MATHEUS DE JESUS LOPES[1]
(coautor)
ADRIANO RIBEIRO CALDAS[2]
(Orientador)
RESUMO: O processo estrutural, enquanto regulador de políticas públicas, é advindo do mau gerenciamento das instituições públicas ou privadas, propiciando o surgimento de litígios estruturais. O presente artigo tem como objetivo identificar quais mecanismos judiciais o processo estrutural pode propiciar para solução e controle das políticas públicas a partir da análise do caso Petrópolis/RJ, analisando para tal, o modelo de processo estrutural, no intuito de propiciar uma aplicação das medidas estruturais no âmbito do referido caso. A relevância social do presente estudo se identifica pelo caráter regulador de políticas públicas com intuito de identificar soluções e medidas razoáveis para solucionar os conflitos sociais e a relevância acadêmica no que tange em propiciar o debate jurídico e social sobre o assunto; as ideias formuladas aqui poderão servir de elementos de pesquisa e referências para posteriores trabalhos. Foi utilizada a pesquisa bibliográfica narrativa como tipo de estudo e a abordagem é do tipo dedutiva, tendo como base livros, artigos científicos. Chegou-se à conclusão, com base no que foi levantado, que se identifica a possibilidade da aplicação das medidas estruturantes no caso Petrópolis/RJ, no intuito de reorganizar a instituição pública irregular e solucionar o litígio estrutural causado pelos deslizamentos.
Palavras-chave: políticas públicas; processo estrutural; Petrópolis/RJ
Sumário: 1. Introdução – 2. Modelo Tradicional; 2.1 As Dificuldades do uso do atual modelo tradicional de Processo aos litígios estruturais; 2.2. Os litígios estruturais: origem, conceitos e pressupostos; 3. Processo Estrutural como regulador do poder no ordenamento processual; 3.1. Processo Estrutural segundo Vitorelli; 4. Os Casos Paradigmáticos no Processo Estrutural; 4.1. ADPF n° 347; 4.2. Barragem Brumadinho; 5. A Possibilidade da Aplicação das Medidas Estruturais no Caso Petrópolis/RJ; 6. Considerações Finais; 7. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Os litígios estruturais estão ligados ao mau funcionamento de uma instituição pública ou privada, à ofensa aos direitos fundamentais, à ineficácia ou carência de políticas públicas ou à presença de litígios policêntricos.
Devido a sua complexidade, coloca-se em evidência a necessidade de que sejam tratados pelo poder Judiciário por meio de processos estruturais, a fim de que se torne possível alcançar a solução mais adequada ao caso concreto.
A pesquisa é desenvolvida por meio do método dedutivo. Para tanto, será realizada a pesquisa exploratória a partir da revisão bibliográfica e documental de importantes doutrinadores pátrios e estrangeiros que tratam acerca do tema, como Edilson Vitorelli (2020), Fredie Didier Jr (2016), Hermes Zaneti Jr (2017) e Arenhart (2017).
O primeiro capítulo aborda os conceitos e doutrinas do processo estrutural, aplicação dos aspectos estruturais na teoria, bem como suas fases, características e origem, apontando-se as falhas do modelo tradicional nas resoluções de litígios estruturais. Já no segundo capítulo, trata-se do processo estrutural como realocador do poder no ordenamento jurídico e a visão de Vitorelli sobre o processo estrutural. No terceiro capítulo, são abordados os casos paradigmáticos referentes ao processo estrutural, como ADPF 347 e o caso da barragem de Brumadinho, analisando-se as semelhanças e características das decisões e ações propostas para resolução do litígio. O quarto capítulo é reservado à aplicação dos conceitos teóricos e das experiências obtidas com os casos paradigmáticos, no caso da tragédia em Petrópolis/RJ. As considerações finais trazem o resumo do que foi dito no decorrer do trabalho e se os objetivos foram alcançados.
2 MODELO PROCESSUAL TRADICIONAL
2.1 As dificuldades do atual uso do modelo tradicional de processo aos litígios estruturais
O processo civil, como regulador de litígios da sociedade, ao longo de toda jurisdição e sua criação, assume um importante papel, defendendo valores constitucionais, mas não acertando quando se depara com litígios estruturantes. A análise do modelo de processo civil tradicional, que nos dias de hoje, fica cada vez mais obsoleta para uma entrega de tutela jurisdicional adequada aos direitos fundamentais que exige uma elevada complexidade, afetando uma série de interesses que divergem entre si, passa imprescindivelmente por uma readequação de técnicas processuais.
O processo e o direito material envolvem-se, não podendo ser diferente, pois o processo deve ser desenvolvido a fim de tutelar acertadamente o direito material, que é seu objeto da tutela jurídica. Sob o olhar de Didier (2016, p. 29), o processo:
Ao processo cabe a realização dos projetos do direito material, em uma relação de complementaridade que se assemelha àquela que se estabelece entre o engenheiro e o arquiteto. O direito material sonha, projeta; ao direito processual cabe a concretização tão perfeita quanto possível desse sonho. A instrumentalidade do processo pauta-se na premissa de que o direito material se coloca como o valor que deve presidir a criação, a interpretação e a aplicação das regras processuais.
Surge, portanto, o ponto crucial: na medida em que se tem como objeto do processo judicial uma política pública, a mesma se apresenta de forma diferente do padrão jurídico uniforme e evidentemente coerente pelo sistema jurídico. Consequentemente, acaba não havendo procedimento adequado que tenha a política pública como objeto central ou como direito material a ser tutelado.
O modelo tradicional ou clássico de processo civil, não obstante, tem demonstrado ineficiência quando se limita a analisar a legalidade de políticas públicas; os direitos coletivos de maior complexidade não são plenamente atendidos, o que se observa tanto em situações simples como em situações de cunho mais complexo.
A concepção de Estado e sua finalidade, entretanto, vai se modificando em sua transição entre estado liberal e estado social, com o advento da Revolução Industrial no início do século XX, provocando uma sucessão de acontecimentos que envolvem a expansão industrial e sua produção em massa, surgindo, consequentemente, a fome e miséria de uma população. Nesse contexto, surge a necessidade de proteção de novos direitos que não estavam sendo abordados antes dessa revolução, que são os direitos de segunda dimensão, que defendem que o Estado não intervenha na vida do indivíduo, mas que tenha atuação para assegurar saúde, educação, trabalho, moradia, dentre outros direitos. A partir do ano de 1948, com o advento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Estados começaram a se comprometer na proteção desses direitos, tendo o aproveitamento dos direitos de primeira e segunda geração e, por conseguinte, a função de controle do Poder Judiciário passa a se ampliar (SANTOS, 2021).
Dito isso, com enfoque no progresso e na evolução da sociedade como um todo e seus litígios estruturais, busca-se, no sistema judiciário brasileiro, uma reestruturação para solução de conflitos em seu ordenamento jurídico, tendo em vista sua concepção clássica. O Direito Processual Civil teve seu foco e estruturação na resolução de litígios típicos, tendo a observância em dois sujeitos ou um grupo específico dos mesmos, limitando sua visão apenas aos direitos individuais dos autores e réus envolvidos na ação, assim, delimitando-se os interesses e pretensões dos sujeitos da relação; contudo, chama-se bipolarização do conflito, a forma tradicional em que uma parte solicita a tutela jurisdicional, sendo o autor, contra a outra parte, réu, tendo o juiz uma posição secundária e imparcial, resolvendo o litígio sob o seu olhar.
O modelo tradicional tem efetividade para a grande maioria dos casos com pouca complexidade e sem uma grande repercussão social, mas os conflitos podem não se traduzir em casos tão simples, que podem ser observados como direitos complexos, como direitos humanos, direitos ambientais, questões de calamidade pública, nos quais os interesses extrapolam os limites de um processo normal envolvendo autor e réu. Observa-se, portanto, que há clara insuficiência nesse modo processual tradicional.
O rito processual corresponde a relação de práticas jurídicas apreciados em um processo judicial definido. Em outras palavras, é a via a ser percorrida desde o começo até o final do processo, passando por diversas fases processuais. Existem inúmeras espécies de métodos e pressupostos no Código de Processo Civil como também na legislação extravagante, ocorrendo diversos parâmetros estabelecidos para cada procedimento.
O processo é uma ação legal complicada, sendo composto por várias ações legais que são realizadas sequencialmente com um objetivo determinado, ou o objetivo legal final. No caso do processo judicial, seus objetivos fundamentais dizem respeito à obtenção da proteção jurisdicional e encontram respaldo tanto na Constituição Federal quanto no Direito Processual (DIDIER, 2021, p. 84-86).
Por um lado, o processo derivado de ação individual é destinado à defesa dos direitos subjetivos, onde a padronização é prevista pelo Código de Processo Civil. De outro modo, o processo coletivo “refere-se à tutela de direitos coletivos, direitos difusos, coletivos em significado estrito e individual, de acordo com o previsto no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, existindo regulamentação por vários diplomas, observando as Leis Federais 8.078 e 7.347” (GRINOVER et al.; 2014, p. 4).
A Constituição, para um estado normal das coisas, cria em sua plenitude e seus preceitos decaem sobre os valores que, de certa forma, irão limitar essa estrutura até por atos do próprio lugar onde está inserida. Entretanto, a visão de interpretação deles pode ser inexata, dando chances para conflitos. Torna-se, portanto, necessário estabelecer o assunto, observando seus valores e trabalhando com as prioridades. Assim deverão persistir em caso de conflito. Observa-se que todos os indivíduos, até os poderes estabelecidos e entidades normativas colaboram para esse sentido estrito, registrando como certo a contribuição jurisdicional ou o julgamento, sendo o “processo social por meio do qual os juízes dão significado aos valores públicos” (FISS, 2017, p. 119-120).
No momento em que o julgamento é objetivado para princípios públicos constitucionais e contorna um “embate entre o Judiciário e as burocracias estatais” é, portanto, a referida reforma estrutural que é fundamentada na consciência de que a qualidade de nossa vida social é tocada em forma expressiva e pela intervenção de grandes instituições, não apenas por indivíduos que a integram. Os valores constitucionais não podem ser totalmente assegurados sem que as mudanças básicas sejam efetuadas nas estruturas dessas organizações (FISS, 2017, p. 120).
Vitorelli (2018), citando Fiss, ressalta que o processo judicial com um caráter estrutural foi originado do pensamento de que é capaz de ser definido como o processo em que “um juiz, enfrentando uma burocracia estatal no que tange aos valores de âmbito constitucional, incumbe-se de reestruturar a organização para eliminar a ameaça imposta a tais valores pelos arranjos institucionais existentes” (FISS, 2017, p. 120).
Pode-se observar que, no processo tradicional, a tutela jurisdicional de direitos tem características e olhares voltados para o foco na solução individualizada dos litígios, que discorre em volta da relação triangular estabelecida entre o julgador, autor e réu. Sob olhar de Fiss (2017, p. 121):
O padrão usual de comparação, o modelo de solução de controvérsias, é tríade e altamente individualista: uma ação judicial é visualizada – com a ajuda do ícone da Justiça segurando sua balança – como um conflito entre dois indivíduos, o autor da ação e o réu, e um terceiro situado entre as duas partes, como um árbitro imparcial para observar e decidir quem está certo e declarar o que deve ser. Com relação a essa perspectiva, a reforma estrutural certamente é uma transformação e parece ser totalmente diferente
Portanto, o modelo tradicional tem suas especialidades, sendo caracterizado pela bipolaridade e com uma característica tradicional, que se explica por dois polos com interesses intrinsicamente diversos, a qual sua base é o ganhador que leva tudo debatido no processo e o que foi defendido.
A incompatibilidade entre os dois polos com interesses distintos e definidos é evidente e o normal de um processo, observando e preservando os direitos subjetivos, na qual o conflito é reduzido à relação da pretensão que o autor está buscando e ofertando pela resistência do réu.
Entretanto, a bipolaridade é observada também no processo judicial que tutela direitos coletivos, onde o autor da demanda, parte legítima para defender a proteção dos direitos de uma coletividade, em sua regra não detém de titularidade (DIDIER; ZANETI, 2016). Nesta ocasião de procedimento, a coletividade, onde os direitos são tutelados, fica inapta para se expressar de maneira adequada, sendo um terceiro designado como seu detentor de voz e atentando a suas necessidades (ARENHART, 2017).
É de se observar que o grupo de pessoas que detém essa parte do direito é tratado pela parte contrária, e muitas vezes por aquele que está o representando naquele litígio. Sendo assim um único conjunto, deixando de lado as peculiaridades pessoais de quem está representando. Assim, a atuação da parte contrária é focalizada ao grupo como um todo e não aos indivíduos que o compõem particularmente (VITORELLI, 2020).
A restrição subjetiva dos impactos do provimento jurisdicional está normatizada no ordenamento jurídico brasileiro, como regra, apenas atingindo as partes que estão figuradas no processo ou que nele foram representadas, sob o olhar que está disposto no art. 506 do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).
Observa-se que os personagens das partes não se envolvem com os traços das decisões proferidas; entretanto, revelou-se tal fato desde o começo do processo. Para Chayes (1976), é provocado pelas partes e por elas controlado. A causa dos objetos dos autos e as diferenças deles decorrentes são postas pelo diálogo desenhado por autor e réu. Segundo o autor e suas palavras, “a responsabilidade pelo desenvolvimento dos fatos é deles, das partes”, portanto, o julgador assume uma postura de neutralidade (CHAYES, 1976, p. 1283).
Sob o olhar de Fiss (2017), considera-se vitoriosa aquela parte que melhor souber articular seus argumentos, sendo o mais eficiente na defesa dos interesses defendidos, o mais competente para atuar em juízo e não absolutamente quem, de fato, detém o direito de ver seus pedidos acolhidos. “A ética do mercado é transferida para a corte”.
O próximo subtópico abordará os litígios estruturais.
2.2 Os litígios estruturais: origem, conceitos e pressupostos
No ano de 1954, o famoso caso Brown v. Board of Education of Topeka levava em consideração o litígio, sendo um caso paradigmático da jurisprudência norte-americana. Assim, discutiu-se o controle de constitucionalidade e o papel das cortes nos conflitos da sociedade. Diante do cenário e do processo, foram concebidas várias medidas estruturantes, que visavam à resolução do litígio estrutural. Uma simples decisão não seria o suficiente e no início da década de 50, foram distribuídos cinco casos na suprema corte americana, sendo a mesma solicitada a se manifestar sobre os litígios. Um desses casos tratava de uma criança negra, Linda Brown, residente na capital do Estado do Kansas, Topeka, onde as escolas perto da sua casa eram apenas para crianças brancas e Linda Brown tinha que andar atravessando toda a cidade de Topeka para estudar em uma escola destinada a crianças negras (SANTOS, 2021)
Diante desse fato, o pai de Linda, Oliver Brown, ao tentar efetuar a matrícula de sua filha na escola mais próxima, teve seu pedido de transferência para uma escola mais perto de sua casa rejeitado. Brown, assim, teve que ajuizar uma ação contra o Conselho de Educação Estadual (Board of Education), para que assim sua filha pudesse estudar perto de sua casa. A decisão gerou um grande impacto, pois se tratava do ingresso de estudantes negros em escolas públicas norte-americanas. Surgiu, dessa forma, um marco histórico no processo estrutural, tendo em vista que foi a primeira vez o seu uso, in casu, buscando eliminar a segregação racial (DIDIER; ZANETI; OLIVEIRA, 2022).
“O processo coletivo estrutural nasceu de uma necessidade eminentemente prática, quando as luzes se apagaram em Brown v. Board of Education” (VITORELLI, 2020). Assim, prolator da decisão, Chief Justice Warren, optou por assumir um comportamento de representação e de concordância da Corte, uma vez que eventuais votos diferentes poderiam enfraquecer a mudança proposta, pelo que a decisão foi concisa e sem grandes detalhamentos, limitando-se a declarar a inconstitucionalidade da segregação (VITORELLI, 2020).
O caso Brown significou um novo começo na forma de prestação jurisdicional que desencadeou reformas estruturais nos mais diferentes setores. Muito além do sistema público de ensino, as reformas estruturais incluíram a polícia, prisões, manicômios, instituições para pessoas com deficiência mental e agências de bem-estar social (FISS, 2008). Para processos de natureza complexas, são utilizados vários mecanismos para tratar de tais problemas, estando o processo estrutural em conformidade com o ordenamento, a fim de solucionar litígios de toda e qualquer natureza, propiciando a facilidade na apresentação e entendimento para sanar o conflito causador, sendo uma forma de alcançar toda efetividade com soluções a longo prazo, que poderiam violar os direitos fundamentais e que estão presentes no cotidiano da população. O processo estrutural, pois, é aquele que evidencia o problema e assim estabelece medidas necessárias para retirar o estado de desconformidade, a fim de ter uma reforma estrutural e assim fazer com que o Estado busque o estado real das coisas (VITORELLI, 2020).
O processo estrutural surge de forma prática e advém dos litígios estruturais que emergem da sociedade, tratando-se de uma situação de fato, ou seja, da consolidação de uma permanente desconformidade, que pode ser o mau funcionamento de uma instituição ou política pública. Em outras palavras, o funcionamento da estrutura é o motivo do litígio. Esse não pode ser definido pelo seu objeto e sim pelo modo de desestruturação utilizado, a fim de sanar a causa e a origem do conflito por meio de uma elaboração de um plano estratégico, uma vez que nem todo litígio estrutural é um processo estrutural, visto que essa mesma lide pode ser solucionada por meio de ações individuais ou por uma ação coletiva proposta pelo ministério público.
Tendo em vista o estado perfeito da população e visando o processo concreto, referindo-se aos impactos sociais, sobrevém pelo enfoque na estrutura do problema, impondo-se ao Estado novas obrigações estruturais que implicarão na avaliação dos efeitos da atividade institucional, dos recursos utilizados e das implicações causadas pela mudança provocada pelo processo em sua implementação.
A reformulação estrutural tem como compromisso a comunicação com as pessoas que serão impactadas, tanto na fase de conhecimento como na fase de implementação, distanciando-se do tradicional processo judicial e se aproximando dos debates comuns nos órgãos administrativos e legislativos. Em suma, o processo estrutural ocorre quando existe a reorganização de uma atividade jurisdicional, que é o causador de um determinado ilícito, com o intuito de impedir que seus resultados perpetuem posteriormente (VITORELLI, 2020).
Em todos esses casos, a intimidação ou o dano que as organizações burocráticas representavam para o exercício de normas constitucionais não poderiam ser abortados sem que essas organizações fossem restruturadas com um novo modelo, por meio de uma reforma estrutural dirigida pelo juiz na competência de um processo judicial (FISS, 2008).
São os litígios coletivos enraizados que têm como causa o próprio sistema burocrático, que se caracterizam pela simultânea existência de vários centros de interesses juridicamente protegidos e que acabam tornando o processo tradicional ineficaz, visto que um dos erros deste modus operandi, é que se tem a falsa sensação de que está tudo se resolvendo, focando-se apenas no mais evidente e não na causa real do problema. Assim, não produz resultados sociais significativos (VITORELLI, 2018).
Nasce com isso, uma necessidade de modificação da estrutura processual, a fim de solucionar as novas lides sociais, abrangendo toda a complexidade do conflito e o seu dinamismo social por meio da reestruturação do próprio sistema. Portanto, a análise dos efeitos diretos e indiretos do comportamento institucional, os recursos fundamentais e suas fontes, os impactos colaterais da mudança causada pelo processo sobre os demais atores sociais que interagem com a instituição, no meio de outras deliberações, é que farão a diferença nesse contexto.
3. PROCESSO ESTRUTURAL COMO REGULADOR DO PODER NO ORDENAMENTO PROCESSUAL
O processo estrutural configura-se numa ação coletiva ou individual, que visa a chegar a um estado de conformidade absoluta, recompondo-se uma estrutura burocrática que tinha sido afetada, podendo esta estrutura ser pública ou privada. Uma vez que é viabilizada a ocorrência de uma violação devido ao seu funcionamento, acaba-se, assim, gerando um litígio estrutural. Com isso, o processo estrutural tem alguns obstáculos, como ouvir todas partes e grupos de diferentes interesses, mesmo com todas complexidades e conflitos, como também a produção de medidas que possam viabilizar uma mudança no plano de funcionamento de instituição. Esses obstáculos devem ser levados em conta, estando atento ao objetivo principal, que é não agir de maneira indesejável. Deve-se sempre visar a melhor avaliação de resultados para garantir os efeitos sociais pretendidos no início do processo. Portanto, buscar a melhor resolução para o caso, observando o futuro para que não exista o mesmo problema, deixando em estado de conformidade total (VITORELLI, 2021)
O processo estrutural opera mais como um meio para reposicionar o poder; assim, concentrando em outras esferas o juiz atua mais como um agente negociador, sem a figura de decisão e imposição. Portanto, não é todo litígio coletivo que vai implicar o ajuizamento de uma ação coletiva, assim como também um litígio estrutural não será tratado por um intermédio de um processo não estrutural. Observando um processo que visa apenas resolver as consequências de atos, como em numerosos processos individuais, os objetivos são pontuais, apenas pelo interesse da pessoa afetada pelo litígio (VITORELLI, 2021)
3.1 Processo estrutural segundo Vitorelli
Vitorelli mostrou novas bases e conceitos para o modelo processual coletivo brasileiro traçado na visão de “teoria dos litígios coletivos”, a partir da qual propõe novas ideias, incluindo o de processo estrutural.
Vitorelli (2020, p. 24) declara que um litígio é coletivo quando há conflito de interesses “envolvendo um grupo de pessoas, sendo um pouco amplo, que é lesado enquanto sociedade, sem que haja, por parte do adversário, atuação direcionada contra alguma dessas pessoas em particular, mas contra o todo”.
O autor buscou na Sociologia o significado de sociedade e escolheu a proposta de Elliott e Turner (2012 apud VITORELLI, 2019), onde afirmam que "os diversos conceitos de sociedade, encontrados no pensamento de vários sociólogos, podem ser classificados em três grupos": sociedade como base, solidariedade ou criação. Nesse contexto, a primeira concepção vê a sociedade, de acordo com Vitorelli (2020, p. 25-26), como um:
[...] conjunto de concepções que veem a sociedade como um discurso de ordem social, normas e estrutura, com prioridade para o conjunto em detrimento do indivíduo. É uma linha que surge ainda com a Sociologia clássica de Durkheim e Marx. A sociedade como estrutura tem uma forte interseção com a teoria do Estado, que é a sua manifestação mais evidente. A sociedade, para Durkheim, é um todo orgânico, e não uma agregação de indivíduos, o que o identifica como fundador do funcionalismo estrutural. O Estado provê a orientação geral da sociedade.
De acordo com seu entendimento, na segunda fase, a sociedade é observada como uma união de pessoas que compartilham sentimentos e ideias semelhantes, sendo as relações sociais "intrinsecamente interpessoais, dialéticas e baseadas na compreensão ou consenso mútuos em relações como uma tendência à unidade” (ELLIOT; TURNER, 2012 apud VITORELLI, 2019, p. 27).
Na terceira fase, tem-se a sociedade como criação, sendo essa a melhor que possa definir a sociedade atual e moderna, a qual fica distante do mundo fixo, atrelando-se somente e indiretamente a um espaço, uma vez que “as pessoas vivem em sistemas sociais” onde suas relações estão em frequente mudança, sendo elas distantes e fluídas (ELLIOT; TURNER, 2012 apud VITORELLI, 2020, p. 26). No mesmo viés, a importância da sociedade como um inteiro e como um todo, perde espaço para a importância nos diálogos estabelecidos entre os indivíduos na sociedade em que existem indivíduos em constante interação, podendo ser breve ou prolongada (SIMMEL, 1983 apud VITORELLI, 2020, p. 27)
Vitorelli (2020, p. 28-30) propõe duas variáveis significativas: conflitualidade e a complexidade. Ele define a coletividade como um conflito envolvendo uma sociedade. A primeira variável refere-se ao nível de conflito interno entre os membros do grupo, enquanto a segunda refere-se à relação que se estabeleceu entre a lei e o direito, ou seja, à possibilidade de existirem diferentes formas de fazer valer a relação entre o litígio e o direito, bem como as várias formas para tutelar o direito e como serão executadas.
Com base na exposição, Vitorelli (2020, p. 32) cria uma tipologia jurídica onde coletivamente “em situações de integridade, a titularidade do direito é determinada com base nas características do litígio, e não com base na análise abstrata dos direitos".
Toda violação interage com o direito transindividual de corrigir um conteúdo único e irrepetível que servirá de ponto de partida para sua análise (VITORELLI, 2020). Por exemplo, ocorrência à violação do direito ao meio ambiente, onde é determinado que os seus titulares podem, então, se beneficiar de uma eventual tutela judicial, conforme cita Vitorelli (2020, p. 32).
Logo, cada litígio coletivo apresenta um direito transindividual único e específico decorrente da interação entre o direito íntegro e a violação, que pode ser enquadrado em categorias, de acordo com as diferentes situações de violação. Propõe-se, da mesma forma que Elliott e Turner dividiram os diferentes conceitos de sociedade em três categorias, fixar três categorias de litígio transindividuais, às quais correspondem distintas atribuições de titularidades, de acordo com a natureza da lesão.
Vitorelli (2020) sugere três categorias de litígios coletivos: globais, locais e irradiados. Os litígios coletivos globais, ainda de acordo com o autor, ocorrem quando a violação do direito transindividual de uma pessoa não prejudica diretamente os interesses de outra pessoa, sua titularidade deve ser imputada à sociedade concebida como estrutura.
A tutela interessa genericamente a todos razão pela qual a proteção do direito legal não se justifica em relação a determinados indivíduos. Por afetarem a sociedade como um todo, distinguem-se pelo baixo potencial de conflito. Gradualmente, a tutela jurisdicional se concentrará mais no bem-estar do grupo do que na satisfação pessoal de uma pessoa (VITORELLI, 2020).
Nos litígios coletivos locais, a lesão atinge profundamente os membros de uma sociedade que possuem laços sociais de solidariedade que os distinguem como uma comunidade diferenciada de segmentos sociais. Dado o conjunto de perspectivas sociais, não há conflito entre os titulares do direito, pois as diferenças entre os proprietários legítimos não obscurecem o objetivo do grupo. A complexidade, no entanto, “tende a ser maior que os litígios globais, pois existe a exigência de que a tutela jurisdicional proporcione reparação tanto do ponto de vista individual quanto do coletivo” (VITORELLI, 2020, p. 34-36). Portanto, a tutela coletiva é obtida por restauração individual com atenção na prestação jurisdicional.
Já os litígios coletivos irradiados dizem a respeito às leis que atendem a uma sociedade de forma heterogênea, observando que seus integrantes não constituem a mesma sociedade, não compartilhando da mesma visão e natureza social, sendo que sofrem das várias intensidades do litígio. Quanto à resolução desses litígios, que configuram-se como “mutáveis e multipolares, opondo o grupo titular de direito não apenas ao governante, mas a si mesmos”, têm-se a divergência entre os lesados (VITORELLI, 2020, p. 37).
Diante dessas observações sobre as categorias de litígio, Vitorelli (2020, p. 39) ressalta que:
[...] uma vez que as pessoas sofrem lesões significativas o bastante para desejarem ter suas vozes ouvidas, mas essas lesões são distintas em modo e intensidade, o que potencializa as diferenças em suas pretensões. A sociedade está em conflito não apenas com o causador do dano, mas também consigo mesma. A complexidade também é sempre elevada, uma vez que a tutela jurisdicional precisa dar conta de diversos aspectos distintos da lesão, com inúmeras possibilidades de solução, todas com relações variáveis de custo-benefício. A análise, no caso dos litígios complexos, se afasta do binômio lícito-ilícito e se aproxima, inevitavelmente, de considerações que dependem de inputs políticos, econômicos e de outras áreas do conhecimento. Os problemas são policêntricos e sua solução não está preestabelecida na lei, o que acarreta grandes dificuldades para a atuação jurisdicional.
A ideia de sociedade como criação é mais adequada para descrever o grupo de pessoas lesadas em um litígio irradiado. Diante disso, a comunidade é a interação que existe entre seus membros devido à sua fluidez e a composição de vários titulares de direitos transindividuais. Como resultado, a sociedade não deve ser tratada de forma despersonalizada, pois as consequências da lesão são vistas de diferentes formas e vivenciadas por indivíduos de várias maneiras (VITORELLI, 2019).
O litígio coletivo irradiado tem como subespécie o litígio coletivo estrutural, assim caracterizando-se por uma variedade de subgrupos sociais que são violados de diferentes formas e em graus variados, afetando cada um deles. Nesses grupos, existem interesses diferentes que acabam gerando uma falta de coesão social. No entanto, esta categoria difere-se “na medida em que o dano resulta da operação de uma estrutura burocrática, pública ou privada, que pode ser alguma instituição política ou programa, e que sua dissolução requer a reformulação dessa estrutura” (VITORELLI, 2020, p. 52-60).
Portanto, o processo judicial coletivo que "causa, fomenta ou viabiliza a ocorrência de uma violação de direitos pela forma como funciona" é conhecido como processo estrutural. Este processo pode ser público ou privado e visa reorganizar a estrutura julgada (VITORELLI, 2020, p. 60).
O próximo capítulo abordará os casos paradigmáticos no processo estrutural.
4. CASOS PARADIGMÁTICOS NO PROCESSO ESTRUTURAL
4.1 ADPF n° 347
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347 foi proposta pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), inspirada em um julgado de 1997 da Corte Constitucional da Colômbia e pede o reconhecimento do “estado de coisas inconstitucional” do sistema prisional, além de medidas para interromper a violação generalizada de direitos humanos nos presídios e proteger a dignidade, a vida e a saúde das pessoas presas. A medida cautelar foi julgada pelo Supremo Tribunal Federal e, com isso, a ideia de processo estrutural passou ser amplamente discutida, pois além das medidas cautelares, requereu-se a elaboração de um plano nacional visando em três anos medidas como a superação do quadro atual, redução da superlotação, diminuição dos presos provisórios, adequação dos alojamentos e instalação e a separação dos presos por gênero, idade e situação processual.
No julgamento da demanda, em seu voto, o relator ministro Marco Aurélio identificou a existência de um litígio estrutural no qual, segundo o ministro, diversos dispositivos nucleares de direito fundamental da Constituição Federal foram ofendidos: o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III); a proibição de tortura e tratamento desumano ou degradante de seres humanos (artigo 5º, inciso III); a vedação da aplicação de penas cruéis (artigo 5º, inciso XLVII, alínea “e”); o dever estatal de viabilizar o cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e sexo do apenado (artigo 5º, inciso XLVIII); a segurança dos presos à integridade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX); e os direitos à saúde, educação, alimentação, trabalho, previdência e assistência social (artigo 6º) e à assistência judiciária (artigo 5º, inciso LXXIV) (BRASIL, 2015, p. 7).
Em sua decisão, o ministro Marco Aurélio, em 2015, aponta mau funcionamento das instituições, ou seja , a própria estrutura institucional cria o litígio, seja por transgressão da legislação interna dos presídios, a lei de execução penal, a qual é clara em proteger diversos direitos que não são respeitados, como cela individual salubre e com área mínima de seis metros quadrados e da Lei Complementar n° 79/94, que cria o fundo Penitenciário Nacional - FUPEN, gerido pela União, dificultando o financiamento de novas políticas públicas (BRASIL, 2015, p. 9).
O relator destacou a responsabilidade dos três poderes em relação ao atual cenário do sistema carcerário, evidenciando a clara ineficiência das ações estatais. Marco Aurélio denominou como “falha estatal estrutural”, pois as leis que já existem não são cumpridas, devido à incomunicabilidade dos Poderes Legislativo e Executivo. O relator destaca que a solução para os designados litígios estruturais se inicia com “alocação de recursos orçamentários, ajustes nos arranjos institucionais e nas próprias instituições, novas interpretações e aplicações das leis penais, enfim, um amplo conjunto de mudanças estruturais, envolvida uma pluralidade de autoridades públicas”. Diante disso, a resolução do litígio somente terá êxito com a coordenação oriundas da União, dos estados e do Distrito Federal por meio de intervenções legislativas, executivas, orçamentárias e interpretativas (BRASIL, 2015, p. 13).
Diante da situação fática, a decisão liminar do relator restringiu-se em apenas determinar que o Conselho Nacional de justiça regulasse a implementação da audiência de custódia e que a união liberasse as verbas do Fundo Penitenciário Nacional.
Conforme todo o exposto, fica evidenciado que a Arguição de Descumprimento Fundamental (ADPF) 347 possui elementos suficientes para ser um processo estrutural, pois existe direitos de toda uma coletividade sendo ofendidos por falhas estruturais do próprio estado, decorrente das políticas públicas prisional e criminal, que para a solução necessita da atuação dos três poderes por meio de um diálogo institucional.
O caso em questão adequa-se claramente ao conceito de processo estrutural descrito por Didier, Zaneti e Oliveira, em que configuram o problema estrutural por um quadro de ilicitude contínuo e permanente ou por uma situação diversa do estado de coisas considerado ideal. Em suma, ele equivale a um “estado de desconformidade que demanda intervenção estruturante e pode ou não ter sido gerado por condutas ilícitas, podendo ou não gerar ilícitos” (DIDIER; ZANETI; OLIVEIRA, 2020, p. 104-105).
4.2 Barragem Brumadinho
As barragens I, IV e IV-A, do Complexo Minerário Córrego do Feijão pertencentes a mineradora Vale S/A, romperam-se despejando cerca de 13 milhões de rejeitos. A lama ocasionou a morte de 270 pessoas, destruição de casas, estradas, ferrovias, alcançando o rio Paraopeba, impossibilitando a locomoção, acesso a água e até mesmo as atividades econômicas. A avalanche acarretou impactos graves ao meio ambiente, além de impactos sociais e econômicos em toda região. O Ministério Público de Minas Gerais, após o desastre, agiu rapidamente em todas as frentes, no intuito de proteger os direitos dos lesados e a responsabilização dos envolvidos (RODRIGUES, 2022).
O conceito do processo estrutural, já apresentado linhas atrás, pode ser observado no estado de desconformidade das coisas, na multiplicidade de interesses envolvidos na lide estrutural, ultrapassando a lógica binária dos processos individuais. No caso de Brumadinho, verifica-se a vasta demanda de interesses, pois o rompimento da barragem afetou, direta ou indiretamente, mais de 35 municípios mineiros, acarretando uma série de demandas de reparação socioeconômica das comunidades, reparação ambiental, indenizações referentes os danos materiais e morais, programas de transferência de renda às comunidades atingidas, dentre outras (BRASIL, 2019).
A coletividade está presente no caso Brumadinho, pois a grande maioria dos processos estruturais são de natureza coletiva. Em Brumadinho, fica evidente o dano ao coletivo, uma vez que toda a comunidade foi afetada, prejudicando sua estrutura, justificando as inúmeras ações civis públicas demandadas nesse período (BRASIL, 2019).
A terceira característica típica referente ao aspecto material da lide seria a complexidade, devido a multipolaridade envolvida, possibilitando que um problema tenha variadas soluções, surgindo diferentes formas de alcançá-las, tendo como objetivo não somente a solução da lide em questão, mas da causa raiz do problema. A complexidade no caso de Brumadinho é inquestionável. A quantidade de questões que o juízo deverá decidir é considerável, e vão de indenizações até mesmo o plano de recuperação socioeconômico e ambiental. Diante do caso exposto, entende-se que o processo estrutural tem como objetivo envolver as partes envolvidas nas decisões judiciais (DIDIER; ZANETI; OLIVEIRA, 2017). Ademais das características materiais, será analisada a ação de Tutela Cautelar em Caráter Antecedente com Pedido de Liminar proposta pelo Ministério Público de Minas Gerais e a petição inicial proposta pelo Ministério Público Federal, tendo em vista que ambas possuem elementos que caracterizam como processo estrutural (BRASIL, 2019).
A ação n° 5044954-73.2019.8.13.0024 de Tutela Cautelar em Caráter Antecedente com Pedido Liminar, pediu bloqueio dos bens do réu, para garantir a reparação do dano causado e viabilizar as medidas emergências. Na decisão, foram deferidos os pedidos solicitados tendo em vista a dimensão dos danos causados e do risco iminente de rompimento da barragem VI (BRASIL, 2019).
Na ação, foram utilizadas composições consensuais extraprocessuais a fim de se solucionar os problemas ocasionados pelo rompimento das barragens, evitando-se acionamento do poder público. Com isso, três recomendações foram expedidas pelo Ministério público. A primeira recomendação, PJ-CEDEF N° 01/2019, orientou a ré a elaborar um plano emergencial de localização de resgate dos animais atingidos. Já a recomendação PJ-CEDEF N° 02/2019 orientou a Vale S/A a verificar os pontos de escassez hídrica. A PJ-CEDEF N° 03/2019orientou a mineradora sobre a mortalidade da fauna aquática no curso afetado pelos rejeitos. Todas as recomendações possuíam objetivo fixo, com fixação de prazo e de envio de relatórios (BRASIL, 2019).
Foram firmados termos entre a mineradora e a União para custear contratação e remuneração de laboratório para análise da água usada no abastecimento. Já entre o Ministério Público Federal e o Povo Indígena Pataxó HãHãHãe Pataxó da Comunidade NaôXohã, que estava representando a FUNAI, foram firmados termos sobre a implementação de medidas emergenciais no intuito de mitigar os danos econômicos e ambientais causados a comunidade indígena. O pacto firmado com a Defensoria Pública foi no tocante à regulamentação das indenizações dos danos morais e materiais das vítimas. Com o Ministério Público de Minas Gerais, Ministério Público Federal, Defensoria Pública Estadual e da União ficou acordado o fornecimento de assessoria técnica, a fim de propiciar o direito à informação para as pessoas lesadas pelo rompimento. Por fim, foi firmado pacto com o Estado de Minas Gerais para o custeio das despesas na contratação dos servidores temporários no qual foram lotados em diversos cargos públicos desde o início do rompimento da barragem (BRASIL, 2019).
Na referida ação, foram realizadas dezesseis audiências, nas quais foram discutidas as questões do referido processo e de outras ações em virtude da conexão. As audiências contaram com a presença dos órgãos públicos responsáveis pela reparação do dano, de organizações não governamentais, da comunidade atingida, do Poder Legislativo Municipal e da Universidade Federal de Minas Gerais. As audiências iniciais tiveram como finalidade buscar a solução para os problemas de abastecimento das regiões afetadas; posteriormente, a Vale S/A concordou no pagamento de assistência técnica especializada, escolhida pelos atingidos (BRASIL, 2019).
A Universidade Federal de Minas Gerais, com objetivo de avaliar e de identificar a amplitude dos danos causados pelo rompimento da barragem, elaborou o Projeto de Avaliação de Necessidades Pós-Desastre do Colapso da Barragem da Mina Córrego do Feijão, propondo também a criação de um comitê técnico que atuaria como perito judicial, auxiliando o juízo nas questões específicas (BRASIL, 2019).
A matéria principal nas audiências realizadas referia-se ao pagamento emergencial para ajudar as famílias afetadas, tendo-se em vista que estavam impossibilitadas de exercer atividade econômica e necessitavam de renda para sua subsistência. Os pagamentos foram realizados após acordo entre o Estado de Minas Gerais e a mineradora Vale S/A por meio do processo eletrônico nº 5010709-36.2019.8.13.0024 (BRASIL, 2019).
Nesta mesma ação, foram realizadas duas reuniões extraprocessuais. Na primeira reunião, a AECOM do Brasil Ltda. apresentou os relatórios das auditorias realizadas e foram discutidas as ações que estavam em vigência para garantir a estabilidade das estruturas do Complexo Córrego do Feijão. Nesta reunião, estavam presentes os representantes da Vale S. A., MPF, Advocacia Geral da União, MPMG, Corpo de Bombeiros. Já na segunda reunião extraprocessual, foi disponibilizado o terceiro relatório de auditoria concluído, fixando o comprometimento que os rejeitos lançados até o rio Paraopeba seriam retirados e que não seria realizado o reaproveitamento, e sim o descarte. Foram discutidos meios e métodos técnicos para a obtenção de água para os afetados do Córrego Pires e o estudo de obras para propiciar a estabilidade das demais estruturas (BRASIL, 2019).
Na petição inicial, o Ministério Público Federal age em face da Agência Nacional de Mineração (ANM), destacando que os litígios coletivos nem sempre surgem de uma ilegalidade isolada, mas sim de reiteradas ações que ocasionam resultados ilícitos. Nesta mesma petição, o Ministério Público Federal enfatiza o sucateamento da Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), autarquia vinculada ao ministério de minas e Energia, e da ANM. A falta de recursos humanos e fiscalizatórios é comprovada por meio do memorando n° 242/2011, presente nos autos que o estado de Minas Gerais, mesmo respondendo por aproximadamente 48% do PIB mineral brasileiro, conta apenas com cerca de 7% do quadro de servidores do DNPM, ficando evidente o acúmulo de serviços e a morosidade nos serviços prestados pelo DNPM, sucedido pela ANM. (BRASIL, 2019)
Comprova-se a ineficácia da autarquia no cumprimento das suas funções por meio da análise do Tribunal de Contas da União (TCU) presente nos autos, constatando que o estado mineiro possui cerca de 144 (cento e quarenta e quatro) barragens de rejeitos que não foram vistoriadas se quer pelo menos uma vez entre 2012 e 2015 (BRASIL, 2019).
Na ação, o Ministério Público Federal destaca que a má gerência das políticas orçamentárias da União impossibilitou a DNPM de realizar suas funções principais. Neste caso, a estrutura burocrática diante do seu falho funcionamento dá origem ao litígio estrutural (VITORELLI, 2021).
No mérito da ação em questão, o autor alega que a pretensão da demanda é reorganizar a estrutura burocrática pública entre a União e a Agência Nacional de Mineração, a fim de propiciar ao cidadão o direito constitucional de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e que este direito não continue sendo lesado por tragédias como esta, que irresponsavelmente se repetem (BRASIL, 2019).
Na petição inicial, o MPF entende que como se trata de um problema estrutural, não poderia ser conduzido por um processo civil comum. Em seguida, o MPF descreve como se organiza o processo estrutural, sendo estes tópicos os pedidos que serão apresentados. No primeiro momento, deve ser identificada a amplitude do litígio, permitindo-se a participação de diferentes grupos interessados. Posteriormente, seria necessário a elaboração de um plano para a reorganização da instituição, e sua implementação poderia ser de forma compulsória ou negocial. Após a implementação, deve-se avaliar, por meio da participação dos grupos afetados, se o resultado social do processo foi alcançado ou se necessita de alguma correção. Por fim, após a revisão do plano implantando, verifica-se sua aplicação até que o litígio seja solucionado, alcançando-se, assim, o resultado social e a reorganização da estrutura (BRASIL,2019).
A proposta apresentada pelo MPF, não se enquadra na resolução dos conflitos por uma “canetada”, e sim na migração do Poder Judiciário de um modelo repressivo para um resolutivo e participativo. De acordo com as ideias de Didier Jr. e Zaneti Jr, o juiz abre mão da centralidade no processo devido à complexidade do problema da escolha das medidas necessárias, permitindo ao processo a ampla participação de todos os envolvidos, inclusive a sociedade civil, para delimitação de um programa de resolução do conflito, com fundamento nos princípios da solução consensual (DIDIER; ZANETI, 2017).
5 A POSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DAS MEDIDAS ESTRUTURAIS NO CASO PETRÓPOLIS/RJ
Devido à sua localização na Região Serrana do estado do Rio de Janeiro, a cidade de Petrópolis é frequentemente afetada por desastres naturais, como deslizamentos de terras. Tais desastres, na grande maioria dos casos, são provocados por tempestades de alta densidade, resultando em desastres ambientais complexos.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município de Petrópolis é o décimo sexto maior em extensão territorial do estado do Rio de Janeiro, dividido em cinco distritos: Petrópolis, Cascatinha, Itaipava, Pedro do Rio e Posse. O município é composto por áreas rurais e urbanas, com altitude média de 845 metros. Essa diversidade de espaço e uso da terra é uma característica significativa da comunidade (IBGE, 2020).
Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Petrópolis está localizada na Área de Proteção Ambiental (APA), criada em 1982, possuindo o seu bioma predominante a Mata Atlântica. A finalidade da criação desta APA foi a preservação dos remanescentes da Mata Atlântica, uma vez que o objetivo é o uso sustentável dos recursos naturais dela, sua conservação do conjunto cultural e paisagístico e melhoria da qualidade de vida na região. Não obstante, com o passar dos anos, o município foi apresentou um grande desenvolvimento urbano, a vegetação nativa foi substituída por uma maior ocupação de pessoas, ou seja, desmatada para dar lugar a ocupações irregulares e desordenadas, deixando a região mais sensível para deslizamentos (GUERRA et al., 2007).
Vale ressaltar que o foco deste estudo é o município de Petrópolis, que é frequentemente afetado por desastres naturais como transbordamentos e enxurradas devido a sua localização em uma área com expressiva declividade e relevo. O rio Quitandinha é responsável pelo maior histórico de transbordamentos do estado e tem um rápido tempo de resposta às tempestades que ocorrem na região da baía (CARMO et al., 2018). Mais de 3.000 deslizamentos atingiram a região serrana do estado do Rio de Janeiro em 2011, matando milhares de pessoas e prejudicando gravemente a infraestrutura urbana e rural da região (COELHO NETTO et al., 2013).
No ano de 1988, ao todo 171 pessoas morreram vítimas de outra tempestade que assolou a região, segundo dados da Defesa Civil. O primeiro registro divulgado pelo órgão é de 1966, quando houve 80 óbitos. No dia 5 de fevereiro de 1988, uma sexta-feira, desabou sobre Petrópolis outra chuva torrencial que também destruiu parcialmente a Cidade Imperial. A tragédia, há 34 anos, deixou ainda mais de 4 mil desabrigados e milhares de feridos. Os dados de óbitos constam no Plano de Contingência para Inundações da Defesa Civil de Petrópolis. Depois de 1988 e de 2022, o pior desastre na cidade foi registrado em 1979, com 87 mortes. Em 1966, houve 80 mortos. Na sequência vêm as tragédias de 2011 da Região Serrana, 73 mortes, outra em 2001, com 51 mortes, e outra em 2013, com 13 mortes (SATRIANO, 2022)
Na catástrofe em 1988, no tocante às chuvas e deslizamentos na região, barreiras desabaram e caíram em pelo menos 500 ruas, dificultando, assim, os acessos a Petrópolis pela BR-040, que ficaram bloqueados em ambos os sentidos, evidenciando o problema estrutural na região metropolitana do Rio de Janeiro (SATRIANO, 2022).
Trinta e quatro anos passaram-se desde aquela noite de fevereiro de 1988. Ainda assim, a resposta do poder público continua precária. Registrou-se, na época, que a escassez no efetivo foi, a princípio, suprida por quase 40 militares do Exército que imediatamente foram para as ruas (SATRIANO, 2022).
Foi registrado que as equipes de resgate, considerando homens da Defesa Civil de Petrópolis, da Polícia Militar e do Exército, somavam 800 pessoas. Mesmo assim, apontava-se que o efetivo era insuficiente para lidar com a tragédia humanitária. Dito isso, o cenário de 1988 repetiu-se assolando a população petropolitana no último dia 15. Portanto, foi feita a remoção de escombros (SATRIANO, 2022).
Para a classificação de um desastre natural, observados os casos de deslizamento ou transbordamento, é fundamental que haja uma grande implicação na região no que diz a respeito à relação da população humana com o meio ambiente. Catástrofes ambientais devem ser compreendidas a partir do momento que é feita uma análise de consequência e resultados da dificuldade de interação entre um evento físico potencialmente prejudicial, como os citados anteriormente, e a fragilidade de uma população que está a ele está exposta. Portanto, esses eventos têm diferentes graus de impacto e as pessoas atingidas, assim como a região, podem ter dificuldade de reestruturação, que pode levar anos (LICCO, 2013).
Diante das informações expostas, identifica-se a existência de um litígio estrutural, pois apresenta características típicas como multipolaridade, coletividade e complexidade. Os deslizamentos em Petrópolis/RJ afetam a comunidade como um todo, podendo ocorrer as mais diversas lides, como a morte de centenas de pessoas, destruição de casas, carros, inundações de ruas, bem como a paralisação da atividade econômica na região (PUENTE, 2022).
Além de Petrópolis apresentar características explícitas de um litígio estrutural, verifica-se o mal funcionamento da estrutura pública que, mesmo com o conhecido caráter cíclico das catástrofes, não foram realizados procedimentos eficazes a longo prazo para conter a tragédia. As medidas realizadas pelos governos municipais e estaduais apenas amenizam o problema já existente, mas não são capazes de combater a causa raiz da lide.
Devido a tragédia em 2011, Petrópolis foi a cidade escolhida para participar do projeto GIPES, uma cooperação técnica-cientifica com o Japão, para o treinamento das defesas civis locais, porém o projeto foi encerrado em 2018 por falta de interesse do governo na renovação. O mesmo ocorreu com o Plano Municipal de Redução de Riscos, levantamento realizado pela Prefeitura de Petrópolis que desde 2007 já indicava os locais de perigo (RESENDE, 2022).
Uma nova versão do Plano Municipal de Risco foi realizada novamente em 2017, pela empresa Theopratique Obras e Serviços de Engenharia e Arquitetura constatou mais de 27.704 imóveis em situação de risco alto ou muito alto. O plano possui detalhamento específico apontando quais recursos deveriam ser investidos em cada área, em ações como reassentamento, saneamento básico e infraestrutura. No referido Plano, das 102 regiões, destaca-se que o Oswero Vilaça, possui mais casas em perigo, local este conhecido como Morro da Oficina, local crítico da tragédia de 2022 (CORSINI; MARTINI; ROCHA, 2022).
O Governo Municipal de Petrópolis sempre esteve ciente dos perigos envolvendo as chuvas, porém se manteve inerte. Neste caso, a estrutura burocrática pública que viabilizou a ocorrência do litígio estrutural necessita ser reorganizada a fim de sanar o litígio enraizado (VITORELLI, 2018).
Uma vez reconhecida a existência de um processo estrutural, e como de início não há um procedimento especial para a reestruturação de situações em desconformidades, pode ser usado o processo falimentar como base para o processo estrutural, que se desdobra em duas fases (DIDIERJ; ZANETI; OLIVEIRA, 2020). A primeira fase destina-se à análise da existência do processo estrutural, por meio das características essenciais dos litígios nesta fase, sendo necessário atenuar-se a regra da congruência objetiva externa, permitindo-se a possibilidade de alteração do objeto do pedido e que todos os grupos de interesse sejam ouvidos, de acordo com o artigo 385 do Código Civil (BRASIL, 2015).
Devido à impossibilidade de definir previamente os procedimentos no processo estrutural, por causa da variação dos litígios estruturais, uma vez que variando o objeto da ação alteram-se os procedimentos a serem utilizados, é imprescindível a utilização da consensualidade na possibilidade de ajustar os negócios processuais em consonância com o artigo 190, do CPC, bem como a flexibilidade nos procedimentos processuais, como a atipicidade dos meios (art. 369, CPC), a atipicidade das medidas executivas previstas (art. 139, IV, e art. 536, 1º, CPC) e a atipicidade dos instrumentos de cooperação judiciária (art. 69, CPC), possibilitando, assim, abertura de processo para a participação de terceiros, garantindo-se maior legitimidade democrática.
O Ministério Público, a Defensoria Pública, Defesa Civil, representantes do Legislativo e Executivo Municipal deverão usar essencialmente as reuniões extraprocessuais e as audiências otimizando-se a produção probatória, adequando-a para o problema em pauta. (DIDIERJ; ZANETI; OLIVEIRA, 2020). Esse instrumento foi utilizado nas Ações Civis Públicas do caso Brumadinho já citado, no qual houve elevado uso das audiências que possibilitaram a troca mais rápida de informações e a rapidez das demandas (DIDIERJ; ZANETI; OLIVEIRA, 2020).
Em um primeiro momento, o processo estrutural buscará identificar a desconformidade e apurar os direitos fundamentais lesados, bem como os sujeitos afetados. No caso de Petrópolis, partes dos seus moradores foram atingidos em consequência do estado de desconformidade que feriu inúmeros direitos fundamentais. Vencida esta primeira etapa, surge a necessidade da criação de um plano de alteração do funcionamento da instituição, por meio da decisão estrutural, estabelecendo-se as metas a serem atingidas com objetivo de sanar o problema raiz, que seria o mal gerenciamento do governo municipal e estadual em relação ao trabalho de fiscalização e de contingência das áreas de riscos, como enchentes, deslizamentos (VITORELLI, 2018).
Após a decisão estrutural, permite-se estabelecer os mecanismos para uma melhor reestruturação pretendida no processo. Caso o juiz sinta a necessidade, pode se informar com “experts” sobre os melhores caminhos para a sua decisão para alcançar um estado ideal. Como se refere à reestruturação da organização burocrática defeituosa de Petrópolis, bem como aplicação de políticas públicas que deverão ser aplicadas, por conta do seu vasto processual, o juiz declina do seu papel central no processo, possibilitando-se que a discussão do litígio seja mais aprofundada por peritos, Defesa civil, Corpo de bombeiros, Ministério Público, legislativo municipal, podendo também afirmar que esses meios sejam definidos em momentos posteriores, tendo em vista que essa é a fase mais duradoura do processo estrutural, pois não esgota a função jurisdicional, e também representa a fase mais participativa do juiz no processo, para a correção do estado de desconformidade (DIDIERJ; ZANETI; OLIVEIRA, 2020).
Em um segundo momento, a fase do processo estrutural é iniciada com a concretização das medidas cabíveis para o alcance do objetivo determinado na decisão estrutural de Petrópolis. Diferentemente da primeira fase, que tem como objetivo o reconhecimento do efeito pretendido, o objetivo dessa segunda fase é a implementação dos modelos necessários para a obtenção do resultado pretendido no início do processo, o que não significa dizer que o entendimento da segunda etapa se resume apenas à identificação da meta final. É de suma importância detectar e entender os mecanismos necessários para a sua obtenção (DIDIERJ; ZANETI; OLIVEIRA, 2020).
Na segunda fase do processo estrutural, faz-se necessário que a decisão estrutural defina o tempo, modo e grau de reestruturação. O tempo para restruturação geralmente não ocorre rapidamente. Necessita-se de um período de maturação para restauração efetiva e duradora, possibilitando aplicação de medidas mais urgentes (DIDIERJ; ZANETI; OLIVEIRA, 2020).
No caso de Petrópolis, como se trata de reorganizar a estrutura de gestão da Prefeitura e da Defesa civil, no que tange à fiscalização e à prevenção dos deslizamentos e enchentes na cidade, seria algo gradual e levaria um prazo considerado. Porém levando-se em consideração as medidas urgentes como plano de recuperação socioeconômico das pessoas afetadas, mapeamento das áreas de maior risco, remanejamento das famílias em locais de risco, reassentamento, saneamento básico e obras de infraestrutura para prevenção de novas tragédias, esta implementação deve ser realizada com auxílio profissionais devidamente habilitados como a Defesa Civil, considerando-se que o juiz nem sempre dispõe de conhecimento e tempo necessários à implementação desse tipo de decisão (DIDIERJ; ZANETI; OLIVEIRA, 2020).
Para manter e assegurar as medidas da implementação da decisão estrutural no caso de Petrópolis, o juiz deve realizar medidas coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial nos moldes do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil, bem como o juiz poderá impor multa, busca e apreensão e a remoção de pessoas e coisas, além do desmanche de obras e o impedimento de atividade nociva, podendo, caso necessário, requisitar o auxílio de força policial em consonância com o artigo 536, §1° do Código de Processo Civil (BRASIL,2015).
Surge a necessidade da criação de um regime de transição pelo órgão julgador para implementação das medidas entre a situação atual e a que se pretende alcançar, nos mesmos moldes que orienta a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB), em seu artigo 23, do Decreto n° 4.657/1942, e que recentemente foi alterado pela Lei nº 13.655/2018, que preceitua o dever do órgão judicial estabelecer interpretação do conteúdo da norma aplicada, bem como prever regime de transição, para que a decisão seja cumprida de forma proporcional e eficiente, sem prejuízos gerais (BRASIL, 2015).
No caso fático de Petrópolis, tendo-se em vista a complexidade da implementação da decisão, o regime de transição irá atuar na fiscalização/avaliação da aplicação do plano proposto e das medidas estruturantes, podendo ser convencionada a nomeação de um comitê técnico e especializado para o acompanhamento, nos mesmos moldes que ocorre no processo falimentar previsto na Lei nº 11.101/2005, bem como a exigência de relatórios periódicos e a realização de audiências com os envolvidos, além da realização das inspeções judiciais. Nesse momento do processo, é imprescindível que haja amplas discussões e amostra de provas.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo desenvolveu-se em três partes. A primeira parte consistiu na pesquisa bibliográfica, tendo como objetivo apontar a classificação do direito de promover um processo estrutural, buscando suas origens e pressupostos, e foi baseada em estudos de artigos de doutorados; foram também observadas as características do processo em questão, cuja base esteve na produção doutrinária específica sobre o tema de Edilson Vitorelli, Fredie Didier e Sérgio Cruz Arenhart. Em um segundo momento, tratou-se do prosseguimento do conceito de processo estrutural, indispensável para o estudo da jurisprudência, feita na terceira parte da pesquisa, na qual se analisaram os casos e os deslizamentos causados pelas chuvas em Petrópolis/ RJ.
Os pressupostos que inicialmente foram vistos se referiam ao fato de que o processo estrutural é direito fundamental e que as ações em tela têm cabimento ao estabelecido desse processo.
Para a obtenção dos pressupostos, o entendimento do conceito de processo estrutural apresentou-se como o ponto central no artigo, pois, apesar de se aprofundarem alguns conceitos desse tema na doutrina, pretendeu-se ajudar com as discussões sobre o assunto, tendo-se chegar a uma uniformidade.
Tendo-se em visa que o processo estrutural representa um procedimento que tem sua adaptação destinada a proteger direitos fundamentais, tudo deve ser resolvido na medida do possível, observando-se decisões precisamente corretas e materialmente justas, pois, trata-se de um direito fundamental a um procedimento posto.
De acordo com o que se diz a respeito do processo estrutural e ações judiciais que foram vistas, sendo verificada a presença ou não dos componentes essenciais do conceito visto no presente artigo, notou-se que tais ações almejaram impedir a ocorrência de danos e reparar aqueles causados pelos deslizamentos na região de Petrópolis/ RJ, mas não foram destinadas a corrigir os problemas estruturais de políticas públicas de segurança da cidade de Petrópolis/ RJ, seja em uma instituição pública ou privada.
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[1] Estudante do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA a que está vinculado.
[2] 4Professor Mestre do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA. Mestre em Direito pelo Programa de Pós Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Especialista em Direito Processual pela Universidade Federal do Piauí- UFPI.
Estudante do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA a que está vinculado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Karl Marwin Silva. Processo estrutural e políticas públicas: uma análise a partir do caso Petrópolis/RJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60417/processo-estrutural-e-polticas-pblicas-uma-anlise-a-partir-do-caso-petrpolis-rj. Acesso em: 23 dez 2024.
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