RESUMO: O avanço tecnológico aliado as mudanças socioculturais nos mecanismos de comunicação e expressão ocasionaram novas formas de violações de direitos, especialmente aos direitos de imagem. Frente a essa nova realidade, o Poder Legislativo procura adequar o ordenamento normativo e judiciário, tornando-o apto a analisar de forma efetiva as modernas demandas sociais. Frente a esse panorama, cabe elencar como representativa modalidade de violação de direitos individuais, o crime de pornografia de vingança, consistindo na publicação e disseminação de imagens - fotos e/ou vídeos - íntimos de terceiro sem seu consentimento. Na situação fática, há a exposição da intimidade do indivíduo, ocasionando consequências imprevisíveis, que podem passar por pequenas inseguranças até mesmo atentados contra a vida. Estas consequências podem atingir patamares extremos haja vista que, no mundo virtual, a informação se propaga com rapidez incontrolável. Os efeitos danosos infringidos às vítimas são imensuráveis, podendo atingir a esfera patrimonial e a extra patrimonial, em particular trazendo danos graves psíquicos à vítima. A autoria dos crimes tanto pode ser conhecida quanto desconhecida, entretanto, na maioria dos casos, trata-se de alguém próximo da vítima, ex companheiros que expõem ex companheiras, após o término de relacionamento motivado por vingança. Concretamente, embora tenha havido avanços na legislação procurando abranger esse novo crime, a mesma ainda tem sido insuficiente. Portanto, a mobilização social através de Organizações não Governamentais- ONGs se mantém ativas através de campanhas que auxiliam as vítimas desse crime, com soluções extrajudiciais, bem como mobilizando a sociedade em busca de novas soluções legais.
PALAVRAS-CHAVE: Direito. Privacidade. Pornografia de Vingança. Crimes Cibernéticos.
ABSTRACT: Technological advances combined with sociocultural changes in communication and expression mechanisms have led to new forms of rights violations, especially image rights. Faced with this new reality, the Legislative Power seeks to adjust the normative and judicial order, making it able to effectively analyze modern social demands. In view of this panorama, it is worth listing as a representative form of violation of individual rights, the crime of revenge pornography, consisting of the publication and dissemination of images - photos and/or videos - of a third party without their consent. In the factual situation, there is exposure of the individual's intimacy, causing unpredictable consequences, which can range from small insecurities to even attacks against life. These consequences can reach extreme levels given that, in the virtual world, information spreads with uncontrollable speed. The harmful effects inflicted on the victims are immeasurable, and can reach the patrimonial and extra-patrimonial sphere, in particular causing serious psychic damage to the victim. The authorship of the crimes can either be known or unknown, however, in most cases, it is someone close to the victim, ex-partners who expose ex-partners after the end of a relationship motivated by revenge. Specifically, although there have been advances in legislation seeking to cover this new crime, it has still been insufficient. Therefore, social mobilization through Non-Governmental Organizations - NGOs remains active through campaigns that help the victims of this crime, with extrajudicial solutions, as well as mobilizing society in search of new legal solutions.
KEY-WORDS: Right. Privacy. Revenge pornography. Cyber Crimes.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2. Da Pornografia de Vingança. 3. A superexposição da vítima e o alcance do ato criminoso em oposição à intimidade e privacidade do indivíduo. 4. Atual legislação em vigor aplicável ao tema. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo procura discutir a possibilidade de tutela efetiva da vítima em casos de crimes de pornografia de vingança (que corresponde, sem esgotar as possibilidades, a divulgação de imagens - fotos e/ou vídeos - íntimos de terceiro sem consentimento), onde a privacidade do sujeito sofre exposição ocasionando consequentes transtornos.
O trabalho procura esclarecer o eventual descaso com esse crime, o que acarreta sérios problemas individuais e sociais, haja vista que expor a intimidade alheia sem consentimento pode ocasionar consequências fatais.
Portanto, o estudo em questão objetiva aclarar que, embora os crimes que provocam danos físicos sejam extremamente temidos, urge avançar na salvaguarda, ou seja, compreender que os danos psíquicos ocasionados aos indivíduos podem ser tanto ou mais danosos.
Nesse contexto, o questionamento basilar do estudo é se, nos casos de pornografia de vingança, a tutela da vítima é, de fato, efetiva.
Assim, serão abordadas questões como a exposição da vítima, sua dignidade, o alcance do crime bem como suas consequências, a punição dos criminosos, e eventuais lacunas legais.
A revolução de costumes aliada aos avanços tecnológicos direciona o legislador a busca de adequação do ordenamento jurídico ao contexto social, dessa forma, se torna incumbência primordial do judiciário verificar e atualizar constantemente sua função de acordo com o caso concreto.
As consequências de tal crime vêm se tornando frequentes, indivíduos emocionalmente lesados inclusive ceifando a vida em função dos desdobramentos do crime tratado nesse trabalho e da amplidão alcançada pelo ato criminoso.
São inúmeras e imensuráveis as lesões causadas às vítimas, afetando tanto a esfera patrimonial, quanto e especialmente a extra patrimonial acarretando graves rompimentos psíquicos. Tal situação, no formato virtual, é de certa forma nova havendo pouco preparo jurídico para lidar com a questão. Portanto, questiona-se: Há tutela efetiva da vítima nos crimes de pornografia de vingança? O aparato Estatal ampara os danos causados às vítimas?
Buscando atender esses questionamentos serão analisadas legislações, doutrina e afins acerca do tema.
O primeiro capítulo do trabalho apresenta o conceito e a origem daexpressão “pornografia de vingança” assim como as motivações comumente identificadas da prática do ato e ainda as repercussões sociais.
O segundo capítulo demonstra a superexposição a que qual a vítima fica submetida bem como o alcance incomensurável do crime oposto à intimidade e à privacidade do indivíduo.
No terceiro capítulo procura-se apresentar o apanhado legal vigente aplicável ao tema, considerando sua efetividade à tutela da vítima, tanto de forma preventiva quanto repressiva. Explicitando a crueldade da exposição a que a vítima é submetida, e a ameaça real de lesões psíquicas irreversíveis, havendo a necessidade de tutela similar aos danos físicos comuns em outros crimes contra a vida.
Utilizando o método qualitativo e de revisão bibliográfica, aliado ao hipotético-dedutivo, pretende-se analisar diversas hipóteses, questionamentos e afirmações, objetivando, ao final, por meio da argumentação, confirmá-las ou criticá-las de maneira argumentativa. Para tanto, o presente estudo é realizado por meio de abordagem qualitativa, utilizando bibliografia consistente em legislação, doutrina e jurisprudência para alcançar sua conclusão referente a problematização exposta.
Abordando o objeto desta pesquisa jurídica de forma qualitativa, pretende se utilizar bibliografia relacionada, analisada e fichada na fase exploratória da pesquisa.
2. ORIGEM, CONCEITO E REPERCUSSÕES DAPORNOGRAFIA DE VINGANÇA
A revolução de costumes aliada aos avanços tecnológicos acarretou uma peculiar situação de vulnerabilidade dos indivíduos, em virtude da rapidez com que imagens e informações são compartilhadas na internet.
Nesse panorama, vem ocorrendo de forma recorrente a exposição de imagens fotográficas e filmagens íntimas sem o consentimento da parte exposta e, em função da velocidade de compartilhamento, a disseminação das tais, globalmente.
Ressalta-se que existem momentos em que a parte exposta autoriza sim as imagens fotográficas e as filmagens íntimas, porém, em 99% das vezes as devidas autorizações ocorrem em um momento no qual a parte exposta confia no seu/sua companheiro(a), pois existe um vínculo amoroso entre ambos, uma grande intimidade.
O problema nessa ocasião surge a partir do fim desse vínculo, pois automaticamente as filmagens/fotografias não são mais autorizadas, e infelizmente uma das partes não aceitando o término, opta por divulgar as imagens com o objetivo único de obter vingança.
Frente a esse contexto, houve a necessidade de adequação do direito brasileiro e para tanto, foi sancionada a Lei nº 13.718/2018 que altera o Código Penal para que houvesse a criminalização da conduta em questão, com base no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, inviolabilidade da honra e direito à privacidade.
A conduta tipificada foi nomeada como “Pornografia de Vingança", tendo em vista que a vingança representa um dos principais elementos que motivam o autor à prática do crime que consiste na publicação de material virtual íntimo sem consentimento, com o objetivo de expor a vítima perante a sociedade, tendo como palco a internet (em especial nas redes sociais).
O meio como as imagens chegaram ao autor do delito pode variar entre a captura com ou sem consentimento da vítima. Entretanto, a publicação sem consentimento configura o delito mesmo que a vítima tenha consentido na realização das filmagens e/ou capturas de imagens ou até mesmo as enviadas ao autor do crime.
Embora o crime geralmente seja praticado por ex companheiros, também pode ser materializado por terceiros desconhecidos da vítima, em caso de roubos de aparelhos eletrônicos, disponibilização para consertos ou invasão de sistema.
Dessa forma, é válido destacar que embora a nomenclatura, nem sempre o crime ocorre por motivos de vingança. E também, o crime podes ser materializado por diversos atores, entretanto, há predominância no âmbito feminino.
Assim, conforme pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública com o Datafolha, publicada no jornal O GLOBO3, o índice de violência contra a mulher ocorrida via internet cresceu de 1,2% das 1.051 brasileiras entrevistadas em 2017 para 8,2% das 1.092 mulheres que responderam ao questionário no ano de 2019.
Analisando os dados revelados em pesquisa, se torna viável compreender que a prática deste crime vem aumentando, e tem como vítima potencial o público feminino, que, nesse contexto, assume uma vulnerabilidade considerável.
As motivações pra realização da pornografia de vingança são diversas, entretanto, o alvo principal do autor do crime é exposiçãoda vítima ao constrangimento social e familiar. Existem situações onde ex companheiros (as), com rancor pelo fim do relacionamento, publicam conteúdos íntimos como forma de vingança. Existem situações em que um terceiro, de alguma forma, se depara com a mídia e compartilha por inconsequência ou maldade e, ocorrem também contextos em que o autor, conhece a vítima sem manter com ela um relacionamento estabelecido, entretanto, divulga imagens para constrangê-la.
Essa modalidade de “vingança” nada tem nada de nova, mas, com a dinâmica das redes sociais, obteve contornos de alcance e publicidade inéditos e, por isso, maior capacidade de causar lesão drástica às vítimas e, muitas das vezes, irreparáveis, apesar de o direito ao recebimento de indenização.
Enfim, as motivações são inúmeras e não seria viável, por esse meio, elencá-los. Haja vista que as motivações humanas são incógnitas, existindo um universo infinito de obscuridades.
Portanto, o Estado deve constantemente batalhar pela atualização de sua salvaguarda pela pessoa de forma preventiva e ou repressiva, em busca de soluções eficazes evitando, especialmente esse crime e ainda oportunizando a devida assistência às vítimas.
3. A DIMENSÃO DA EXPOSIÇÃO DO CRIME EM OPOSIÇÃO À INTIMIDADE E A PRIVACIDADE DO INDIVIDUO.
A tecnologia avançou muito rapidamente e com isso a sociedade digital está estabelecida, sendo informações e imagens compartilhadas através de diversos aparelhos em velocidade extremamente rápida. Computadores e smartphones interligados fazem com que conteúdos se disseminem globalmente em instantes. Dessa forma, nesse contexto, a exposição individual passa a ser vista comofato comum no âmbito social.
Assim, em um universo social em que o privado fica confundido com o público e aplicativos digitais tornam-se corrente mundial, se torna um desafio compreender o limite de exposição do outro.
Entretanto, privacidade, intimidade, honra e imagem, no Brasil, são valores protegidos e garantidos pelo artigo 5º, X, da Constituição Federal da República de 1988, segundo o qual:
“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” 5
Dessa forma, mesmo que atualmente haja uma crescente onda de compartilhamento de diversos momentos da vida individual em suas redes sociais e aplicativos, é essencial atentar para ocorrências de abuso que ultrapassem a liberdade de expressão e invadam o contexto privado alheio.
Publicações indevidas podem gerar abusos ou até mesmo crimes, considerando que as informações disseminadas em “rede” são mantidas, após o compartilhamento de uma imagem, uma gravação, o conteúdo pode ser espalhado de forma global e nunca mais ser deletado em definitivo.
Ainda, considerando a velocidade e alcance qualquer sujeito pode ter tido acesso ao conteúdo e salvo a publicação, tendo acesso infinito ao mesmo, o repassando e realizando um ciclo infinito.
Nesse panorama, levando em consideração amplitude de acesso à internet e, em especial, aos aplicativos, o alcance do conteúdo divulgado e do crime cometido é imenso.
Após a publicação do conteúdo, mesmo que seja retirado de forma integral da internet, todos os indivíduos que já tenham tido acesso à publicação, continuam tendo, razão pela qual torna-se quase impraticável controlar depois de divulgar na “rede”.
Sobre a amplitude de materialização do crime pode se dar de diversas formas: o criminoso pode divulgar, sem consentimento, imagens e/ou vídeos íntimos da vítima de forma direta ou em associação com o conteúdo pornográfico, ainda com informações de contato com a vítima, potencializando a exposição e a lesão.
Tal exposição ocasiona graves prejuízos por vezes não reparáveis, lesando de forma grave o direito à intimidade e a dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais garantidos pelo Constituição Federal de 1988 em seus artigos 5º, X e 1º, III.
“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” 5
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
O crime acontece no virtual, mas as lesões ocorrem no material, de forma real e concreta, em casos de suicídios, demissões, distanciamento afetivo e familiar, desenvolvimento de distúrbios psíquicos e dificuldades em se relacionar novamente. Pode ocorrer inclusive a necessidade de mudanças de domicílio e localização haja vista as repercussões e estigma imposto a sua existência.
Cabe salientar que em pesquisa realizada pela Organização EndRevengePorn em 2014, relativa a crimes virtuais foi destacado que as vítimas em crimes de pornografia de vingança, 90% eram mulheres, o que deixa evidente que este ato é praticado de forma predominante contra o gênero feminino.
Dessa forma, diante de uma sociedade patriarcal, as exposições, a humilhação, além de inúmeros sentimentos tendem a ser vivenciados como grande peso por meninas que apresentam enorme dificuldade de administrar tal situação. Diante do crime passam a desenvolver lesões psicológicas, que podem levar a pensamentos suicidas.
Conforme pesquisas da Campanha “End Revenge Porn” em 90% dos casos de revenge porn são mulheres, e 51% das sobreviventes (ou seja, que não cometeram suicídio) da pornografia de vingança tiveram pensamentos suicidas10.
Exemplificando o exposto a pesquisa relata que o crime corresponde a uma forma duradoura de abuso sexual, sendo que algumas respostas emocionais à pornografia de vingança são similares às respostas que ocorrem em pessoas que sofreram violência sexual.
Não é possível negar a superexposição a qual as vítimas são expostas, o imenso alcance do conteúdo divulgado sem consentimento, e ainda a quase impossível eliminação total de danos após a efetiva divulgação das informações.
Bem como a inegável lesão que fere de forma direta os direitos fundamentais como intimidade e privacidade salvaguardados pela Carta Magna de 1988, motivo pelo qual a devida atenção e efetividade devem ser garantidas na tutela das vítimas.
4. UMA ANÁLISE ACERCA DA EFETIVIDADE DA ATUAL LEGISLAÇÃO EM VIGOR APLICÁVEL AO TEMA
O estudo a seguir contempla uma análise sobre as implicações decorrentes do crime de pornografia de vingança para a saúde e a vida social dos vitimados. De acordo com o estudo realizado, resta à evidência da crueldade e à exposição preocupantes a que essas mulheres (já que em sua quase totalidade este ato é praticado visando o sexo feminino) são submetidas.
Tal como evidenciado, os prejuízos são diversos: desde a perda do emprego, passando pela rejeição da família e pela marginalização social até os sérios distúrbios psicológicos que, em casos não muito extremos, podem inclusive conduzir ao suicídio.
Assim sendo, o crime de pornografia de vingança constitui-se em uma violação dos direitos que são garantidos e protegidos pela constituição, como por exemplo, o direito à privacidade, o direito a intimidade, a honra e a imagem, conforme o artigo quinto, inciso X, da Constituição Federal do Brasil de 1988, que assegura:
“X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” 13
É necessário ressaltar que a popularização dos afamados nudes (material de cunho íntimo alvo de troca entre parceiros) e o mundo globalizado constituem-se em um conjunto assustadoramente fantástico para a contribuição do aumento do número de casos de mulheres vitimadas pela divulgação na internet de vídeos e/ou fotos íntimas sem sua autorização e de forma premeditada.
Ademais, o avanço da tecnologia, a velocidade incrível com que os conteúdos conseguem ser distribuídos e as facilidades oferecidas pelo universo virtual da atualidade acabam por fazer com que o material exposto ganhe um alcance cada vez mais exponencial.
Dessa maneira, consideram-se fatores como o fácil compartilhamento digital, a extrema velocidade de difusão dos vídeos e/ou fotos, assim como a imprevisibilidade das consequências, que muito provavelmente sejam de vulto catastrófico, resultantes do ato criminoso, pode-se presumir que o resguardo da vítima do crime de pornografia de vingança seja efetivo e que exista pronta atuação da legislação nestes casos de forma rígida e com resposta preventiva e repressiva.
Acontece que, enquanto inúmeros países mundo a fora, como Israel (2014), por exemplo, que já tipificava o crime de pornografia de vingança e davam condenação aos autores desse crime, no Brasil, até 2018, inexistia a tipificação com especificidade para o crime de pornografia de vingança, sem existir, inclusive, uma legislação penal que fosse capaz de acolher as vítimas desse crime e dar punição adequada aos seus autores.
Dentro deste contexto, até então as vítimas poderiam solicitar em seu favor alguns dispositivos legais como a Constituição Federal, reclamando danos morais por violação do seu nome, da sua imagem, da sua honra e da sua privacidade, que são direitos assegurados através do inciso X do artigo quinto da Constituição Federal do Brasil de 1988, e também pela violação a dignidade humana, que é um direito assegurado no artigo primeiro, da Magna Carta de acordo com o já exposto.
Para, além disso, dependendo-se da situação, ainda poderiam invocar o artigo 140 (crime contra a honra), o 147 (ameaça), ou o 158 (extorsão), contemplados todos no Código Penal Brasileiro.
Entretanto, os crimes de pornografia de vingança não poderiam, em sua totalidade, ser enquadrados através desses dispositivos, com exceção daqueles que também configurem estes crimes (além da pornografia de vingança).
Conta-se ainda com a Lei Maria da Penha (Lei número 11.340/2006) 16 além do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas, de forma igual, apenas os crimes que tenham uma relação específica com o conteúdo destas Leis e não somente a divulgação sem autorização de vídeos e/ou fotos íntimas.
Também existe a Lei número 12.737/2012, reconhecida como Lei Carolina Dieckmann (atriz vítima de compartilhamento de fotos íntimas na internet), porém, o teor dessa Lei não é específico a respeito do crime de pornografia de vingança já que não engloba a difusão do conteúdo em si, mas sim a invasão de equipamentos de informática.
Sendo assim, apesar da chegada da referida Lei em 2012, permanecia o Brasil órfão de uma efetiva e específica tutela, o que representava uma certa tranquilidade aos autores dos crimes de pornografia de vingança para praticarem as divulgações desprovidos de medo.
Simultaneamente, ficavam as vítimas cada vez mais amedrontadas e inconformadas, tendo que suportar além do trauma causado, a angústia de conviver com a impunidade do agressor.
Contando com este panorama, somente em 07 de agosto de 2018 que, finalmente, foi aprovado no Congresso Nacional o projeto de Lei número 618/2015, que dá origem a Lei número 13.718, que fora sancionada em 24 de setembro de 2018 e que fez a tipificação expressa do crime de pornografia de vingança e adicionou o novo artigo 218-C no Código Penal Brasileiro, que versa:
“Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática, – fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia: Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.”
A citada Lei contém ao total quatro artigos, e modifica o Decreto-Lei número 2.848 de 07 de dezembro de 1940 do Código Penal, transformando pública condicionada a natureza da ação penal dos crimes cometidos contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais, e ainda, revogando o Decreto – Lei número 3.688, datado de 03 de outubro de 1941, Lei das Contravenções Penais.
Dessa maneira, o crime de pornografia de vingança recebeu uma tipificação específica somente em 2018, demonstrando assim que o Estado possui uma preocupação maior com os crimes que produzem danos físicos do que com aqueles que geram efeitos psíquicos na vítima.
Entretanto, podem ser os danos psicológicos, em algumas situações, infinitamente mais prejudiciais que os danos físicos. Visto que, um ser com sua saúde emocional abalada geralmente vive em estado de sofrimento intenso e ainda, em não raras vezes, atentar contra sua própria vida e/ou a vida de outras pessoas.
Por este motivo, são merecedores de grande destaque e de uma tutela efetiva os crimes que venham afetar o estado psicológico e emocional do ser humano, contrário ao que se nota ser feito na prática pelo Estado.
É importante ainda expressar que, apesar de existir atualmente uma Lei típica específica para o crime de pornografia de vingança, se observa que a legislação não dá solução ainda para alguns problemas uma solução.
É possível mencionar, como exemplificação, o fato de inexistir regulamentação para a permanência de material indevido na internet e, embora o Marco Civil da Internet (Lei número 12.965/2014) 23 assegurar, no artigo 21, regulamentação para a retirada de alguns conteúdos, não estabelece definitivamente um prazo para tal retirada.
Art. 21. O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Também estas situações não são contempladas na Lei número 13.718/2018, criando dessa forma uma lacuna que dá margem para inúmeras dúvidas e algumas interpretações que são divergentes pelo judiciário no momento do julgamento.
Além do mais, inexiste em lei específica menções a um auxílio profissional psicológico às vítimas, assim como uma forma de reestruturar as suas vidas depois de terem sofrido com as consequências avassaladoras da divulgação indevida de seus conteúdos íntimos na internet.
Da mesma forma, inexistem políticas públicas que sejam eficientes e que abranjam de maneira eficaz a prevenção do ato ilícito, o que seria de fato essencial, visto que, como mencionado anteriormente, após o compartilhamento dos vídeos e/ou fotos, torna-se praticamente impossível que este conteúdo seja extirpado integralmente sem que este cause à vítima nenhum tipo de dano.
Sendo assim, nos resta com clareza que, embora já tenham ocorrido avanços na tipificação específica através da Lei número 13.718/2018, se tem ainda um imenso caminho para ser percorrido na intenção de que a tutela da vítima seja efetiva de fato.
5. CONCLUSÃO
Em concordância com o conteúdo apresentado no transcurso deste estudo, se pode concluir com imensa clareza o tamanho da gravidade das lesões ocasionadas nas vítimas pelos crimes de pornografia de vingança.
O avanço do uso da internet na sociedade atual trouxe consigo diversos benefícios para os usuários de boa-fé, como a facilidade para buscar novas informações, conhecimentos, oportunidades de emprego e também a própria comunicação.
No entanto, tal avanço também dá margem para criminosos abusarem da facilidade do acesso à intimidade, tirando proveito do constrangimento das vítimas por meio da rede mundial de computadores, sendo dificultoso para o sistema penal brasileiro processar e julgar tais casos.
Por esse motivo, são merecedores, os mesmos, de tutela efetiva e relevante destaque no ordenamento jurídico nacional.
Entretanto, tal evidência não representa motivo suficiente para o judiciário brasileiro que ainda permanece em estado de relativa inércia frente à ocorrência de tamanho dano e aos seus inúmeros desdobramentos na sociedade civil.
Também foi documentado que, muito embora exista desde o ano de 2018, uma legislação tipificada especificamente para tratar desse do crime de pornografia de vingança, a mesma necessita de soluções para a problemática aqui elencada.
Apresenta significativo destaque a contundente predominância do gênero feminino entre as vítimas como um claro reflexo do patriarcado da desigualdade de gênero, do aviltante machismo, da exploração nojenta da sexualidade feminina, e da objetificação da mulher.
De uma forma bastante evidente o crime de pornografia de vingança confirma a presença, de forma bastante enraizada, dos condicionamentos acima elencados na sociedade brasileira e a urgente e necessária erradicação plena dos mesmos.
Portanto, diante do aqui exposto, apresenta-se como essencial prevenir e reprimir de forma efetiva o crime de pornografia de vingança.
Também, é necessário que se faça a estruturação de uma rede de apoio às vítimas do crime de pornografia de vingança, havendo extremada relevância na necessidade de se implementar medidas estatais que oportunizem um auxílio no sentido da retomada da vida particular, social e profissional da vítima, colaborando de forma efetiva na superação do trauma e minimizando os danos ocorridos.
Observa-se que a implementação de maneiras que objetivem diminuir os danos ocasionados as vítimas e proteger pessoas vulneráveis são urgentes na sociedade contemporânea.
Pontua-se que a globalização trouxe uma alteração na maneira como as relações interpessoais e socais se estabelecem bem como a percepção de questões que são relevantes como o direito à imagem, o direito à honra, em umcenário em que o público e o privado parecem não ter uma divisão que seja claramente visível.
Portanto, identificar diferentes maneiras de apresentação e cometimento de crimes, atende as necessidades contemporâneas.
Ademais, é importante destacar o anseio por uma modificação e evidente melhoria nas relações humanas, quando indivíduos possam entender e exercitar os limites da privacidade dos indivíduos.
Dessa forma, espera-se que a sociedade, o Poder Legislativo e o Judiciário visualizem tal crime, como vários outros crimes que afetam a saúde física e psíquica dos seres humanos, merecendo ser conduzido com a mesma seriedade e severidade que crimes que geram danos físicos.
Que sejam ainda desenvolvidos muitos mais mecanismos com o objetivo da assegurar uma proteção no universo virtual que garanta à tecnologia a possibilidade de ser, cada vez mais e melhor, utilizada em benefício dos cidadãos e não contra eles.
Para finalizar, é nosso desejo através deste estudo, que a sociedade encontre uma maneira de sentir-se sempre mais segura e que cada vez mais aconteça a criação e a colocação em prática de políticas públicas com a finalidade de fazer os indivíduos entenderem que a evolução tecnológica precisa ser utilizada com fins benéficos e não pode, em hipótese alguma, ser usada com o objetivo de causar malefício às pessoas.
6. REFERÊNCIAS
ARRAES, Bruno; CARVALHO, Marcela Melo de. Suicídio e pornografia de vingança.Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/58248/suicidio-e-pornografia-de-vinganca>.Acesso em: 01 out. 2022.
BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 20 nov 2022
______. Código Penal Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 03nov 2022
______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em: 03 nov 2022.
______. Lei 11.340/200. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 03 nov 2022
______. Lei 12.737/2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm>. Acesso em: 03 nov 2022.
______. Lei 12.965/2014. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 04 nov 2022.
______. Lei nº 13.718/2018. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13718.htm>. Acesso em: 20 nov 2022.
BREGINSKI, Katrin Abdalla. Pornografia de vingança: o que é isso? Disponível em:<https://direitofamiliar.jusbrasil.com.br/artigos/597009198/pornografia-de-vinganca-o-que-eisso>. Acesso em: 01 nov 2022
CARVALHO, Grasielle Borges Vieira de; SALGADO, Ana Letícia Santiago Reis;
SANTIAGO, Brunna Rabelo. Pornografia da Vingança: uma morte em vida – reflexões edesafios no Brasil. Disponível em: <https://eventos.set.edu.br/index.php/sempesq/article/view/4363/1410>. Acesso em: 20 nov 2022.
CYBER CIVIL RIGHTS INICIATIVE: Statistics. Disponível em:<https://www.cybercivilrights.org/wp-content/uploads/2014/12/RPStatistics.pdf>. Acesso em:20 nov 2022
EHRENKRANZ, Melanie. Precisamos estudar os efeitos do pornô de vingança na saúdemental. Disponível em: <https://gizmodo.uol.com.br/porno-de-vinganca-saude-mental/>.Acesso em: 20 nov 2022.
FERREIRA, Paula. Perseguição. Pornografia de vingança. Ofensa sexual. A violência contraa mulher cresce nas redes. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/sociedade/celina/perseguicao-pornografia-de-vinganca-ofensa-sexual-violencia-contra-mulher-cresce-nas-redes-23506835>. Acesso em: 02 nov 2022
LIMA, Geraldo Alves; SILVA, Paula Cinthia de Oliveira. Pornografia de Vingança: umadescrição da Lei 13.718/201. Disponível em: <https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/direito/pornografia-vinganca-uma-descricao-lei-13718-2018.htm>. Acesso em: 05nov 2022.
Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Diomedes Reis da Silva. A efetividade da tutela da vítima nos crimes de pornografia de vingança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2022, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60367/a-efetividade-da-tutela-da-vtima-nos-crimes-de-pornografia-de-vingana. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.