TÁCIO LACERDA GAMA[1]
(coautor)
Resumo: O artigo aborda o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais. Discorre sobre diplomas legais que disciplinam esse instituto tanto no âmbito do direito material – Código Civil (CC), quanto no âmbito do direito processual – Código de Processo Civil (CPC). Analisa como a responsabilidade tributária de terceiros é regulada no CTN, e como se dá a defesa do executado nas execuções fiscais (Lei 6.830/80). Relata a importância da interpretação na solução dos casos judiciais. Constata que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por suas Turmas de Direito Público, vem julgando o cabimento do incidente em feitos fiscais de maneira diversa. Ressalta a necessidade de uniformização de jurisprudência sobre essa temática em atenção ao princípio da segurança jurídica.
Palavras-chave: Direito Tributário. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Execução fiscal. Interpretação. Superior Tribunal de Justiça.
Abstract: The article discusses the appropriateness of the incident of disregard of legal personality in tax enforcement. It discusses laws that regulate this institute both in substantive law - Civil Code (CC), and in procedural law - Civil Procedure Code (CPC). It analyzes how the tax liability of third parties is regulated in the CTN, and how the taxpayer is defended in tax enforcement (Law 6.830/80). Reports the importance of interpretation in the solution of judicial cases. It notes that the Superior Court of Justice (STJ), through its Public Law Sections, has been judging the suitability of the incident in tax cases in a different way. It emphasizes the need to standardize jurisprudence on this subject in attention to the principle of legal certainty.
Keywords: Tax law. Incident of disregard of legal personality. Tax enforcement. Interpretation. Superior Court of Justice.
Sumário: INTRODUÇÃO. 1. A desconsideração da personalidade jurídica no CC e no CPC. 2. A responsabilidade de terceiros e o regime legal dos feitos executivos. 3. A importância da interpretação na solução de casos judiciais. 4. A divergência no STJ acerca da possibilidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais e a segurança jurídica. Conclusão. Referências.
Introdução
Pretende-se expor e discutir questão, ainda pendente de pronunciamento definitivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a respeito da possibilidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) no âmbito das execuções fiscais. Por se tratar de um pequeno ensaio, não se pretende dar um tratamento exaustivo ao assunto, mas apenas traçar breves e iniciais linhas sobre essa temática.
A importância do estudo decorre da necessidade de segurança jurídica na responsabilização tributária de terceiros, especialmente porque implica atingir o patrimônio de pessoa jurídica diversa (v.g. grupo econômico).
O Código Civil (CC) possui disciplina específica sobre a desconsideração da personalidade jurídica em seu art. 50 (direito material), e o Código de Processo Civil (CPC) vigente trouxe, em seus arts. 133 e seguintes, o procedimento para se formalizar essa desconsideração com a finalidade de responsabilização de terceiros (direito processual).
Já a Lei de Execuções Fiscais (LEF) – Lei 6.830/80 - não trata da possibilidade de se adotar esse incidente nos feitos executivos, só contemplando a defesa do executado via embargos à execução. Nem existe essa previsão no Código Tributário Nacional (CTN), que regula apenas a responsabilidade tributária de terceiros (hipóteses em que o responsável responde pela dívida tributária).
A metodologia adotada neste trabalho será a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial.
Nesse contexto, deve-se ressaltar a relevância da interpretação na solução de casos judiciais, especialmente nos casos de lacuna da lei, de forma a conferir maior segurança jurídica aos jurisdicionados. Pode-se adotar uma interpretação mais restritiva ou ampliativa sobre a aplicação do novel procedimento no âmbito do rito executivo fiscal.
Com efeito, é o órgão de cúpula do Poder Judiciário no tocante à interpretação de matéria infraconstitucional que decidirá pelo cabimento ou não desse incidente.
Sobre o tema, há divergência de entendimento entre os órgãos fracionários que julgam controvérsias atinentes a Direito Público no STJ: enquanto a Primeira Turma possui uma interpretação mais ampliativa, admitindo o uso do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais em hipóteses específicas, fora da responsabilidade de terceiros expressamente previstas na legislação tributária, a Segunda Turma tem compreendido que, considerando a disciplina especial da Lei 6.830/80, que não abrange o procedimento de desconsideração, a instauração desse incidente não seria possível.
Esse dissídio deve ser solucionado em âmbito jurisprudencial quando algum processo que verse sobre essa temática seja remetido a julgamento à Primeira Seção, colegiado competente para dirimir divergência de entendimento entre seus órgãos fracionários, possivelmente em embargos de divergência.
De grande valia, pois, que o STJ defina qual dessas interpretações será escolhida, em atenção ao princípio da segurança jurídica e consequente previsibilidade das atuações da Fazenda Pública e do contribuinte quanto ao tema da responsabilidade tributária de terceiros.
1. A desconsideração da personalidade jurídica no CC e no CPC
A pessoa jurídica “é capaz de direitos e deveres na ordem civil” (art. 1º do CC), independentemente dos membros que a compõem. Ou seja, em regra, há uma autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus sócios e administradores (terceiros).
Essa questão ficou mais clara após a Lei 13.874/19 (Lei da Liberdade Econômica) incluir o art. 49-A no CC[2], o qual estabelece que os componentes da pessoa jurídica “somente responderão por débitos dentro dos limites do capital social, ficando a salvo o patrimônio individual dependendo do tipo societário”[3].
Flávio Tartuce[4] explica que a regra é que a responsabilidade dos sócios seja subsidiária. Nas palavras de referido doutrinador:
Como é notório, a regra é de que a responsabilidade dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária, ou seja, primeiro exaure-se o patrimônio da pessoa jurídica para depois, e desde que o tipo societário adotado permita, os bens particulares dos sócios serem executados. Somente na hipótese de abuso da personalidade jurídica é que os sócios poderão ser responsabilizados diretamente.
No entanto, em hipóteses excepcionais, quando se constatar que a pessoa jurídica afastou-se dos seus princípios e fins, praticando fraudes e lesando terceiros, é possível levantar o véu e alcançar o patrimônio dos sócios.
O art. 50 do CC, com a redação dada pela Lei 13.874/19, disciplina a possibilidade de desconsideração em caso de abuso da personalidade jurídica:
Art. 50, CC. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.
De acordo com referido dispositivo, é possível a desconsideração da personalidade jurídica por abuso de personalidade, atendidos os seguintes requisitos: (i) autorização judicial prévia; (ii) responsabilidade patrimonial; e (iii) abuso da personalidade jurídica (desvio de finalidade ou confusão patrimonial).
Assim, verifica-se que o CC adotou a teoria maior da desconsideração, segundo a qual o juiz pode ignorar a autonomia patrimonial da pessoa jurídica para prevenir fraudes e abusos praticados através dela (abuso da personalidade jurídica), diferente da teoria menor, que autoriza essa desconsideração pela demonstração de mero prejuízo ao credor.
Considera-se desvio de finalidade a utilização intencional da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Esse instituto é regulado nos §§ 1º e 5º do art. 50 do CC, abaixo transcritos:
Art. 50, § 1º, CC: Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.
[...]
Art. 50, § 5º, CC: Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.
Já a confusão patrimonial se caracteriza pela ausência de separação dos patrimônios pessoais (da pessoa jurídica e o dos sócios e acionistas). Essa hipótese também foi regulada pelo CC, em seu art. 50, § 2º:
Art. 50, § 2º, CC: Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:
I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;
II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e
III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.
A Lei 13.874/19 também introduziu o § 4º no art. 50 do CC, preconizando que: “A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica”. Por esse dispositivo legal, verifica-se que a lei civil adotou a teoria da “desconsideração econômica ou indireta, pela qual, nos casos de abuso da personalidade jurídica em que for patente a ocorrência de fraude, poderá o magistrado estender as responsabilidades de uma empresa para outra”[5].
Pretende-se, no âmbito do direito material, resguardar o patrimônio de terceiros, quando não tenham se utilizado da pessoa jurídica de maneira fraudulenta para deixar de cumprir suas obrigações.
Na dimensão do direito processual, o CPC passou a prever a possibilidade de instauração de incidente de desconsideração de personalidade jurídica no Capítulo IV do Título III - “Da intervenção de terceiros” (arts. 133 a 137).
Trata-se, assim, de um procedimento judicial autônomo, realizado nos autos do próprio processo de forma incidental, para eventual reconhecimento da desconsideração da personalidade jurídica.
O art. 133 do CPC[6] estabelece os legitimados para a instauração do incidente – parte interessada ou Ministério Público – e a necessidade de observância dos pressupostos legais.
Já o art. 134 do código processual[7] indica os momentos em que é cabível a instauração do procedimento - processo de conhecimento, cumprimento de sentença e execução de título executivo extrajudicial, bem como que, em regra, o incidente implica suspensão do processo em curso.
Na sequência, o art. 135 do CPC[8] cuida do prazo para ser exercido o contraditório prévio e a ampla defesa, a saber, quinze dias. O art. 136 do CPC[9] especifica que o incidente será resolvido por decisão interlocutória, a qual desafia agravo interno. E, por fim, o art. 137 do CPC[10] traz a consequência do acolhimento do pedido de desconsideração: a ineficácia de eventual alienação ou oneração fraudulenta de bens.
O CPC, em seu art. 795, § 4º[11], estabelece ainda a obrigatoriedade do manejo desse procedimento para que haja a desconsideração da personalidade jurídica, considerando que os sócios respondem, nos termos da lei, pelas dívidas da sociedade (art. 795, caput, do CPC).
Sobre esse dispositivo, Cássio Scarpinella Bueno[12] entende que, ressalvada a hipótese do art. 134, § 2º, do CPC (quando a desconsideração for requerida já na inicial), a “instauração do incidente é absolutamente indispensável, justamente para viabilizar o exercício do direito ao contraditório e da ampla defesa por aqueles que, até então, por serem terceiros não puderam exercê-lo”.
Assim, a desconsideração da personalidade jurídica tem a finalidade de que “os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico”[13]. Para a configuração do abuso de personalidade jurídica, a lei civil estipulou quais os requisitos a serem preenchidos.
Para viabilizar esse processo de desconsideração, o CPC incluiu, no rol da intervenção de terceiros, o IDPJ, procedimento que confere maior segurança jurídica e a possibilidade de o terceiro se manifestar, incidentalmente, antes de seus bens serem alcançados para o pagamento da dívida.
2. A responsabilidade de terceiros e o regime legal dos feitos executivos
Renato Lopes Becho[14] adverte que “a responsabilização tributária de terceiros é uma hipótese de desconsideração da personalidade jurídica”.
Com efeito, a lei tributária permite que o Fisco inclua terceira pessoa, física ou jurídica, distinta da que pratica o fato jurídico tributário, no polo passivo da obrigação tributária, na qualidade de responsável.
No CTN, a responsabilidade de terceiros é disciplinada pelo art. 121[15], que traz em seu bojo o conceito de sujeito passivo, pelo art. 124[16], que trata de responsabilidade tributária solidária, e pelo art. 128[17], que traz a regra geral sobre responsabilidade tributária. Há, ainda, outros dispositivos do referido diploma normativo invocados para justificar a responsabilidade dos grupos econômicos, a saber, arts. 134 e 135 do CTN[18], que regulam a responsabilidade de terceiros.
O art. 128 desse codex contém a regra geral sobre a responsabilidade tributária, podendo-se, por este dispositivo legal, depreender como características: a) deve ser instituída por lei; b) tem natureza tributária; e c) a lei elege um terceiro vinculado ao fato gerador para ser o responsável pelo pagamento do tributo.
O art. 121 do CTN, por sua vez, explicita o conceito legal de sujeito passivo para fins tributários, e adota a seguinte classificação: (I) contribuinte - aquele que realiza o fato gerador; (II) responsável - qualquer outra pessoa que esteja obrigada, por força de lei, a pagar o tributo, seja no lugar do contribuinte ou em conjunto com ele (direta, solidária ou subsidiariamente).
Renato Lopes Becho[19] leciona que se devem entender por modalidades de sujeição passiva tributária “os grupos de pessoas que compõem o polo passivo da relação jurídico-tributária”.
A responsabilidade por solidariedade está inserida no Capítulo IV do CTN, fazendo parte do Título II do Livro Segundo, intitulado Obrigação Tributária.
Nesse passo, o art. 124 do CTN prevê a existência de duas espécies de solidariedade: (1) por interesse comum; e (2) por disposição expressa de lei.
A solidariedade, na lição de Fábio Pallaretti Calcini[20], deve ser compreendida como uma forma de responsabilidade tributária decorrente do interesse comum no “fato gerador da obrigação ou por força de lei específica (art. 124), possibilitando ao credor a exigência do crédito tributário tanto do contribuinte como do responsável, sem ordem de preferência”.
O interesse comum, conforme ensinamento de Kiyoshi Harada[21], é interesse jurídico pertinente à realização comum ou conjunta da situação que constitui o fato gerador, e não pode ser confundido com interesse econômico no resultado ou proveito da situação.
Em adendo, Tácio Lacerda Gama[22] esclarece que esse interesse comum não corresponde ao “simples interesse econômico na realização de determinado fato jurídico tributário”, mas deve existir efetivo “interesse jurídico, entendido como a própria imposição legal de realização concomitante do fato jurídico tributário por parte dos responsáveis”.
Maria Rita Ferragut[23], em complemento, ensina que o interesse comum é “aquele derivado de uma relação jurídica da qual o sujeito de direito seja parte integrante, e que interfira em sua esfera de direitos e deveres e o legitime a postular em juízo em defesa do seu interesse”.
Ramon Tomazela Santos[24] compreende que o interesse comum, hábil a permitir a atribuição de responsabilidade tributária solidária, “depende da participação direta da sociedade que exerceu o poder de decisão na situação de fato ou na situação de direito que compõe o antecedente normativo da regra de incidência tributária”.
A Secretaria da Receita Federal do Brasil editou o Parecer Normativo COSIT/RFB Nº 04/2018[25], indicando que o interesse comum apto a ensejar a responsabilidade solidária (tributária) “demanda que a pessoa a ser responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou do responsável por substituição”, bem como de prova do “nexo causal em sua participação comissiva ou omissiva, mas consciente, na configuração do ato ilícito com o resultado prejudicial ao Fisco dele advindo”.
Assim, para que seja autorizada a desconsideração da personalidade jurídica de grupos econômicos, faz-se necessária a comprovação da existência, no mínimo, de indícios que demonstrem “a ocorrência de fraude ou conluio, desvio de finalidade, abuso de personalidade jurídica, confusão patrimonial ou dilapidação de bens que compõem o ativo mercantil, com o intuito de evitar o pagamento de tributos”[26].
O art. 134 do CTN inaugura o capítulo da responsabilidade de terceiros e cuida das hipóteses de responsabilidade subsidiária (e não solidária). Sobre esse tema, Regina Helena Costa[27] leciona que esse dispositivo legal “considera a culpa dos terceiros apontados para atribuir-lhes responsabilidade tributária, em razão do descumprimento de deveres de fiscalização e de boa administração”.
Na sequência, o art. 135 do CTN traz as hipóteses de responsabilidade tributária pessoal. Renato Lopes Becho[28] ensina que esse dispositivo cuida da responsabilidade tributária dos terceiros pela realização de atos praticados “contra o interesse do contribuinte e que signifiquem descumprimento da legislação que liga um e outro (contribuinte e responsável)”, e, “como o responsável terá agido contra os interesses do contribuinte, este será excluído da ação de cobrança (responsabilidade pessoal do terceiro)”.
Esses últimos dois dispositivos, em alguns casos, são invocados como embasamento legal à responsabilidade tributária dos grupos econômicos, mas sempre vinculados ao art. 124, I, do CTN.
Nesse sentido, a lição de Ives Gandra da Silva Martins[29]:
A característica, portanto, da responsabilidade, é a vinculação a operação, e a solidariedade decorre de ter o responsável, de alguma forma, participado do fato gerador. Ora, não ocorrendo esta vinculação, a luz da mera informação da existência de um grupo econômico, empresas sem qualquer vinculação com o fato gerador, não podem ser responsabilizadas, pois o artigo 124, inciso I, do CTN está subordinado a ocorrência das hipóteses dos artigos 128, 134 e 135.
Já no âmbito da LEF, a defesa da parte executada ocorre por meio de oferecimento de embargos à execução, cuja admissão está condicionada à apresentação de garantia (art. 16, caput e § 1º), oportunidade em que o “executado deverá alegar toda matéria útil à defesa, requerer provas e juntar aos autos os documentos e rol de testemunhas” (art. 16, § 2º).
A natureza jurídica dos embargos, leciona Anderson Soares Madeira[30], é de “ação autônoma, em separado, de natureza constitutiva negativa, uma vez que sua oposição tem como finalidade a destituição, total ou parcial, do título executivo (certidão de dívida ativa)”.
Não há uma disciplina específica no tocante ao procedimento para atribuir responsabilidade tributária a terceiros, especialmente no tocante aos grupos econômicos.
De outro lado, o art. 1º da LEF dispõe que a execução judicial da dívida ativa da Fazenda Pública será regida, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
Questiona-se: a análise deste aparato legislativo nos permite inferir o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica no âmbito das execuções fiscais?
3. A importância da interpretação na solução de casos judiciais
Para Carlos Maximiliano[31], interpretar o Direito “não é simplesmente tornar claro o respectivo dizer, abstratamente falando; é, sobretudo, revelar o sentido apropriado para a vida real, e conducente a uma decisão reta”.
Na lição de Hans Kelsen[32], na hipótese em que “o Direito é aplicado por um órgão jurídico, este necessita fixar o sentido das normas que vai aplicar, tem de interpretar estas normas”. Nesse passo, a interpretação pode ser compreendida como “uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior”.
Referido doutrinador[33] considera como autêntica a interpretação criadora de Direito realizada pelo órgão aplicador, que se concretiza ao se escolher “uma das possibilidades reveladas pela interpretação cognoscitiva da mesma norma” ou também com a produção de “uma norma que se situe completamente fora da moldura que a norma a aplicar representa”.
Paulo de Barros Carvalho compreende que “interpretar o direito é conhecê-lo, atribuindo valores aos símbolos”[34]. E acrescenta que surgirá “o texto quando promovermos a união do plano de conteúdo ao plano de expressão, vale dizer, quando se manifestar um empírico objetivado, que é o plano expressional” [35].
É importante destacar que, nessa perspectiva, a interpretação é tida como uma atividade criadora, feita pelo intérprete, que não desvenda o sentido do texto, mas cria um significado para esse suporte físico.
Ademais, leciona Tácio Lacerda Gama[36] que a construção do sentido da mensagem normativa perpassa pelo confronto entre textos de direito positivo e da Ciência do Direito, considerando que “os sentidos produzidos pela Ciência influenciam decisões no direito positivo, assim como as disposições do direito positivo constituem o próprio objeto das considerações da Ciência Jurídica”. E, assim, dialogicamente (intertextualmente), “textos da Ciência e do direito positivo se condicionam mutuamente [...], sem que os dois sistemas linguísticos percam sua respectiva autonomia”.
A controvérsia discutida no presente trabalho diz respeito ao cabimento (ou não) do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nos feitos executivos fiscais.
Isso porque, conforme indicado nas linhas anteriores, a instauração desse incidente é novidade trazida pelo vigente CPC, regulamentando o procedimento para a desconsideração da personalidade jurídica prevista no art. 50 do CC.
As normas tributárias, a saber, o CTN, editado em 1966, e a LEF, em 1980, não possuem disciplina específica sobre essa temática, apesar desta última lei permitir, em seu art. 1º, a aplicação subsidiária do CPC.
Pode-se adotar uma interpretação mais restritiva, e também ancorar-se no princípio da especialidade, considerando o CTN e a LEF leis especiais em face do CPC, para se compreender pela incompatibilidade da instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica na execução fiscal.
De outro lado, acaso se leve em conta o diálogo entre as fontes[37], a autorização de aplicação subsidiária do CPC nos feitos fiscais, bem como o devido processo civil constitucional, é possível concluir pela possibilidade de instauração do IDPJ.
Na doutrina, são favoráveis à instauração do IDPJ nas execuções fiscais: Cássio Scarpinella Bueno[38], Renato Lopes Becho[39], Maria Rita Ferragut[40], dentre outros.
Cássio Scarpinella Bueno[41] defende que a prévia observância do contraditório e da ampla defesa “sobrepõem-se às escolhas feitas pelo legislador, justamente porque encontram fundamento (bastante) no modelo constitucional do direito processual civil”.
Renato Lopes Becho[42], em igual sentido, entende que o IDPJ “visa melhorar o sistema de defesa dos apontados como responsáveis tributários” e que “sua aplicação melhorará a prática atual nas execuções fiscais”.
Maria Rita Ferragut[43], alinhada a esse posicionamento, considera que o “incidente de desconsideração da personalidade jurídica supre uma lacuna legal, ao permitir que, antes da apreciação do pedido de corresponsabilidade, a parte defenda-se, apresente provas e tenha sua defesa apreciada”, concluindo que o “contraditório será observado desde o início, sendo assegurado a todos o devido processo legal”.
De outro lado, compreendendo pelo descabimento do IDPJ nos feitos executivos fiscais, podemos citar Edson Antônio Sousa Pontes Pinto e Carlos Eduardo M. Gasperin[44], para quem “a atividade de lançamento é privativa da Administração Pública, de tal modo que a qualificação do sujeito passivo, seja ele contribuinte, seja responsável, deve ser feita em procedimento de lançamento”, com respeito ao contraditório e ampla defesa (participação efetiva do terceiro); e que “não pode o Poder Judiciário, via incidente, ou até mesmo em decisão de redirecionamento, incluir terceiro que não estava determinado sob o argumento de que incorreu em uma das hipóteses dos arts. 134 e 135 do Código Tributário Nacional”.
Verifica-se, assim, a existência de fortes fundamentos, em âmbito doutrinário, tanto pelo cabimento do incidente, quanto pela incompatibilidade desse procedimento com o rito das execuções fiscais. E, tratando-se de controvérsia de índole infraconstitucional, vai caber ao STJ dar a última e definitiva interpretação ao problema aqui trazido.
4. A divergência no STJ acerca da possibilidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais e a segurança jurídica
Com relação à necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, divergem as Turmas de direito público do STJ.
A Segunda Turma firmou o entendimento de que é “prescindível o incidente de desconsideração da personalidade jurídica para o redirecionamento da execução fiscal na sucessão de empresas com a configuração de grupo econômico de fato e em confusão patrimonial”[45].
Um dos fundamentos para não se admitir o processamento do incidente seria a incompatibilidade entre a LEF e o CPC, conforme se depreende do seguinte excerto do voto condutor desse julgado:
A previsão constante no art. 134, caput, do CPC/2015, sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, na execução fundada em título executivo extrajudicial, não implica a sua incidência na execução fiscal, regida pela Lei 6.830/80, verificando-se verdadeira incompatibilidade entre o regime geral do Código de Processo Civil e a Lei de Execuções, que diversamente da Lei Geral, não comporta a apresentação de defesa sem prévia garantia do juízo, nem a automática suspensão do processo, conforme previsão do art. 134, § 3º, do CPC/2015.
Outro alicerce utilizado pela Segunda Turma do STJ foi o princípio da especialidade, pois a previsão na lei geral da hipótese de cabimento do incidente de desconsideração na execução fundada em título executivo extrajudicial (art. 134 do CPC) “não implica sua incidência automática em execução de título extrajudicial regulada por lei especial, como no caso da execução fiscal, regida pela Lei n. 6.830/1980 (Lei de Execução Fiscal)".
Considerou-se, ainda, que a exigência de instauração do incidente de desconsideração dificultaria a persecução de bens do devedor e facilitaria a dilapidação patrimonial, além de “transferir à Fazenda Pública o ônus desproporcional de ajuizar medidas cautelares fiscais e tutelas provisórias de urgência para evitar os prejuízos decorrentes do risco que se colocaria à satisfação do crédito".
Por fim, reputou-se contraditório afastar a instauração desse procedimento para atingir os sócios-administradores (art. 135, III, do CTN), mas exigi-la para alcançar pessoas jurídicas que constituem grupos econômicos com a finalidade de blindar o patrimônio em comum, sendo que nas duas hipóteses há responsabilidade por atuação irregular, por “descumprimento das obrigações tributárias, não havendo que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, mas sim de imputação de responsabilidade tributária pessoal e direta pelo ilícito”.
Já a Primeira Turma do STJ, em sentido diverso, compreende ser necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora “para o redirecionamento de execução fiscal a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico, mas que não foi identificada no ato de lançamento (Certidão de Dívida Ativa) ou que não se enquadra nas hipóteses dos arts. 134 e 135 do CTN”[46].
Interessante notar que, nesse caso, afastou-se a utilização de referido procedimento considerando inclusive a jurisprudência do STJ, que admite o redirecionamento da execução fiscal ao corresponsável indicado na CDA, cabendo à parte executada defender-se por meio de embargos do devedor (Tema 103/STJ[47]).
Compreendeu-se, também, que se o pedido de redirecionamento da execução fiscal for feito após a comprovação, pelo fisco, da caracterização de hipótese legal de responsabilização dos terceiros indicados (arts. 134 e 135 do CTN), o juiz poderá decidir pela sua inclusão no “polo passivo sem a instauração do incidente de desconsideração, pois a responsabilização de terceiros tratada no Código Tributário Nacional não necessita da desconsideração da pessoa jurídica devedora”.
Dessa forma, também se baseou no princípio da especialidade quando considerou que, não obstante o art. 134 do CPC estabeleça o cabimento do incidente de desconsideração na execução de título executivo extrajudicial, seria desnecessária a instauração desse procedimento incidental nas execuções fiscais “quando o fundamento legal em que se apoia o pedido fazendário se arrimar em responsabilidade pessoal, solidária ou subsidiária, daquele que se quer incluído no polo passivo.”[48] Ou seja, na hipótese em que a Fazenda Nacional baseou seu pedido na responsabilidade tributária pessoal prevista no art. 134 do CTN, torna-se despicienda a instauração de referido incidente.
Depreende-se do quanto exposto que há convergência de entendimento entre as Turmas julgadoras no tocante à existência de hipóteses legais que autorizam o redirecionamento à sociedade empresária (arts. 134 e 135 do CTN) sem a imposição da instauração de referido incidente.
No entanto, a Primeira Turma enxergou a possibilidade de instauração do incidente quando o redirecionamento tem a finalidade de alcançar pessoa jurídica integrante do mesmo “grupo econômico a que pertence a sociedade empresária originalmente executada, que não está indicada na Certidão de Dívida Ativa e à qual não é atribuída a responsabilidade, na qualidade de terceiro (arts. 134 e 135 do CTN)”.
O órgão julgador da Corte Superior alicerçou-se na premissa de que “o só fato de integrar grupo econômico não torna uma pessoa jurídica responsável pelos tributos inadimplidos das outras”.
A ementa do AgInt no REsp 1.963.566/SP[49] sintetiza bem o entendimento jurisprudencial da Primeira Turma do STJ a respeito desse assunto:
[...]
II - A instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica - IDPJ, em sede de execução fiscal, para a cobrança de crédito tributário, revela-se excepcionalmente cabível diante da:
(i) relação de complementariedade entre a LEF e o CPC/2015, e não de especialidade excludente; e (ii) previsão expressa do art. 134 do CPC quanto ao cabimento do incidente nas execuções fundadas em títulos executivos extrajudiciais.
III - O IDPJ mostra-se viável quando uma das partes na ação executiva pretende que o crédito seja cobrado de quem não figure na CDA e não exista demonstração efetiva da responsabilidade tributária em sentido estrito, assim entendida aquela fundada nos arts. 134 e 135 do CTN.
Oportuno trazer à baila que o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região julgou incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR)[50] sobre essa temática, tendo fixado, em conformidade com o entendimento exarado pela Primeira Turma do STJ, tese jurídica pelo cabimento do IDPJ fora das hipóteses legais de responsabilidade tributária:
[...] "Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal desde que fundada, exclusivamente, em responsabilidade tributária nas hipóteses dos artigos 132, 133, I e II e 134 do CTN, sendo o IDPJ indispensável para a comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, art. 135, incisos I, II e III), e para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da Execução Fiscal em face dos demais coobrigados".
Ocorre que a existência de diferentes entendimentos jurisprudenciais gera insegurança jurídica, que se traduz em prejuízo tanto para os contribuintes (ou responsáveis), quanto para a Fazenda Pública, que não sabem como atuar nesses casos de responsabilidade tributária de terceiros.
Humberto Ávila[51] nos ensina que o Direito, para servir efetivamente de orientação ao corpo social, precisa, necessariamente, ser compreendido pelo destinatário. Deve ser claro e preciso, porque não se pode obedecer a uma norma cujo conteúdo não possa ser apreendido por quem deve cumpri-la.
Sobre a segurança jurídica, Roque Antonio Carrazza, Nelson Nery Junior e Tércio Sampaio Ferraz Junior[52] lecionam que esse princípio “ajuda a promover os valores supremos da sociedade, influindo não só na edição das leis e dos atos administrativos, como no próprio alcance das decisões judiciais”.
Paulo de Barros Carvalho[53] qualifica a segurança jurídica como um sobreprincípio, que, apesar de não estar no ordenamento de modo explícito, pode ser percebido pela conjugação de outros princípios tributários, como a igualdade, a legalidade, a irretroatividade e a anterioridade.
Mister, então, que a Corte responsável por dar a última interpretação em matéria infraconstitucional se posicione, o quanto antes, sobre essa questão.
Em pesquisa realizada no sítio eletrônico do STJ, verifica-se que já existem embargos de divergência admitidos no STJ. Esse recurso, como cediço, tem a finalidade de dirimir eventuais diferenças de entendimentos entre os órgãos fracionários da Primeira Seção (Primeira e Segunda Turmas), e está previsto nos arts. 1.043 e 1.044 do CPC.
Os EREsp 1.823.488/PR (DJe 9/8/2021), os EREsp 1.706.614/SC (DJe 9/8/2021) e os EREsp 1.851.508/PE (DJe 1/10/2021) foram admitidos pela Min. Relatora Assusete Magalhães. Em sua decisão monocrática, considerou estar demonstrada, em princípio, o dissídio pretoriano quanto ao cabimento do IDPJ nas execuções fiscais.
De igual modo, ao analisar os EAREsp 1.778.323/RS, o Relator, Min. Benedito Gonçalves, decidiu processar o recurso, por compreender que, em “um juízo preliminar, perfunctório, aparentemente está instaurada a divergência em torno da (des)necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica” (DJe 1/7/2022).
Dessa forma, importante que o Superior Tribunal de Justiça se pronuncie, pela sua Primeira Seção, de modo definitivo sobre esse tema, e confira a melhor interpretação possível, com base nas normas constantes em nosso ordenamento jurídico, para trazer almejada segurança jurídica aos contribuintes e ao fisco.
Conclusão
O presente artigo buscou analisar o debate sobre o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais, para a responsabilização tributária de terceiros.
Iniciou-se fazendo um breve estudo sobre a desconsideração da personalidade jurídica prevista no Código Civil, a qual contempla o abuso da personalidade jurídica, que pode se dar por desvio de finalidade ou confusão patrimonial (art. 50 do CC).
Na sequência, apresentou-se o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, procedimento realizado nos autos do próprio processo de forma incidental, possibilitando o contraditório prévio antes de terceiros eventualmente integrarem o processo de execução, novidade trazida pelo vigente Código de Processo Civil (arts. 133 a 137 do CPC).
Especificamente em matéria tributária, descortinou-se as hipóteses em que a lei permite que o Fisco inclua terceira pessoa, física ou jurídica, distinta da que pratica o fato jurídico tributário, no polo passivo da obrigação tributária, na qualidade de responsável (arts. 121, 124, 128, 134 e 135 do CTN).
Em se tratando da Lei de Execuções Fiscais, constatou-se que a defesa do executado se dá por meio de embargos à execução, ação autônoma, cuja admissão está condicionada à apresentação de garantia (art. 16, caput e § 1º, da LEF). Observou-se, também, que referida norma autoriza a aplicação subsidiária do CPC, na falta de disciplina específica sobre determinada matéria.
Verificou-se que a interpretação, na solução de demandas judiciais, tem o importante papel de criar um sentido para o texto contido na lei. Antes disso, a doutrina tem a função de trazer argumentos para melhor fundamentar a decisão do julgador, em uma relação dialógica com o direito positivo.
Pela compatibilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, abalizados doutrinadores alicerçam-se no modelo constitucional do direito processual civil, na necessidade de melhoria do sistema de defesa dos apontados como responsáveis tributários, na constatação de que esse procedimento supre uma lacuna legal, sendo autorizada pela própria LEF a aplicação subsidiária do CPC.
Já compreendendo pelo descabimento desse incidente na via dos feitos executivos fiscais, doutrina e jurisprudência baseiam-se na impossibilidade de o Poder Judiciário incluir terceiro fora das hipóteses legais, no princípio da especialidade e pela incompatibilidade entre o rito executivo e o rito processual, e que a responsabilização de grupos econômicos é pessoal e direta pelo ilícito.
No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, os órgãos fracionários de direito público apresentam divergência de entendimento.
A Primeira Turma compreende ser necessária a instauração do incidente de desconsideração da personalidade da pessoa jurídica devedora quando a pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico não foi identificada no ato de lançamento (Certidão de Dívida Ativa), e não se enquadra nas hipóteses previstas no CTN.
A Segunda Turma, por sua vez, defende a prescindibilidade do incidente de desconsideração da personalidade jurídica para o redirecionamento da execução fiscal na sucessão de empresas com a configuração de grupo econômico de fato e em confusão patrimonial.
Ocorre que esse dissídio jurisprudencial gera insegurança jurídica, que se traduz em prejuízo tanto para os contribuintes, quanto para a Fazenda Pública, que não sabem como atuar nesses casos de responsabilidade jurídica de terceiros.
Dessa forma, desejável que o Poder Judiciário defina qual desses entendimentos prevalecerá. Cuidando-se de matéria infraconstitucional, tal encargo é atribuído ao STJ. E, nesse propósito, verifica-se a existência de recursos de embargos de divergência já admitidos no STJ, aguardando oportuna inclusão em pauta.
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[1] Livre docente em Direito. Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo nos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado. Presidente do Instituto de Aplicação do Tributo (IAT) e advogado.
[2] Art. 49-A, caput, CC. “A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.”
[3] TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 307.
[4] Id Ibid, p. 307.
[5] TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 320.
[6] Art. 133, CPC. “O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo. § 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei. § 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.”
[7] Art. 134, CPC. “O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.” [...] § 3º. “A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.”
[8] Art. 135, CPC. “Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.”
[9] Art. 136, CPC. “Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória. Parágrafo único. Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.”
[10] Art. 137, CPC. “Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.”
[11] Art. 795, § 4º, CPC. “Para a desconsideração da personalidade jurídica é obrigatória a observância do incidente previsto neste Código.”
[12] BUENO, Cássio Scarpinella. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica: reflexões à luz do processo tributário. Revista brasileira de direito processual, v. 28, n. 112, p. 63-90, out./dez. 2020, p. 72.
[13] AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 210.
[14] BECHO, Renato Lopes. Dos Impactos do Novo CPC no Direito e o Processo Tributário. Revista de Estudos Tributários, n. 110, ano XIX, p. 621, jul.-ago. 2016, Editorial Síntese, p. 621.
[15] Art. 121, CTN. “Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei”.
[16] Art. 124, CTN. “São solidariamente obrigadas: I - as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II - as pessoas expressamente designadas por lei. Parágrafo único. A solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.”
[17] Art. 128, CTN. “Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação”.
[18] Art. 134, CTN. “Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis: I - os pais, pelos tributos devidos por seus filhos menores; II - os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados; III - os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes; IV - o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio; V - o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pelo concordatário; VI - os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício; VII - os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas. Parágrafo único. O disposto neste artigo só se aplica, em matéria de penalidades, às de caráter moratório”.
Art. 135, CTN. “São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos: I - as pessoas referidas no artigo anterior; II - os mandatários, prepostos e empregados; III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado”.
[19] BECHO, Renato Lopes Becho. As modalidades de sujeição passiva tributária no ordenamento jurídico brasileiro. Revista dialética de direito tributário. n. 192, p. 113, set. 2011.
[20] CALCINI, Fábio Pallaretti. Responsabilidade tributária e solidariedade. Algumas considerações ao art. 124 do Código Tributário Nacional. Revista dialética de direito tributário. n. 167, ago. 2009, p. 41.
[21] HARADA, Kiyoshi. IPTU: doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2012, p. 117. Nas palavras de referido autor: “O interesse comum não se confunde com o interesse econômico no resultado ou proveito da situação, que constitui o fato gerador da obrigação principal. Trata-se de interesse jurídico que diz respeito à realização comum ou conjunta da situação que constitui o fato gerador. É solidária a pessoa que realiza conjuntamente, com outras pessoas, a situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária”.
[22] GAMA, Tácio Lacerda. Inconsistência argumentativa, responsabilidade tributária e grupos econômicos. Interesse público, v. 22, n. 119, p. 163-186, jan./fev. 2020, p. 167.
[23] FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária. 4. ed. São Paulo: Editora Noeses, 2020, p. 224.
[24] SANTOS, Ramon Tomazela. Responsabilidade tributária e grupo econômico. Revista dialética de direito tributário, n. 238, jul. 2015, p. 122. “Registre-se que mesmo o exercício concreto do poder de decisão não revela, por si só, a participação da sociedade investidora no fato gerador da obrigação tributária, para efeito de caracterização do interesse comum que permite a atribuição de responsabilidade tributária solidária. Isso porque, em última análise, o interesse comum depende da participação direta da sociedade que exerceu o poder de decisão na situação de fato ou na situação de direito que compõe o antecedente normativo da regra de incidência tributária. Assim, pode-se afirmar que, nos casos em que o suporte fático da regra tributária está vinculado a determinado negócio jurídico, o responsável solidário deve integrar, juntamente com o contribuinte, o polo da relação jurídica descrita na lei como necessária e suficiente à ocorrência do fato gerador. Por igual forma, nos casos em que a regra tributária descreve situação de fato que não depende da efetiva caracterização de negócio jurídico, o responsável solidário deve participar ativamente do fato ocorrido na realidade social (e não apenas por meio de influência), realizando em conjunto com o contribuinte o fato jurídico tributário.” (p. 122).
[25] Parecer Normativo COSIT nº 4, de 10 de dezembro de 2018. DOU 12/12/2018. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?idAto=97210&visao=compilado.> Veja como ficou redigida a parte relativa ao interesse comum: “A responsabilidade solidária por interesse comum decorrente de ato ilícito demanda que a pessoa a ser responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou do responsável por substituição. Deve-se comprovar o nexo causal em sua participação comissiva ou omissiva, mas consciente, na configuração do ato ilícito com o resultado prejudicial ao Fisco dele advindo.”
[26] FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade Tributária. 4. ed. São Paulo: Editora Noeses, 2020, p. 232.
[27] COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 222.
[28] BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 572.
[29] MARTINS, Ives Gandra da Silva. Grupos econômicos e responsabilidade tributária. Revista dialética de direito tributário, n. 236, maio 2015, p. 100 e 101.
[30] MADEIRA, Anderson Soares. Lei de execuções fiscais: (lei nº 6.830 de 22 de setembro de 1980): anotada e comentada sob a égide jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022, p. 287.
[31] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 8.
[32] KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Capítulo III, p. 387.
[33] Id Ibid, p. 394.
[34] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: linguagem e método. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 204.
[35] Id ibid, p. 189.
[36] GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária: fundamentos para uma teoria da nulidade. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 319.
[37] Sobre a tese do diálogo entre as fontes, Flávio Tartuce explica a funcionalidade da sua aplicação: “É cediço que vivemos um momento de explosão de leis, um Big Bang Legislativo, como simbolizou Ricardo Lorenzetti. O mundo pós moderno e globalizado, complexo e abundante por natureza, convive com uma quantidade enorme de normas jurídicas, a deixar o aplicador do Direito até desnorteado. O diálogo entre as fontes serve como um leme nessa tempestade”. TARTUCE, Flávio. Direito civil: lei de introdução e parte geral. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 116.
[38] BUENO, Cássio Scarpinella. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica: reflexões à luz do processo tributário. Revista brasileira de direito processual, v. 28, n. 112, p. 63-90, out./dez. 2020.
[39] BECHO, Renato Lopes. Dos Impactos do Novo CPC no Direito e o Processo Tributário. Revista de Estudos Tributários, n. 110, ano XIX, p. 621, jul.-ago. 2016, Editorial Síntese.
[40] FERRAGUT, Maria Rita. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e grupos econômicos. O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. Coord. Paulo Cesar Conrado e Juliana Furtado Costa Araújo. São Paulo: Fiscosoft, 2015.
[41] BUENO, Cássio Scarpinella. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica: reflexões à luz do processo tributário. Revista brasileira de direito processual, v. 28, n. 112, p. 63-90, out./dez. 2020, p. 87.
[42] BECHO, Renato Lopes. Dos Impactos do Novo CPC no Direito e o Processo Tributário. Revista de Estudos Tributários, n. 110, ano XIX, p. 621, jul.-ago. 2016, Editorial Síntese, p. 621.
[43] FERRAGUT, Maria Rita. Incidente de desconsideração da personalidade jurídica e grupos econômicos. O Novo CPC e seu impacto no direito tributário. Coord. Paulo Cesar Conrado e Juliana Furtado Costa Araújo. São Paulo: Fiscosoft, 2015, p. 15.
[44] PINTO, Edson Antônio Sousa Pontes; GASPERIN, Carlos Eduardo M. É cabível a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nos casos de responsabilidade tributária de terceiros? Ainda sobre a incompatibilidade do novo instituto com o direito processual tributário. Revista dos Tribunais, vol. 983, ano 106. São Paulo: Ed RT, setembro 2017, p. 304.
[45] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.786.311/PR. Rel. Min. Francisco Falcão. Data de Julgamento: 9 mai. 2019. Disponível em: < scon.stj.jus.br/SCON/ pesquisar.jsp> Acesso em: 1 jul. 2022.
[46] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.775.269/PR. Rel. Min. Gurgel de Faria. Data de Julgamento: 21 fev. 2019. Disponível em: < scon.stj.jus.br/SCON/ pesquisar.jsp> Acesso em: 1 jul. 2022.
[47] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.104.900/ES. Rel. Min. Denise Arruda. Data de Julgamento: 25 mar. 2009. Disponível em: < scon.stj.jus.br/SCON/ pesquisar.jsp> Acesso em: 1 jul. 2022.
[48] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp 1.173.201/SC. Rel. Min. Gurgel de Faria. Data de Julgamento: 01 mar. 2019. Disponível em: < scon.stj.jus.br/SCON/ pesquisar.jsp> Acesso em: 1 jul. 2022. “[...] 2. A atribuição, por lei, de responsabilidade tributária pessoal a terceiros, como no caso dos sócios-gerentes, autoriza o pedido de redirecionamento de execução fiscal ajuizada contra a sociedade empresária inadimplente, sendo desnecessário o incidente de desconsideração da personalidade jurídica estabelecido pelo art. 134 do CPC/2015. 3. Hipótese em que o TRF da 4ª Região decidiu pela desnecessidade do incidente de desconsideração, com menção aos arts. 134 e 135 do CTN, inaplicáveis ao caso, e sem aferir a atribuição de responsabilidade pela legislação invocada pela Fazenda Nacional, que requereu a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica para alcançar outra, integrante do mesmo grupo econômico.”
[49] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.963.566/SP. Rel. Min. Regina Helena Costa. Data de Julgamento: 17 fev. 2022. Disponível em: < scon.stj.jus.br/SCON/ pesquisar.jsp> Acesso em: 1 jul. 2022.
[50] BRASIL. Tribunal Regional Federal da Quarta Região. IRDR n. 0017610-97.2016.4.03.0000/SP. Rel. Des. Baptista Pereira. Data de Julgamento: 10 fev. 2021. Disponível em: < https://web.trf3.jus.br/base-textual/Home/ListaColecao/9?np=1> Acesso em: 1 jul. 2022.
[51] ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 48.
[52] CARRAZZA, Roque Antonio; NERY JUNIOR, Nelson; FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Efeito ex nunc e as decisões do STJ. 2.ed. Barueri: Manole, 2009, p. 44.
[53] CARVALHO, Paulo de Barros. O sobreprincípio da segurança jurídica e os primados que lhe objetivam no direito positivo brasileiro. Revista Brasileira de Direito Tributário e Finanças Públicas. v. 10 n. 58. Porto Alegre: Magister, Set-Out/2016, p. 44.
Mestranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Especialista em Função Social do Direito: Processo, Constituição e Novos Direitos pela Unisul. Assessora de Ministro do Superior Tribunal de Justiça.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Aline Bacelar Teixeira. A interpretação do Superior Tribunal de Justiça quanto ao cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas execuções fiscais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 dez 2022, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60493/a-interpretao-do-superior-tribunal-de-justia-quanto-ao-cabimento-do-incidente-de-desconsiderao-da-personalidade-jurdica-nas-execues-fiscais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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