RESUMO: O presente artigo analisa a ausência da aplicabilidade da lei que beneficia herdeiros especificos de vitímas do covid-19, sem abrangência aos que faleceram anterior a publicação da referida lei. Assim, problematiza a questão da não retroatividade para benefício do direito de herdar o espólio “de cujus”. O objetivo é compreender e explicar de forma objetiva o alcance da lei de isenção do itcmd “causa mortis” no Estado do Amazonas. Esta análise é feita a partir das contribuições teóricas de Hans Kelsen. A conclusão é que essa lei singular, em decorrência da pandemia covid-19 pressupõe a existência de parcialidade na sua aplicabilidade rígida e de não abrangência na totalidade dos herdeiros vitimados. Isto é, abre-se uma demanda juridica passível de estudos aprofundados e fundamentais para a consolidação de novos sistemas de aplicação tributária, tal como a preservação dos direitos fundamentais das pessoas que compõem a respectiva sociedade.
PALAVRAS-CHAVE:Itcmd, Covid-19, Espólio, Principio da irretroatividade, Direito Tributário.
ABSTRACT: This article analyzes the lack of applicability of the law that benefits specific heirs of victims of covid-19, without covering those who died prior to the publication of that law. Thus, it problematizes the issue of non-retroactivity for the benefit of the right to inherit the “de cujus” estate. The objective is to objectively understand and explain the scope of the itcmd exemption law “cause mortis” in the State of Amazonas. This analysis is based on the theoretical contributions of Hans Kelsen. The conclusion is that this unique law, as a result of the covid-19 pandemic, presupposes the existence of partiality in its rigid applicability and of non-coverage in all of the victimized heirs. That is, it opens up a legal demand subject to in-depth and fundamental studies for the consolidation of new tax application systems, such as the preservation of the fundamental rights of the people who make up the respective society.
KEYWORDS: Itcmd. Covid-19. Estate. Principle of non-retroactivity. Tax Law.
1 INTRODUÇÃO
A lei 5.617/2021, traz em seu bojo a abordagem da atenuação do sofrimento dos heredeiros que perderam seus familiares na pandemia da covid-19, a referida norma concedeu isenção do ITCMD aos herdeiros de espólio de vitimas do covid. Entretanto, sua abrangencia ficou limitada em face da adequação de sua aplicabilidade aos herdeiros, considerando que exclui um quantitativo de beneficiários que não adquirem o direito por falha legislativa ao determinar a eficácia da lei dentro a partir de sua publicação.
Se tratando de lei tributária, ela funciona como uma lei produtora de efeitos jurídicos pretéritos, desde que não envolva penalidades, aonde sua vigência seria prospectiva. É necessário, antes de aprofundar ao tema, entender como funciona a lei tributária e seus princípios, para ser possível ter uma noção da funcionalidade e aplicabilidade da lei.
Mostra-se neste ponto que os princípios que ditam a lei tributária têm uma certa divisão de aplicabilidade, afim de que não haja possibilidade de se chocarem em certos pontos, facilitando assim, a compreensão, a aplicabilidade e a interpretação da norma positivada.
A construção do tema começa na compreensão da irretroatividade tributária, analisando as leis que falam do tema, bem como sua eficácia em todos os aspectos apresentados.Adiante, outro aspecto abordado neste ponto é a relação da segurança jurídica com o princípio da irretroatividade tributária, que vem trazer uma proteção ao Direito adquirido. Percebe-se afinal, um liame entre o primeiro princípio, expresso em lei, e que tem grande influência no Direito Tributário, e o segundo, que apesar de estar implícito, traz uma grande relevância ao ordenamento jurídico brasileiro em sua totalidade.
Destarte, adentra-se ao núcleo de discussão deste trabalho, na análise da lei 5.617/2021 como pretensão de retroagir a lei tributária. Cumpre salientar que a lei sofre modificação em seu art. 3º onde trouxe através de nova Lei (6.030/22) a retroatividade para beneficiar os anteriormente exclusos.
Por fim, destaca-se ainda que o legislador tem uma atitude que exime uma certa intenção de agir com força jurisdicional no momento da criação da norma, visto que a isenção da lei citada acima não é ampla, pois não ampara todos os herdeiros das vitímas de covid que tenham falecido antes da data de publicação da lei, causando em parte, o oposto do motivo basilar de sua criação.
2 A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
A ordem jurídica é constituída de normas dispostas em uma estrutura hierárquica, de maneira que normas inferiores buscam seu fundamento de validade em normas superiores. Dentro dessa estrutura escalonada, pode-se afirmar que a Constituição é o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico.
A determinação de um conceito para a “Constituição” é tarefa árdua, uma vez que se trata de um termo plurissignificativo. Assim, usualmente, a doutrina, a fim de definir o referido termo, concebe a Constituição ou sob o aspecto material ou sob o aspecto formal.
Do ponto de vista material, a Constituição representa o conjunto de normas que funda e organiza o ordenamento estatal. Por outro lado, a Constituição, sob o prisma formal, diz respeito, segundo as lições de Hans KELSEN, nas palavras de Inocêncio Mártires COELHO, ao “[...] conjunto de regras promulgadas com a observância de um procedimento especial e que está submetido a uma forma especial de revisão.”
Conciliando as duas percepções, pode-se afirmar que cabe à Constituição delinear as diretrizes que regem o sistema jurídico de uma determinada sociedade, historicamente determinada no espaço e no tempo, fixando, por exemplo, a forma de organização do poder, a forma de governo e os direitos e garantias da pessoa humana (individuais e sociais). Pode-se ainda, aduzir, que a Constituição irá consignar as premissas básicas necessárias ao surgimento do Estado de Direito, tornando-se, por esta razão, o fundamento último de validade do ordenamento jurídico.
Nesta senda, Canotilho, citado por Carraza(2018, p. 63), afirma que a superioridade hierárquica da Constituição revela-se de três modos:
as normas do direito constitucional constituem uma lex superior que recolhe o fundamento de validade em si própria (autoprimazia normativa); (2) as normas de direito constitucional são normas de normas (norma normarum), afirmando-se como fontes de produção jurídica de outras normas (normas legais, normas regulamentares, normas estatutárias etc.); (3) a superioridade normativa das normas constitucionais implica o princípio da conformidade de todos os actos dos poderes políticos com a Constituição.2 (grifei)
Em outras palavras, a ordem jurídica mostra-se como um sistema de normas quetema Constituição como fundamento último de validade.
Nessasenda,épossívelinferir,ainda,queaConstituiçãoformaseuprópriosistema, ou melhor, subsistema, ao qual todos os outros subsistemas estão subordinados (porexemplo:subsistemas tributário, penal, processual etc.).
3 O SUBSISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTARIO
Considerando o conjunto de normas que compõem o subsistema constitucional brasileiro, percebe-se a existência de determinadas normas que, por sua vez, constituem outros subsistemas ou subconjuntos, como, por exemplo, o subsistema constitucional tributário.
O subsistema constitucional tributário é formado por normas constitucionais que versam, eminentemente, sobre a relação entre o Estado, titular do poder de tributar, e as pessoas sujeitas a esse poder.
Comprova-se a existência desse subconjunto de normas, conforme vaticina Carvalho (2018, p. 75), por duas razões: 1) todas as normas que compõem o subsistema constitucional tributário estão legitimadas pela mesma fonte (norma hipotética fundamental); e 2) todas as normas deste subsistema confluem para o mesmo ponto, ou seja, a disciplina da relação entre Estado e contribuinte (em sentido amplo).
Vale registrar que a referida menção a subsistemas de normas ocorre, meramente, para fins de cunho didático, porquanto, em verdade, o sistema jurídico é uno e indecomponível, segundo informa o princípio da unidade sistemática da ordenação jurídica. Nesse sentido, Carvalho (2018, p. 69), com exatidão peculiar, aduz que:
Com efeito, a ordenação jurídica é una e indecomponível. Seus elementos – as unidades normativas – se acham irremediavelmente entrelaçados pelos vínculos de hierarquia e pelas relações de coordenação, de tal modo que tentar conhecer regras jurídicas isoladas, como se prescindissem da totalidade do conjunto, seria ignorá-lo, enquanto sistema de proposições prescritivas.
Analisando a Constituição da República Federativa do Brasil, percebe-se que o legislador constituinte dispensou tratamento peculiar ao subsistema constitucional tributário, tendo em vista que disciplinou, pormenorizadamente, a matéria fiscal. Conclui-se, desta forma, que o subsistema constitucional tributário brasileiro pode ser caracterizado como um sistema rígido, pois o âmbito de atuação do legislador ordinário é limitado pelo profuso plexo normativo existente no texto constitucional.
Em outros países, contudo, o regramento da matéria tributária, em sede constitucional, limita-se apenas a tracejar as linhas mestras do sistema, cabendo ao legislador ordinário, por conseguinte, a tarefa de disciplinar, de maneira ampla e minuciosa, todo o restante da matéria.
O subsistema constitucional tributário é composto por normas de estrutura e por normas de conduta. Registre-se que tal característica não é exclusiva deste subconjunto normativo constitucional, visto que se trata, em verdade, de uma característica de todo o sistema constitucional brasileiro.
É possível compreender as normas de estrutura como normas voltadas ao regramento de condutas interpessoais relacionadas com a produção de novas normas. Por outro lado, normas de comportamento são definidas como normas dirigidas diretamente à conduta das pessoas em suas relações de intersubjetividade. No entanto, é imperioso registrar que, independentemente de sua natureza, essas normas, por sua vez, encontram-se sob o jugo dos princípios constitucionais.
4 A APLICABILIDADE DO PRINCIPIO DA IRRETROATIVIDADE
Em relação aos atos administrativos, editados pelo Poder Executivo, o CódigoTributárioNacionaltratadaaplicaçãodagarantiadairretroatividadeemseusartigos100e 146. O art. 100 do CTN diz respeito aos atos normativos expedidos pela AdministraçãoFazendária, que são editados com o fito de possibilitar o fiel cumprimento da lei. Já o art. 146do aludido diploma, por sua vez, dispõe acerca da hipótese de alteração do lançamento járealizadoemrazãodemudança dos critérios jurídicos.
Os atos normativos editados pela Administração Fazendária são atos dirigidos atodos os contribuintes (em sentido amplo), possuindo o caráter de atos secundários à lei, quebuscamsomentepossibilitarasuaexecução.Apesardepossuíremummaiorgraudeconcreção que a lei, os atos normativos são, em verdade, abstratos. Vale registrar que seufundamentodevalidadeéapróprialeiquepassaaregulamentar.Diantedoexposto,prescreveoart.100doCTN:
Art.100.Sãonormascomplementaresdasleis,dostratadosedasconvençõesinternacionaise dosdecretos:
I -osatosnormativosexpedidospelasautoridadesadministrativas;
II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a quealei atribuaeficácia normativa;
III -aspráticasreiteradamenteobservadaspelasautoridadesadministrativas;
IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e osMunicípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposiçãode penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário dabasede cálculodotributo.
Analisando o parágrafo único do artigo adrede citado, percebe-se que qualquer mudança nas normas complementares à lei que instituiu o tributo não resultará em aplicação de penalidades, cobrança de juros ou atualização do valo rmonetário da base de cálculo. Em outras palavras, a cobrança do tributo é mantida, contudo, caso o contribuinte haja pautando sua conduta conforme os preceitos normativos editados pela Administração Fazendária, não há que se falar em penalidades, juros ou atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.
Assim, nota-se a preservação da cobrança do tributo, em razão do princípio da legalidade, bem como a manutenção da estabilidade das relações entre Fisco e contribuinte, mediante a garantia da irretroatividade, vedando-se a aplicação de novo regulamento da Administração Fazendária a fatos pretéritos praticados pelo contribuinte, que se perfizeram de acordo com a orientação anterior. Resta evidente, deste modo, a atuação do princípio da irretroatividade no caso de alteração dos atos normativos editados pela Administração.
Por outro lado, o Código Tributário Nacional, em seu art. 146, trata da questão dairretroatividade em face da mudança de critérios jurídicos que informaram o lançamento.Ainda que não haja consenso quanto à natureza jurídica do lançamento (ato ou procedimento),registre-se que, no presente trabalho, acolhe-se o entendimento segundo o qual o lançamento éato jurídico administrativo que insere na ordem jurídica uma norma individual e concreta.Acerca da possibilidade de alteração do lançamento por mudança dos critérios jurídicos que oinformaram,prescreve o aludido enunciado:
Art.146. A modificaçãointroduzida, de ofício ouemconseqüência de decisãoadministrativaoujudicial,noscritériosjurídicosadotadospelaautoridadeadministrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação aum mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à suaintrodução.
Assim, pode-se afirmar que o art. 146 do CTN, veda a alteração do lançamento jáefetivado, na hipótese de modificação dos critérios jurídicos utilizados pela autoridade, vistoque busca salvaguardar, mediante a observância da garantia da irretroatividade, a estabilidadeda relação jurídica formada (obrigação tributária), que equivale à finalidade colimada peloprincípiodasegurançajurídica.
5 A ESPECIFICIDADE DA SEGURANÇA JURIDICA TRIBUTARIA
Ainda nas lições de Ávila (2010, p. 40) extrai-se que, além dos princípios, regras e postulados normativos, há a manifestação de outros elementos, que na verdade são identificados como qualificadores das normas princípios, arroladas no rol de normas de primeiro grau. Trata-se da figura dos sobreprincípios e subprincípios.
Segundo essa classificação, dentro do conjunto de normas constitucionais- tributárias vigentes, o princípio da segurança jurídica reclama o status de sobreprincípio, assim como o Estado Democrático de Direito; possuindo a característica única de irradiar efeitos sobre todo o sistema jurídico, impulsionando a gravitação de todos os outros princípios de menor potencialidade ao seu redor, denominados de subprincípios, como o princípio da legalidade e da irretroatividade.
Nos dizeres do professor Carvalho (2018, p. 75), a segurança jurídica pode ser classificada como o atributo com essência deôntica, voltado para a implementação de um objetivo específico, o de germinar uma sensação de previsibilidade relacionada aos efeitos jurídicos das decisões públicas; tranquilizando a comunidade social, possibilitando que os cidadãos planejem ações futuras com a garantia de que as normas protegerão a coisa julgada e os direitos adquiridos.
Portanto, a segurança jurídica constitui-se como sendo o elemento essencial do Estado Democrático de Direito, pois protesta pela estabilização e previsibilidade dos atos públicos, gerando um sentimento de confiança para com o Estado e também se transmutando em direito fundamental aos cidadãos quando violada.
Nesse trilhar, além de norma princípio, a segurança jurídica pode ser interpretada sob o prisma de fato e valor. Sua visão como fato decorre, de acordo com as lições de Ávila (2012, p.114), de uma "determinada realidade passível de constatação", ou seja: deve haver a existência de um sentimento de previsibilidade quanto às relações futuras, e também a garantia fornecida pelo postulado da irretroatividade quanto aos fatos passados. Já como valor, pode ser estudada como um ideal máximo do Estado Democrático, insculpido no preâmbulo da Carta Magna.
De acordo com Canotilho (2018, p. 176), é direito dos indivíduos crer que as suas atitudes e as decisões tomadas pelo Poder Público que versem sobre os seus direitos e relações jurídicas encontrem respaldo em normas válidas e vigentes, criando um ambiente juridicamente estável.
No ordenamento constitucional brasileiro, a valoração da segurança é notória, estando explicitamente gravada no preâmbulo e no caput do Art. 5º, e implicitamente prescrita nos dispositivos da Lei Suprema que dispõem sobre a proteção do ato jurídico perfeito, do direito adquirido e da coisa julgada; bem como sobre as garantias da legalidade, irretroatividade e anterioridade. Também é fundamento da prescrição e decadência, institutos que fulminam as pretensões e direitos caso não sejam exercidos no tempo prescrito em lei.
O sobreprincípio em comento é considerado como um dos mais importantes do ordenamento, manifestando-se em todos os diplomas legais vigentes, que, em decorrência do respeito à Carta Magna, devem observá-lo. O Código de Processo Civil de 2015, em reverência à segurança jurídica, trouxe à lume uma série de novos institutos, como o reforço do sistema de uniformização de entendimentos, criando-se, para tanto, o instituto de resolução de demandas repetitivas IRDR, que tem por objetivo evitar, nos termos do Art. 976, II: Risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica"; instruiu o dever de uniformização de entendimentos jurisprudenciais entre os tribunais brasileiros, consoante se extrai do Art. 926: "Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente"; e vedou as chamadas "decisões-surpresa", manifestas nas situações em que o magistrado atenta contra o contraditório e à segurança juridica ao decidir, deixando de observar os rerquisitos prescritos no art. 10 do diploma processual civil :"O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício" (LUCON, 2016, p. 330).
6 A INSTITUIÇÃO DA LEI 5.617/2021
A isenção alcança o espólio de vítimas da covid que tenham falecido posteriormente a data da publicação da Lei. No entanto abre espaço para a discussão do tema quanto a restituição dos valores do ITCMD efetivamente recolhidos no período de calamidade publica, com falecimentos por COVID-19 ocorridos antes de 29/09/2021. Vejamos o texto da lei 5.617/2021:
Art. 1º Fica isento, no âmbito do Estado do Amazonas, o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação - ITCMD, na hipótese de inventário ou arrolamento, judicial ou extrajudicial, cuja causa do óbito seja em decorrência do vírus COVID-19, enquanto durar o período de calamidade pública em decorrência da pandemia.
Parágrafo único. A isenção de que trata o caput fica limitada aos inventários ou arrolamentos cujo patrimônio some o total máximo de até R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).
Art. 2º Quando da abertura do inventário ou arrolamento, o herdeiro ou legatário deverá comprovar, através de documento que possua fé pública, como certidão de óbito, que a causa mortis se deu em decorrência de Síndrome Respiratória Aguda Grave, provocada pelo vírus COVID-19.
Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Para definirmos quando se considera ocorrido o fato gerador da obrigação tributária do ITCMD, na hipótese de transmissão “causa mortis”, observa-se o disposto no artigo 114 do CTN define o fato gerador da obrigação principal como sendo a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência. Portanto, é o fato descrito em lei contendo todos os elementos que identifique sua perfeita identificação.
Vale lembrar o que dispõe o artigo 116 do CTN a respeito:
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.
Nos termos do artigo 113, inciso I, da Lei Complementar 19/1997 do fato gerador do ITCMD ocorre:
Art. 113. O imposto sobre a transmissão "causa mortis" e doação, de quaisquer bens ou direitos, tem como fato gerador:
I - a transmissão "causa mortis" ou por doação de direitos e da propriedade, posse ou domínio de bens móveis ou imóveis.
O Código Civil brasileiro, em seu artigo 1.784, prevê: “aberta sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.”
Na sistemática de apuração do ITCMD, há que observar, inicialmente, o disposto no art. 35, parágrafo único, do CTN, segundo o qual, nas transmissões causa mortis, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos sejam os herdeiros ou legatários.
Embora a herança seja transmitida, desde logo, com a abertura da sucessão (art.1.784 do Código Civil), a exigibilidade do imposto sucessório fica nadependência da precisa identificação do patrimônio transferido e dos herdeiros ou legatários, para que sejam apurados os "tantos fatos geradores distintos" a que alude o citado parágrafo único do art. 35, sendo essa a lógica que inspirou a edição das Súmulas 112, 113 e 114 do STF.
A Constituição Federal prevê a incidência desse imposto na “transmissão causa mortis”, ou seja, na abertura da sucessão, ou na data da morte do “de cujus”.
Quanto a aplicação retroativa da lei tributária, a regra é a irretroatividade. O art. 106 do CTN trouxe as hipóteses de aplicação a ato ou fato pretérito: A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; II - tratando-se de ato não definitivamente julgado: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática.
A irretroatividade tributária, tal como posta no art. 150, III, a, da Constituição, implica a impossibilidade de que lei tributária impositiva mais onerosa seja aplicada relativamente a situações pretéritas, independentemente de qualquer outro condicionamento.
Deflui claramente, pois, que a irretroatividade da lei tributária vem preservar o passado da atribuição de novos efeitos tributários, reforçando a própria garantia da legalidade, porquanto resulta na exigência de lei previa.
O princípio constitucional da segurança jurídica exige, ainda, que os contribuintes tenham condições de antecipar objetivamente seus direitos e deveres tributários, que, por isto mesmo, só podem surgir de lei, igual para todos, irretroativa e votada pela pessoa política competente. Assim, a segurança jurídica acaba por desembocar no princípio da confiança na lei fiscal, que, como leciona Alberto Xavier, “traduz-se, praticamente, na possibilidade dada ao contribuinte de conhecer e computar os seus encargos tributários com base exclusivamente na lei”. (CARRAZA 2004 – pg.148).
Ao garantir o contribuinte, a irretroatividade está, efetivamente, assegurando-o. O que inspira a garantia da irretroatividade é o princípio da segurança jurídica, que nela encontra um instrumento de otimização no sentido de prover uma maior certeza do direito.
Ávila (2004, p.151), destaca que “uma adequada compreensão do alcance da irretroatividade pressupõe uma compreensão mais abrangente do surgimento e da ocorrência dos fatos jurídicos enquanto pontos no tempo ou processos desenvolvidos durante determinado período.” A partir daí, ressalta que a resposta, em cada caso, “depende de saber antes ‘do que’ deve a lei ser editada”.
Seguindo Ávila (2004, p. 151), estabelece, então, a distinção entre evento e fato, destacando que “a incidência de uma norma sobre um fato não é automática”, que “depende da intermediação da linguagem” e que os eventos podem ser descritos de várias formas, sendo decisivo, ainda, “Qual aspecto do fato será considerado relevante para a decisão relativa à norma aplicável?”.
Por fim, “resta construir o fato do ponto de vista do Direito” e definir qual o “ângulo a ser privilegiado na análise das circunstâncias”. Exemplifica: “O intérprete pode atentar apenas para a causa, qualificando de impertinente, para descobrir a alíquota aplicável, a data da ocorrência do fato gerador. Assim como ele pode atentar somente para a data da ocorrência do fato gerador, qualificando de impertinente, para descobrir a alíquota aplicável, a causa da importação. A qual ângulo deve ser dada preferência?”. E conclui adiante:
Segundo a teoria material da argumentação, o intérprete deverá privilegiar um aspecto do fato jurídico em detrimento de outro, sempre que esta preferência for suportada por um princípio jurídico superior. Esta exigência decorre da própria pretensão de eficácia dos princípios, cujo grau superior de abstração permite fundamentar decisões interpretativas mais concretas. isso representa que o intérprete deverá fundamentar as escolhas feitas entre os aspectos fáticos a serem privilegiados, bem como deverá, dentre as alternativas, optar por aquela que mais intensamente esteja conectada com os princípios constitucionais axiologicamente sobrejacentes. [...] Entre os vários aspectos do fato pertinente, o intérprete principiologicamente orientado deve valorizar aqueles que dizem respeito aos bens jurídicos valorizados pelos princípios constitucionais fundamentais. (ÁVILA 2004, p. 152-153)
Daí a imposição de que, na aplicação do art. 150, III, a, da CRFB, se construam normas abstratas e também para os casos concretos que afirmem a segurança jurídica enquanto certeza do direito. A lei, no que diz respeito à instituição e à majoração de tributos tem, pois, caráter necessariamente prospectivo, sob pena de inconstitucionalidade da eventual retroatividade que determinar.
A Procuradoria do Estado do Amazonas – PGE/AM, posiciona-se da seguinte forma: Não vislumbramos como aplicáveis nenhumas das hipóteses do artigo 106 do CTN ao caso concreto, logo, entendemos que o fato gerador do ITCMD,no caso de herança, considera-se consumado, inclusive, em seu critério temporal, no momento da morte do “de cujus”, não sendo possível, portanto, aplicar a isenção prevista na Lei 5.617/2021 ao espólio de vítimas da covid que tenham falecido antes da data da publicação da Lei, qual seja: 29/09/2021.
Assim, o princípio da irretroatividade, na seara tributária, não se aplica somente nos casos de nova lei que institui determinado tributo ou, então, que tem por escopo a sua majoração. A aplicação do aludido princípio, de acordo com o texto acima, estende-se a atos do Poder Executivo e Poder Judiciário.
7 OS REFLEXOS DA PANDEMIA NO SISTEMA TRIBUTARIO
Em função das medidas de isolamento adotadas, os indicadores econômicos divulgados até o momento apontam forte deterioração da economia brasileira.
O Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), uma espécie de indicador prévio do PIB, registrou retração de 5,9% entre fevereiro e março. O nível de utilização da capacidade instalada caiu de 75,3% em março para 57,3% em abril. A produção industrial recuou 9,1% entre fevereiro e março. O volume de serviços sofreu retração de 6,9% entre março e abril. As vendas no varejo recuaram 13,7% entre fevereiro e março, na apuração do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Índice Cielo aponta queda de quase 30% desde o início da pandemia, mas com taxas de redução declinantes nas últimas semanas: -52,3%, na 4ª semana de março, -32,4%, na 4ª semana de abril; - 29,3%, na 1ª semana de maio. O fluxo nas estradas com pedágio reduziu-se em 19,1% entre abril e março. A produção de veículos praticamente parou em abril, com redução de 98,9% em relação a abril do ano anterior.
A taxa de desemprego, por outro lado, permanece relativamente inalterada, em 12,2% no trimestre encerrado em março – estabilidade que pode ser explicada, em parte, pela diminuição de pessoas procurando emprego. De toda forma, entre fevereiro e março houve redução no número de ocupados. Perderam-se cerca de 1,5 milhão de postos, sendo quase 300 mil deles empregados domésticos, segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-Contínua).
Em abril, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) experimentou inédita deflação para o mês, de -0,31%. Em 2019, no mesmo mês, registrou-se uma alta de 0,57% no IPCA.
A Instituição Fiscal Independente (IFI), de cujo Relatório de Acompanhamento Fiscal nº 40 se extraiu a compilação de dados acima, manteve o cenário-base do relatório anterior, com queda do PIB estimada em 2,2% em 2020. Informou, porém, que vai revisar essa projeção, com viés de baixa, tendo em vista que os indicadores mais recentes apontaram queda do PIB no 2º trimestre em algo como 10%, mais próxima do cenário-pessimista do relatório anterior. Ajustada apenas a queda do 2º trimestre, a redução do PIB em 2020 seria de 5,5%, percentual que alinharia a projeção da IFI com as do FMI (-5,3%) e do Boletim Focus do Banco Central (-5,1%). A Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia estima a queda do PIB em 4,7% em 2020, com perda de R$ 20 bilhões por semana de isolamento social.
Quanto à arrecadação tributária, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) divulgou que o volume de receitas da União (administradas e não administradas pelo órgão) em abril de 2020 foi de R$ 101.154 milhões. Isso representa uma queda nominal de 27,2% em relação ao mesmo mês do ano anterior (R$ 139.030 milhões) Segundo ao RFB, a explicação para a perda de arrecadação estaria tanto na retração econômica e no aumento das compensações tributárias quanto nas alterações na legislação tributária realizadas para mitigar os efeitos econômicos da pandemia. Destacam-se dentre estas o diferimento no pagamento das contribuições previdenciárias patronais, da contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep), da contribuição para financiamento da seguridade social (Cofins), do Simples Nacional e das cotas do imposto de rendadas pessoas físicas (IRPF), e a redução a zero da alíquota do imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários (IOF) nas operações de crédito, medidas que serão detalhadas à frente.
A divulgação da RFB estima que o impacto do diferimento sobre as receitas previdenciárias (contribuição patronal e Simples-Nacional) teria sido de R$ 12 bilhões. A avaliação, no entanto, não separa o efeito-econômico do efeito- legislação sobre o desempenho global da arrecadação, o que dificulta a análise dos dados informados.
De toda forma, a desagregação das receitas do imposto sobre produtos industrializados (IPI), tributo que também sofreu desonerações, mas de pequeno impacto fiscal26, mostra certa desproporção entre a retração da produção industrial ocorrida no período de março de 2019 a março de 2020 (-4,21%, em termos físicos), e a redução da arrecadação do referido imposto no mesmo intervalo (-23,7%, em termos nominais), possivelmente explicada pela forte desaceleração da atividade em setores com maior valor agregado e densidade arrecadatória, como no caso do setor automotivo (redução do IPI de 62,9%, em termos nominais), que praticamente paralisou a produção, como já mencionado.
O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) também divulgou as arrecadações dos estados e do Distrito Federal do mês de abril (exceto em relação ao Amapá). O conjunto dos estados que enviaram as informações ao Confaz obteve, em abril de 2020, receitas tributárias de R$ 41.696 milhões, com queda nominal de 15,2% em relação ao mesmo mês do ano passado (R$ 49.180 milhões).
A receita do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação (ICMS) desses estados foi de R$ 36.512 milhões, o que representa uma perda nominal de 13,0% (R$ 41.956 milhões). Os únicos estados que tiveram ganho nominal no período foram Pará, com arrecadação de ICMS de R$ 976 milhões (+8,6%), Mato Grosso, R$ 1.163 milhões (+1,8%), e Roraima, R$ 93 milhões (+0,6%). Todos os demais recolheram menos ICMS em abril deste ano do que em abril do ano passado. São Paulo arrecadou R$ 10.635 milhões (-13,4%); Minas Gerais, R$ 3.648 milhões (-22,1%); Rio de Janeiro, R$ 2.717 milhões (-14,9%); Rio Grande do Sul, R$ 2.606 milhões (- 12,8%). Piauí, com receita de ICMS de R$ 289 milhões, sofreu a perda relativa mais severa (-34,3%)27.
É da Receita Estadual da Secretaria de Fazenda do Rio Grande do Sul o trabalho mais detalhado sobre os impactos da epidemia sobre a arrecadação tributária. O estudo tem foco na emissão de notas fiscais antes (de 16 de março de 2019 a 15 de março de 2020) e depois das primeiras medidas de isolamento adotadas naquele estado (após 16 de março), mas com ênfase na última semana de análise (21 a 27 de março de 2020).
Tomada como referência essa última semana em relação ao período anterior às medidas de isolamento, o estudo aponta queda de 26,0% no valor médio diário da emissão de notas fiscais eletrônicas. Em relação à média diária do valor de venda de combustíveis, a redução foi da ordem de 47,6%. Quanto às demais mercadorias, a redução da média diária do valor de venda a consumidor final (exceto combustíveis) foi de 56,0%. Registrou-se, contudo, aumento no valor médio diário de venda ao consumidor final de alguns produtos, como os farmacêuticos e hospitalares (54%), os de limpeza (44%) e os alimentares (entre 44% e 13%); e redução no valor médio diário de venda ao consumidor final de outros produtos, como eletrônicos (-62%), vestuário e têxteis (-83% a -74%), móveis (-60%), dentre outros28.
Como se vê, o panorama sanitário, econômico e tributário não é promissor no Brasil. Há razões para se esperar uma queda expressiva de receitas tributárias para o 2º trimestre do ano, uma vez que as curvas epidêmicas no Brasil ainda não cederam em locais estratégicos do ponto de vista econômico, especialmente nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e alguns dos principais estados do Norte e Nordeste. Mesmo com a flexibilização das medidas de isolamento recém adotadas em várias localidades, é muito provável que ainda se enfrente algum período de restrição ao pleno exercício de boa parte das atividades econômicas antes de sua completa normalização.
8 A POSSIBILIDADE JURIDICA DE AMPARO AOS HERDEIROS EXCLUSOS DO BENEFÍCIO DA LEI 5.617/2021 EM FACE DA SUA IRRETROATIVIDADE
Na realidade, os países mais desenvolvidos concentram a tributação do patrimônio em impostos sobre a doação e herança, base tributável que no Brasil é reservada ao ITCMD, de competência estadual. Em relação a esse imposto, caberia ao Congresso Nacional, em princípio, elaborar a lei complementar regulamentadora do fato gerador, base de cálculo e contribuinte, e ao Senado Federal, elevar a alíquota máxima aplicável, fixada atualmente em 8%.
São raros os estados que chegam a aplicar a alíquota máxima e, quando o fazem, é de forma progressiva. Parte dos estados optam por tributação proporcional, sendo 4% a alíquota mais comum. No quadro atual, é provável que aqueles que ainda não adotaram a alíquota máxima de 8% o façam para reforçar o caixa, única medida no horizonte relativamente à importante e inexplorada base do patrimônio.
Assim, não há indicações de que a tributação do patrimônio venha a ser cogitada como fonte importante de receitas a ser explorada no período pós- pandemia, a não ser que, no bojo de uma reforma tributária, o ITCMD venha a ser federalizado, tal como proposto no parecer aprovado pela Comissão Especial da PEC nº 293/2007 (Relatório Hauly).
9 A POSITIVAÇÃO DA RETROATIVIDADE BENIGNA DO DIREITO TRIBUTÁRIO NA ISENÇÃO DO ITCMD CAUSA MORTIS POR COVID NO ESTADO DO AMAZONAS (LEI N. 6.030/2022).
A regra geral, é que a lei tributária deve reger o futuro, sem se estender a fatos ou circunstâncias ocorridas anteriormente ao início de sua entrada em vigor. Só há legitimidade na norma se o contribuinte conhece de antemão a sua obrigação tributária e todos os elementos de mensuração. Ocorrido o fato gerador, adquire o contribuinte o direito de se submeter ao regime fiscal vigente quando da ocorrência deste.
A Constituição Federal, estabelece como norma geral, que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada (inciso XXXVI, art. 5º.), estabelecendo que em matéria penal a lei não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (inciso XL, art. 5º). O Código Tributário Nacional, por seu turno, em seu art. 144, esclarece que o lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada. (grifo do autor)
Ao tratar do Sistema Tributário Nacional, o constituinte originário alçou o princípio da irretroatividade da lei tributária como direito fundamental do contribuinte (alínea a, do inciso III, do art. 150), estando ao abrigo das chamadas cláusulas pétreas (inciso IV, do parágrafo 4º., do art. 60) e como tal resguardado de qualquer tentativa de supressão pelo poder constituinte derivado. O princípio não impede lei que conceda uma vantagem ao contribuinte tenha incidência retroativa, já que como direito individual seu, só opera como regra protetiva, isto é, quando a lei cria ou aumenta um tributo.
O Código Tributário Nacional, em seu art. 106, II, estipula três casos de retroatividade da lei mais benigna aos contribuintes e responsáveis, tratando-se de ato não definitivamente julgado. O que deve ser compreendido como ato não definitivamente julgado veremos adiante. Este tópico, portanto, se preocupa com as três hipóteses em que a lei aplica-se a ato ou fato pretérito: a) quando deixe de defini-lo como infração; b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado em falta de pagamento de tributo; c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo de sua prática.
As três hipóteses de retroatividade estampadas pela lei, acabam por beneficiar o contribuinte, sem empecilhos do ordenamento constitucional, que só proíbe a retroação de lei que agrave sua situação.
Como observa com razão Machado (1998, p. 71) não se há de confundir aplicação “retroativa” nos termos do art. 106, II, com anistia, regulada nos arts. 180 a 182 do Código. Embora em ambas as hipóteses ocorra a aplicação da lei nova que elide efeitos da incidência de lei anterior, na anistia não se opera alteração ou revogação da lei antiga. Não ocorre mudança na qualificação jurídica do ilícito. O que era infração continua como tal. Apenas fica extinta a punibilidade relativamente a certos fatos. A anistia, portanto, não é questão pertinente ao direito intertemporal.
A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, entende que o ato definitivamente julgado deve ser entendido como ato consumado por decisão judicial, não necessariamente por sentença.A ementa do julgado, relatado pelo Eminente Ministro Demócrito Reinaldo Recurso Especial n. 94.511/PR, porta a seguinte redação, literis:
EXECUÇÃO FISCAL. REDUÇÃO DE MULTA EM FACE DO DECRETO – LEI Nº 2.471/88. ART. 106, II, C, DO CTN. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENIGNA AO CONTRIBUINTE. POSSIBILIDADE.
O art. 106 do Código Tributário Nacional admite a retroatividade, em favor do contribuinte, da lei mais benigna, nos casos não definitivamente julgados.
Diante da literatura exposta, ampara se a positivação da Lei 6.030/22 no principio da retroatividade benigna, ampliando sua abrangência sendo abordada de forma reflexa em conjunto com o parecer da PGE/AM, que de igual forma sustentou atraves do principio da irretroatividade o nãobenefício da isenção, senão com lei posterior que viesse retroagir na forma do art. 106 e suas hipóteses. Assim, resignificando a abrangência e extensao da isenção do ITCMD desde o início do periodo de calamidade pública, sendo originária a causa mortis por covid-19.
10 CONCLUSÃO
Embora o tema seja de grande importância, muita coisa ainda falta para se chegar a uma abordagem mais extensa e completa sobre o assunto, visto que poucos são os julgados dos tribunais superiores sobre o assunto e também a doutrina não se estende muito sobre o assunto a não ser o básico indo pouco além do que já está assentado no código tributário nacional. No entanto, é possível afirmar que a lei tributária em regra é irretroativa comportando exceções que vem estabelecido no artigo 106 do CTN, podendo eliminar e reduzir penalidades desde que não se trate de fato definitivamente julgado. Em relação à dispensa de tributo, desde que não se trate perdão com vigência presente ou futura, a lei é irretroativa, não podendo ampliar o leque de isenção ou de qualquer outro benefício que não fora contemplado quando da lei anterior.
Recordando os artigos 105 e 106 do Código Tributário Nacional, Eduardo Rocha Dias também defende a posição segundo a qual a análise deve serfeita no plano dos fatos, sendo devido que os contribuintes se insurjam contraa aplicação de lei retroativa que lhes prejudique, lembrando que aqueles artigos vedam a aplicação retroativa da lei tributária mais gravosa.
Ao longo do trabalho, foram expostos e desenvolvidos os temas pertinentes ao objeto do trabalho, ou seja, entender manutenção ou o nascimento de uma obrigação tributária, para entender a sua prerrogativa, assim como o caráter não patrimonial que predomina nas obrigações acessórias. Também foi possível entender que este caráter não os exclui de dever tributário, assim como compreender a relação entre Estado e contribuinte como uma relação jurídica, e não de poder, o que seria muito mais oneroso para pleitear qualquer benefício ou prerrogativa em relação à parte mais frágil da relação.
Portanto, o dever jurídico ainda existe, assim como penalidades quando o seu não cumprimento, mas a lei deverá retroagir a ato pretérito, em determinadas situações, e conforme foi investigado neste trabalho, a ocorrência fática adequada da Lei 6.030/2022 é uma destas situações.
Conclui-se assim, quanto à efetividade do que foi estudado neste trabalho, isto é, se houve a cobrança do tributo nesse lapso temporal antes da retroatividade da lei, deve o contribuinte, que se acahar no direito de restituição, manisfestar sua vontade de ressarcirmento junto a fazenda pública, já que tornou-se possível a isenção desde o inicio do preiodo de calamidade pública, conforme já esclarecido, dada atual situação atípica da pandemia do Coronavírus.
11 REFERÊNCIAS
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DIAS, Eduardo Rocha. Alterações no processo de controle abstrato de constitucionalidade e a extensão do meio vinculante à ação direta de inconstitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental. Revista Dialética, São Paulo, n. 55, abril, 2000, p. 60.
LAKATOS,E.M.; MARCONI,M.DEA.Metodologia do trabalho científico.SãoPaulo:Atlas,2014.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 13a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998, p. 71.
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RFB. Receita Federal do Brasil. http://dados.receita.fazenda.rs.gov.br/Documentos%20Compartilhados/Boletim%20Semanal%20Receita%20Estadual%20-%20Impactos%20COVID-19%20-%20Edi%C3%A7%C3%A3o%201.pdf. Acesso em 20/08/2022.
Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, LARISSA SIQUEIRA DE. A inaplicabilidade da Lei 5.617/2021 no alcance dos beneficiários do espólio das vitimas falecidas por covid-19 anterior a data de sua vigência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2022, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60472/a-inaplicabilidade-da-lei-5-617-2021-no-alcance-dos-beneficirios-do-esplio-das-vitimas-falecidas-por-covid-19-anterior-a-data-de-sua-vigncia. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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