RESUMO: Os direitos fundamentais servem de base garantidora de um Estado Democrático de Direito, pois visam proteger os direitos individuais e coletivos perante a atuação Estatal, garantindo direitos essenciais para que o ser humano possa viver de maneira digna. Nesse sentido, após longos anos de muitos abusos e arbitrariedades sofridos pela classe trabalhadora, finalmente na Constituição Federal Brasileira de 1988, o direito ao trabalho foi expressamente colocado no rol dos direitos fundamentais, como um direito social fundamental a ser protegido. Ocorre que com a Reforma Trabalhista, trazida pela lei 13.467/2017, alguns pontos alterados quando analisados de maneira crítica, se apresentam controversos e revelam a supressão de garantias fundamentais, o que vai de encontro com o princípio da proibição do retrocesso social. Dessa forma o presente artigo, apresenta de forma objetiva uma análise crítica e reflexiva sobre como a Reforma Trabalhista afetou alguns direitos fundamentais e identifica os pontos que possam estar indo de encontro com o Princípio do não Retrocesso Social, pois estes não podem sofrer alterações no que diz respeito a sua efetividade, devendo, portanto serem protegidos contra as arbitrariedades estatais que venham a suprimir ou alterá-los de forma danosa.
PALAVRAS-CHAVE: Reforma Trabalhista. Direitos Fundamentais. Retrocesso Social.
ABSTRACT: Fundamental rights serve as the guarantor of a Democratic State of Law, because they aim to protect individual and collective rights in the face of State action, guaranteeing essential rights so that the human being can live in a dignified way. In this sense, after long years of many abuses and arbitrariness suffered by the working class, finally in the Brazilian Federal Constitution of 1988, the right to work was expressly placed on the list of fundamental rights, as a fundamental social right to be protected. Happens that with the Labor Reform, brought by law 13.467/2017, some points changed when analyzed critically, are controversial and reveal the suppression of fundamental guarantees and reveal the suppression of fundamental guarantees, which goes against the principle of prohibiting social regression. In this way, this article objectively presents a critical and reflective analysis of how the Labor Reform affected some fundamental rights and identify the points that may be going against the Principle of No Social Backlash, because they cannot be altered in terms of their effectiveness, therefore, they must be protected against state arbitrariness that may suppress or alter them in a harmful way.
KEYWORDS: Labor Reform, Fundamental Rights, Social Setback.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo demonstra através de evidências históricas, sociais e jurídicas que algumas das alterações das relações de trabalho advindas da Lei 13.467/2017, podem contribuir para um retrocesso social e jurídico, diante da supressão, violação e flexibilização de alguns direitos e garantias conquistados por trabalhadores através de muitas reivindicações e conflitos vividos ao longo da história.
No primeiro momento busca-se demonstrar toda a evolução histórica do direito do trabalho desde sua origem, trazendo a baila a sua evolução a nível mundial e nacional. Posteriormente traz a abordagem de como o trabalho passou a ser um direito social positivado na Constituição Federal de 1988.
Ademais, apresenta algumas alterações realizadas pela Lei 13.467/2017 que podem em algum momento violar direitos fundamentais e ir de encontro com o que estabelece o princípio do não retrocesso social.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DO TRABALHO
2.1 Origem do Direito do Trabalho
A origem do trabalho possui um viés muito particular dos estágios evolutivos de cada sociedade e sua cultura, nesse sentido sua origem apesar de muito antiga no desenvolvimento da humanidade é observada sob diferentes óticas de acordo com o espaço, o tempo e a cultura da sociedade em que se encontra inseridas. De acordo com Peter Drucker (1995), o trabalho é tão antigo como o ser humano.
Em uma definição da origem da palavra “trabalho”, Leite (2021, p. 26) afirma que “trabalho na antiguidade era um castigo, dando-nos uma ideia de pena, fadiga, tarefa penosa e pesada. Daí a expressão “trabalho”, originada de tripalium, instrumento composto de três paus (estacas) usado para torturar escravos”.
Diante dessa definição é possível identificar o quanto o trabalho significava algo árduo, torturante e visto como sinônimo de punição. Essa definição parte da razão pela qual de fato no decorrer da história o trabalho, dentro de determinada época e contexto social foi sinônimo de situação degradante. Na Grécia antiga, por exemplo, o trabalho era realizado por escravos.
Sob os aspectos religiosos, o cristianismo no auge de sua atuação pregava que a intenção principal do trabalho era de punição pelos pecados cometidos pelos humanos. Assim como, sob outra perspectiva, era visto como os desígnios de Deus para os homens na terra, que os instituía de diferentes habilidades para que todos pudessem cumprir atividades que se destinassem a sua subsistência e sobrevivência no mundo. Nesse entendimento, se manifestou Oliveira:
“As primeiras manifestações de labor humano revelam, portanto, a indissociabilidade entre o esforço despendido naquelas atividades e as necessidades visíveis às quais o homem estava submetido”. (OLIVEIRA, 2018, p.2).
O fato é que essa concepção foi se transformando ao longo da evolução das sociedades e de seus vários períodos históricos, a ponto do trabalho se tornar algo nobre, uma ferramenta essencial para que se alcançasse a liberdade e desenvolvimento pessoal e social.
Observando os princípios de João Calvino (1509 - 1564):
Deus chama cada um para uma vocação particular cujo objetivo é a glorificação dele mesmo. O comerciante que busca o lucro, pelas qualidades que o sucesso econômico exige: o trabalho, a sobriedade, a ordem, responde também ao chamado de Deus, santificando de seu lado o mundo pelo esforço, e sua ação é santa.
Em relação ao Brasil, o trabalho originou-se com a escravização dos índios nativos e dos negros trazidos da África, através do processo de colonização e de exploração do país pelos portugueses, cujo único propósito era o enriquecimento através dos esforços do trabalho escravo.
O fato é que o trabalho passou por grandes transformações ao longo da história, sendo um dos momentos de grande relevância, o ocorrido durante a revolução industrial, onde as máquinas passaram a substituir cada vez mais o trabalho braçal e deram um maior destaque para o enaltecimento do trabalho intelectual.
Assim, da mesma forma que a revolução industrial marcou a transformação do trabalho, também a tecnologia, a ciência, a internet e outras áreas de conhecimento vêm sendo fontes de mudanças e como as relações sociais são dinâmicas, sempre acompanharão essas mutações.
2.2 Evolução do Direito do Trabalho no Brasil
Em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea, oficialmente Lei n.º 3.353, foi a responsável pela determinação da extinção da escravidão no Brasil, sendo o último país das Américas a aderir a abolição da escravidão. Esse fato histórico tornou-se o marco inicial da evolução do Direito do Trabalho no Brasil.
Isso porque, após a proibição do trabalho forçado, muitos negros ficaram sem rumo e sem nenhuma perspectiva de subsistência, os que foram para as cidades eram submetidos a subempregos, a economia informal e ao artesanato, aumentando consideravelmente o número de ambulantes, empregadas domésticas, quitandeiras que não possuíam qualquer tipo assistência e garantias; além de crescente prostituição de mulheres negras. Deste modo, os trabalhos nas fábricas, armazéns, fazendas e manufaturas eram supridos pelos estrangeiros que viviam no país.
No ano seguinte à abolição dos escravos, ocorreu a Proclamação da República, porém os ideais do liberalismo estavam extremamente presentes e os movimentos sociais não foram fortes o suficiente para influenciar o ordenamento jurídico nacional. Já em 1930, no Governo Getúlio Vargas, começou de fato uma discursão sobre uma nova política trabalhista.
Assim, foi com a Constituição de 1934 que finalmente a classe dos trabalhadores pôde contar com avanços sociais que garantiram direitos a liberdade sindical, salário mínimo, jornada de 8 horas de trabalho, proteção do trabalho das mulheres e crianças, repouso semanal e férias anuais remuneradas.
Contudo, foi em 1943 com a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, que os direitos trabalhistas ficaram fortalecidos, porém, somente com Constituição Federal de 1988 que esses direitos ganharam status constitucionais, consagrados como direitos sociais diretamente relacionados a dignidade da pessoa humana, apresentando-se como valor, princípio e direito fundamental do ser humano, tornando a categoria jurídica do trabalho pautada em uma ampla estrutura normativa focada em sua proteção
Vale frisar ainda, que o Brasil sendo membro da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que através de sua Agenda de Políticas Públicas estabelece orientações que definem o que seria um trabalho decente, além de ser signatário de diversas convenções que versam sobre direitos humanos, possui o dever de honrar o compromisso firmado e seguir as premissas pré-estabelecidas por essas organizações.
Assim, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho: “entende-se por trabalho decente um trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna” (OIT, 2010).
3 DIREITO DO TRABALHO COMO GARANTIA CONSTITUCIONAL
3.1 Conceito de Direito Fundamental
Para se entender o que de fato seriam os direitos fundamentais, é importante que se direcione o olhar primeiramente aos direitos humanos, e ao se falar desses não se pode deixar de relacioná-los ao período pós 2ª Guerra Mundial. Isso porque, somente através de uma análise dos efeitos nocivos advindos da guerra foi possível identificar inúmeras barbaridades sofridas pelos homens, que variavam desde soldados submetidos a condições degradantes a experiências com humanos, além de mortes de crianças e inocentes, tudo isso em um cenário em que o homem era visto apenas como um meio utilizado para se alcançar objetivos pessoais de uma classe dominante, era a lei da sobrevivência do mais forte.
Assim, depois de amplas discursões humanitárias e o mundo sofrendo os devastadores efeito da guerra, esse cenário começou a mudar quando em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU amparando e fortalecendo os direitos básicos inerentes aos seres humanos. Ocorre que esses direitos ao serem positivados pela Constituição Federal tornaram-se os Direitos Fundamentais, direitos esses que norteiam nossa Constituição Federal Brasileira, promulgada em 1988.
Ingo Wolfgang Sarlet, afirma que existe uma distinção clara entre direitos fundamentais, direitos humanos e direitos do homem. Nesse sentido, o termo “direitos fundamentais” se aplica ao direito dos seres humanos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado.
3.2 O Trabalho como Direito Social Positivado
Dentre os diversos direitos fundamentais assegurados pela Constituição consta o direito ao trabalho como direito social, conforme preceitua o art. 6º da Constituição Federal de 1988:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Nesse sentido, preceitua Suzéte Reis:
[...], adotar-se-á a concepção que define o direito social do trabalho como aquele direito que visa garantir à pessoa o exercício pleno das garantias asseguradas constitucionalmente, em particular aquelas elencadas no artigo 7º da Constituição Federal de 1988. Assim, o direito social do trabalho inclui não apenas a garantia de acesso ao emprego formal, mas também a proteção contra a despedida arbitrária, as condições dignas de trabalho, a remuneração adequada, a observância das normas de medicina e de segurança do trabalho, incluindo os limites etários e de jornada de trabalho. Inclui ainda a proteção contra o trabalho precário e em condição análoga ao de escravo, a igualdade de gênero, o combate ao trabalho infantil e a todas as formas degradantes de trabalho. (https://periodicos.uninove.br/prisma/article/view/14256/8253).
É importante salientar que para que se chegasse ao reconhecimento dos direitos sociais, foram necessários inúmeros movimentos que representaram lutas de classes, surgidas a partir da Revolução Industrial, dando origem assim a classe trabalhadora. Desta forma, não é incomum dizer que os direitos sociais acabam por se fundir com a própria história do direito do trabalho, pois ambos estão intimamente conectados.
De acordo com o que preceitua José Afonso da Silva ao considerar os direitos sociais como dimensão dos direitos fundamentais:
dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida dos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se conexionam com o direito de igualdade. Valem como pressuposto do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporcional condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.
Nesse contexto, traz a baila Sarlet:
Na história do constitucionalismo brasileiro, a Constituição Federal de 1988 foi a primeira a criar um título especial para os denominados direitos e garantias fundamentais - Título II, culminando na consagração de direitos sociais básicos e de cunho mais geral, com previsão de vasto rol de direitos dos trabalhadores, estabelecidos igualmente no capítulo dos direitos sociais. (Sarlet,2013, p. 554)
Portanto, não se pode negar que o valor do social do trabalho é uma das premissas básicas para a dignidade da pessoa humana e permite a oportunidade de exercer a própria cidadania como prevê Constituição Federal em seu artigo 1º, incisos II, III e IV.
4 ALTERAÇÕES QUE PODEM FERIR OS DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS EMPREGADOS
Ao analisar algumas alterações dos direitos dos trabalhadores, decorrentes da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), observa-se que alguns direitos fundamentais, dependendo do caso concreto, podem ser violados, isso porque a partir do momento em que se flexibiliza as negociações do contrato de trabalho, deve-se levar em consideração a desigualdade na relação entre empregado e empregador, além de perceber que muitos trabalhadores, principalmente aqueles que exercem atividades básicas, que admitem baixo grau de escolaridade, na maioria das vezes não possui conhecimentos compatíveis com o homem médio, ficando desprotegidos em relação aos seus direitos e mais expostos a acordos abusivos caso lhes falte as orientações adequadas.
Nesse sentido, a necessidade de garantir o mínimo de subsistência para uma vida digna pode levar ao aceite de contratos e cláusulas em que o trabalhador abra mão de alguns direitos sem que possa perceber que está sendo lesado.
Outro ponto que pode contribuir para a violação dos Direitos Fundamentais, após a reforma, é o fato de desobrigar a representação do trabalhador pelo sindicato, sendo esse em alguns momentos o único instrumento de acesso conhecido por muitos trabalhadores para a garantia de seus direitos. Assim como a alteração do art. 58, §2º da CLT, que institui que o tempo gasto na locomoção do empregado de sua residência ao posto de trabalho não deveria ser computado a sua jornada de trabalho.
4.1. A Prevalência do Acordado Sobre o Legislado
Um dos pontos principais que nortearam a reforma trabalhista foi o art. 611 – A da CLT, que versa sobre a convenção e acordos coletivos, assentando que estes têm prevalência sobre a lei. Nesse sentido, o legislador trouxe à baila a limitação da justiça do trabalho, tendo como prevalência o acordado sobre o legislado, dessa forma, destaca o referido artigo:
Art. 611-A. A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre: I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; II – banco de horas anual; III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015; V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; VI – regulamento empresarial; VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; X – modalidade de registro de jornada de XI – troca do dia de feriado; XII – enquadramento do grau de insalubridade; XIII - prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; XV – participação nos lucros ou resultados da empresa.
No entanto, no Art. 611-B estabelece rol taxativo de ilicitude de convenção coletiva e acordo coletivo, ou seja, tudo aquilo que não é passível de negociação, com uma redação que muito se assemelha ao artigo 7º da CF.
Evidentemente é necessário respeitar a hierarquia da jurisdição brasileira e as decisões do STF sobre a constitucionalidade do tema, no entanto nada impede que estudiosos e operadores do direito continuem construindo suas teses defensivas sobre essas questões, pois o direito é uma ciência dinâmica e em constantes transformações, devendo assim se direcionar o foco para as questões que violem os direitos absolutamente indisponíveis. Traz-se a pauta essa colocação em virtude de que recentemente o STF finalizou o julgamento do Tema 1046 no dia 02/06/2022 onde firmou a seguinte tese:
São constitucionais os acordos e as convenções coletivas de trabalho, que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamento de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis.
Nessa toada analisa Carvalho (2017, p. 04):
Cabe aqui dar um exemplo de como a junção de dois ou mais dispositivos pode ter um potencial danoso ao trabalhador do que quando analisados isoladamente. O Artigo 394-A permite o trabalho de gestantes em atividades insalubres em graus médio e mínimo, exceto mediante apresentação de atestado de saúde; entretanto, o item XII do Artigo 611-A permite a negociação do enquadramento da insalubridade, o que abre a possibilidade para que gestantes trabalhem em condições de insalubridade que atualmente sejam consideradas de grau máximo.
Contudo, contrariando o que dispõe Lei 13.467/2017, que desprotegeu o trabalho da mulher grávida e da lactante, permitindo seu labor em atividades insalubres, como consta representado no Art. 394-A, temos a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 5938.
"EMENTA: DIREITOS SOCIAIS. REFORMA TRABALHISTA. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL À MATERNIDADE. PROTEÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER. DIREITO À SEGURANÇA NO EMPREGO. DIREITO À VIDA E À SAÚDE DA CRIANÇA. GARANTIA CONTRA A EXPOSIÇÃO DE GESTANTES E LACTANTES A ATIVIDADES INSALUBRES. 1. O conjunto dos Direitos sociais foi consagrado constitucionalmente como uma das espécies de direitos fundamentais, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria das condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamentos do Estado Democrático, pelo art. 1º, IV, da Constituição Federal. 2. A Constituição Federal proclama importantes direitos em seu artigo 6º, entre eles a proteção à maternidade, que é a ratio para inúmeros outros direitos sociais instrumentais, tais como a licença-gestante e o direito à segurança no emprego, a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei, e redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança. 3. A proteção contra a exposição da gestante e lactante a atividades insalubres caracteriza-se como importante direito social instrumental protetivo tanto da mulher quanto da criança, tratando-se de normas de salvaguarda dos direitos sociais da mulher e de efetivação de integral proteção ao recém-nascido, possibilitando seu pleno desenvolvimento, de maneira harmônica, segura e sem riscos decorrentes da exposição a ambiente insalubre (CF, art. 227). 4. A proteção à maternidade e a integral proteção à criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afastados pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria negligência da gestante ou lactante em apresentar um atestado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-nascido. 5. Ação Direta julgada procedente."
Portanto, resta claro que a busca por reconhecimentos de violação a direitos fundamentais dos trabalhadores deve manter-se fortalecidos e enfrentados pelos operadores do direito, pois somente assim teremos a garantia de sua proteção.
4.2. Das Horas In Itinere
O vocábulo em latim “horas itineres” é utilizado para se referir ao tempo gasto pelo empregado no deslocamento de sua residência até o seu local de trabalho, bem como o seu retorno após sua jornada. Este período, antes da Reforma Trabalhista, era computado em sua jornada de trabalho quando se tratava de local de difícil acesso, não servido de transporte público ou empregador fornecendo a condução.
Sobre jornada de trabalho, discorre Carlos Henrique Bezerra Leite:
Jornada de trabalho possui um sentido mais restrito que o de duração de trabalho, abrangendo especificamente o tempo em que o empregado esteja não só efetivamente trabalhando como também colocando a sua força de trabalho à disposição do tomador do seu serviço, por um período contratual ou legalmente fixado, tal como ocorre com o tempo de prontidão, de sobreaviso ou de deslocamento (in itinere). (LEITE, 2021, p. 497).
Com a Reforma Trabalhista e a redação do art. 58, parágrafo 2º da CLT, esse instituto como direito foi suprimido. Essa mudança é visivelmente mais benéfica ao empregador e prejudicial ao trabalhador que percorre longas distâncias ou tem seu posto de trabalho em lugar de difícil acesso, sentindo as consequências financeiras dessa alteração. Não obstante, tal medida vai de encontro com o entendimento que o legislador, em seu papel social, tem o dever de atender as necessidades da sociedade em prol de sua dignidade e bem estar e não retroceder ao suprimir direitos conquistados a duras custas de uma luta desigual.
De acordo com o entendimento de Francisco Meton e Francisco Péricles:
A súmula n. 90 do TST considera o tempo de serviço do trabalhador o período que ele passa no transporte para o local de trabalho, em transporte fornecido pelo empregador em virtude de não haver transporte público regular no trajeto. E a orientação jurisprudencial n.98 da SDI-I considera horas in itinere também o tempo gasto da portaria da empresa ao local de trabalho. É uma supressão de direito há muito consagrado no sistema nacional.
Neste sentido, e tratando-se especialmente de trabalhadores rurais, que percorrem grandes distâncias, levando horas para chegarem aos seus postos de trabalho, onde na maioria dos casos são locais ermos e sem transporte publico, é prática costumeira o fornecimento de condução por parte do empregador aos empregados, evidentemente em interesse próprio, visto que ele é o principal interessado para que haja mão de obra disponível em seu processo produtivo, caso contrário, sua produção e seu lucro ficariam prejudicados.
Desse modo, não parece justo que o período longo de horas em deslocamento, a disposição do empregador, não seja contabilizado em sua jornada de trabalho, horas essas que poderiam estar sendo utilizada para o seu descanso e manutenção de sua saúde física e mental, garantindo sua dignidade humana como ser social.
Para uma análise mais ampla, vejamos o que diz o art. 4º, caput e § 2º da CLT que estabelece:
Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.
§ 2º Por não se considerar tempo à disposição do empregador, não será computado como período extraordinário o que exceder a jornada normal, ainda que ultrapasse o limite de cinco minutos previsto no § 1º do art. 58 desta Consolidação, quando o empregado, por escolha própria, buscar proteção pessoal, em caso de insegurança nas vias públicas ou más condições climáticas, bem como adentrar ou permanecer nas dependências da empresa para exercer atividades particulares, entre outras:
I- práticas religiosas;
II - descanso;
III - lazer;
IV - estudo;
V - alimentação;
VI - atividades de relacionamento social;
VII - higiene pessoal;
VIII - troca de roupa ou uniforme, quando não houver obrigatoriedade de realizar a troca na empresa.
Diante do que é exposto no artigo supracitado, Renato Janon e Cynthia Garcia chegaram a uma interessante conclusão:
Como se vê, nesse rol de exceções não há qualquer menção ao tempo gasto com transporte ou deslocamento da residência para o trabalho, de modo que temos aí a primeira contradição e incompatibilidade sistêmica, na medida em que o artigo 4º da CLT (norma que estabelece uma regra geral) não dialoga com o artigo 58, parágrafo 2º da CLT (norma específica e mais restrita). Logo, se fôssemos aplicar a mesma técnica de exegese gramatical daqueles que defendem a aplicação literal do artigo 58, parágrafo 2º, da CLT, poderíamos sustentar que o artigo 4º da CLT, ao não excluir o tempo gasto com transporte em seu parágrafo 2º, está reconhecendo que o período de deslocamento integra o contrato de trabalho e deve ser considerado como à disposição do empregador, conforme diz o seu caput. Em resumo, se não excluiu é porque integrou, ou seja, prevalece a regra geral quando não há exceção explícita — ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus..- (https://www.conjur.com.br/2018-dez-04/opiniao-reforma-trabalhista-nao-acabou-horas-in-itinere)
Ademais, por analogia, convém citar o art. 249 da CLT, 294 – “O tempo despendido pelo empregado da boca da mina ao local do trabalho e vice-versa será computado para o efeito de pagamento do salário”.
Por consequente, não há como novamente não fazer referências ao princípio constitucional do não retrocesso social, que impede a supressão dos direitos sociais sem a implantação de medidas compensatórias justas.
4.3. A Não Obrigatoriedade de Representação do Sindicato
A Constituição Federal em seu art. 8º, garante a liberdade sindical através de livre associação profissional ou sindical, podendo o trabalhador escolher se quer se associar-se ou não a determinado sindicato, além de ser livre a criação de novos.
De acordo com o conhecimento de Brito Filho:
[...] direito dos trabalhadores (em sentido genérico) e empregadores de constituir as organizações sindicais que reputarem convenientes, na forma que desejarem, ditando suas regras de funcionamento e ações que devam ser empreendidas, podendo nelas ingressar ou não, permanecendo enquanto for sua vontade.
Contudo, em face da Reforma Trabalhista, sobre a égide da Lei 13.467/2017, a figura do sindicato perdeu um pouco de sua essência anteriormente assegurada, bem como o seu enérgico e efetivo papel de lutar em defesa dos direitos individuais e coletivos, através das negociações e acordos coletivos, assim como a defesa direta do trabalhador. Isso porque, agora enfraquecido, ele acaba que se tornando indispensável do ponto de vista da reforma, que a partir dela reforça que o empregado poderá negociar diretamente com o empregador sem que haja necessidade de mediação do sindicato da categoria. Nessa nova perspectiva, se dispensou a necessidade de que as rescisões homologadas sejam assistidas pelo sindicato.
Nesse sentido, não há que se falar em uma relação justa quando partimos do entendimento que muitos dos trabalhadores desconhecem efetivamente seus direitos, principalmente aqueles com grau de instrução escolar baixo, pois tinham a figura do sindicato como um protetor e orientador de seus direitos trabalhistas. Diante desses casos identifica-se um certo desrespeito aos princípios de igualdade, isonomia e dignidade humana. Sim, dignidade humana, pois quando um trabalhador com baixo grau de instrução, desamparado por uma classe sindical e em sua hipossuficiência se vê frente a frente com o empregador com a finalidade de assinar contratos, rescindir ou acordar cláusulas, que muitas vezes podem ser abusivas, isso pode comprometer muito além do financeiro, mas também seu bem estar social.
5 O PRINCÍPIO DO NÃO RETROCESSO SOCIAL
5.1 Conceito
O Princípio do Não Retrocesso Social baseia-se na ideia que é vedada a possibilidade de reduzir os direitos sociais já concretizados pelo Estado, ou seja, a partir do momento que um direito social é alcançado, é vedada a sua supressão ou redução pelo legislador sem que haja a criação de medidas compensatórias.
Nesse entendimento e de acordo com o que expõe Nilson Matias de Santana:
[...] trata-se de um princípio implícito decorrente do sistema jurídico-constitucional, e estabelece que se uma lei, ao regulamentar um mandamento constitucional, instituir determinado direito, este passa a se incorporar ao patrimônio jurídico da cidadania e não pode ser arbitrariamente suprimido. (SANTANA, 2008, p.45)
Ainda em relação à proibição do retrocesso no ordenamento jurídico, J. J. Gomes Canotilho disserta sobre a os direitos sociais com a finalidade de diminuir as desigualdades sociais, conforme demonstra:
Os direitos sociais e econômicos (direitos dos trabalhadores, à assistência, à educação), uma vez obtido um determinado grau de realização, passam a constituir, simultaneamente, uma garantia institucional e um direito subjetivo. A proibição do retrocesso social nada pode fazer contra as recessões e crises econômicas (reversibilidade fática), mas o princípio em análise limita a reversibilidade dos direitos adquiridos. [...] O princípio da proibição de retrocesso social pode formular-se assim: o núcleo essencial dos direitos sociais já realizado e efetivado através de medidas legislativas [...] deve considerar-se constitucionalmente garantido, sendo inconstitucionais quaisquer medidas estaduais que, sem a criação de outros esquemas alternativos ou compensatórios, se traduzam, na prática, numa “anulação”, “revogação” ou “aniquilação” pura e simples desse núcleo essencial. (CANOTILHO, 2017, p. 340).
Nesse sentido, fica evidenciado que o retrocesso social dilacera a rede protetiva que foi construída e assegurada pela constituição brasileira, portanto, o princípio da proibição do retrocesso social é um dos principais instrumentos para garantir que os direitos fundamentais sejam protegidos e a segurança jurídica de um Estado seja preservada.
5.2 Reforma Trabalhista e o Princípio do Não Retrocesso Social
Com a justificativa de modernizar a legislação trabalhista, através da valorização das negociações coletivas e com a promessa de geração de empregos, bem como estimular o crescimento do país, como demonstrado anteriormente neste artigo, algumas de suas alterações acabam por ferir direitos individuais e sociais trabalhistas adquiridos ao longo de várias décadas, através de varias revoluções e manifestações de classes em busca de melhores condições sociais e dignas de trabalho.
Dentre as alterações estão a prevalência do acordado pelo legislado, que acabou por colocar em risco alguns direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal; o enfraquecimento da força sindical, permitindo que o empregado possa dispensar a mediação do sindicato ao acordar diretamente com o empregador sobre o contrato de trabalho, a supressão das horas in itinere; já em relação à gestante, o art. 394-A da CLT autoriza em grau mínimo e médio, o trabalho da gestante em atividades insalubres, violando um dos direitos sociais já fortalecidos pela Constituição Federal.
Portanto, ratifica-se que essas alterações apresentadas podem prejudicar a classe trabalhadora violando assim o princípio do não retrocesso social, assim, devem ser questionadas sob o aspecto constitucional dos direitos fundamentais.
6 CONCLUSÃO
Diante do exposto, ao constatar que o trabalho foi assentado como direito fundamental social, com a finalidade de assegurar respeito à dignidade do homem, através da proteção do poder estatal que garantam as condições mínimas de vida e desenvolvimento do ser humano, não se pode deixar que alguns direitos sejam diminuídos ou suprimidos por dispositivos de leis que firam o princípio do não retrocesso.
Nesse sentido, resta claro que algumas alterações advindas da Lei 13.467/2017, apesar de terem o objetivo de modernizar os direitos trabalhistas, sob a ótica de ideais liberais, que pregam a liberdade contratual, levando o Estado a um papel secundário ao deixar mais livre as negociações entre particulares, exige certa cautela para que o papel limitado do Estado não privilegie novamente o capital em detrimento do trabalho do homem e de valores sociais.
Portanto, a flexibilização do direito do trabalho, apresentada sob o prisma de assegurar uma igualdade civil entre os cidadãos, bem como o desenvolvimento econômico do Estado, caso não seja tratada de forma responsável, pode transforma-se em algo perigoso para a classe trabalhadora, uma vez que ao estimular a hipótese de pacto entre as partes, de forma genérica, estas nunca estarão em condições de igualdade negocial, levando em consideração o alto poder econômico do empregador em relação à hipossuficiência do empregado.
7 REFERÊNCIAS
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direito sindical. 8ª. ed. São Paulo: LTr, 2019.
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Graduando do Curso de Direito do Centro Universitário FAMETRO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIAS, ELANE FERREIRA. Reforma trabalhista, direitos fundamentais e a prevalência do princípio do não retrocesso social no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 dez 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60440/reforma-trabalhista-direitos-fundamentais-e-a-prevalncia-do-princpio-do-no-retrocesso-social-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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