DIEGO JOSÉ LÔBO DE OLIVEIRA[1]
(coautor)
RESUMO: O presente trabalho teve como objetivo estudar a prescrição virtual e seu reconhecimento, já que existe uma grande divergência doutrinária e jurisprudencial. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, que envolveu a utilização de manuais, livros, artigos, jurisprudências e legislações referentes ao assunto abordado. Foi realizado um estudo acerca da prescrição da pretensão punitiva, seus fundamentos e espécies. Por fim a prescrição virtual, cujo conceito foi apresentado, além de ser feita análise minuciosa dos argumentos encontrados na doutrina e jurisprudência utilizados por aqueles que defendem e por aqueles que a desconsideram. Percebe-se que os argumentos utilizados pelos defensores da prescrição virtual, dentre eles o interesse de agir, são mais bem fundamentados e fazem mais sentido. Ademais, o reconhecimento da prescrição virtual tem como conseqüência inúmeras vantagens como a celeridade processual, combate à morosidade da justiça e maior quantidade de sentenças mais justas.
PALAVRA CHAVE: 1. Prescrição. 2. Reconhecimento. 3. Interesse. 4. Vantagens.
INTRODUÇÃO
Operadores do direito têm enfrentado grandes problemas com o acúmulo processual, posto que há um excesso de formalidades legais na norma processual, o que faz com que os processos levem anos para que cheguem a uma conclusão. Porém, grande parte deles tem chegado a um mesmo fim: a prescrição. Em face deste problema, surgiu uma possível saída que reduziria a quantidade de processos fadados à prescrição, possibilitando uma maior atenção aos processos que têm grande possibilidade de serem solucionados, gerando, inclusive, um aumento da confiança na justiça nacional; esta solução seria a prescrição virtual[2] ou reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, instituto capaz de ditar o caminho que a justiça nacional deverá seguir.
Para tanto, faz-se necessário especificar o conceito e as espécies de prescrição da pretensão punitiva existentes no nosso ordenamento jurídico, bem como a prescrição virtual e a possibilidade de seu reconhecimento, estudando seu conceito e seus objetivos, e consequentemente a argumentação utilizada por aqueles que a defendem e por aqueles que não a reconhecem na doutrina e na jurisprudência nacional.
Para o desenvolvimento da pesquisa proposta, usar-se-á a modalidade de pesquisa bibliográfica, analisando a doutrina, a jurisprudência e a legislação que são pertinentes ao assunto, com o objetivo de se chegar a uma conclusão acerca do reconhecimento desta polêmica modalidade de prescrição. Esta modalidade de pesquisa faz-se mais adequada, tendo em vista que se trata de uma divergência eminentemente doutrinária e jurisprudencial, o que implicará numa leitura crítica sobre a doutrina nacional e internacional a respeito do tema, bem como sobre julgados e suas fundamentações.
1 PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA: CONCEITO E ESPÉCIES
Prescrição é a perda do direito de punir do Estado em virtude do decurso do tempo, quando o poder público se acha inerte na repressão do delito (BRUNO, 1967, p.209), levando à perda do direito de punir.
No momento em que ocorre determinado delito, surge a pretensão punitiva do Estado, que deverá ser exercida dentro de um prazo estabelecido em lei, que varia de acordo com o fato delituoso e, passado este prazo, ocorrerá a prescrição da pretensão punitiva.
A prescrição retroativa e a intercorrente, que serão logo mais estudadas, são espécies da prescrição da pretensão punitiva e são disciplinadas pelo vigente Código Penal.
Antes de transitar em julgado a sentença condenatória, o Estado possui a pretensão punitiva. A prescrição desta pretensão significa a perda do direito de punir alguém, ou seja, obter uma decisão acerca de um delito imputado a uma determinada pessoa em razão da passagem de um determinado prazo legal, que neste caso vai da prática do fato delituoso até o trânsito em julgado da sentença final condenatória.
Com a prescrição da pretensão punitiva, ao autor do fato não mais poderá ser imposta aplicação de pena ou medida de segurança relativa aquele mesmo fato delituoso, podendo ser o delinqüente responsabilizado pelos danos causados, não implicará responsabilidade ou culpabilidade e não refletirá nos seus antecedentes ou marcará futura reincidência, visto que, para fins penais, equipara-se à absolvição, não subsistindo os efeitos secundários da condenação.
A prescrição da pretensão punitiva poderá ocorrer nas diversas fases da persecução penal compreendidas entre o fato criminoso e a sentença final. Quando da ocorrência de um delito, a autoridade policial terá um prazo para instaurar o inquérito policial e, transcorrido tal prazo, ocorrerá a prescrição. Da mesma forma ocorrerá caso o Ministério Público não inicie a ação penal em tempo hábil. Iniciada a ação penal, correrá novamente prazo prescricional que deverá ser observado, sob pena de perda do direito de punir (JESUS, 1995, p.29).
O prazo da prescrição da pretensão punitiva consta no corpo do art. 109 do Código Penal Brasileiro. O disposto no artigo citado servirá de base para o cálculo da prescrição da pretensão punitiva e da pretensão executória, utilizando-se a pena aplicada para esta e, em regra, o máximo da pena possivelmente aplicada para aquela.
A contagem dos prazos prescricional deve levar em conta a regra do art. 10 do Código Penal, o qual explica que será considerado o dia do começo, “computando-se os dias, os meses e os anos pelo calendário comum”, não sendo interrompidos por férias ou feriados, não se levando em consideração a hora do delito, pois o cômputo da prescrição despreza as frações de dia, conforme preceitua o art. 11 do mesmo código.
O artigo 111 do Código Penal traz consigo os termos iniciais do prazo prescricional como sendo o dia em que o crime se consumou; no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; e nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.
Porém, como bem explicam Zaffaroni e Pierangeli, o artigo mencionado acima não resolve totalmente a problemática da prescrição da pretensão punitiva. O autor expõe que:
[...]nos crimes materiais, a prescrição da pretensão punitiva começa a fluir do dia em que o resultado se produziu; nos crimes formais e de mera conduta, em que o tipo descreve conduta e resultado, ou apenas a primeira, satisfazendo-se com a exteriorização da atividade delituosa, o prazo prescricional inicia-se a partir da data do início da atividade ou da omissão;nos crimes omissivos puros ou próprios[3], conta-se o prazo a partir da data da conduta negativa, enquanto nos crimes omissivos impuros ou impróprios[4], da data do resultado; nos crimes qualificados pelo resultado, computa-se o prazo a partir do resltado lesivo qualificador. Nos crimes habituais, consuma-se “com o primeiro ato”, mas, além do dolo, exige-se a habitualidade como elemento do animus do autor (Jescheck). No crime continuado, a prescrição conta-se a partir da data de cada uma das ações formadoras da unidade da continuidade. Nos crimes conexos, a extinção da punibilidade de um deles em nada influi na agravação da pena resultante da conexão (ZAFFARONI e PIERANGELI, 1997, p.760).
Em relação aos crimes habituais, a posição acima citada não é pacífica na doutrina. Damásio de Jesus (1995, p.61), entendem que no caso dos crimes habituais o prazo prescricional tem início a partir do último ato praticado, parecendo esta a posição mais acertada, pois, mesmo que parte dos atos anteriores já bastasse para caracterizar o fato delituoso, a reiteração faz com que se considerem todos os atos anteriores integrados nos posteriores.
A prescrição da pretensão punitiva tem como espécies a prescrição intercorrente e a retroativa, que da mesma forma põem fim ao jus puniendi, entretanto, utilizando a pena concretizada na sentença.
A denominada prescrição intercorrente é uma espécie de prescrição da pretensão punitiva e está disciplinada pelo art. 110, §1º do Código Penal e atinge a pretensão punitiva do Estado, gerando, portanto, efeitos idênticos à prescrição prevista no art. 109 do mesmo código.
A diferença básica entre a prescrição do art. 109 e a prescrição do art. 110, § 1º, ambos do CP, é que esta baseia o cálculo do prazo prescricional na pena concretizada na sentença recorrível, enquanto que aquela baseia o cálculo na pena em abstrato.
Esta espécie de prescrição leva em conta a pena concretizada, mesmo que a sentença não tenha transitado em julgado e não havendo recurso da acusação, visto que a pena não mais poderá ser majorada, em virtude do princípio da proibição da reformatio in pejus, servindo a sentença, portanto, como base para o cálculo do prazo prescricional. Neste mesmo sentido esta a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que trouxe na Súmula 146 expôs que “a prescrição da ação penal[5] regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso de acusação”.
Conforme lembra Guilherme de Souza Nucci, “o lapso para a contagem tem início na data da sentença e segue até o trânsito em julgado desta para a defesa” (2006, p. 555).
Havendo recurso de acusação que vise a majoração da pena, não há que se falar em prescrição intercorrente, visto que existe a possibilidade do aumento da sanção aplicada, não podendo esta espécie de prescrição ser alegada antes do julgamento que nega provimento ao recurso, preceituando a lei que a prescrição intercorrente se concretizará com o improvimento do recurso de acusação (MESQUITA JÚNIOR, 1997, p.35).
No que diz respeito à prescrição retroativa, com a Súmula 146 do STF, já mencionada, passou-se a calcular a prescrição da pretensão punitiva sobre os prazos anteriores à sentença condenatória, quando não houver recurso da acusação, instituindo-se a prescrição retroativa.
Com a chegada da Lei 7.209/1984, que deu nova redação ao art. 110, §§ 1º e 2º do Código Penal, que regulavam a prescrição retroativa, ganhando maior amplitude, uma vez que ficou determinada, como se podia verificar no texto do art. 110, § 2º do CP, que a prescrição da pretensão punitiva baseada na pena em concreto poderia ter por termo inicial data anterior à do recebimento da queixa ou denúncia, seguindo o que já era colocado pela jurisprudência nacional, nos moldes da Súmula 146 do Supremo Tribunal Federal.
Ocorre que, no ano de 2010, foi sancionada a Lei nº 12.234/2010, sensível modificação ao disposto no Art. 110 do Código Penal, que trouxe a possibilidade de reconhecimento da prescrição retroativa, impedindo, apenas, o seu reconhecimento com base em período anterior à denúncia ou queixa, senão vejamos:
Art. 110 - ..
§ 1º - A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa. (grifo nosso)
Da mesma forma como ocorre com a prescrição intercorrente, estando pendente recurso de acusação que vise o aumento da pena aplicada, não será possível a prescrição baseada na pena concretizada até que o referido recurso seja julgado, no entanto, em caso de improvimento do recurso de acusação, ocorrerá a prescrição retroativa no caso de escoamento do prazo prescricional baseado na pena entre os termos interruptivos ainda permitidos em lei (MIRABETE, 2002, p.417).
Com a Lei 7.209/84, na exposição de motivos da nova parte geral, o item 99 esclarece o que se pretendia dizer com a expressão “ou depois de improvido o recurso de acusação” do art. 110, § 1º do Código Penal, in verbis:
99. Estatui o art. 110 que, uma vez transitada em julgado a sentença condenatória, a prescrição regula-se pela pena aplicada, verificando-se os prazos fixados no art. 109, os quais são aumentados de um terço, se o condenado é reincidente. O § 1º dispõe que a prescrição se regula pela pena aplicada, se transitada em julgado a sentença para a acusação ou improvido o recurso desta. Ainda que a norma pareça desnecessária, preferiu-se explicá-la no texto, para dirimir de vez dúvida alusiva à prescrição pela pena aplicada, não obstante o recurso da acusação, se este não foi provido. A ausência de tal norma tem estimulado a interposição de recursos destinados a evitar tão-somente a prescrição. Manteve-se, por outro lado, a regra segundo a qual, transitada em julgado a sentença para a acusação, haja ou não recurso da defesa, a prescrição se regula pela pena concretizada na sentença.
Tal entendimento é importante, visto que se assim não fosse, seria estimulada a interposição de recurso com o pretexto de ser aumentada a pena, quando na verdade o que se pretendia era dificultar a prescrição. No entanto, vale salientar que o provimento do recurso de acusação impede o reconhecimento da prescrição retroativa (ZAFFARONI; PIERANGELI, 1997, p.770).
Interposto recurso de defesa e não interposto ou improvido recurso da acusação, aquele não impedirá o reconhecimento da prescrição retroativa em virtude do princípio da proibição da reformatio in pejus.
Desta forma, prescrição retroativa terá como termo inicial o recebimento da denúncia ou queixa, além de outras que poderão marcar o início do lapso temporal, uma vez que esta modalidade de prescrição estará sujeita às causas interruptivas previstas no art. 117 do CP.
2 PRESCRIÇÃO RETROATIVA ANTECIPADA
Após estudar os conceitos e espécies de prescrição da pretensão punitiva, será estudada a seguir uma modalidade de prescrição que tem origem no Brasil e tem como finalidade principal reduzir o número de processos que movimentam a máquina administrativa de maneira inútil, levando a uma justiça morosa, o que para alguns é uma verdadeira injustiça.
2.1 CONCEITO E OBJETIVOS
A prescrição retroativa antecipada, que também é conhecida como prescrição virtual ou prescrição da pena em perspectiva, que terá como base, não a pena máxima prevista para determinado delito, mas sim a possível pena aplicada no caso concreto, levando-se em consideração os critérios objetivos da aplicação da pena e o interesse de agir do autor da ação penal em relação a um processo que fatalmente caminhará para a prescrição.
O reconhecimento antecipado da prescrição retroativa é uma saída encontrada por alguns doutrinadores e demais operadores do direito para o entrave causado pelo grande acúmulo de processos no poder judiciário, no entanto, esta modalidade de prescrição tem gerado grande polêmica entre a doutrina e a jurisprudência.
A prescrição virtual consiste no reconhecimento em razão do lapso de tempo decorrido desde o dies a quo do prazo prescricional até a suposta condenação, baseada na pena supostamente aplicada, fazendo-se uma perspectiva desta para, baseado nesta perspectiva e percebendo que se o acusado for condenado, em determinadas situações é possível se ter uma noção da pena aplicada, verificar-se-á que o direito de punir, que o Estado ainda não perdeu se fosse levada em consideração a pena máxima, fatalmente seria perdido em virtude da prescrição retroativa, ou seja, haveria um gasto desnecessário para o andamento de um processo que tem um só destino: a extinção da punibilidade.
Além disso, vale salientar que devido a um grande número de processos que tem como fim a prescrição e continuam com seu andamento processual normalmente, os processos mais recentes acabam por terem prioridade secundária, para que se possa tentar fazer valer o direito de punir do Estado em relação aos processos mais antigos, levando cada vez mais a um maior número de processos em que ocorre a prescrição da pretensão punitiva.
Nas lições de Fernando Capez:
Concebe-se que a prescrição virtual é aquela reconhecida antecipadamente, com base na provável pena concreta, que será fixada pelo juiz, no momento futuro da condenação. Fundamenta-se no princípio da economia processual, uma vez que de nada adianta movimentar inutilmente a máquina jurisdicional com processos que já nascem fadados ao insucesso, nos quais, após condenar o réu, reconhece-se que o Estado não tinha mais o direito de puni-lo, devido à prescrição retroativa. Essa modalidade de prescrição, portanto, está atrelada ao instituto da prescrição retroativa. (CAPEZ, 2011, p. 569)
É óbvio que nem toda situação possibilitará a análise e, consequentemente a perspectiva da pena aplicada, em virtude da complexidade que cada caso poderá alcançar, no entanto, há inúmeros casos que não seria um trabalho impossível o estudo sobre a possível pena aplicada.
Desta forma, o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, que tem como base a pena em perspectiva, perdeu grande parte de sua razão de existir, pois teria como condão impedir o nascedouro de processos incapazes de gerar condenação, mas ainda detém grande utilidade, sobretudo nos casos em que é possível prever a pena diante dos dados objetivos já existentes sobre o autor ou autores do fato, sobre a vítima ou vítimas e o delito em si, tendo o representante estatal para a aplicação da reprimenda total ciência de não poderá aplicar a sanção de forma indistinta.
Os que se colocam contra a prescrição retroativa antecipada alegam, em síntese, que a aceitação desta modalidade fere diversos princípios, dentre eles a obrigatoriedade da ação penal, a presunção de inocência e o devido processo legal, além de não ser prevista em lei.
Por outro lado, aqueles que são a favor da prescrição virtual se apoiam no princípios da economia processual, no interesse de agir e nos critérios objetivos de fixação da pena.
Um dos argumentos utilizados pelos que se posicionam contra a prescrição virtual é a violação ao princípio da presunção de inocência.
De acordo com Fernando da Costa Tourinho Filho, este princípio “nada mais representa que o coroamento do due process of law” (2001, p.17). Este princípio consiste no raciocínio que enquanto não houver sido condenado, presumir-se-á sempre que p o réu é inocente. Há violação deste princípio no momento em que, por exemplo, o acusado é preso sem que a restrição de sua liberdade seja de caráter cautelar, por implicar a antecipação da pena.
A doutrina que se coloca contrária ao reconhecimento antecipado da prescrição retroativa ganhou força com a edição da Súmula 438 do STJ: ““É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independente da existência ou sorte do Processo penal”.
Esta parte da doutrina explica que se houver o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, o acusado não terá a chance de provar sua inocência, além de, ao fazer uma perspectiva da pena futuramente aplicada, ocorre uma presunção de culpabilidade em relação ao réu, violando o mencionado princípio do estado de inocência que foi acima explicado, em outras palavras,
a prescrição em perspectiva implicaria, inevitavelmente, a formação de juízo condenatório apriorístico, ou seja, sem construção adequada da (in)formação probatória, pois, se instruído o feito, convencido o juiz pela condenação, a sentença a ser prolatada seria de mérito, com fixação da pena e, se fosse a hipótese, com a extinção da punibilidade (NASSIF, 2003, p.81-82).
Outro argumento utilizado é a violação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal, que se define como o dever do Ministério Público de promover a ação penal pública, sendo defeso a utilização de critérios de ordem política ou da conveniência e oportunidade para denunciar, desde que estejam presentes todas as condições para o oferecimento da denúncia (LIMA, 2002, p.136).
Em outras palavras, sendo o fato definido como crime, existentes todos os elementos que constituem o delito, existindo um mínimo de provas e atendidos os pressupostos processuais, conforme o art. 42 do Código de Processo Penal, o Ministério Público não poderá deixar de oferecer denúncia.
Com grande propriedade Afranio Silva Jardim explicou o princípio da obrigatoriedade da ação penal, a seguir:
...não há nada de liberal na autorização ao membro do Ministério Público para decidir, no caso concreto, se invoca ou não a aplicação do direito penal. não faz qualquer sentido, em uma sociedade democrática, outorgar tal poder a um órgão público. A aplicação inarredável da norma penal cogente, realizado o seu suporte fático, não pode ser afastada pelo agente público à luz de critérios pessoais ou políticos (JARDIM apud LIMA, 2002, p.137).
Nada impede que este princípio seja amenizado, autorizando-se o Ministério Público, em algumas situações, que desista da ação penal, levando à extinção do processo sem julgamento do mérito (TOURINHO FILHO, 2001, p.85).
O princípio da obrigatoriedade da ação penal, segundo referida doutrina, é violada no momento em que o autor da ação penal deixa de oferecer denúncia em virtude da prescrição virtual, pois a exordial penal não pode deixar de ser oferecida por mera questão de conveniência, além do mais, deixar de propor a ação penal baseado na justa causa seria colaborar para que a justiça criminal ficasse desacreditada (GAYA, 1996, p.67).
A prescrição virtual também violaria o princípio do devido processo legal, também conhecido como princípio do due process of law, trazido pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, inciso LIV, dispondo que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. No âmbito processual, é garantido a todos à plenitude de defesa, à publicidade e motivação das decisões, ao duplo grau de jurisdição, à revisão criminal e à imutabilidade das decisões favoráveis transitadas em julgado (CAPEZ, 2003, p.31).
A violação ao princípio do devido processo legal ocorreria no momento em que ao réu não seria dada o contraditório, além de impedir o andamento normal do processo penal, realizado em todas as suas etapas, que terminaria com a sentença final, que poderia ser absolutória ou condenatória, podendo esta última gerar o status de condenado e fixar a pena em concreto.
É possível verificar alguns julgados que entendem ser inaplicável o reconhecimento da prescrição virtual, a saber:
PENAL E PROCESSO PENAL. PRESCRIÇÃO VIRTUAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃOLEGAL. VERBETE SUMULAR N. 438/STJ. MATÉRIA COM REPERCUSSÃO GERALRECONHECIDA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. INOCORRÊNCIA.AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. Não viola o princípio da colegialidade o julgamento monocrático proferido pelo relator, nos termos do art. 557, § 1º, do CPC c.c. 3ºdo CPP e art. 38 da Lei 8.038/90, quando a decisão recorrida estiverem manifesto confronto com súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.
2. Este Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal são firmes na compreensão de que falta amparo legal à denominada prescrição em perspectiva, antecipada ou virtual, fundada em condenação apenas hipotética. Inteligência do enunciado 438 da Súmula desta Corte. Repercussão geral reconhecida.
3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STJ, AgRg no AREsp 70792 PI 2011/0243724-3, Relator(a): Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Órgão Julgador: STJ/T6 - SEXTA TURMA, Publicação: DJe 22/02/2012)
No mesmo sentido, colacionamos decisão do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA: HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE PRESCRIÇÃO ANTECIPADA. INADMISSIBILIDADE. ARTIGO 28 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL E SÚMULA 696 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. HIPÓTESE DE ATRIBUIÇÃO ORIGINÁRIA DO PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO À SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ORDEM DENEGADA. 1. O Supremo Tribunal Federal tem rechaçado a aplicação do instituto da prescrição antecipada reconhecida antes mesmo do oferecimento da denúncia. 2. Na hipótese de o juiz discordar da manifestação do Ministério Público que deixa de propor a suspensão condicional do processo, aplica-se, por analogia, o art. 28 do Código de Processo Penal. 3. Todavia, em se tratando de atribuição originária do Procurador-Geral de Justiça, v.g., quando houver competência originária dos tribunais, o juiz deve acatar a manifestação do chefe do Ministério Público. 4. Tendo em vista que a suspensão condicional do processo tem natureza de transação processual, não existe direito público subjetivo do paciente à aplicação do art. 89 da Lei 9.099/95. 5. Ordem denegada.(HC 83458, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Primeira Turma, julgado em 18/11/2003, DJ 06-02-2004 PP-00038 EMENT VOL-02138-05 PP-00960)
Desta forma, temos que o STF e o STJ se colocam contrários à aplicação da prescrição virtual, sobretudo pela falta de amparo legal em nosso ordenamento.
Ocorre que, a despeito do disposto na Súmula nº 438 do STJ, é possível verificar a aplicação da prescrição virtual nos Tribunais Brasileiros, como medida de justiça necessária ao reconhecimento de situações onde se percebe quão improdutiva será a continuidade do processo no caso concreto. Vejamos algumas decisões:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PRESCRIÇÃO PELA PENA PROJETADA. POSSIBILIDADE . Mantida a decisão que julga extinta a punibilidade do réu quando se antevê o reconhecimento da prescrição em caso de eventual condenação. SÚMULA 438 DO STJ. Verbete que não está dotado de eficácia vinculante. RECURSO IMPROVIDO. (TJRS. Recurso em sentido estrito n. 70041838418, Relator: Des. Luis Gonzaga da Silva Moura, 5ª Câmara Criminal, em 01/06/2011)
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL - ART. 171, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL - EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE - PRESCRIÇÃO VIRTUAL - PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO A QUO A FIM DE QUE ESTA SEJA ANULADA E QUE SEJAM DEVOLVIDOS OS AUTOS PARA O JUÍZO DE 1ª INSTÂNCIA PARA QUE TENHA PROSSEGUIMENTO COM A PROLAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA - IMPROVIMENTO - POSSIBILIDADE DE ANTECIPAÇÃO DA PRESCRIÇÃO - RECURSO IMPROVIDO
Em análise detida dos autos, entendo que não assiste razão ao membro do "parquet". O magistrado a quo agiu corretamente em declarar extinta a punibilidade levando em consideração a ocorrência da prescrição virtual, pois o recorrido estava sendo acusado da prática de um crime de estelionato praticado em 13 de janeiro de 2000, logo, caso fosse julgada procedente tal acusação, haja vista aquele ser primário, possuir bons antecedentes e transcorridos quase 10 anos da prática do delito, a pena seria imposta no mínimo legal acarretando a perda da pretensão punitiva do Estado. Em casos excepcionais, há possibilidade de aplicação da prescrição virtual, antecipando os efeitos da prescrição, com base em pena provável. (TJMS, RSE 7470 MS 2010.007470-7, Relator(a): Des. João Batista da Costa Marques, Órgão Julgador: 1ª Turma Criminal, Publicação: 12/05/2010)
No último julgado colacionado acima, o representante do Parquet se insurgiu contra decisão que declarou a extinção da punibilidade, por aplicação da prescrição virtual, ocorrida entre o recebimento da denúncia e a sentença que declarou a extinção da punibilidade. Na decisão, o Magistrado percebeu que, mesmo sentenciando naquela data, a pretensão punitiva já estaria extinta pela prescrição retroativa, na medida em que o processo se arrastou por longos 10 (dez) anos. Desta forma, não faria sentido algum manter processo com uma sobrevida totalmente infrutífera.
Tal entendimento somente foi possível em razão dos critérios objetivos de aplicação da pena. O Juiz, no momento de fixação da pena deverá seguir a orientação do art. 68 do Código Penal, o qual explica que o cálculo da pena deverá ser feito em três etapas, fixando-se a pena-base atendendo-se o critério do art. 59 do mesmo código, devendo em seguida considerar as circunstâncias atenuantes e agravantes e, por último, as causas de diminuição e aumento.
A pena-base é o quantum encontrado pelo Juiz baseado nas circunstâncias judiciais, aquelas apontadas no caput do art. 59 do Código Penal, que são a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, sem levar em conta as circunstâncias legais genéricas, que são as atenuantes e as agravantes, e as causas de aumento ou diminuição (HUNGRIA apud JESUS, 2002, p.587). As circunstâncias judiciais são assim chamadas por serem frutos de uma análise subjetiva do magistrado, no entanto, a subjetividade não deve ser confundida com arbitrariedade, uma vez que os elementos devem ser bem esclarecidos. A pena-base deverá ser fundamentada sob pena de nulidade, sendo indispensável a apreciação e a fundamentação das circunstâncias judiciais sempre que for aplicada acima do mínimo legal (DELMANTO, 2002, p.113).
Quando forem favoráveis as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, a pena-base deverá ser fixada no mínimo legal (DELMANTO, 2002, p.115).
Encontrada a pena-base, o Juiz passa a analisar as circunstâncias atenuantes e agravantes, que também são chamadas de causas legais, que estão previstas nos artigos 61, 62, 65 e 66 do Código Penal, devendo seguir regras de aplicação de tais circunstâncias.
O Código Penal foi bem claro quando dispôs no caput dos artigos 61 e 65 do Código Penal que as circunstâncias ali elencadas sempre agravam, no caso do art. 61, ou sempre atenuam, no caso do art. 65, com a ressalva de que se a hipótese que agrava a pena constituir ou qualificar a pena, não agravando portanto.
No que se refere às hipóteses que agravam a pena, estas não podem elevá-la acima do máximo cominado ao delito, assim como as hipóteses que atenuam a pena não podem diminuí-la abaixo do mínimo cominado ao crime (MIRABETE, 2002, p.311). As agravantes não podem ser consideradas se já incidiram na pena como circunstância judicial do art. 59 do Código Penal (DELMANTO, 2002, p.122).
As circunstâncias agravantes são somente aquelas previstas em lei nos artigos já mencionados. Já as circunstâncias atenuantes, além daquelas previstas em lei, há uma atenuante genérica prevista no art. 66 do Código Penal, o qual explica que “a pena poderá ser atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ao crime, embota não prevista em lei.”
A última fase para fixação da pena é a aplicação das causas de diminuição e aumento de pena, que se encontram dispersos no Código Penal e se identificam por exporem que a pena será aumentada ou diminuída de alguma fração da pena. Havendo diversas causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, o Juiz poderá aplicar somente uma, prevalecendo a que mais diminuir ou aumentar, conforme dispõe o art. 68 do Código Penal.
As causas de aumento ou diminuição são fatores de acréscimo ou redução da pena, expressas em quantidades fixas ou em limites e são calculadas pelas circunstâncias da própria causa de aumento ou diminuição. Quando a causa de aumento for prevista em quantidade ou limites variáveis, a aplicação acima do mínimo deverá ser fundamentada, em consonância com o art. 93, inciso IX da Constituição Federal.
Ao contrário das atenuantes e agravantes, as causas de diminuição poderão reduzir a pena abaixo do mínimo legal e as causas de aumento poderão elevar a pena acima do máximo cominado ao delito.
Explicada a individualização da pena, pode-se verificar que o Juiz não está livre para impor a sanção que entender, pois ele deve seguir regras bastante objetivas pára a fixação da pena. Mesmo quando lhe é facultada a subjetividade, na primeira fase do cálculo da pena, a aplicação de pena-base superior ao mínimo deverá ser bem fundamentada. Além disso, para que o autor do fato delituoso seja condenado a uma pena próxima à máxima cominada ao crime, é necessário uma série de situações e condições desfavoráveis a ele.
Por conta de todos os critérios exigidos para o cálculo da pena, em grande parte dos casos, de acordo com os defensores da prescrição virtual, é possível fazer uma perspectiva da pena que será aplicada ao réu, salvo alguns casos de maior complexidade e nos casos de mutatio libelli.
Dependendo do caso, vislumbrando a existência de condições judiciais favoráveis, atenuantes e a ocorrência de causas de diminuição de pena, não haveria dificuldade em se chegar à conclusão de que a pena aplicada seria a mínima cominada ao delito e, portanto, seria possível a utilização da pena futuramente aplicada para o cálculo da prescrição da pretensão punitiva.
Outro argumento muito utilizado pelos que são a favor do reconhecimento antecipado da prescrição retroativa é a ausência do interesse de agir do Estado em dar início a um processo que fatalmente terá sua punibilidade extinta em virtude da prescrição retroativa.
Antes de explicar o que seria o interesse de agir, vale salientar que os estudos sobre as condições da ação, as quais são analisadas mais a fundo pelos civilistas, guardadas as devidas peculiaridades, são totalmente aplicados ao direito processual penal, com a adoção na legislação pátria, amoldando-se com a exigência de um maior controle do processo penal, uma vez que é a liberdade individual que está em jogo.
De acordo com Liebman, a ausência de uma das condições da ação, neste caso o interesse de agir, “implica a inexistência da própria ação” (apud FREIRE, 2001, p.76).
O interesse de agir não se encontra previsto na legislação processual penal, justificando-se sua ausência no fato de que, por ser intuitivo, no processo penal sempre haverá interesse de agir, já que somente através do processo que é possível a aplicação da sanção penal (LIMA, 2002, p.115).
O interesse de agir, que também é conhecido como interesse processual, não se confunde com interesse de direito material ou interesse primário, que o demandante pretende fazer valer em juízo, pode ser definido como a “utilidade de provimento jurisdicional pretendido” (CÂMARA, 2003, p.126).
A explicação de Alexandre Freitas Câmara acerca deste assunto se encaixa com a visão dos defensores da prescrição virtual no que diz respeito ao interesse de agir quando ensinou que
O Estado não pode exercer suas atividades senão quando esta atuação se mostre absolutamente necesária. Assim, sendo pleiteado em juízo provimento que não traga ao demandante nenhuma utilidade (ou seja, faltandoao demandante interesse de agir), o processo deverá ser encerrado sem que se tenhaum provimento de mérito, visto que o Estado estaria exercendo atividade desnecessária ao julgar a procedência (ouimprocedência) da demanda ajuizada. Tal atividade inútilestaria sendo realizada em pejuízo daqueles que realmente precisam da atuação estatal, o que lhes causaria dano (que adviria, por exemplo, do acúmulo de processos desnecessários em juízo ou tribunal). Por esta razão, inexistindo interesse de agir, deverá o processo ser extinto sem resolução do mérito (CÂMARA, 2003, p.126).
O ensinamento do processualista acima nos mostra a consequência de se admitir processos que são carentes das condições de ação, mais especificamente do interesse de agir, que resultaria, como exemplificado, no acúmulo processual, dificultando a análise dos processos que realmente merecem a atenção do poder judiciário.
O interesse de agir descansa na idoneidade do pedido, ou seja, a pretensão deverá ser apresentada como merecedora de julgamento, devendo o titular da ação “formular um pedido idôneo, arrimado em elementos que convençam o Magistrado da seriedade do que se pede” (TOURINHO FILHO, 2001, p.138).
O interesse de agir se desdobra na necessidade de utilização das vias processuais, na utilidade da persecução penal aos fins que se presta e na adequação que reside no processo penal condenatório e no pedido de aplicação da pena. Um exemplo de não necessidade seria o recebimento da denúncia relativo a um delito que já teve extinta sua punibilidade. Um exemplo da ausência de utilidade seria o oferecimento da denúncia quando, pela análise da suposta pena a ser imposta, no caso de eventualmente comprovada a culpabilidade do acusado, já é possível prever a ocorrência da prescrição retroativa (CAPEZ, 2003, p.105).
Em virtude da ausência do interesse de agir, esta corrente entende que a ação promovida para julgar delito que tem por fim a prescrição retroativa, carece das condições da ação, devendo ser julgado sem julgamento do mérito, o que resultará numa considerável redução dos processos que são desnecessários, viabilizando um aumento da qualidade da prestação jurisdicional, que passará a ser rápida e, consequentemente, mais justa.
Outro argumento utilizado é a busca pela economia processual, princípio que defende a escolha da opção menos onerosa para as partes, sem violar o princípio do devido processo legal, possibilitando a escolha da forma que cause menos encargos (MIRABETE, 1997, p.51).
O processo é instrumento, não se podendo exigir um dispêndio além dos limites aceitáveis com relação aos bens que estão em plena disputa. A economia processual consiste na busca de uma maior eficiência na aplicação do direito, com o menor gasto de atos processuais possível (CAPEZ, 2003, p.24).
É justamente a busca por uma opção menos dispendiosa que os defensores da prescrição virtual defendem com seu reconhecimento, evitando gastos desnecessários, sendo esta opção a mais econômica para as partes, que no caso são a acusação e a defesa, preservando a imagem da justiça pública, que teria a oportunidade de dar atenção a processos úteis em detrimento daqueles que fatalmente seriam atingidos pela prescrição.
Estes são os argumentos utilizados pelos defensores da prescrição virtual, argumentos estes que parecem possuir melhor embasamento teórico, além de estarem apoiados em um melhor direito, merecendo a atenção dos operadores do direito.
Não podemos deixar de citar, como argumento válido ao reconhecimento da prescrição virtual a necessidade social de uma prestação jurisdicional mais célere, o que é concretizado com a edição de Metas pelos órgãos reguladores, notadamente o Conselho Nacional de Justiça, que edita metas, cobra eficiência da prestação jurisdicional.
Desta forma, o reconhecimento antecipado da prescrição virtual, ainda que no decorrer do processo, acaba por desafogar o Poder Judiciário, permitindo que dê maior celeridade a processos que merecem maior atenção, permitindo ao Estado que alcance sua pretensão punitiva em mais processos. Vejamos decisão neste sentido:
EMENTA: FURTO QUALIFICADO - art. 155, § 4o, inciso I do Código Penal
- Acolhida a preliminar de nulidade da sentença por cerceamento da defesa por desrespeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa - Aplicação da chamada prescrição antecipada ou virtual ou projetada ou em perspectiva.
- Possibilidade- Verificando desde logo que a persecutio criminis carece de utilidade processual, perece uma das condições da ação, decretável ab initio - Réu primário e com bons antecedentes - Lapso temporal prescricional já decorrido desde o recebimento da denúncia - Inescapável a ocorrência futura da prescrição retroativa - Mérito prejudicado. Recurso provido.
(TJSP, Processo: 283337320068260576 SP, Relator(a): Edison Brandão, Órgão Julgador: 16ª Câmara de Direito Criminal, Publicação: 21/12/2010)
Neste mesmo sentido, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo assim julgou:
De nenhum efeito a persecução penal com dispêndio de tempo e desgaste do prestígio da Justiça Pública, se, considerando-se a pena em perspectiva, diante das circunstâncias do caso concreto, se antevê o reconhecimento da prescrição retroativa na eventualidade de futura condenação. Falta, na hipótese, o interesse teleológico de agir, a justificar a concessão ex officio de habeas corpus para trancar a ação penal.
(4ª Câmara Criminal – HC 204.272-1 – Rel. Juiz Sergio Carvalhoza – Acórdão de 26.02.1991 – RT 669/315).
Portanto, imperioso perceber que, quando um processo criminal está caminhando para ter sua punibilidade extinta pela prescrição retroativa, ou seja, a persecução criminal está fadada ao insucesso, manter o processamento para não aceitar a prescrição virtual é aumentar a sensação de impunidade e desconforto enfrentado pela sociedade diuturnamente.
Por outro lado, sendo possível perceber no decorrer do processo que a prescrição irá ocorrer, reconhecê-la trará economia estatal e aos jurisdicionados, proporcionando a otimização de recursos públicos, consequentemente permitindo um melhor investimento na aplicação adequada de sanções aos que violarem as normas penais incriminadoras.
CONCLUSÃO
Inicialmente, o estudo foi voltado para uma forma específica de extinção da punibilidade, que é a prescrição da pretensão punitiva, analisando suas espécies, principalmente a prescrição retroativa e a prescrição virtual, que se trata do reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, que tira do Estado o jus puniendi.
Viu-se que a doutrina e a jurisprudência se dividem no que diz respeito ao reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, sendo utilizados diversos argumentos que foram anteriormente explicados.
Colocados e explicados os argumentos, os que defendem a prescrição virtual parecem ser mais sólidos e melhor apoiados no bom direito uma vez que as argumentações contra o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa são facilmente postas abaixo.
Argumentou-se que o reconhecimento antecipado da prescrição feria o princípio da presunção de inocência, no momento em que presumia a culpa do mesmo. Difícil sustentar esta teoria na medida em que um dos efeitos da prescrição da pretensão punitiva é a retirada do jus puniendi do Estado, como já dito, não gerando qualquer conseqüência para o réu, voltando este à condição de primário, como se nunca houvesse praticado crime algum.
A parte da doutrina que é contra a prescrição retroativa antecipada argumenta que seu reconhecimento fere o princípio do devido processo legal, pelo fato de não ser prevista legalmente, o que é alegado pela parte da jurisprudência que não aceita sua aplicação. Estes argumentos são derrubados, pois o principal argumento da prescrição virtual é a falta condição da ação, que não permite o início da ação que não poderá ter resultado positivo para o autor, no caso o Ministério Público.
Além disso, o art. 3º do Código de Processo Penal permite a interpretação extensiva e analógica da lei processual, sendo possível a carência da ação penal pela ausência do interesse de agir.
Ademais, os critérios objetivos de aplicação da pena, que permitem a perspectiva da pena a ser aplicada, aliada ao princípio da economia processual e o interesse de agir parecem argumentos fortes o bastante para autorizarem o reconhecimento da prescrição virtual, o que serviria para evitar o acúmulo processual, tornando a justiça mais célere e, conseqüentemente, mais justa.
REFERÊNCIAS
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CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil: v. I. 9.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.
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______, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
______, Fernando. Curso de Direito Penal. v. 1. 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
CRUZ, Carla; RIBEIRO, Uirá. Metodologia Científica: Teoria e Prática. Rio de Janeiro: Axcel Books, 2003.
DELMANTO, Celso et al. Código Penal Comentado. 6.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
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LIMA, Marcellus Polastri. Ministério Público e Persecução Criminal. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal: Parte Geral. 18.ed. São Paulo: Atlas, 2002.
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NASSIF, Aramis. Prescrição Pela Pena In Concreto e Projetada: Violações Constitucionais. Revista Jurídic,.São Paulo, v.1, n. 310, p.74-83, agosto/2003.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Parte Geral Parte Especial. 2ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2001.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.
[1] Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, Servidor Pública Estadual em Pernambuco. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Católica Dom Bosco. Professor de Direito Penal II da Faculdade Escritor Osman da Costa Lins.
[2] Cumpre salientar que o sentido da palavra “virtual” do instituto estudado não guarda nenhuma relação com o mundo cibernético ou com as comunicações realizadas via internet. Na verdade, a doutrina denomina prescrição virtual tendo em vista a utilização de uma perspectiva da pena futuramente imposta ao acusado.
[3] São chamadas omissões próprias ou tipos de omissão própria aqueles em que o autor pode ser qualquer pessoa que se encontre na situação típica, como, por exemplo, o artigo 135 do CP define um tipo de omissão própria. Esses tipos de omissão própria caracterizam-se por não ter um tipo ativo equivalente e são raros no CP.
[4] Chamam-se omissões impróprias ou tipos de omissão imprópria aqueles em que o autor só pode ser quem se encontra dentro de um determinado círculo, que faz com que a situação típica seja equivalente à de um tipo ativo. Os tipos de omissão imprópria têm um tipo ativo equivalente e a posição em que se deve achar o autor se denomina posição de garantidor. A omissão é regulada pelo art. 13, § 2º do Código Penal.
[5] É bom não esquecer que o STF em sua Súmula 146 chamou a “prescrição da pretensão punitiva” de “prescrição da ação”, não sendo uma forma apropriada para os dias atuais, como já fora explicado anteriormente.
graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, Servidora Pública Estadual em Pernambuco. Pós-graduada em Direito Penal e Processual Penal pela Universidade Católica Dom Bosco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAMMILLA LYDIA GONçALVES FIGUEIRêDO LôBO, . Prescrição virtual: Reconhecimento antecipado da prescrição retroativa em virtude da ausência do interesse de agir Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2022, 04:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60669/prescrio-virtual-reconhecimento-antecipado-da-prescrio-retroativa-em-virtude-da-ausncia-do-interesse-de-agir. Acesso em: 23 dez 2024.
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