PAULO SERGIO LIMA DOS SANTOS
(orientador)
RESUMO: O presente artigo tem como objeto de estudo o inquérito policial, e se delimita na discussão da aplicação de duas garantias processuais durante as investigações preliminares: o contraditório e a ampla defesa. Nesse sentido, a problemática que se pretende responder é a seguinte: há inaplicabilidade do princípio do contraditório e da ampla defesa dentro do Inquérito Policial? O objetivo geral consiste em analisar as principais características do inquérito policial, notadamente a sua inquisitoriedade, visando compreender a possível inaplicabilidade do contraditório e da ampla defesa em seu procedimento. Já os objetivos específicos são definir inquérito policial e as suas principais caraterísticas, analisar as garantias constitucionais do acusado, especificamente o contraditório e a ampla defesa, e verificar a possível inaplicabilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa durante a fase pré-processual, que se materializa no procedimento do inquérito policial. O artigo seguirá o método de pesquisa dedutivo e a metodologia de pesquisa bibliográfica. O artigo será estruturado em três capítulos, sendo que o primeiro se voltará para o estudo do inquérito policial, o segundo capítulo se pautará no estudo da ampla defesa e do contraditório, e o último capítulo tratará da (in)aplicabilidade desses princípios no inquérito policial.
Palavras-chave: Contraditório; Ampla defesa; Inquérito policial.
ABSTRACT: This article has as its object of study the police investigation, and it delimits itself in the discussion of the application of two procedural guarantees during preliminary investigations: the adversarial and the broad defense. In this sense, the problem that we intend to answer is the following: is there inapplicability of the adversarial principle and of ample defense within the Police Inquiry? The general objective is to analyze the main characteristics of the police investigation, notably its inquisitorial nature, in order to understand the possible inapplicability of the adversary system and the broad defense in its procedure. The specific objectives are to define the police investigation and its main characteristics, analyze the constitutional guarantees of the accused, specifically the adversary and the broad defense, and verify the possible inapplicability of the adversarial and broad defense principles during the pre-procedural phase, which materializes in the procedure of the police inquiry. The article will follow the deductive research method and the bibliographic research methodology. The article will be divided into three chapters, the first of which will focus on the study of the police investigation, the second chapter will be based on the study of the broad defense and the contradictory, and the last chapter will deal with the (in)applicability of these principles in the police investigation .
Keywords: Contradictory; Wide defense; Inquiry police.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 O INQUÉRITO POLICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. 1.1 Delimitação conceitual. 1.2 Características essenciais do inquérito policial. 2 DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO ACUSADO. 2.1 Do contraditório. 2.2 Da ampla defesa. 3 AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO ACUSADO NO INQUÉRITO POLICIAL. 3.1 A inquisitoriedade do inquérito policial. 3.2 A (in)aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
O procedimento penal atual no ordenamento jurídico brasileiro, se constitui pela investigação preliminar, que é a fase pré-processual, e pelo processo penal em si, que se trata da fase judicial. Entendida essas fases, é possível estabelecer que a persecução criminal nada mais é do que a junção destas duas etapas citadas, realizando a efetividade do jus puniendi, que se refere ao direito de punir do Estado sobre o particular.
A sua principal finalidade é a aplicação de sanção penal prevista em lei para determinado fato classificado como crime ou contravenção penal, conforme descrição do Código Penal Brasileiro. O Estado, como detentor do jus puniendi, tem o dever de punir quando da ocorrência de um ilícito penal.
No entanto, para que o Estado exerça seu direito de punir de forma justa e adequada, é necessário um processo legal que seja responsável por apurar os fatos denunciados, bem como de seus responsáveis. Nesse cenário, nasce o inquérito policial que é um conjunto de diligências que é realizada pela polícia judiciária com a finalidade de reunir elementos necessários da prática de uma infração penal e de sua autoria.
A fase pré-processual, conhecida como a investigação preliminar, podendo ser denominada também como fase administrativa da persecução criminal, é o procedimento que objetiva reunir provas, elementos e indícios, para o uso do Ministério Público na ação penal pública incondicionada, ou pelo próprio particular na ação penal privada, podendo, então, de fato, iniciar a ação penal.
No entanto, muito se discute a respeito das garantias constitucionais do acusado nessa fase. De forma mais específica, questiona-se sobre a aplicação do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial. Desta feita, a problemática que será respondida é a seguinte: há inaplicabilidade do princípio do contraditório e da ampla defesa dentro do Inquérito Policial?
Nesse sentido, abordar essa temática relativa ao inquérito policial é de grande valia, tendo em vista que é um dos procedimentos basilares da persecução penal, e compreender a aplicação do contraditório e da ampla defesa nessa fase é essencial.
Diante de todo o exposto, e levando-se em consideração o tema do estudo, a seguinte problemática será abordada no desenvolvimento do artigo: há inaplicabilidade do princípio do contraditório e da ampla defesa dentro do Inquérito Policial?
O objetivo geral consiste em analisar as principais características do inquérito policial, notadamente a sua inquisitoriedade, visando compreender a possível inaplicabilidade do contraditório e da ampla defesa em seu procedimento.
Já os objetivos específicos são definir inquérito policial e as suas principais caraterísticas, analisar as garantias constitucionais do acusado, especificamente o contraditório e a ampla defesa, e verificar a possível inaplicabilidade dos princípios do contraditório e da ampla defesa durante a fase pré-processual, que se materializa no procedimento do inquérito policial.
O artigo será estruturado em três capítulos, sendo que o primeiro se voltará para o estudo do inquérito policial, o segundo capítulo se pautará no estudo da ampla defesa e do contraditório, e o último capítulo tratará da (in)aplicabilidade desses princípios no inquérito policial.
1 O INQUÉRITO POLICIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
A fase pré-processual, conhecida como a investigação preliminar, pode ser denominada também de fase administrativa da persecução criminal e se destina a investigação de um fato criminoso e sua autoria. O procedimento instaurado nessa fase, em regra, é o inquérito policial. ele objetiva reunir provas, elementos e indícios, para o uso do Ministério Público na ação penal pública incondicionada, ou pelo próprio particular na ação penal privada, possibilitando, então, de fato, iniciar a ação penal. Nesse primeiro capítulo será estudada a delimitação conceitual do inquérito policial, e as suas principais características.
Eugênio Pacelli (2020) explica que na ação penal, a regra é a iniciativa do Estado, e da mesma forma, na fase pré-processual, a regra é que os órgãos estatais realizem a investigação do possível fato criminoso. Essa investigação é feita pela Polícia Judiciária, e se materializa no inquérito policial. Mas ele explica: a “denominação de polícia judiciária somente se explica em um universo em que não há a direção da investigação pelo Ministério Público, como é o brasileiro” (PACELLI, 2020, p. 95).
Sucede que o ofendido busca a autoridade policial buscando o início das averiguações na hipótese de existir ofensa ao bem jurídico. A autoridade responsável acumula todas as informações, regulariza as mesmas, podendo vincular laudos periciais e declarações escritas, colher testemunhos, afirmação da vítima e, pode realizar oitiva do acusado.
O Decreto n. 4.824, de 1871, foi o responsável por instituir no Brasil o inquérito policial, estabelecendo a separação entre a Polícia e o Poder Judiciário. O art. 42 do referido diploma legal determinava que “o inquérito policial consiste em todas as diligências necessárias para o descobrimento do fato criminoso, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices”.
Lopes Júnior (2020, p. 180) explica que o inquérito policial foi mantido no Código Processo Penal de 1941, pois entendeu o legislador da época que “o ponderado exame da realidade brasileira, que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio ao sistema vigente”.
Assim, a missão do inquérito policial é se utilizar de todos os meios legais disponíveis e necessários para juntar os elementos que comprovem a existência ou não de determinado fato, e que, caso este tenha acontecido, atribua a sua autoria ao suposto culpado (BRITO, et. al., 2019).
De acordo com Brito et. al., (2019, p. 99) “O termo inquérito deriva do verbo inquirir, que significa pesquisar, investigar, querer saber. É o nome utilizado para designar um procedimento oficial, legal e formal para se apurar um fato criminoso”.
Guilherme de Souza Nucci expõe qual a finalidade precípua do inquérito, de acordo com sua opinião:
É importante repetir que sua finalidade precípua é a investigação do crime e a descoberta do seu autor, com o fito de fornecer elementos para o titular da ação penal promovê-la em juízo, seja ele o Ministério Público, seja o particular, conforme o caso. Nota-se, pois, que esse objetivo de investigar e apontar o autor do delito sempre teve por base a segurança da ação da Justiça e do próprio acusado, pois, fazendo-se uma instrução prévia, por meio do inquérito, reúne a polícia judiciária todas as provas preliminares suficientes para apontar, com relativa segurança, a ocorrência de um delito e o seu autor (NUCCI, 2020, p. 321).
A exposição de motivos do Código de Processo Penal deixa claro que o inquérito policial fora mantido como processo preliminar ou preparatório da ação penal. Traz consigo a função de garantidor, tendo em vista que a investigação tem a finalidade de impedir a formação de uma persecução penal injusta pelo Ministério Público.
Esse também é o entendimento de Nucci (2020), o autor explica que o inquérito é uma forma de afastar dúvidas e corrigir o rumo da investigação, evitando-se o indesejável erro judiciário.
Por fim, no que se refere a natureza jurídica do inquérito, Lopes Junior (2020) entende que se trata de um procedimento administrativo pré-processual. Já de acordo com Renato Brasileiro de Lima (2020) “Trata-se de procedimento de natureza administrativa. Não se trata, pois, de processo judicial, nem tampouco de processo administrativo, porquanto dele não resulta a imposição direta de nenhuma sanção”. A doutrina majoritária realmente entende que a natureza jurídica do inquérito é de procedimento administrativo, e não processual.
1.2 Características essenciais do inquérito policial
O inquérito policial possui muitas características específicas, e se faz importante compreendê-las. A sua primeira característica é a instrumentalidade, o inquérito é essencialmente instrumental, a sua finalidade é a reunião de elementos de provas a respeito de um delito de natureza penal (BONFIM, 2019).
Ele também é oficioso, ou seja, ressalvadas as hipóteses de crimes de ação penal pública condicionada à representação e dos delitos de ação penal privada, o inquérito policial deve ser instaurado ex officio, ou seja, independente de alguma provocação.
Outra característica é a dispensabilidade, o inquérito não é um procedimento obrigatório, e pode ser dispensado quando a notícia crime direcionada ao Ministério Público tiver elementos suficientes para a propositura da ação penal.
De acordo com Renato Brasileiro:
Se a finalidade do inquérito policial é a colheita de elementos de informação quanto à infração penal e sua autoria, é forçoso concluir que, desde que o titular da ação penal (Ministério Público ou ofendido) disponha desse substrato mínimo necessário para o oferecimento da peça acusatória, o inquérito policial será perfeitamente dispensável (LIMA, 2020, p. 181).
O inquérito é um procedimento escrito, assim, de acordo com o art. 9º do CPP, todas as peças do inquérito policial serão, num só processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, neste caso, rubricadas pela autoridade.
Trata-se de um procedimento meramente informativo, logo, “Conquanto tenha por finalidade última possibilitar a punição daqueles que infringem a ordem penal, não se presta, em si mesmo, como instrumento punitivo, uma vez que não é idôneo a provocar manifestação jurisdicional” (BONFIM, 2019, p. 186).
Ele é sigiloso, não se aplicando o princípio da publicidade dos atos processuais, e é compreensível, já que o inquérito não é o processo propriamente dito. Renato Brasileiro explica a necessidade do sigilo do inquérito:
Se na própria fase processual é possível a restrição à publicidade, o que dizer, então, quanto aos atos praticados no curso de uma investigação policial? Se o inquérito policial objetiva investigar infrações penais, identificando fontes de provas e coletando elementos de informação quanto à autoria e materialidade dos delitos, de nada valeria o trabalho da polícia investigativa se não fosse resguardado o sigilo necessário durante o curso de sua realização (LIMA, 2020, p. 182).
Outra característica muito importante é a discricionariedade do inquérito policial. O procedimento é de responsabilidade do delegado de polícia, e por esse motivo ele pode determinar ou postular as diligencias que julgar necessárias para que o fato seja esclarecido (AVENA, 2019).
Ainda, de acordo com Távora e Alencar (2017, p. 139) “a autoridade policial pode atender ou não aos requerimentos patrocinados pelo indiciado ou pela própria vítima (art. 14, CPP), fazendo um juízo de conveniência e oportunidade quanto à relevância daquilo que lhe foi solicitado”.
Outra característica importante é a indisponibilidade, isso quer dizer que, uma vez iniciado o inquérito policial, o delegado de polícia não pode dele dispor. Assim, se diante de uma circunstância fática, o delegado percebe que não houve crime, nem em tese, não deve iniciar o inquérito policial (TÁVORA; ALENCAR, 2017).
Por fim, o inquérito policial também é inquisitivo, essa característica deriva do sistema processual inquisitório. Assim, no inquérito policial, a princípio, as garantias constitucionais do acusado não são aplicadas, mas isso será visto posteriormente em momento oportuno.
2 DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO ACUSADO
O Estado tem o dever de oferecer todas as condições para o acusado se valer da produção de provas para se defender de acusações a ele imputadas e, por fim, esclarecer a verdade dos fatos. Isso porque o Estado não tem o poder discricionário de condenar alguém sem o devido processo legal, e é nesse processo que as garantias constitucionais são aplicadas.
De Acordo com Brito, et. al., (2019, p. 35) “as garantias devem ser adequadas, como instrumentos de proteção, criados pelo Estado, como forma reflexa de manutenção dos direitos individuais”.
As principais garantias processuais invocadas são o contraditório e a ampla defesa, previstas constitucionalmente. Nesse vértice, importante compreender as definições e características dessas garantias.
O princípio do contraditório encontra seu fundamento no artigo 5°, LV da Constituição Federal e dispõe que “aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Ele também é conhecido como princípio do estado de inocência ou da não culpabilidade. Trata-se de um dos princípios mais importantes no processo penal, bem como no processo civil ou administrativo.
O contraditório, além de garantir o direito à informação de qualquer fato ou alegação que seja contrária aos interesses das partes, bem como o direito a reação, também garante que o direito de resposta do acusado seja exercido na mesma intensidade e extensão (PACELLI, 2020).
Renato Brasileiro (2020, p. 55) expõe “É o que acontece com a prova testemunhal colhida em juízo, onde não há qualquer razão cautelar a justificar a não intervenção das partes quando de sua produção, sendo obrigatória, pois, a observância do contraditório para a realização da prova”. Nessa situação, a parte contrária poderá contestar a prova, e produzir suas próprias provas para a apreciação do juiz.
Ainda, no mesmo sentido, de acordo com Lopes Júnior, esse princípio legitima outros direitos, como é o caso do direito de audiência:
O contraditório conduz ao direito de audiência e às alegações mútuas das partes na forma dialética. Por isso, está intimamente relacionado com o princípio do audiatur et altera pars, pois obriga que a reconstrução da “pequena história do delito” seja feita com base na versão da acusação (vítima), mas também com base no alegado pelo sujeito passivo (LOPES JÚNIOR, 2020, p. 145).
As partes têm a faculdade de se manifestarem a cada ato do processo. O princípio do contraditório pode ser de duas espécies: Real o que ocorre no mesmo momento da produção de provas e diferido que é o que se realiza depois da produção de provas.
De acordo com Tavares e Casara (2020, p. 95), o princípio do contraditório “erige o método dialético como essencial à solução justa do caso penal, isso porque o confronto de teses antagônicas permite a superação do conflito posto à apreciação da Agência Judicial”.
O contraditório se faz necessária para que haja a possibilidade da efetivação da ampla defesa, pois ele é responsável por fornecer o conhecimento e possibilitar a manifestação.
Entretanto, conforme as lições e Norberto Avena (2019), ao se comparar o contraditório e a ampla defesa, o primeiro possui uma abrangência maior, isso porque essa garantia alcança não apenas o polo defensivo, mas também o polo acusatório, na medida em que a este também deva ser dada ciência e oportunidade de contrariar os atos praticados pela parte contrária.
Como visto, o art. 5º, LV, da Magna Carta dispõe que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988). Assim, a ampla defesa também tem fundamento constitucional e deve ser observada no devido processo legal.
Nucci (2020, p. 154) explica que a ampla defesa “significa que ao réu é concedido o direito de se valer de amplos e extensos métodos para se defender da imputação feita pela acusação”. A única vedação é a produção de provas ilícitas/ilegais.
É com a ampla defesa que o acusado irá se defender das acusações imputadas a si. De forma clara, a ampla defesa possibilita que o acusado rebata todas as acusações que lhe foram impostas. Assim, como já mencionado, pode se utilizar de todas as formas lícitas em direito para alcançar esse fim.
Renato Brasileiro (2020, p. 56) explica que a ampla defesa se relaciona com o contraditório, por isso esses dois princípios andam juntos no processo: “A defesa garante o contraditório e por ele se manifesta. Afinal, o exercício da ampla defesa só é possível em virtude de um dos elementos que compõem o contraditório – o direito à informação”.
A aplicação do princípio não exige que cada um dos atos praticados seja informado às partes, sendo relevante que o magistrado, antes de tomar qualquer decisão, ouça as partes dando a elas oportunidades iguais para se manifestarem com seus argumentos e contra-argumentos.
Ainda, essa garantia não significa que o acusado esteja imune a certas consequências processuais:
Observe-se que a ampla defesa não significa que esteja o acusado sempre imune às consequências processuais decorrentes da ausência injustificada a audiências, do descumprimento de prazos, da desobediência de formas processuais ou do desatendimento de notificações judiciais. Tudo depende das peculiaridades do caso concreto e natureza do prejuízo causado ao réu (AVENA, 2019, p. 131).
Assim, de acordo com o Delegado de Polícia Emerson Silva Barbosa, em um processo penal garantista (processo que privilegia as garantias constitucionais), o princípio do contraditório e o da ampla defesa, juntamente com outros princípios, devem ser aplicadas no processo:
Não há dúvida de que as garantias da ampla defesa e o contraditório são, ao lado da proibição de produção de prova ilícita, da presunção de não culpabilidade e da não obrigatoriedade de produzir prova contra si mesmo condicionantes da validade das provas dentro de um processo penal garantista, que abrange não apenas a instrução processual presidida pelo juiz, mas toda atividade de instrução probatória que tenha repercussão sobre o processo, com destaque para a realizada durante o inquérito policial (BARBOSA, 2011, p. 81)
Portanto, as duas garantis estudadas são extremamente importantes no curso do processo penal, mas questiona-se a aplicação dessas garantias no curso da investigação preliminar, ou seja, no inquérito policial.
3 AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DO ACUSADO NO INQUÉRITO POLICIAL
A doutrina majoritária, como será visto, defende a não aplicabilidade da ampla defesa e do contraditório ao inquérito policial. No entanto, há a doutrina minoritária que defende a aplicação
3.1 A inquisitoriedade do inquérito policial
Como visto anteriormente, o inquérito policial é um procedimento meramente informativo, logo, em tese, ele não se sujeita as garantias constitucionais do acusado, e por isso possui a característica a inquisitoriedade. Nesse sentido explica Távora e Alencar (2017, p. 151): “as atividades persecutórias ficam concentradas nas mãos de uma única autoridade e não há oportunidade para o exercício do contraditório ou da ampla defesa”.
O autor explica o benefício da inquisitoriedade do inquérito:
A inquisitoriedade permite agilidade nas investigações, otimizando a atuação da autoridade policial. Contudo, como não houve a participação do indiciado ou suspeito no transcorrer do procedimento, defendendo-se e exercendo contraditório, não poderá o magistrado, na fase processual, valer-se apenas do inquérito para proferir sentença condenatória, pois incorreria em clara violação ao texto constitucional (TÁVORA; ALENCAR, 2017, p. 151),
Avena (2019) explica que com a edição da Lei 13.245/2016, uma parcela da doutrina passou a questionar a característica inquisitória do inquérito. Isso porque na legislação supracitada, alterando o art. 7.º, XXI, do Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), ficou estabelecido que o advogado tem direito de
Assistir seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração: a) apresentar razões e quesitos (BRASIL, 2016).
Portanto, a inquisitoriedade do inquérito se caracteriza pela inaplicabilidade do contraditório e da ampla defesa no curso da investigação preliminar.
3.2 A (in)aplicabilidade do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial
O direito de defesa é um direito natural, ele indispensável para a correta administração da justiça. Negar esse direito a alguém, resulta na violação dos elementares postulados do moderno Processo Penal.
Portanto, a defesa tem como objetivo a proteção do direito do acusado de apresentar sua versão dos fatos, garantindo efetividade, com base em todos os meios de prova lícitos que forem possíveis, influenciar no seu julgamento. Destaca-se que mesmo que haja a violação de seus direitos de defesa técnica ou autodefesa, e nenhum prejuízo lhe resultar, não será necessário declarar a nulidade dos atos processuais.
O inquérito policial, bem como as outras formas de persecução penal de natureza preliminar ou prévia, é fase procedimental. Essa fase carrega grande significado e importância, tendo em vista que, nesse momento, é possível observar a obtenção de meios de provas por meio de atos que se tornam irrepetíveis.
Bonfim (2019) explica que de acordo com o art. 5º, LV, da Constituição Federal, que consagra os princípios do contraditório e da ampla defesa, refere-se aos “litigantes” e aos “acusados em geral”, por esse motivo não é possível aplicar tais garantias ao indiciado, tendo em vista que não há nessa fase investigativa acusação propriamente dita.
Já nas palavras de Renato Marcão
Não é correto falar em acusado nesse momento da persecução penal, e exatamente por isso não há ampla defesa, tampouco contraditório pleno nessa mesma fase, sem que disso se possa extrair violação aos respectivos princípios constitucionais, incidentes e essenciais na persecução penal em Juízo (MARCÃO, 2016, p. 97).
Mas o autor explica que não é correto dizer que não há defesa no inquérito policial, isso porque o artigo 14 do Código de Processo Penal assegura ao investigado a possibilidade de requerer diligências durante as investigações. Ainda, ao acusado é assegurado o direito de não produção de provas contra si mesmo (MARCÃO, 2016).
Ademais, mesmo havendo uma pequena possibilidade do exercício da ampla defesa, ela não é aplicada de forma integral.
Pacelli (2020, p. 543) explica que determinadas medidas devem mesmo ser tomadas sem o conhecimento e sem a participação da defesa, sob pena de inviabilização completa da persecução penal, “Mas a prova pericial deveria, sempre que possível, contar com a contribuição e a fiscalização da defesa, desde o início, para a garantia não só do contraditório, mas sobretudo da amplitude da defesa”.
Com a aplicação do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, várias possibilidades se tornariam possíveis, como o direito de fazer perguntas às testemunhas e até mesmo arguir suspeição do delegado de polícia, por exemplo (BONFIM, 2019).
É importante também trazer o entendimento jurisprudencial para fundamentar o tema. A seguinte decisão do TRF - 4 é datada de 2017, em sua ementa é possível observar a afirmação relacionada a impossibilidade da aplicação do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, tendo em vista que esse procedimento é meramente informativo, como se vê:
EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. ACESSO AOS AUTOS DO INQUÉRITO POLICIAL. SEGREDO DE JUSTIÇA. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. 1. O inquérito policial, ao contrário do que ocorre com a ação penal, é procedimento meramente informativo de natureza administrativa e, como tal, não é informado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo por objetivo exatamente verificar a existência ou não de elementos suficientes para dar início à persecução penal. 2. Admitido, em caráter excepcional e à vista das peculiaridades do caso, o acesso de terceiro, suposta vítima, ao inquérito policial, ressalvada a impossibilidade do conhecimento de documentos bancários e fiscais de terceiros e das diligências policiais em curso, cuja quebra de sigilo possa acarretar inconveniência à eficácia do procedimento investigatório. (TRF4 5008379-94.2017.4.04.0000, SÉTIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 01/06/2017)
O seguinte julgado também é do TRF – 4, data de 2019, e nela é informado que no inquérito policial há o contraditório diferido:
PENAL.CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 38 DA LEI 9605/1998. UTILIZAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE COM INFRINGÊNCIA DAS NORMAS DE PROTEÇÃO. CONDUTA TÍPICA. PROVAS DO INQUÉRITO JUDICIAL. IRREPETIBILIDADE. CONTRADITÓRIO DIFERIDO. HARMONIA COM A PROVA PRODUZIDA EM JUÍZO. CAUSA DE DIMUIÇÃO DO ARTIGO 38, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.605/98.INAPLICABILIDADE. DOLO COMPROVADO. [...] 2. em relação às provas irrepetíveis, o contraditório é diferido para o momento em que os elementos são trazidos a juízo, atendendo às garantias do devido processo legal e da ampla defesa. logo, os documentos produzidos na fase pré-processual possuem força probatória, dada a sua irrepetibilidade e sua presunção de legitimidade. a condenação não se deu unicamente com base em prova colhida no inquérito policial, já que também se baseou no interrogatório prestado pelo próprio apelante durante o interrogatório judicial, onde aquele admitiu que cultivava arroz a menos de 500 metros da margem do rio uruguai. 3. Inaplicável a causa de diminuição do artigo 38, parágrafo único, da lei 9.605/98, porquanto o crime foi doloso. o dolo no agir do apelante restou evidenciado, primeiramente, pelo aumento da área cultivada em área de preservação permanente, mesmo após a notificação administrativa pelo órgão de proteção ambiental; depois, pelo fato de que apelante plantava arroz na área de preservação permanente na condição de proprietário das terras dedicadas ao cultivo e não de arrendatário, conforme afirmou em juízo ao tentar eximir-se da responsabilidade penal por sua conduta. evidenciado, assim, o dolo no agir do apelante, o qual com vontade livre e consciente utilizou área de preservação permanente do rio uruguai para o cultivo de arroz irrigado com infringência, portanto, das normas de proteção ambiental. 4. Apelação improvida. (TRF4, ACR 5003492-11.2011.4.04.7103, OITAVA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 05/12/2019)
Importante, então compreender no que consiste o contraditório diferido. De acordo com a doutrina, quando é necessário a produção de provas urgentes no inquérito policial, como o corpo de delito, por exemplo, elas deverão ser produzidas, pois não poderão ser repetidas no processo. Nesse caso, as partes poderão exercer o contraditório sobre essas provas no curso do processo, daí se fala contraditório diferido.
Emerson Silva Barbosa, delegado de polícia, defende a aplicação co contraditório e da ampla defesa no inquérito policial:
A eficácia jurídica da investigação deve ser o objetivo principal da autoridade que dirige a persecução extrajudicial e não a busca sem limites de uma verdade inatingível. Daí se constatar a importância do contraditório e da ampla defesa já no início da persecução penal, sob pena do Estado se voltar com toda sua força sobre o investigado ou acusado, sem lhe fraquear a possibilidade de participação efetiva no processo, desde seu nascedouro, que é a investigação preliminar (BARBOSA, 2011, p. 86).
Assim, percebe-se que existe um movimento a favor da aplicação dessas garantias constitucionais no inquérito policial, mas na prática, sabe-se que não há a aplicação, e até mesmo a jurisprudência brasileira afirma isso.
Conforme estudado no desenvolvimento do presente trabalho, quando o ofendido busca a autoridade policial buscando o início das averiguações na hipótese de existir ofensa ao bem jurídico, a autoridade fica responsável acumula todas as informações, e as regularizar, e se convencendo da existência de um crime, instaurar inquérito policial.
Assim, o inquérito policial, de acordo com a doutrina majoritária, é um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo, e visa a colheita de provas para apurar uma infração penal e a sua autoria.
Mas como é sabido, no processo penal o acusado tem direito a se defender, por meio das garantias constitucionais. As principais garantias processuais invocadas são o contraditório e a ampla defesa, previstas constitucionalmente. Ademais, questiona-se a aplicação dessas garantias no curso da investigação preliminar, ou seja, no inquérito policial.
Assim, como estudado, a ampla defesa e o contraditório não são aplicados no curso do inquérito policial, somente o contraditório diferido quando se trata de provas irrepetíveis. Logo, durante a investigação preliminar o investigado não pode se defender.
Isso gera muitas críticas de estudiosos do direito, pois o acusado deveria ter o direito de se defender desde o início da persecução penal: no inquérito policial. Mas para que essa possibilidade surja, o processo penal brasileiro deve passar por uma reforma, fazendo com a persecução penal como um todo seja garantista, e não só o processo penal.
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Bacharel em Direito -Advogada
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVARES, Samara Jacquiminouth. Princípio do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 fev 2024, 04:48. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60566/princpio-do-contraditrio-e-da-ampla-defesa-no-inqurito-policial. Acesso em: 23 dez 2024.
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