1996 p.358).
3 FURTO
O conceito voltado para o furto foi passando por alterações conforme a época em que aconteciam. Por exemplo, no Império Romano, as penas voltadas para essas práticas eram demasiadamente severas, principalmente nos casos em que os meliantes eram pegos em flagrante. No entanto, nos dias atuais no Brasil, dentro do ordenamento jurídico, o furto está previsto dentro do art. 155 do Código Penal, tendo principal característica a subtração de um bem que é de propriedade alheia, sua principal diferença do roubo é que ocorre de forma que não há violência e nem ameaça física.
Com base nisso, afirma Rebouças (2018, p.113) que:
O delito de furto, hoje, processado via ação penal incondicionada, obriga o delegado a instaurar o Inquérito Policial, obriga o Ministério Público a elaborar sua denúncia, havendo materialidade e autoria e obriga o juiz a decidir o caso apresentado, seja ou não essa a vontade da vítima.
3.1 Furto simples
Considera-se como furto simples aquele que ocorre de forma que não tenha obstáculos para acontecer pelo indivíduo que o praticou, isto é, um furto simples ocorre quando não há vestígios de sua atuação. Dessa maneira, quando acontece um furto no qual acomete-se a subtração de um pertence, mas não há arrombamentos ou qualquer outro rompimento de obstáculo, considera-se como um furto simples.
Dessa maneira, o furto está descrito no art. 155 do Código Penal, e tem como principal objetivo o patrimônio alheio, podendo ser como sujeito ativo ou passivo, isto é, qualquer pessoa pode ser autor ou réu. Ressalta-se ainda que em casos que o furto possa envolver mais de uma pessoa, trata-se de um concurso de agentes. Contudo, vale lembrar que é de relevância a consideração que permeia ao que foi furtado. Dentro dessa premissa, Nucci (2014, p.589) descreve que :” O direto penal não se ocupa de insignificância aquilo que a própria sociedade concebe ser de menor importância, deixando de considerar fato típico a subtração de pequeninas coisas”.
Com isso, o art. 155, do Código Penal ressalta nestes termos:
Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena- reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
§2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
§3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. Contudo, os tipos penais são denominados em dois tipos, sendo: I – primário; II – Preceito Secundário. O preceito primário está relacionado com a conduta proibida. Já o preceito secundário está relacionado com a cominação da pena descrita na conduta praticada (BRASIL, 1940).
Com isso, pode-se observar que o art. 155 apresenta traz consigo a punição relacionada ao que foi furtado, como objeto ou bem pertencente a outra pessoa, assim como classifica as formas e atribuições de cada pena. Faz-se necessário ressaltar que o art.155 tem como principal finalidade apresentar as respectivas penas e suas particularidades.
3.2 Furto Qualificado
O furto qualificado é considerado a modalidade que mais apresenta agravos. Visto que, nessa modalidade de furto é quando o autor aplica mais artimanhas, estratégias e diversas medidas para cometer o crime. Dentre os danos acometidos destaca-se arrombamentos em portas, janelas, bens, patrimônios, pois o intuito do autor é retirar todo o obstáculo que está impedindo de furtar ou causar a subtração. Enquanto que no furto simples, o crime é cometido por “oportunidade”, no furto qualificado o autor apresenta um preparo e um planejamento prévio para realizar o delito. Contudo, considerando-se os danos, torna-se mais fácil subtrair um objeto que esteja, por exemplo, em cima de uma mesa ou a vista do ladrão pois não requer estudo, apenas a atitude do autor, do que a outra modalidade que precisa de um comparsa e de instrumentos.
Dentro dessa vertente, Capez (2014, p.284) afirma que o furto qualificado:
Previsto nos §§ 4º e 5º §§ do art. 155 do CP, em rol taxativo, compreende as circunstâncias relativas aos modos de execução do crime de furto que lhe imprimem um cunho de maior gravidade. Há, assim, maior desvalor da ação criminosa, a qual deverá ser rigorosamente sancionada. Constituem qualificadoras objetivas, e se comunicam aos demais agentes, com exceção daquela de natureza subjetiva prevista no inciso II, qual seja, a do abuso de confiança. Basta a presença de uma das circunstâncias para que o crime se repute qualificado. Se presente mais do que uma qualificadora, a primeira servirá para qualificar o crime, elevando os limites mínimo e máximo da pena.
Diante isso, pode-se afirmar que o furto qualificado é o que apresenta prejuízos para as vítimas pois requerem instrumentos para realizarem os danos e, também pode requerer uma gravidade ainda maior por expor a vítima a um perigo, principalmente se existir a presença de outras ou mais pessoas. Dentro dessa visão, Masson (2018, p.379) afirma in verbis:
O aumento da pena se deve à maior reprovabilidade de que se reveste a conduta criminosa, bem como ao resultado provocado. Com efeito, seja pelo meio de execução empregado, que facilita a prática do crime ou acarreta maiores prejuízos ao ofendido (§4º), seja pelo resultado posterior, que afasta ainda mais o bem da vítima (§5º), o legislador entendeu que o crime há de ser mais gravemente punido.
Desse modo, o Código Penal (BRASIL, 1940), caracteriza como furto qualificado quando as seguintes características: a) destruição do obstáculo que impedia de realizar o furto; b) realização de fraude, com destreza ou escalada; c)uso de instrumentos como uma chave falsa; d)participação de mais de uma pessoa no ato ilícito. Considera-se furto qualificado quando ocorre a subtração de um veículo que estava em transporte de um Estado para outro, bem como para o exterior. Além disso, essa modalidade é empregada quando ocorre o furto de semovente domesticável de produção (BITTENCOURT, 2006)
3.3 Furto Famélico
De acordo com Bedin (2015, p.45) o furto famélico envolve a subtração de alimentos alheios. Dessa maneira, o autor afirma que para ter um conhecimento sobre o furto famélico precisa primeiramente obter conhecimento sobre a ideia de crime, passando-se a classificar os conceitos como formais e materiais, no sentido de diferenciá-los.
Lima (2012, p. 122) afirma que para compreender dentro do ordenamento jurídico o que é o furto famélico precisa haver uma relação com os fatos históricos que remonta desde os tempos da idade antiga junto do conceito histórico-sociológico envolvendo os direitos humanos, a dignidade da pessoa humana, bem como o direito à saúde, direitos voltados à alimentação, que por sua vez é considerada como fundamental para a vida.
Entretanto, há uma discussão que paira sobre o furto famélico que ressalta que precisa existir uma discussão mais aberta sobre essa modalidade. Diante disso, Ferreira (2017, p. 145) afirma que precisa existir uma diferenciação voltada para esse tema, que são:
· Questões jurídicas ligadas ao patrimônio, analisando algumas práticas ilícitas que podem ser confundidas com furto famélico;
· Salientando a relevância do ordenamento jurídico e as necessidades prioritárias de urgência com relação àquele que comete o crime;
· Crítica em relação à realidade social vigente e a desigualdade como motivos para a continuidade de questões ligadas a furtos de todos os gêneros;
· A posição da doutrina ne da jurisprudência.
Conforme realizada a análise do Código Penal (2011), descarta-se a possibilidade de ser compreendido como furto famélico quando o que for subtraído para a prática de outra conduta criminosa, que no caso seria a compra de entorpecentes. Em vista que, o furto famélico somente é visto como tal quando o seu objetivo é obter suprimentos básicos devido a uma necessidade humana.
Bedin (2015, p.34) ressalta ainda que para ser considerado como furto famélico precisa ter conhecimento de um princípio relevante que é o da intervenção mínima, que por sua vez, limita a atuação do direito penal, que por sua vez se apresenta como requisitado somente em situações específicas. O foco principal é direcionar o direito penal para a observância de casos em que ocorrem motivados por extrema necessidade.
Nessa nuance, Bittencourt (2006, p. 11) afirma que o direito penal traz questões em que as penalidades são analisadas para sua aplicabilidade. A ideia é priorizar a extrema necessidade deixando de ser visto como furto simples ou qualificado. Diante disso, o autor afirma que o princípio da intervenção mínima é justamente aquele que orienta e limita a penalização do direito penal.
No entanto, vale ressaltar que a existência do furto famélico não pode ser mantida e percebida como uma continuidade da prática, fazendo com que reduza a gravidade da prática. Visto que, em situações em que o indivíduo que foi lesado teve graves prejuízos, faz-se necessário compreender todo o contexto em que o furto aconteceu. Para isso também se observa o que foi subtraído, na tentativa de perceber se o bem furtado estava na posição de uso para somente ser usado para suprir uma necessidade (SÁNCHEZ, 2015, p.78).
4 JURISPRUDÊNCIA VOLTADA AO FURTO FAMÉLICO
No que tange a situação do agente, Masson (2012, p.99) descreve que precisa existir a observância voltada para as práticas de ilicitude do indivíduo autor do crime em outros momentos e situações. Uma das observações está no valor do bem furtado:
O Código Penal nada dispõe acerca do conceito de coisa de pequeno valor. A jurisprudência, buscando proporcionar segurança jurídica ao entendimento, estabeleceu o critério de que coisas de pequeno valor é aquela que o seu montante não supera o valor de um salário mínimo. Com isso, leva-se em consideração o tempo do crime e não a data da sentença. Por outro lado, na hipótese de crime, e não a data da sentença. Na hipótese de crime tentado, considera-se o valor do bem que o sujeito pretendia subtrair (MASSON, 2012, p.332).
Com isso, o Código Penal discrimina que não existe uma neutralidade quando se trata de furto famélico, contudo tenta taxar limites para que possa ser considerado como um ato movido por uma extrema necessidade humana. Para isso, leva-se em consideração o patrimônio da vítima.
4.1 Furto Famélico nos Tribunais
Dentro dos tribunais, a jurisprudência observa e classifica esses atos dentro da modalidade de furto famélico levando-se em consideração o total específico de um salário mínimo. Com isso, analisa-se as hipóteses de consequências econômicas para a vítima no tocante do valor e da dimensão da gravidade do furto que foi praticado, nestes termos:
CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. PEQUENO VALOR DA COISA FURTADA. IRRELEVÂNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
I. A aplicação do princípio da insignificância requer o exame das circunstâncias do fato e daquelas concernentes à pessoa do agente, sob pena de restar estimulada a prática reiterada de furtos de pequeno valor.
II. A verificação da lesividade mínima da conduta, apta e torna-la atípica, deve levar em consideração a importância do objeto material subtraído, a condição econômica do sujeito passivo, assim como as circunstâncias e o resultado do crime, a fim de se determinar, subjetivamente, se houve ou não relevante lesão ao bem jurídico tutelado;
III. Hipótese em que o bem subtraído possui importância reduzida, devendo ser ressaltado que o sujeito passivo recuperou o bem furtado, inexistindo, portanto, percussão social ou econômica.
IV. Não obstante o valor da res furtiva não ser parâmetro único à aplicação do princípio da insignificância, as circunstâncias e o resultado do crime em questão demonstram a ausência de relevância penal da conduta, razão pela qual deve se considerar a hipótese de delito de bagatela.
V. Orientação da Quinta turma desta Corte que fixou patamar para a aferição da insignificância do delito, que pode levar a conclusão iníquas, porque dissociadas de todo um contexto fático.
VI. Se o reconhecimento da irrelevância penal observa os critérios de índole subjetiva, a fixação de um valor máximo para a incidência do princípio da bagatela se apresenta, no mínimo, contraditória.
VII. Ausência de razoabilidade na fixação de valor para a averiguação da inexpressividade da conduta e ausência de lesividade penal, dissociado de outras variáveis ligadas às circunstâncias fáticas.
VIII. Recurso desprovido, nos termos do voto do Relator (STJ) – Resp: 1244828 RS 2011/0065308-2, Relator: Ministro Gilson Dipp, Data de Julgamento: 07/08/2012, T5- Quinta Turma, Data de Publicação: DJe 14/08/2012.
Dessa maneira, para que possa ser aplicado o princípio de insignificância pode-se levar em consideração a lesividade do furto para a vítima, podendo transformá-la em atípica, no qual analisa-se o que foi furtado, a condição econômica do sujeito passivo no momento que ocorre o furto, verificando-se também os motivos e circunstâncias que envolveram o crime, para que possa ser constatado se houve ou não danos, lesões e prejuízos ao bem jurídico tutelado.
4.2 Decisões em que a incidência do princípio da insignificância não se aplica
De acordo com levantamento realizado os meios bibliográficos bem como através da análise jurisprudencial, foi possível encontrar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal somo sendo a decisão majoritária, no qual evidencia o princípio da insignificância, sendo que conforme a exclusão da tipicidade material não haverá o crime de furto famélico. Pode-se citar o exemplo do que aconteceu em Minas Gerais, através da decisão do Ministro do STF Luiz Fux que, por sua vez, proferiu decisão através do Habeas Corpus 112262/MG, nestes termos:
Bens avaliados em R$91,74. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade, não obstante o ínfimo valor das res furtiva: Réu reincidente e com extensa ficha criminal constando delitos contra o patrimônio. Liminar indeferida. [...] ostentando o paciente a condição de reincidente e possuindo extensa ficha criminal revelando delitos contra o patrimônio, não cabe a aplicação do princípio da insignificância (STF, Habeas Corpus 112262/MG).
Cita-se também os casos que ocorreram no Tribunal de Santa Catarina em que os desembargadores não evidenciaram caso de miséria do agente para que cometesse o furto famélico no qual o valor que avaliado foi de R$ 600,00. Analisando-se a ficha criminal do autor do crime verificou-se que tratava-se de incidência no respectivo crime:
APELAÇÕES CRIMINAIS. TRÊS FURTOS QUALIFICADOS PELO CONCURSO DE PESSOAS, EM CONTINUIDADE DELETIVA (CP, ARTS 155, §4º, IV, C/C O 71, CAPUT). RECURSOS DOS ACUSADOS E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. 1. AUTORIA. CONFISSÃO, PALAVRAS DAS VÍTIMAS. IMAGENS DO SISTEMA DE MONITORAMENTO INTERNO.APREENSÃO DA RES FURTIVA EM PODER DOS ACUSADOS. 2 INSIGNIFICÂNCIA. CRIME QUALIFICADO E PRATICADO DE FORMA CONTINUADA. 3. ESTADO DE NECESSIDADE. FURTO FAMÉLICO. PROVA. 4. ARREPENDIMENTO POSTERIOR. VOLUNTARIEDADE. DEVOLUÇÃO APÓS ABORDAGEM POR FUNCIONÁRIO DO ESTABELECIMENTO VÍTIMA. 5. MAUS ANTECEDENTES E REINCIDÊNCIA. MIGRAÇÃO. 6. CONCURSO ENTRE AGRAVANTE E ATENUANTE (CP, ART. 67). CONFISSÃO ESPONTÂNEA (CP, ART. 65, III, "D"). MULTIRREINCIDÊNCIA. COMPENSAÇÃO PARCIAL. FRAÇÃO. 7. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO. QUANTUM DE PENA INFERIOR A QUATRO ANOS. REINCIDÊNCIA. 8 . DETRAÇÃO (CPP, ART. 387, § 2º). REINCIDÊNCIA. 9. PENA DE MULTA. CONTINUIDADE DELITIVA. CONCURSO (CP, ART. 72). 10. DEFENSOR DATIVO. MAJORAÇÃO DE HONORÁRIOS. TABELA DA OAB/SC. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO. 11. HONORÁRIOS RECURSAIS (CPC, ART. 85, §§ 1º E 11). ARBITRAMENTO POR EQUIDADE (CPC, ART. 85, § 2º E 8º). 1. As palavras das vítimas, no sentido de que reconheceram os acusados como os indivíduos que furtaram seus estabelecimentos; aliadas às imagens das câmeras de segurança que flagraram as ações; aos depoimentos judiciais dos policiais, de que ambos os denunciados foram encontrados na posse de res furtiva; bem como à confissão dos agentes, são provas suficientes acerca da autoria dos delitos de furto. 2. Ainda que o valor da res furtiva seja inferior ao do salário mínimo, não se reconhece a insignificância da conduta de agentes que furtaram os bens mediante concurso de pessoas e em continuidade delitiva. 3. É inviável reconhecer a configuração do furto famélico se não há prova de que os acusados estavam impossibilitados de trabalhar; de que os recursos auferidos eram insuficientes para adquirir comida; e de que não possuíam outro meio de saciar a fome que não fosse cometendo o delito. 4. Configura-se o arrependimento posterior se o agente subtrai objeto em um estabelecimento comercial e, antes de deixar o local, é confrontado por funcionários da loja, que mencionam ter ciência da ocorrência do furto, e por conta disso o acusado devolve a coisa subtraída. 5. Ostentando o acusado duas condenações definitivas caracterizadoras da reincidência, é adequada a exasperação da pena por conta de tais decretos apenas na etapa intermediária, não sendo inexorável a utilização de uma das condenações na primeira fase da dosimetria. 6. O aumento de pena decorrente do reconhecimento da multirreincidência deve ser superior à diminuição causada pela confissão espontânea; não se pode, porém,exasperar em 1/6 a reprimenda se são apenas duas as condenações pretéritas. 7. Deve ser fixado o regime inicialmente semiaberto ao agente reincidente condenado à pena não superior a quatro anos e que conta com circunstâncias judiciais favoráveis. 8. Se a fixação do regime inicialmente semiaberto dá-se em razão da reincidência do agente, e não por conta do tempo de pena imposto, é inaplicável a detração do art. 387, § 2º, do Código de Processo Penal para fins de abrandamento do sistema de resgate da sanção. 9. A pena de multa, no caso de crime continuado, deve ser calculada mediante o acréscimo da mesma fração imposta à sanção corporal; a regra do art. 72 do Código Penal é dirigida apenas aos concursos formal e material. 10. A remuneração do defensor dativo deve ser fixada de acordo com o labor desempenhado, o grau de zelo profissional, o tempo e o local exigidos para a prestação do serviço e a complexidade do caso concreto, sem a necessidade de vinculação obrigatória à tabela de honorários divulgada pela OAB/SC. 11. Faz jus à remuneração fixada de modo equitativo, em razão do trabalho adicional realizado em grau recursal, o defensor nomeado para atuar durante a instrução da ação que apresenta apelo. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. (TJSC, Apelação Criminal n. 0002011-72.2018.8.24.0019, de Concórdia, rel. Des. Sérgio Rizelo, Segunda Câmara Criminal, j. 09-04-2019).
Como pode-se observar nesse caso acima, os desembargadores não compreenderam que tratava-se de um furto famélico por causa das características que envolveu o crime, sendo percebido que o agente não estava em extrema miséria ao ponto de furtar algo para se alimentar, visto que as condições do agente possa evidenciar a impossibilidade de trabalhar do autor do crime. Evidenciando no entanto três furtos qualificados de maneira contínua delitiva, dando a entender para o tribunal que o agente não tinha o objetivo de apenas se alimentar.
Por outro lado, o Supremo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo aplicou o princípio da insignificância em um caso de furto famélico de acordo com o disposto no art. 155 do Código Penal como pode-se observar abaixo:
CRIMINAL. HC. FURTO QUALIFICADO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. ÍNFIMO VALOR DOS BENS SUBTRAÍDOS PELA AGENTE. INCONVENIÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. DELITO DE BAGATELA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO FAMÉLICO. ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese em que o impetrante sustenta que a conduta da ré não se subsume ao tipo do art. 155 do Estatuto Repressor, em face do pequeno valor econômico das mercadorias por ela subtraídos, atraindo a incidência do princípio da insignificância. II. Embora a impetração não tenha sido instruída com o referido laudo de avaliação das mercadorias, verifica-se que mesmo que a paciente tivesse obtido êxito na tentativa de furtar os bens, tal conduta não teria afetado de forma relevante o patrimônio das vítimas. III. Atipicidade da conduta que merece ser reconhecida a fim de impedir que a paciente sofra os efeitos nocivos do processo penal, assim como em face da inconveniência de se movimentar o Poder Judiciário para solucionar tal lide. IV. As circunstâncias de caráter pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não devem impedir a aplicação do princípio da insignificância, pois este está diretamente ligado ao bem jurídico tutelado, que na espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de incidência do direito penal. V. A res furtiva considerada - alimentos e fraldas descartáveis-, caracteriza a hipótese de furto famélico. VI. Deve ser concedida a ordem para anular a decisão condenatória e trancar a ação penal por falta de justa causa. VII. Ordem concedida, no termos do voto do Relator. (HC 62.417/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 19/06/2007, DJ 06/08/2007, p. 557).
Como no caso observado acima, pode-se perceber que o entendimento do Tribunal foi favorável a aplicação do princípio da insignificância por se tratar de um valor mínimo e que, por causa da natureza dos itens que foram subtraídos pode-se entender que o agente estava em extrema miséria pois subtraiu alimentos e fraldas, motivada por sua condição de miséria, junto do valor insignificante foi considerado como furto famélico sendo portanto anulada a decisão condenatória, bem como aconteceu na situação abaixo:
CRIMINAL. RHC. FURTO. TENTATIVA. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. ÍNFIMO VALOR DOS BENS. INCONVENIÊNCIA DE MOVIMENTAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. DELITO DE BAGATELA. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. FURTO FAMÉLICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. SENTENÇA CONDENATÓRIA CASSADA. RECURSO PROVIDO. I. Hipótese na qual o recorrente sustenta que a conduta da ré não se subsume ao tipo do art. 155 do Estatuto Repressor, em face do pequeno valor econômico das mercadorias que ela teria tentado subtrair, atraindo a incidência do princípio da insignificância. II. Mesmo que a paciente tivesse obtido êxito na tentativa de furtar os bens, tal conduta não teria afetado de forma relevante o patrimônio das vítimas, pois as mercadorias teriam sido avaliadas em valor aproximado de R$ 30,00, atraindo, portanto, a incidência do princípio da insignificância, excludente da tipicidade. III. Atipicidade da conduta que merece ser reconhecida, apesar de a paciente já estar sofrendo os efeitos nocivos do processo penal, uma vez que já foi condenada, estando o feito em grau de recurso, ressaltando-se a inconveniência de se movimentar o Poder Judiciário para solucionar tal lide. Precedentes. IV. As circunstâncias de caráter pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não devem impedir a aplicação do princípio da insignificância, pois este está diretamente ligado ao bem jurídico tutelado, que na espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de incidência do direito penal. V. A mercadoria considerada - alimentos e fraldas descartáveis -, caracteriza a hipótese de furto famélico. VI. Deve ser aplicado o princípio da insignificância à hipótese, cassada a sentença condenatória imposta à paciente pelo Juízo de 1º grau e anulada a ação penal contra ela instaurada. VII. Recurso provido, no termos do voto do Relator. (RHC 20.028/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 24/04/2007, DJ 04/06/2007, p. 377).
Mesmo o Tribunal verificando que há antecedentes na ficha do agente, verificou-se este estava em extrema miséria e também foram analisados os valores dos itens que foram furtados no qual pode-se aplicar o princípio da insignificância porque se tratava de um valor de R$30,00 , sendo então pesado na decisão o valor e os danos que foram causados. Constatou-se que se tratava de um furto famélico por ter alimentos e fraldas descartáveis, sendo, portanto, cassada a ação penal contra o agente.
5 CONCLUSÃO
De acordo com a pesquisa realizada pode-se observar nos casos apresentados e julgados dentro dos tribunais em epígrafe que o furto famélico anda lado a lado com o princípio da insignificância. Os casos em que foram aplicados este princípio estão relacionados diretamente com o valor estimado dos itens furtados, sendo que leva-se em consideração que se o valor for mínimo se comparado com o patrimônio da vítima e que não apresentou danos graves, como em situações de furto de alimentos por motivo de extrema necessidade humana.
Nos tribunais as interpretações são realizadas a partir de diversas variáveis, levando-se em consideração a incidência do agente, se o item que foi furtado era alimentício e para uso pessoal. Dessa maneira também passa-se a analisar nos tribunais os danos que a ação trouxe para os patrimônios, sendo analisado se houve caso de furto qualificado.
Diante a isso, entende-se que os tribunais observam os casos que o furto é decorrente de fatores sociais e econômicos, como nos casos de extrema miséria, sendo analisado se os itens a furtados puderam ser revertidos em espécie monetária ao ser vendidos. Com vista disso, o furto famélico ocorre somente quando há necessidade de se alimentar e a ultima alternativa é furtar algo para se alimentar, já que o agente não se dispõe de recursos financeiros para adquiri-los.
Por fim, como os casos de furto famélico não possuem uma previsão legal, cabe ao entendimento da Constituição Federal e aos princípios desta para orientar a não punibilidade. Resta ao Direito Penal a sua principal atribuição, a pena. No entanto precisa estar em concordância com o texto legal do Código Penal.
Assim, sugere-se para estudos futuros uma análise mais aprofundada do tema, no tocante da prática corriqueira motivada por um estado de mendicância crônico e enraizado por parte do indivíduo, no qual o furto famélico pode se tornar algo contínuo e o prejuízo que isso pode causar para o comércio. Além disso, a importância de políticas públicas voltados para atender os direitos humanos no sentido de atender pessoas moradoras de ruas que sentem necessidade de alimentos, direcionando mecanismos de como evitar com que essa prática seja cada vez maior, principalmente por causa da aplicação princípio da insignificância.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Gustavo Aguiar de. O princípio da insignificância nos casos de furto famélico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2022, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60327/o-princpio-da-insignificncia-nos-casos-de-furto-famlico. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
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