GUSTAVO ANTÔNIO NELSON BALDAN
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo pesquisar os aspectos e previsões legais sobre o instituto da legítima defesa à luz do Direito Penal Brasileiro. O objeto é analisar o texto legal em relação a legítima defesa, sua definição, conceito e aplicabilidade no contexto de excludente de ilicitude. Tem por objetivo geral contextualizar o entendimento do dispositivo da legítima defesa e os requisitos em que há a aplicabilidade deste instituto. Quanto aos objetivos específicos da pesquisa, consiste em analisar a definição, conceito e requisitos do instituto da legítima defesa. Interpretar a concepção de injusta agressão. Compreender a aplicabilidade da legítima defesa como instrumento de excludente de ilicitude. A pesquisa é do tipo qualitativa, utilizando-se do método dedutivo. Quanto a metodologia, utilizou-se de revisão bibliográfica, doutrinas, jurisprudências e artigos científicos disponíveis na internet, em especial, a redação do dispositivo legal previsto no Código Penal Brasileiro. Os resultados da pesquisa demonstram a importância do instituo da Legítima Defesa como meio de assegurar bens jurídicos fundamentais, que devem ser protegidos e garantidos pelo Estado, devido a sua relevância para manutenção da ordem jurídica e da paz social.
Palavras-chave: legítima defesa; injusta agressão, excludente de ilicitude.
ABSTRACT: The present work aims to research the legal aspects and predictions about the institute of self-defense in the light of Brazilian Criminal Law. The object is to analyze the legal text in relation to self-defense, its definition, concept and applicability in the context of excluding unlawfulness. Its general objective is to contextualize the understanding of the device of self-defense and the requirements in which there is the applicability of this institute. As for the specific objectives of the research, it consists of analyzing the definition, concept and requirements of the institute of self-defense. Interpret the concept of unjust aggression. Understand the applicability of self-defense as an instrument to exclude unlawfulness. The research is qualitative, using the deductive method. As for the methodology, we used a literature review, doctrines, jurisprudence and scientific articles available on the internet, in particular, the wording of the legal provision provided for in the Brazilian Penal Code. The research results demonstrate the importance of the Legitimate Defense institute as a means of ensuring fundamental legal assets, which must be protected and guaranteed by the State, due to its relevance to the maintenance of the legal order and social peace.
Keywords: legitimate defense; unjust aggression, excluding unlawfulness.
1.INTRODUÇÃO
Conforme preceitua o artigo 25 do Código Penal, trata-se de um mecanismo jurídico que prevê e admite a Legítima Defesa como causa de excludente de ilicitude, desde que presentes e preenchidos os requisitos em sua forma legal.
À vista disso, objetivou o legislador, garantir a possibilidade de defesa de direito próprio ou alheio, de forma legítima, a fim de assegurar bens jurídicos fundamentais, que devem ser protegidos pelo Estado, devido a sua importância e relevância para manutenção da ordem jurídica e da paz social.
Neste sentido, Zaffaroni (2011, p. 504), expõem que a defesa, a direito seu ou de outrem, abarca a possibilidade de defender legitimamente qualquer bem jurídico. Para Prado (1997, p. 18), “o bem jurídico em sentido amplo é tudo aquilo que tem valor para o seu humano”. Para Teles (2004 p. 46) “são bens jurídicos a vida, a liberdade a propriedade, o casamento, a família, a honra, a saúde, enfim, todos os valores importantes para a sociedade”.
A legítima defesa possui características e requisitos a serem analisados quando de sua aplicação ao caso concreto. As características consistem em repelir a injusta agressão, atual ou iminente, ou seja, que está acontecendo ou que está prestes a acontecer, em que ofendido, utiliza-se de meios moderadamente dos meios necessários para defender, a direito seu ou de outrem.
Quanto aos requisitos, temos a injusta agressão, proveniente de uma ação humana. Outro requisito consiste na atual ou iminente agressão, portanto, a ação está ocorrendo ou prestes a acontecer. A utilização dos meios necessários para a reação, ou seja, a reação de revide, assim como os meios a se empregar, deve ser suficiente a repelir a agressão.
Por último, temos a moderação da reação que deve ser é proporcional entre a agressão e a reação, isso significa reagir a injusta agressão no limite e proporcionalmente.
Neste ponto, destaca-se quanto a excesso punível, com previsão no artigo 23 do Código Penal, em seu parágrafo único que diz: “O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo”. Por melhor dizer, o excesso é punível e responderá o agente a título de dolo ou culpa a depender do caso.
Outro ponto relacionado ao objeto de estudo, decorrente do instituto da legítima defesa e sua aplicabilidade como instrumento de excludente de ilicitude, que por sua vez, consiste em normas permissivas que excluem a antijuridicidade da conduta.
O objetivo geral deste trabalho é contextualizar o entendimento do dispositivo da legítima defesa, explorado seus aspectos, previsões legais e posicionamento doutrinário e jurisprudencial, de seus requisitos, até a aplicabilidade como meio de excludente de ilicitude.
Quanto aos objetivos específicos da pesquisa, consiste em analisar a definição, conceito e requisitos do instituto da legítima defesa. Interpretar a concepção de injusta agressão. Compreender a aplicabilidade da legítima defesa como instrumento de excludente de ilicitude.
Nesta esteira, a pesquisa busca responder os seguintes questionamentos: Qual a importância do instituto da Legítima Defesa? Quais os requisitos devem ser preenchidos para Legítima Defesa? Quando se excluem a antijuridicidade do ato, reconhecendo e aplicando a excludente de ilicitude da ação, admitindo-se a Legítima Defesa?
Quanto à metodologia, utilizou-se de revisão bibliográfica, doutrinas, jurisprudências e artigos científicos disponíveis na internet, em especial, a redação do dispositivo legal previsto no Código Penal Brasileiro.
2.O INSTITUTO DA LEGÍTIMA DEFESA
O instituto da Legítima Defesa está estabelecido no artigo 25 do Código Penal, trata-se de um instrumento jurídico que possibilita o afastamento da antijuridicidade da conduta, consequentemente, excluindo a ilicitude do fato típico, desde que presentes e preenchidos os requisitos em sua forma legal. Vejamos o texto de lei do citado artigo.
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (BRASIL, 1984).
Neste contexto, objetivou o legislador, garantir a possibilidade de defesa de direito próprio ou alheio, de forma legítima, a fim de assegurar bens jurídicos fundamentais, que devem ser protegidos pelo Estado, devido a sua importância e relevância para manutenção da ordem jurídica e da paz social.
A defesa, a direito seu ou de outrem, engloba a possibilita de proteção legítima de qualquer bem jurídico. (ZAFFARONI, 2011).
Para Prado (1997, p. 18), “o bem jurídico em sentido amplo é tudo aquilo que tem valor para o seu humano”. Para Teles (2004 p. 46) “são bens jurídicos a vida, a liberdade a propriedade, o casamento, a família, a honra, a saúde, enfim, todos os valores importantes para a sociedade”.
A legítima defesa, conceituado por (Capez, Fernando, 2012, p.306).
“Causa de exclusão da ilicitude que consiste em repelir injusta agressão, atual ou iminente, a direito próprio ou alheio, usando moderadamente dos meios necessários. Não há aqui, uma situação de perigo pondo em conflito dos ou mais bens, na qual um deles deverá ser sacrificado. Ao contrário, ocorre um efetivo ataque ilícito contra o agente ou terceiro, legitimando a repulsa”.
O Estado não pode estar em todas as situações de perigo existentes, por ser logicamente impossível. Diante disso, resolveu buscar uma maneira de prever a possibilidade de que em determinadas situações e desde que preenchidos os requisitos, o cidadão possa agir em prol da defesa de si próprio ou de terceiro, na proteção de seu bem jurídico mais precioso, a vida. Eis o fundamento de existência das excludentes de ilicitude e mais precisamente, no presente artigo, a excludente de legítima defesa. (GRECO, 2020).
Conforme ensinamento de Rogério Greco (2017, p. 478), pode-se apontar duas espécies de legítima defesa, a saber: Legítima Defesa autêntica (real) e Legítima Defesa putativa (imaginária). Autêntica ou real quando a situação de agressão injusta está efetivamente ocorrendo no mundo concreto. Existe realmente, uma agressão injusta que pode ser repelida pela vítima, atendendo aos limites legais. Legítima Defesa putativa ou imaginária quando a situação de agressão não é verdadeira ou real, ou seja, só existe na mente do agente. Só o agente acredita, por erro, que está sendo ou virá a ser agredido injustamente. (GRECO, 2017).
A legítima defesa putativa apenas fica caracterizada se o agente supor encontrar-se em face de agressão injusta, por erro de tipo ou de proibição plenamente justificado pelas circunstâncias. (TJSC, AC 2011.055579-8, Rel. Des. Carlos Alberto Civinski, j. 5/3/2013).
Legítima Defesa recíproca: trata-se da ocorrência simultânea de duas agressões injustas. Contudo, esta modalidade de Legítima Defesa, a doutrina posiciona-se, em sua maioria, no sentido de que não é possível tal ocorrência, considerando que pela leitura do texto do artigo 25 do Código Penal, percebe-se impossibilidade de ocorrer a então Legítima Defesa recíproca (autêntica versus autêntica), visto que ambas as condutas são contrárias ao ordenamento jurídico. (GRECO, 2017).
Segundo Rogério Greco (2015, p. 99), leciona que Legítima Defesa sucessiva é a originária do excesso da legítima defesa, em que o agressor inicial se transforma em vítima e a vítima, a seu turno, se transforma em agressora.
Rogério Greco (2015, p. 99), cita ainda em sua obra os feitos civis da legítima defesa. Diz que, termos do inc. I do art. 188 do Código Civil, aquele que atua em legítima defesa não pratica ato ilícito capaz de suportar a obrigação de indenizar.
Reconhecida a excludente de criminalidade da legítima defesa, em sentença penal absolutória, não há possibilidade de se rediscutir, no juízo cível, a existência de culpa do réu, sob pena de ofensa à coisa julgada criminal (TJMG, Ap 0009559-66.2001.8.13.0629, Rel. Des. Eduardo Marine da Cunha, DJe 20/7/2012).
Aduz que a origem da Legítima Defesa está relacionada desde nascimento do homem, ou seja, desde a pré-existência da sociedade, tratando-se de um direito natural do ser em defender a própria vida, considerando que, logo após o nascimento, as pessoas estão sujeitas a ameaças e ações de outros indivíduos. Isso fica evidenciado no o quinto livro da Bíblia Sagrada atribuído a Moisés, escrito por volta de 1.473 a.C., no livro de Deuteronômio, que diz: “Não o olharás com piedade: vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé.” (ALMEIDA, 1993, p. 185).
Extrai-se, neste contexto, em analogia aos atuais requisitos previstos na legislação penal, uma relação entre reação à injusta agressão de forma proporcional, semelhante ao previsto no citado texto bíblico, guardadas as devidas proporções, visto lapso temporal e evolução histórica do homem.
Na visão do autor Cleber Masson (2015, p.448), entende que a legítima defesa sempre foi aceita por praticamente todos os sistemas jurídicos, ainda que muitas vezes não prevista expressamente em lei, constituindo-se dentre todas, na causa de exclusão da ilicitude mais remota ao longo da história das civilizações.
2.4 Posicionamentos doutrinários e julgamentos
O entendimento majoritário dos Tribunais Superiores brasileiros é no sentido de que quando tratar-se de legítima defesa atribui-se o ônus da prova ao imputado, o qual terá que demonstrar cabalmente a incidência da causa de excludente de ilicitude, sem que tal inversão da carga probatória importe ofensa aos princípios constitucionais de Presunção de Inocência e In Dubio Pro Reo. Confirmando o exposto, está a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: (SOARES, 2022).
Decisão: A 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou provimento ao recurso de apelação interposto pelo recorrente, mediante acórdão (eDOC 6, p. 41-57) assim ementado: “Apelação criminal defensiva. Condenação por lesão corporal no âmbito da violência doméstica (art. 129, § 2º, IV, c/c 10º, do Código Penal, n/f da Lei 11.340/06) [...] Tese subsidiária de legítima defesa que não reúne condições de acolhimento. Firme orientação pretoriana no sentido de atribuir à Defesa o ônus de comprovar a incidência de qualquer excludente de tipicidade, tipo permissivo ou causa de exculpação (CPP, art. 156) [...] No mais, a presente irresignação recursal não merece prosperar, porquanto a ofensa à Constituição, se existente, seria reflexa ou indireta, de índole infraconstitucional, o que inviabiliza o processamento do presente recurso. Além disso, divergir do entendimento firmado pelo Tribunal de origem demandaria o revolvimento do acervo fático-probatório, providência inviável no âmbito do recurso extraordinário. Dessa forma, incide, no caso, a Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido é a jurisprudência desta Suprema Corte: Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Penal e Processo Penal. 3. Crime contra a liberdade sexual (art. 213 c/c art. 214 do Código Penal). 4. Ausência de prequestionamento, incidência das súmulas 282 e 356. 5. Suposta violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e da presunção de inocência. A ofensa aos dispositivos apontados, caso existente, ocorreria de forma reflexa [...] Ante o exposto, nego seguimento ao recurso (art. 21, § 1º, do RI/STF). Intime-se, via DJe. Brasília, 11 de março de 2020. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente (STF - ARE: 1259854 RJ - RIO DE JANEIRO 0008772-61.2011.8.19.0001, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 11/03/2020, Data de Publicação: DJe-058 16/03/2020).
A recente decisão acima exposta impõe ao réu a obrigação de provar ter agido em legítima defesa, quando na verdade a este deveria ser dado o direito e não o dever de provar o alegado, visto que constitucionalmente já é presumidamente inocente e caberia então à acusação afastar a tese abarcada pela excludente de ilicitude. Desse modo, cumpre observar o equívoco ao considerar que a violação aos princípios constitucionais seria, caso existente, reflexa, pois há uma direta ofensa à presunção de inocência do débil. (SOARES, 2022).
O Superior Tribunal de Justiça acaba por cometer o mesmo erro, senão vejamos:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.625.634 - AL (2019/0352035-2) RELATOR: MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ AGRAVANTE : CLÁUDIO JOSÉ DA SILVA VIEIRA (PRESO) ADVOGADO : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE ALAGOAS AGRAVADO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ALAGOAS DECISÃO CLÁUDIO JOSÉ DA SILVA VIEIRA [...] A legítima defesa para que possa ser acolhida, precisa ficar provada, e a prova é ônus do réu, sendo insuficiente a simples alegação (TACRIM-SP - AC - Rel. Hélio de Freitas - RT 671/346) [...]10 - Em suas razões recursais, o apelante levantou que teria agido em legítima defesa putativa, imaginando estar na iminência de ser agredido, uma vez que a vítima insinuava portar arma de fogo, momento em que sacou sua arma para repelir aquela agressão supostamente iminente. Requereu a aplicação do princípio da presunção de inocência e in dubio pro réu. 11 - Entretanto, conforme cediço, na fase de formação da culpa no o procedimento do Tribunal do Júri o que prevalece é o princípio do in dubio pro societate, devendo o acusado ser pronunciado se o juiz estiver "convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação" (art. 413 do CPP), sem que isso configure violação ao princípio da presunção da inocência. [...]Dispositivo À vista do exposto, com fundamento no art. 932, VIII, do CPC, c/c o art. 253, parágrafo único, II, b, parte final, do RISTJ, conheço do agravo para negar provimento ao recurso especial. Publique-se e intimem-se. Brasília (DF), 13 de fevereiro de 2020. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator (STJ - AREsp: 1625634 AL 2019/0352035-2, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: DJ 17/02/2020).
É evidente que podendo o réu aproveitar-se de chances processuais com o intuito de liberar-se das cargas probatórias, ele fará para aumentar a possibilidade de uma sentença favorável. No entanto, tal prerrogativa não deve ser usada como justificativa de inversão ou divisão do ônus da prova com o acusador, visto que o acusado está protegido pela presunção de inocência, assim como pelo fato da parte contrária ter feito a primeira afirmação na peça acusatória, ou seja, se o ônus é de quem alega, caberia à acusação provar que o réu não agiu abarcado pelo Instituto da Legítima Defesa. (SOARES, 2022).
Ademais, o Ministro, se distanciando da posição de guardião dos direitos fundamentais, alegou prevalecer o Princípio do In Dubio Pro Societate na fase de formação de culpa no procedimento do Tribunal do Júri, princípio este que não encontra qualquer amparo na Constituição Federal, tampouco no Código de Processo Penal e, que consequentemente vai contra o Estado Democrático de Direito, a Dignidade da Pessoa Humana e as garantias fundamentais do réu. Dito isto, o que deve prevalecer é o In Dubio Pro Reo, pois havendo dúvidas o julgamento será a favor do acusado. (SOARES, 2022).
Seguindo o entendimento da inversão do ônus da prova para que se possa reconhecer a legítima defesa, o Tribunal Regional Federal decidiu que:
PENAL - TRÁFICO INTERNACIONAL DE ENTORPECENTES - AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA - COMPROVAÇÃO - INTERNACIONALIDADE COMPROVADA - CAUSAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE E CULPABILIDADE NÃO CARACTERIZADAS - REPRIMENDAS QUE DEVEM SER REDUZIDAS - RECONHECIMENTO DA ATENUANTE DE CONFISSÃO ESPONTÂNEA - PATAMAR DE APLICAÇÃO DA MAJORANTE PREVISTA PELO ART. 40, INC. I, DA LEI Nº 11.343/06 REDUZIDO PARA 1/6 (UM SEXTO) - CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART. 44, §3º, DA LEI Nº 11.343/2006 - APLICAÇÃO - SUBSTITUÇÃO DA PENA POR REPRIMENDAS ALTERNATIVAS E DIREITO A APELAR EM LIBERDADE - AFASTAMENTO - APELAÇÃO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDA [...] 6. É cediço que o ordenamento jurídico pátrio permite, excepcionalmente, a prática de condutas típicas em razão de situações especiais, como aquele que age em legítima defesa ou em estado de necessidade justificante ou exculpante. 7. Porém, para que se possa reconhecer tais excludentes é imprescindível que aquele que as alega comprove as suas razões sem qualquer sombra de dúvida, sob pena de desqualificação do próprio instituto, cuja finalidade é a de garantir, excepcionalmente, a tutela de um bem jurídico ao mesmo tempo em que outro é preterido, mas desde que presente uma causa justificante, sendo certo que a defesa não se desincumbiu desse ônus, nos termos do que determina o artigo 156 do CPP. [...] 16. Apelação parcialmente provida. (TRF-3 – ACR:8192 SP 0008192-87.2011.4.03.6119, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, Data de Julgamento: 14/04/2014, QUINTA TURMA)
Por último, temos o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina ratificando o inviável acolhimento da excludente de ilicitude quando da ausência de provas arguidas pela defesa, bem como negando que isso acarrete afronta a princípios reconhecidos constitucionalmente, in verbis: (SOARES, 2022).
ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal n. 0033470-22.2014.8.24.0023, da Capital ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Apelação Criminal n. 0033470-22.2014.8.24.0023, da Capital Relator: Des. Carlos Alberto Civinski PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE LESÃO CORPORAL EM ÂMBITO DOMÉSTICO (CP, ART. 129, §9º, E LEI 11.340/2006). SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. PLEITO ABSOLUTÓRIO. ALEGADA EXCLUDENTE DE ILICITUDE DA LEGÍTIMA DEFESA. TESE CARENTE DE COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE INJUSTA AGRESSÃO. ÔNUS QUE COMPETE À DEFESA (CPP, ART. 156). PALAVRAS FIRMES E COERENTES DA VÍTIMA, CORROBORADAS POR LAUDO TÉCNICO PERICIAL. CONDENAÇÃO MANTIDA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. CONDENAÇÃO CONFIRMADA POR ESTE TRIBUNAL. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. REEXAME SOBRE A MATÉRIA FÁTICA E ELEMENTOS DE PROVA ESGOTADO. CASO EM QUE SE AMOLDA À NOVA ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (HC 126.292/SP), RATIFICADA POR OCASIÃO DO INDEFERIMENTO DAS MEDIDAS CAUTELARES OBJETO DAS AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE 43 E 44 – Inviável o acolhimento da excludente de ilicitude consistente na legítima defesa quando inexistentes nos autos provas de que as agressões praticadas contra a vítima ocorreram nos moldes ado art. 25 do Código Penal – A simples alegação do agressor de que agiu em legítima defesa não autoriza que se reconheça a excludente de ilicitude, por força da parte inicial do art. 156 do Código de Processo Penal – Confirmada ou decretada a condenação neste Juízo ad quem, admite-se a execução provisória da pena, tendo em vista o esgotamento do revolvimento da matéria fática e dos elementos de prova, à luz do princípio do duplo grau de jurisdição, sem que se possa falar em afronta ao princípio da presunção de inocência, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC 126.292/SP, ratificando quando o indeferimento das medidas cautelares objeto das ADCs 43 e 44 – Parecer da PGJ pelo conhecimento e desprovimento do recurso – Recurso conhecido e desprovido. (TJ-SC APR: 0033470-22.2014.8.24.0023 Capital 0033470-22.2014.8.24.0023, Relator: Carlos Alberto Civinski, Data de Julgamento: 21/06/2018, Primeira Câmara Criminal).
O entendimento do Tribunal é de que a simples alegação do imputado de que agiu em legítima defesa não autoriza que seja reconhecida a excludente de ilicitude com base no disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal. No entanto, esquece-se o Relator que, como demonstrado anteriormente, é quem acusa que se torna encarregado de afastar a hipótese da legítima defesa e não o acusado de comprovar a existência de tal excludente, de forma que assim como este, os demais entendimentos acima mencionados não merecem prosperar. (SOARES, 2022).
3 REQUISITOS DA LEGÍTIMA DEFESA
A legítima defesa possui características e requisitos a serem preenchidos quando de sua aplicação ao caso concreto. As características consistem em repelir a injusta agressão, atual ou iminente, ou seja, que está acontecendo ou que está prestes a acontecer, em que ofendido, utiliza-se de meios moderadamente dos meios necessários para defender, a direito seu ou de outrem.
A seguir, analisaremos cada um dos requisitos da Legítima defesa.
3.1 Moderações no uso dos meios necessários
Moderação é proporção entre a agressão e a reação. Dependerá do caso concreto para avaliar se a reação foi moderada, ou seja, suficiente ou excessiva para repelir a agressão.
Rogério Greco (2015, p. 96), conceitua “os meios necessários”, como sendo todos aqueles eficazes e suficientes a repulsa da agressão que está sendo praticada ou que está prestes a acontecer.
A legítima defesa necessita que o uso dos meios necessários sejam suficientes para repelir a agressão. Varia de simples admoestação até o próprio uso de violência. No entanto, o defendente deve se utilizar, entre os meios de que dispõe para sua defesa, no momento da agressão, aquele que menor lesão pode causar. Além disso, é imperioso que seja moderado na reação, que não use o meio de forma a cometer excesso na repulsa (TJSC, AC 2013.002261-1, Rel Des. Ricardo Roesler, j. 12/3/2013).
3.2 Repelir a injusta agressão
Repelir, conforme significado extraído do dicionário jurídico “é o fato praticado para evitar uma agressão injusta, que esteja acontecendo ou prestes a ocorrer, visando proteger direito próprio ou de terceiro, desde que o meio de defesa seja empregado moderadamente. É uma causa excludente de antijuridicidade” (DIREITONET, 2022).
Segundo o autor Maurach que, "por agressão deve entender-se a ameaça humana de lesão de um interesse juridicamente protegido"; ou, ainda, na lição de Welzel, "por agressão deve entender-se a ameaça de lesão de interesses vitais juridicamente protegidos (bens jurídicos), proveniente de uma conduta humana”.
Torna-se inadmissível incidência da a excludente suscitada se a defesa não se desincumbe do ônus de demonstrar a injusta agressão, dever que lhe competia a teor do artigo 156 do Código de Processo Penal, especialmente quando as provas nos autos convergem desfavoráveis ao agente, ao revelarem ter este um comportamento agressivo. Outrossim, ainda que a agressão injusta tivesse ocorrido, não se pode reputar em legítima defesa o agente que se dirige até a casa do suposto agressor e, de forma imoderada e perversa, desfere tiros com arma de fogo, até causar-lhe a morte, embora a suposta ameaça não fosse mais atual ou iminente (TJES; ACr 11070156952, 2ª Câm. Crim., Rel. Des. Sérgio Luiz Teixeira Gama; DJES 16/7/2010, p. 137).
Rogério Greco (2015, p. 97), diz que se considera como atual a agressão que já esteja efetivamente acontecendo; iminente, a seu turno, é aquela que está prestes a acontecer.
Não se constata a apontada contradição na decisão do Conselho de Sentença que, embora tenha reconhecido que o paciente agiu em defesa própria, entendeu que a agressão da vítima não era atual ou iminente, afastando, nos termos do art. 25 do Código Penal, a caracterização da legítima defesa, por ausência de um dos seus elementos (STJ, HC 89513/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª T., DJe 8/2/2010).
3.4 A direito seu ou de outrem
O ordenamento jurídico possibilidades, ainda, que o agente não só defender-se a si mesmo, como também de intervir na defesa de terceira pessoa, mesmo que esta última não lhe seja próxima, como nos casos de amizade e parentesco. Fala-se, assim, em legítima defesa própria e legítima defesa de terceiros. (GRECO, 2015).
A Legítima Defesa trata-se de uma excludente de ilicitude, estando aquela regulamenta no artigo 25, enquanto que esta, prevista no artigo 23, ambas do Código Penal Brasileiro. É certo que estes institutos devem estar em consonância, uma vez que o artigo 23 regulamenta circunstâncias da legítima defesa, bem como prevê limites, em que pese à observação quanto ao excesso, quer seja na moderação dos meios necessários, quer seja na ação de repelir a injusta agressão, onde o agente, responderá pelo excesso a título de dolo ou culpa, conforme previsto no artigo 23, em seu parágrafo único.
Vejamos o texto da lei.
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. (BRASIL, 1940).
Neste sentido, conforme o autor Rogério Greco (2015, p. 98), entende que:
Excesso na legítima defesa: O excesso, segundo o parágrafo único do art. 23 do Código Penal, pode ser considerado doloso ou culposo. Diz-se doloso o excesso em duas situações: a) quando o agente, mesmo depois de fazer cessar a agressão, continua o ataque porque quer causar mais lesões ou mesmo a morte do agressor inicial (excesso doloso em sentido estrito); ou b) quando o agente, também, mesmo depois de fazer cessar a agressão que era praticada contra a sua pessoa, pelo fato de ter sido agredido inicialmente, em virtude de erro de proibição indireto (erro sobre os limites de uma causa de justificação), acredita que possa ir até o fim, matando o seu agressor, por exemplo. Ocorre o excesso culposo nas seguintes situações: a) quando o agente, ao avaliar mal a situação que o envolvia, acredita que ainda está sendo ou poderá vir a ser agredido e, em virtude disso, dá continuidade à repulsa, hipótese na qual será aplicada a regra do art. 20, § 1º, segunda parte, do Código Penal; ou b) quando o agente, em virtude da má avaliação dos fatos e da sua negligência no que diz respeito a aferição das circunstâncias que o cercavam, excede-se em virtude de um "erro de cálculo quanto à gravidade do perigo ou quanto ao modus da reação" (excesso culposo em sentido estrito).
Segue caso julgado pelo TJMG:
Não se afasta a legítima defesa tão somente porque o réu não mediu, com racionalidade, a proporção do revide, haja vista que, no calor da discussão, não se exige a mensuração matemática dos meios a serem utilizados como forma de afastar a agressão injusta e iminente (TJMG, AC 0005220-28.2005.8.13.0628, Rel. Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira, DJe 13/7/2012).
4 PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 25 DO CÓDIGO PENAL, INCLUÍDO PELA LEI 13.964, DE 2019
Publicada em 24 de dezembro de 2019, a Lei nº 13.964/2019, intitulada, então, de Pacote Anticrime, trouxe em seu escopo alterações em alguns artigos do Código Penal, dentre eles, no artigo 25, acrescentando o parágrafo único que diz:
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.
Diante do texto acrescido, o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão à vítima mantida refém durante a prática de crimes, considera-se, também, em legítima defesa.
Quadro 1 – Artigo 25 CP, antes e depois do pacote anticrime.
Redação ANTES da Lei 13.964/19 |
Redação DEPOIS da Lei 13.964/19 |
Legítima defesa Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. |
Legítima defesa Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes.” |
Fonte: BRASIL, 2019
As excludentes da ilicitude consistem em normas permissivas, ou ainda tipos permissivos que excluem a antijuridicidade da conduta pelo fato de permitirem a prática de determinado fato típico. (SOUZA, 2016).
Vejamos o texto do artigo 23 do Código Penal.
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo (BRASIL, 1940).
Parte da doutrina, para a configuração das causas de justificação, existe a necessidade de conhecimento da situação justificante e a vontade da sua prática. Caso contrário, há um fato ilícito. (SOUZA, 2016).
A conduta, assim, para estar justificada, não requer o conhecimento pelo agente da situação justificante, sendo suficiente o seu reconhecimento pelo próprio ordenamento, o que não está a depender de qualquer coeficiente subjetivo daquele que pratica o fato. (SOUZA, 2016).
As causas de exclusão de ilicitude podem ser causas legais ou causas supralegais. As causas supralegais consistem naquelas não previstas em lei, porém que excluem a ilicitude, tendo em vista a aceitação da conduta pela sociedade. O art. 23 do Código Penal dispõe que não haverá crime quando o agente praticar o fato em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento do dever legal ou no exercício regular de direito.
Diz, ainda, o mesmo artigo que em qualquer dessas hipóteses o agente responderá pelo excesso doloso ou culposo. De acordo com o Código Penal o sujeito pode praticar um fato típico sem que tenha cometido delito. Isso ocorrerá quando o agente praticar uma conduta típica, mas amparado por uma dessas causas que excluirá a ilicitude de seu ato. (SOUZA, 2016).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, observou-se a importância do instituo da Legítima Defesa como meio de assegurar bens jurídicos fundamentais, que devem ser protegidos e garantidos pelo Estado, devido a sua relevância para manutenção da ordem jurídica e da paz social.
Foram analisadas as características de cada requisito a serem preenchidos no caso concreto, sendo imprescindível a presença de todos os elementos na conduta para caracterização da Legítima Defesa.
Este trabalho buscou demonstrar o afastamento da antijuridicidade do ato, uma vez que reconhecido a excludente de ilicitude da ação, admitindo-se a Legítima Defesa, inclusive, apresentando posicionamentos doutrinários e casos julgados pelos tribunais de justiça.
Ademais, apresentou-se a inclusão do parágrafo único do artigo 25 do Código Penal, através da Lei nº 13.964, de 2019, intitulada, então, de Pacote Anticrime, prevendo o legislador, aos agentes de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão à vítima mantida refém durante a prática de crimes, considerando-se, também, em legítima defesa.
Por fim, a presente pesquisa, ao aprofundar-se no tema da Legítima Defesa, demostrou a tamanha importância deste instituto no ordenamento jurídico brasileiro, na proteção dos bens jurídico fundamentais, na manutenção da ordem jurídica e da paz social.
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Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, VALDINEY DA. Legítima defesa no direito penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 dez 2022, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60707/legtima-defesa-no-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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