MARCUS VINICIUS DO NASCIMENTO LIMA [1]
(orientador)
RESUMO: Perante o cenário de pandemia da Covid-19 no Brasil, faz-se uma análise acerca do período de calamidade do sistema de saúde pública e a responsabilidade da figura do Presidente, o líder do Estado democrático, responsável pela ordem pública e proteção dos interesses da sociedade. Por meio de uma linha do tempo evolutiva, analisa-se a formação do Estado, os meios de governo e como se apresentam no cenário histórico. Além disso, acompanha-se a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a atribuições do Estado brasileiro contemporâneo em contraste com as ações diretivas do líder de Estado durante a pandemia. Dessa forma, relacionando as delimitações da Constituição Federal com os atos do líder democrático, é revelada a sua negligência ou inércia. Quanto à metodologia, utilizou-se do método dedutivo, partindo de premissas generalistas para as especificas, pesquisa documental e bibliográfica, com parâmetros descritivos e comparativos.
Palavras-chave: Pandemia da Covid-19. Direitos e garantias fundamentais. Direito a saúde. Líder de Estado.
Sumário: 1. Introdução – 2. Institucionalização e Evolução do Estado. 3. A figura do líder de Estado e os meios de Governo. 4. A Constituição de 1988 e os Direitos e Garantias Fundamentais. 5. Pandemia da Covid-19 e o Impacto no Estado Democrático Brasileiro. 6. Conclusão. 7. Referências
1INTRODUÇÃO
Ao se tratar do Estado democrático de direito, deve-se analisar um grande circuito que se subdivide em diversos poderes, cada qual com sua competência e obrigações. Todavia, uma figura é fundamental para o Estado em si, o seu líder, a posição de liderança existe desde as primeiras civilizações, tal como a figura dos imperadores, reis, chefes de tribos ou até mesmo líderes de grupos nômades, sua função apesar de não ser única e/ou específica, verifica-se que nesses coletivos exemplos, o que converge é a coordenação e representatividade de seus subalternos. Contudo, como proceder quando o líder de Estado se distancia da sua competência primária?
Pois bem, o presente estudo parte de um debate político-social que é levantado no seio da comunidade brasileira a fim de entender se as competências atribuídas ao Estado, mais especificamente ao gestor do Estado democrático brasileiro estão sendo (ou não) cumpridas.
Há entre os pensadores do campo da ciência política, duas vertentes de destaque da formação social nomeada de Estado, sendo essas: a formação naturalista e a contratualista. Na primeira corrente o homem busca no agrupamento humano a sua proteção, fortalecendo o grupo utilizando do instinto de sobrevivência para garantir a autopreservação, enquanto no segundo ramo, existe uma premissa contrária a primeira, o homem como um ser selvagem e de instinto agressivo, se vê em constante ameaça pela natureza e pelos seus semelhantes, logo para seu bem ele entra em um acordo comum de coexistência, iniciando o contrato social.
Sucede que após o estabelecimento das comunidades primordiais, é possível citar as variações nas formas de liderança das instituições sociais, derivadas dos agrupamentos humanos, tais quais: o reinado, a tirania, a aristocracia, a oligarquia, a politeia e a democracia.
O reinado com grande destaque nos continentes europeus; a tirania, caracterizada pelo uso absoluto da força (o poder principal do estado); a aristocracia e a oligarquia, que se destacam pela distribuição do poder para um grupo específico, porém se diferenciam em certos aspectos, uma vez que a aristocracia se funda na finalidade de satisfação coletiva e bem estar comum e a oligarquia pela concentração do poder e da vontade em um grupo, o que pontifica o egocentrismo da elite; a politeia e a democracia por fim são a base do sistema de governo comum presente no Brasil, que inspiram os estados moderno, buscando a satisfação popular, como também trazendo direitos básicos que auxiliem o todo ao qual se governa.
Ao que sucede o processo evolutivo do Estado, temos como ponto subsequente um marco da delimitação do Estado democrático de direito brasileiro, o surgimento da constituição brasileira de 1988, o estabelecimento dos direitos e garantias fundamentais que salvaguardam fundamentos básicos que se firmaram ao longo do processo evolutivo social, como os direitos de primeira, segunda e terceira geração, assim firmam-se os valores fundamentais a serem priorizados pelo Estado brasileiro, atribuindo deveres de tutela de tais valores.
Ao nuance geral das ideias apresentadas, tem-se como ponto de colisão a questão do dever ser, que é cobrado da figura do líder de estado paralelo aos direitos fundamentais. Assim ambas as bases teóricas já determinadas colidem com a postura do líder do Estado democrático brasileiro, onde sua nítida descrença aos meios iniciais de combate a pandemia da Covid-19 se afastam dos princípios básicos expostos, tal qual o fundamento constitucional que determina o Estado resguardar a saúde publica, instaurando-se um conflito entre a função primordial do líder e as ideologias de um indivíduo dotado do poder de gestão comum, iniciando a ruptura da base de governo brasileiro.
Em síntese, o estudo se orienta por meio da metodologia narrativa, que se utiliza da coleta de dados e fatos, de forma descritiva, a fim de submeter uma análise de determinado fenômeno por comparação ou fundamentação de tais dados.
2 INSTITUCIONALIZAÇÃO E EVOLUÇÃO DO ESTADO
O Estado é visto como uma entidade ou persona sem forma física que surge por meio do agrupamento social, a fim de manifestar, manter ou conduzir um agrupamento de indivíduos para a ordem. Não há marco específico que date o início da figura do Estado, sua formação tal qual o direito surge conforme a necessidade dos indivíduos que o institucionalizam.
O autor Lipson (1976) defende em sua obra “Os grandes problemas da ciência política” a formação do Estado como oriunda de uma necessidade do homem, mediante uma avaliação histórica de suas condutas. Para o autor, o Estado é derivado do medo humano, o indivíduo se vê sozinho, desamparado e impotente perante a natureza, por isso, o homem busca entre seus semelhantes uma forma de suprir tais percalços, assim, utilizando-se do agrupamento esses indivíduos passam a exercer por meio da força coletiva a sua proteção.
Diante da ideia principal o autor pontifica que a formação da figura “Estado” se inicia com tal elemento chave, a proteção, mas não somente reunir um grande número de pessoas dá origem a formação do estado, o autor quer ressalvar o aspecto do nomadismo, onde expõe que as poucas possibilidades de recursos humanos afetavam os grupos que eram migratórios e buscavam por recursos até adquirirem a capacidade de semear, pescar e caçar, bem como levantar construtos para a proteção e assim a formação do que se pode comparar as primeiras tribos. Tais pontuações permitem concluir que a finalidade do estado em si, não somente vem do homem de se proteger, propriedade e os entes aos qual este se vinculou.
Perante as escolas contratualistas, Lipson (1976) defende a existência de um paralelo comum entre as ideias de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, justificando que os três autores partem do mesmo marco social, qual seja, de que o homem é fruto da natureza, um ser que vive em condições de livre capacidade, sem que encontre limitações e faça fruto de qualquer recurso ao seu alcance. No entanto, para cada autor o contrato social possui uma finalidade diferente.
Por isso, Lipson (1976) distingue o pensamento dos autores. Para o primeiro, Thomas Hobbes, o homem é um ser selvagem e vil, que precisava da figura do estado para conter seus impulsos, pois é necessário que se faça um ser com força e capacidade maior que qualquer outro homem para conter os seus impulsos selvagens, com o grande jargão "homo hominis lupus" ou "o homem é o lobo do homem" ele propõe que a sociedade pode ser comparar com uma matilha, onde a figura do estado seria como uma força maior ou superior capaz de trazer ordem e manter seus impulsos sobre controle, sendo assim a sua visão de estado é soberano e vertical, onde somente da força desigual gera a ordem, pois não há quem possa competir diretamente com a força do Estado.
Complementando seu pensamento, Lipson (1976) coloca que para Locke, a função do contrato social é uma forma de proteger os direitos naturais do indivíduo, direitos estes como a vida, liberdade e até mesmo a propriedade.
Dessa forma, tais direitos nasceriam com o homem, porém se perderiam com a individualização de recursos. Portanto, a determinação do contrato social seria uma garantia para o indivíduo que inserido no Estado não sofreria violação dos seus semelhantes no tocante a sua propriedade.
Em último caso, a defesa para a ideia contratualista de Rousseau é bem determinada com sua frase “O homem nasce bom, mas a sociedade que o corrompe”, assim transmite a ideia de que o homem em seu estado natural não é um ser mal, mas sim um ser comum que usufrui da natureza, mas com o surgimento da privatização o indivíduo passa a competir e lutar por posses, procedente a isto o Estado vem com o intuito de combater a desigualdade social, nascendo de uma vontade coletiva, firmada de forma unânime ou por força da maioria comum, tal qual a democracia moderna o estado e sua capacidade é um reflexo da necessidade ou acordo de vontade coletivo (LIPSON, 1976).
3 A FIGURA DO LÍDER DE ESTADO E OS MEIOS DE GOVERNO
O líder de Estado pode ser uma pessoa ou grupo que por finalidade compete a aplicação das medidas necessárias ao meio social, mas seu poder ou interação com o povo varia conforme o regime ao qual este se encontra.
A monarquia ou o principado tratava-se de uma forma de governo bastante comum na idade média. Este regime de governo é bem explorado por Maquiavel (2018) em sua mais aclamada obra: “O Príncipe”.
O autor na obra citada trata da figura do regente, ao qual tem por meio da linhagem uma garantia de poder e, é neste líder de estado que se concentra as capacidades de execução do regime interno do estado (poder executivo), bem como a formação de leis e taxação de impostos (poder legislativo).
Maquiavel (2018) pontifica que a figura do príncipe apesar de ser dotada de poder necessita ter ponderação e cuidado com suas ações, pois caso utilize de força abusiva e irregular perderia o apoio popular e se inversamente satisfizesse totalmente ao povo, não seria capaz de atender as necessidades circunstanciais, individuais ou coletivas, pois podem ser conflitantes, logo é essencial que o príncipe tenha um controle de agrado social e aplicação de medidas necessária.
Por sua vez, Aristóteles (2019) elabora em sua obra “Política” várias vertentes em seu raciocínio referente aos meios de governo, sendo a vertente aristocracia, formada pela concentração de poder em um grupo específico, que se voltava para a sociedade e buscava entender suas necessidades e aplicar a satisfação popular, todavia, caso o poder desse grupo se corrompesse e voltasse contra o povo, se tornaria uma oligarquia.
Em outra tese, Aristóteles (2019) entende que o poder concentrado nas mãos de um único indivíduo resulta na monarquia ou no viés da tirania, onde para distinguir tais variantes há a análise do comportamento do regente. Ao se tratar da monarquia, a finalidade é de liderança do coletivo por uma gestão sólida. Enquanto o poder do estado se volta contra o povo e ameaça constantemente a sua liberdade e integridade, exigindo-se a obediência por uso da coerção, trata-se da tirania, pois retira da população a seu poder de escolha e retém o poder da força para a supressão interna e externa.
Em seus paralelos finais, Aristóteles (2019) concebe a democracia ou uma politeia, na democracia o filósofo afirma que o povo cuida de seus ideais, aonde a maioria comum supre as necessidades, porém aos que se encontram em desacordo (minoria popular) não atinge sua satisfação. Todavia, diante da ideia base da politeia, o governo de senso comum onde a ponderação é essencial, cada indivíduo se satisfaz e o poder se distribui de forma igual para atender toda a coletividade.
Em consonância com o Estado moderno e adaptado ao longo dos períodos, a democracia é um modelo muito adotado ao redor do mundo, tal demonstrativo, oriundo da tese de Aristóteles (2019) se cabe em refletir a busca por uma sociedade balanceada, ao compreender que o estado moderno não poderá proporcionar uma satisfação geral devido aos vastos territórios ao qual se responsabiliza, tal qual o Estado democrático brasileiro. Concomitantemente o líder de estado democrático ainda que não possa fornecer a satisfação mútua, tem a obrigação para com a sua nação, o dever precípuo de agir em prol do bem comum.
4 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
O que prescinde a fundação do Estado brasileiro contemporâneo é a figura da Carta Magna, instrumento pelo qual se faz a delimitação dos elementos fundamentais e sociais, um documento expressivo dos ideais coletivos que fundaram aquele Estado e, um reflexo do avanço histórico que as civilizações atingiram ao longo de sua evolução.
O poder constituinte emana da natureza política e filosófica e se liga ao aspecto da legitimidade, independente da época, assim trata-se de um poder primário que parte da vontade coletiva para criar a primeira constituição (BONAVIDES, 2019).
A vontade constituinte sempre existiu em qualquer sociedade organizada, e por meio disto o Bonavides (2019) em sua obra “Teoria do Estado” guia o leitor através de uma linha do tempo avaliativa do que se entende como a manifestação da vontade, podendo ser por meio da figura de uma divindade, onde o poder divino é maior que todos os homens e seria capaz de punir qualquer mal feitor, a figura do príncipe, uma figura de autoridade a quem se concentra tal poder, contudo uma terceira entidade constituinte se instaurou, a entidade democrática, o poder popular, onde o indivíduo comum concentra o poder em um indivíduo ou instituição para satisfazer o interesse comum.
A democracia foi um rompimento do paradigma de idealização do homem, onde este não teme mais as divindades, não se restringindo pelo medo do que se considera um castigo divino, tão pouco sofre com a dependência de um monarca que transmite seu poder por linhagem ignorando as competências de seu sucessor, que talvez não fosse capacitado para gerir o Estado.
O poder democrático foi uma reivindicação, um marco histórico característico desse sistema de governo. Inclusive, com a Revolução Francesa se chegou ao que se entende como poderes da primeira geração, sendo a liberdade, igualdade e fraternidade, instaurados pelos próprios agentes revolucionários que buscavam a satisfação pessoal em uma sociedade desigual.
A Constituição Federal brasileira de 1988 é um forte manifesto histórico e, tal qual a Constituição Francesa, busca atender ao coletivo, assim este documento se volta à própria história e aos grandes marcos do mundo, aplicando valores inerentes de cada indivíduo, contemplando a ideia de equidade. Desta forma se instaura as garantias fundamentais a serem prestadas aos cidadãos brasileiros.
Diante da narrativa aplicada, expõe-se os direitos e garantias fundamentais a fim de delimitar as obrigações impostas pelos artigos da constituição federal. O art.5º da Constituição Federal elenca alguns desses direitos, dispondo que “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).
O texto do artigo especifica as garantias comuns aos brasileiros natos e naturalizados, em prol de firmar uma comunidade que se distancie da precariedade proporcionando recursos aos que não tenham capacidade de atingir o mínimo existencial e por meio destes direitos fundamentais, atender a sociedade atual, logo há o entendimento comum que é dever do Estado a prestação ou execução de medidas sociais para tais demandas.
Mesmo advindo de um período maior que três décadas, a legitimidade constitucional se expande em meio ao tempo, valorizando os direitos comuns dos homens e acumulando-os a fim de manter um quadro de estabilidade e valorização das garantias principais do ser humano. Tal somatória se dá no polo reflexo da selvageria natural, o homem oriundo do estado natural é visto como um ser sem raciocínio lógico, ignorante ou com desinteresse ao que se fala em trato social
Assim, as leis tratam de causar no indivíduo uma delimitação de condutas, mas também traz o atendimento as suas necessidades, para que se distancie dessa selvageria e não tente por meios próprios atingir seus objetivos, como o uso da força.
Conforme se extrai do art. 2º da Constituição Federal que dispõe que “são Poderes da União, independentes e harmónicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, visa-se estabelecer um controle quanto ao uso indevido do poder, e para tanto a Constituição Federal de 1988 tratou de descentralizá-lo com base no modelo de governo do Estado Grego defendido por Aristóteles.
O Estado brasileiro segue a divisão de poderes em três, sendo estes: o poder executivo, legislativo e judiciário, o modelo tripartite ou sistema de freios e contrapesos de Montesquieu almeja que um poder contenha o outro.
Desta forma é pretendido que não haja a centralização da força de governo em um único indivíduo evitando que o Estado se volte contra a figura do povo, porém tal sistema não é infalível, uma vez que dois poderes se unam, são capazes de sobrepor ou limitar as ações de outro, ressaltando assim a capacidade de uma elite unida suprimir a vontade do popular.
Contudo, não somente este é o único meio para refrear atos equívocos contra a sociedade, em questão há na própria constituição direitos e garantias fundamentais, que mantém o Estado democrático na postura do “dever ser” com relação à federação, reafirmando a posição do Estado como uma figura que visa o cuidado coletivo.
5 PANDEMIA DA COVID-19 E O IMPACTO NO ESTADO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO
A pandemia da COVID-19 pode ser um dos maiores marcos históricos que afetou o século XXI, sendo o período de uma crise sanitária que se alastrou pelo planeta. Ao que indica em notas lançadas pela imprensa, o marco inicial da pandemia ocorreu na China, durante o período de dezembro de 2019, onde se identificaram os primeiros casos de internação decorrentes do vírus.
Com o passar do tempo e mediante análises de seus sintomas, foi determinado que o vírus possuía forte nível de letalidade, causando danos severos ao pulmão e podendo atingir outros órgãos ou cognições como paladar e olfato, tampouco o seu maior dano é a morte.
Com uma disseminação desenfreada e autos índices de morte, deu-se início a corrida para que se fizesse o controle deste alto nível de contágio. Inicialmente as medidas preventivas comuns eram adotadas de forma que proporcionassem uma proteção geral de agentes estranhos, instaurando o uso de máscaras, agentes desinfetantes e controle da higiene como os primeiros passos para combater o vírus.
Inicialmente com o primeiro caso de Covid identificado no território brasileiro, instalou-se o medo, o pânico oriundo do desconhecido e perigoso vírus que causara a morte de diversas pessoas no continente asiático se instalou silenciosamente dentro do território nacional.
Para uma evitar a rápida disseminação do vírus e garantir que o contágio fosse contido, aplicou-se o sistema de isolamento social, medida preventiva inicial para que as pessoas não mantivessem contatos com outros indivíduos, freando circunstancialmente o contágio em massa, porém a medida de reclusão social produziu riscos ao sistema económico do país.
O congelamento em massa nos meios de produção e o avanço rápido no consumo geral resultaria em uma instabilidade de recursos, assim deu-se cabimento a uma nova etiqueta social, uma medida mais restrita, cabendo o uso obrigatório de máscaras, distanciamento entre pessoas, evitando contatos com superfícies contaminadas e uso de recursos desinfetantes.
Assim, Sotero e Soares (2020) em ponderação dos direitos e garantias fundamentais durante o período de distanciamento social, expõe o que foi esse período de lookdown e que em consequência deste houve o que se entende como “constituição de emergência”, que seria uma implantação de medidas preventivas, mas que limitava direitos e garantias fundamentais do próprio texto constitucional.
Vale salientar que para Sotero e Soares (2020) não necessariamente existe uma “jurisprudência de crise”, salientando que segundo o entendimento sobre o principio da proporcionalidade ou razoabilidade, devido a questão de horizontalidade dos direitos constitucionais, faz necessário uma devida ponderação aos bens jurídicos comuns tutelados, assim não é inconsistente levantar a afirmativa que, em um cenário de crise do sistema de saúde, a aplicação do distanciamento social foi uma medida razoável durante o período de alto contagio e sem recursos de imunização eficaz.
Logo após examinar o conflito entre o isolamento social e as necessidades sociais, foi instaurado uma medida que visava ponderar entre a saúde comum e a satisfação social, implantado tal padrão no quadro social fundou-se uma nova etiqueta social no cenário pandêmico, todas pessoas deveriam respeitar as medidas aplicadas a fim de garantir o cuidado consigo e um cuidado com os indivíduos a sua volta.
Diante disto nitidamente percebe-se um reflexo do contrato social, onde o homem ao reconhecer os deveres que tem para com as garantias comuns dos outros cidadãos que com este convive, se pré-dispõe a aceitar as medidas impostas socialmente.
Todavia um marco conflitante contra o novo trato social teve início com o discurso do líder de estado democrático, expressivamente este se posiciona em desfavor das medidas reforçadas pela grande organização mundial da saúde, assim se apresentado em desacordo e exibindo ao povo sua posição, tal fenómeno foi reconhecido como o negacionismo ao cenário atual, onde uma calamidade global fora negligenciada, assim pontificado o marco de dissonância da teoria do estado democrático em face do quadro atual, evidenciado o afastamento do líder de estado de seu dever primordial, frente a uma situação de necessidade coletiva perante a pandemia da Covid-19.
Conforme o raciocínio pré-estabelecido, perante o sistema de governo instaurado dentro do estado democrático brasileiro, o presidencialismo confere para um indivíduo legitimidade de execução das ações do poder público, lhe compete a capacidade de representatividade e comunicação com outras nações.
Em um cenário de calamidade no sistema de saúde pública, quem tem por dever o cuidado com a sociedade, se ressalva a obrigatoriedade de uma avaliação para estabelecer cuidados quanto aos meios de disseminação do vírus que causava autos índices de internações e mortalidade dentro do próprio sistema, porém em meio ao caos pandêmico, o líder de estado se manifesta em oposição natural as recomendações Organização Mundial da Saúde (OMS), entre suas declarações, cita-se aquela apresentado pela coluna jornalística da revista ISTOÉ[2]:
Falam tanto em máscara. O tempo todo essa mídia pobre falando: o presidente sem máscara. Não encheu o saco ainda, não? Isso é uma ficção. Quando é que nós vamos ter gente com coragem, que eu não sou especialista no assunto, para falar que a proteção da máscara é um percentual pequeno? A máscara funciona para o médico, que está operando uma máscara específica. A nossa aqui, praticamente zero, disse Bolsonaro.
Em seu depoimento, há uma evidente negligência, pois seu posicionamento enquanto ocupar o cargo de presidente é uma forma de manifestação internacional e, também possui forte impacto interno dentro do próprio território nacional, servindo como guia ou licenciando a pratica de uma conduta arriscada e prejudicial ao combate da Covid-19.
Ao que se transmite perante este balanço é um duelo de argumentos e questionamentos, por um lado há uma parcela social que se apoia na figura do líder de estado, se vinculando ao seu discurso e ao poder executivo que determina parâmetros e licencia socialmente a prática de um sistema de imunização arriscado, onde o indivíduo que entra em contágio com o vírus poderá se adaptar à medida que seu sistema imunológico combate a doença. Em contrapartida, temos uma corrente cientifica, de estudos levantados por diversos pesquisadores que impetravam medidas para contenção do maior vírus já apresentado no século XXI, até que se alcançasse uma solução definitiva.
Tal marco histórico, pode ser analisado como uma fragilidade quanto ao sistema de estado, pois ao que foi apresentado ao longo do estudo estabelecido, o padrão do estado brasileiro é o sistema democrático, em que preza pela satisfação popular da maioria, contudo não se pode dizer que a satisfação popular é por si a conduta devida, uma vez que cabe ao líder de estado como apresentado na obra de Maquiavel (2018) ponderar nas questões de satisfação do povo e entre o que se define como necessário ao bem comum para atingir uma estabilidade governamental, logo se espera um posicionamento de frente unida, afim de prestar e conscientizar o corpo nacional do que se trata as ações necessárias para evitar o contágio.
Cabe fazer menção à coluna jornalística G1[3] para evidenciar o descaso reiterado perante a situação de calamidade inaugurada no país.
O governo brasileiro recusou onze ofertas formais de fornecimento de vacinas contra a Covid. O método do Ministério da Saúde para dizer não sempre foi o de ignorar as propostas. O número leva em conta apenas os episódios em que há comprovação documental da omissão governamental e já é de conhecimento dos senadores que vão compor a CPI.
Como apresentado pela coluna jornalística, o apoiador do líder de estado, o ministro da saúde se absteve de sua principal função, o dever de prestar ao povo os devidos cuidados e serviços a saúde, mediante isto, pode-se aplicar a interpretação de que o presidente não está em alinhamento com o ideal de dever ser que um representante democrático necessita agir. “
Consoante a redação do art. 84 da Constituição Federal “compete privativamente ao Presidente da República: I - nomear e exonerar os Ministros de Estado; II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal (...)” (BRASIL, 1988).
Portanto, em conformidade com o texto legal, a extensão da responsabilidade da figura do próprio presidente da república que, mesmo atribuindo ao ministro da saúde responsabilidade pelo zelo e gestão dos encargos que se referem a saúde coletiva em escala nacional, faz-se necessário o posicionamento mais rígido e imediato para uma solução das demandas de seu povo.
Tal responsabilidade é inalienável, já que há uma nítida atribuição de deveres no texto constitucional, dando a figura do presidente a maior autoridade de execução administrativa.
Assim o seguinte estudo propõe que, o presidente do Estado democrático brasileiro se distancia de seu dever como um representante ideal, aplicando no meio social ao qual deve zelar, a dúvida por meio de informações erróneas e se desvincula de obrigações constitucionais, que são os elementos fundamentais pré-estabelecidos na institucionalização do estado democrático brasileiro em 1988 pela Carta Magna.
Sendo assim, cabe ao poder social lutar pelo seu interesse comum e reivindicar seus direitos e conduzir o Estado pela força popular, porém não utilizando do procedimento de impeachment, pois resultaria em instabilidade política devido ao fato de que o governo anterior passou pela mesma situação. A fim de solucionar tal descaso é valido uma ação coletiva direta contra a figura do líder de estado, utilizando do sistema de freios e contrapesos para mobilizar um ou dois poderes com o propósito de que o presidente cumpra com a competência de seu cargo.
Como delimita o texto constitucional em seu art. 193, parágrafo único, presente na atual Carta Magna brasileira, o Estado tem por dever planejar políticas sociais assegurando que haja a participação popular no processo de sua criação, bem como o monitoramento do controle e avaliação de tais medidas. Veja:
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
Parágrafo único. O Estado exercerá a função de planejamento das políticas sociais, assegurada, na forma da lei, a participação da sociedade nos processos de formulação, de monitoramento, de controle e de avaliação dessas políticas (BRASIL, 1988).
Ressaltando a informação anteriormente exposta, há uma inércia mediante o dever cívico do Estado em aplicar políticas públicas, visto que o Brasil encontrava-se em uma meio a crise sanitária, é explicito o não cumprimento do dever comum do estado em atender as necessidades do povo e tão pouco dar-lhes o devido conhecimento sobre uma possível medida de imunização do vírus da Covid-19, por tanto o líder de Estado exerce atividade distante do previsto na norma Constitucional.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
II - Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais (BRASIL,1988).
Como é expresso no texto legal, o sistema único de saúde (SUS), possui uma organização interna, com hierarquia já determinada e distribuída ao longo do território nacional, tendo por uma de suas finalidades atender de forma integral, priorizando a prevenção, sem o prejuízo de seus serviços assistenciais.
Cumulativamente com as leis anteriormente expostas, o próprio Estado brasileiro tomou para si a responsabilidade com relação a saúde popular, a fim de trazer como uma garantia social a saúde e o cuidado com a população comum, dessa forma por se responsabilizar quanto as demandas de saúde coletiva, compete ao Estado brasileiro a responsabilidade de priorizar o bem comum.
6 CONCLUSÃO
Ao que se trata acerca da responsabilidade, há uma nítida obrigação comum do Estado democrático brasileiro em atender as garantias que a si foram atribuídas conforme a própria Constituição de 1988, bem como ao representante do próprio Estado em si.
No entanto caso haja uma negligência ou não cumprimento das respectivas atribuições, é necessário que haja uma forma de obrigação do cumprimento das demandas populares, tal qual o próprio sistema de freios e contrapesos que visa a distribuição do poder do Estado em três, afim de que caso um não cumpra com sua finalidade, os outros poderes deveram cobrar seu dever ou repreender e corrigir sua conduta.
Não somente é obrigação própria do Estado observar sua administração interna e fiscalizar a si, mas também é necessário que o povo acompanhe as medidas tomadas pelo governo e que se exija o cumprimento das obrigações por este adquiridas conforme o texto constitucional, vez que o sistema democrático determina, o poder emana do povo, logo para preservar a estrutura do Estado, é primordial o devido exercício das funções do poder executivo.
Ademais é claro uma inércia quanto aos devidos cuidados que deveriam ser prestados pelo líder do Estado, sua conduta se afasta do bem-estar coletivo e expõe um nítido interesse próprio que se sobressai mediante ao pânico coletivo que afetou não só física, mas economicamente e psicologicamente, deixando a população sufocar mediante a crise sanitária.
Tampouco delimita-se que o não cumprimento do dever primário do líder de Estado é sem sombra de dúvidas uma amostra da incompetência administrativa nacional, sua escusa da responsabilidade e nítida quanto ao próprio texto constitucional e aos próprios valores cumulados ao longo de anos de evolução legal (advindos dos próprios direitos sociais proferidos desde a revolução francesa).
No tocante a isto, dar-se como ineficiente a liderança do Presidente da república mediante o gravoso caso de crise sanitária no Brasil, pois não há o reconhecimento do devido zelo pelo direito a saúde e tampouco uma manifestação adequada perante um estado de calamidade que prejudicou o território nacional.
7 REFERÊNCIAS
ARISTOTELES. Política. 1 ed. São Paulo: Edipro, 2019.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22 abril. 2022.
BONAVIDES, Paulo. Teoria do Estado. 11 ed. Malheiros, 2019.
G1. CPI da Covid: Governo Bolsonaro recusou 11 vezes ofertas para compras de vacina: Um dos objetivos da CPI é apontar no relatório final o número de vezes em que o governo disse não à única solução para prevenir a doença. G1, 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/blog/octavio-guedes/post/2021/04/27/cpi-da-covid-governo-bolsonaro-recusou-11-vezes-ofertas-para-compras-de-vacina.ghtml. Acesso em: 22 abril. 2022.
LIPSON, Leslie. Os grandes problemas da ciência política. 2 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo: Edipro, 2018.
DA REDAÇÃO. Bolsonaro diz que máscaras são “ficção” e ataca medidas de proteção contra Covid. ISTOÉ, 2021. Disponível em: https://istoe.com.br/bolsonaro-diz-que-mascaras-sao-ficcao-e-ataca-medidas-de-protecao-contra-covid/. Acesso em: 22 abril. 2022.
SOTERO, Ana Paula da Silva; SOARES, Ricardo Maurício Freire. Constituição e Restrição a Direitos Fundamentais em Tempos de Pandemia de COVID-19: um Breve Estudo do lockdown no Estado do Maranhão. In: BAHIA, Saulo José Casali. Direitos e Deveres Fundamentais em Tempos de Coronavirus: Segundo Volume, 2020.
[1] Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA, Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN. E-mail: [email protected].
[2] DA REDAÇÃO. Bolsonaro diz que máscaras são “ficção” e ataca medidas de proteção contra Covid. ISTOÉ, 2021. Disponível em: https://istoe.com.br/bolsonaro-diz-que-mascaras-sao-ficcao-e-ataca-medidas-de-protecao-contra-covid/. Acesso em: 22 abril. 2022.
[3] G1. CPI da Covid: Governo Bolsonaro recusou 11 vezes ofertas para compras de vacina: Um dos objetivos da CPI é apontar no relatório final o número de vezes em que o governo disse não à única solução para prevenir a doença. G1, 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/blog/octavio-guedes/post/2021/04/27/cpi-da-covid-governo-bolsonaro-recusou-11-vezes-ofertas-para-compras-de-vacina.ghtml. Acesso em: 22 abril. 2022.
Graduando em Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Victor Hugo Nascimento dos. Pandemia da covid-19 no Brasil: a (in) eficiência do líder de estado mediante a crise sanitária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60394/pandemia-da-covid-19-no-brasil-a-in-eficincia-do-lder-de-estado-mediante-a-crise-sanitria. Acesso em: 23 dez 2024.
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