GUSTAVO ANTÔNIO NELSON BALDAN
(orientador)
RESUMO: Não é de hoje que o consumo de drogas faz parte da vida em sociedade, atualmente tal prática é tipificada no Artigo 28, da Lei 11.343/06 e seus dispositivos, sendo que referida lei também descreve a conduta que caracteriza o tráfico de drogas. O presente estudo apresenta por meio de artigos e materiais colhidos em meio eletrônico uma revisão sobre a relação entre o usuário de droga e o tráfico, bem como busca demonstrar a real relevância do Artigo 28 no âmbito social, tendo em vista as penas cominadas e seu caráter preventivo, baseado nas políticas públicas instituídas pela citada norma penal. Discute-se maneiras de diferenciar as condutas do usuário e do traficante, a fim de evitar desproporcionalidades e aplicação mais eficiente da lei em questão. Sob essa ótica a normal penal vigente sobre drogas destaca o cunho preventivo e ressocializador do usuário, enquanto o ânimo repressivo recai sobre a figura do traficante.
Palavras-chave: Artigo 28; usuário de drogas; tráfico de drogas.
O consumo de drogas ilícitas está cada vez mais presente no cotidiano do brasileiro, assim como o tráfico destes entorpecentes, já que onde há demanda é necessário ter a oferta.
Não é de hoje que o uso de drogas está presente na sociedade, uma vez que sempre esteve presente na humanidade, porém com o passar do tempo, diante das diversas descobertas, culturas e da evolução da ciência, novos tipos de drogas surgiram, outros sofreram alterações e por conta das consequências que as elas podem proporcionar, viu-se a necessidade de legislar sobre a temática.
Tanto o consumo de drogas ilícitas quanto a comercialização destas, estão tipificadas no ordenamento jurídico brasileiro. Atualmente vigora a Lei 11.343/06 que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), a qual prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Referida norma revogou a Lei 6368/76, alterando seus dispositivos, dentre eles destaca-se o Artigo 28, que regula sobre drogas para consumo pessoal, abolindo penas privativas de liberdade para tal conduta. A nova redação do tipo penal trouxe uma nova modalidade de sanção, para se punir os infratores desse dispositivo, no entanto, as normas do referido artigo têm sua eficácia bastante discutida, tanto no âmbito jurídico, quanto na sua relevância social, até mesmo porque, o consumo de entorpecentes está diretamente relacionado com o tráfico de entorpecentes.
A Lei 11.343/06, diferentemente se sua antecessora, se preocupa com a prevenção do uso indevido, bem como da ressocialização do usuário drogas e não só com a punição destes e dos que fornecem entorpecentes em desacordo com a legislação. A repressão antes era uma regra, sem distinção de traficantes e usuários, mas a nova lei veio a fim de distinguir o tratamento entres estes, punindo mais severamente os reais criminosos e proporcionando meios de recuperação àqueles usuários para que possam retomar a vida em sociedade de maneira digna.
Uma breve pesquisa realizada por meio da plataforma Google, a palavra droga é classificada pela Oxford Languages, como sendo “qualquer produto alucinógeno (ácido lisérgico, heroína etc.) que leve à dependência química e, p.ext., qualquer substância ou produto tóxico (fumo, álcool etc.) de uso excessivo; entorpecente.”.
O termo droga, segundo a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS) é qualquer substância não produzida pelo organismo que tem a propriedade de atuar sobre um ou mais de seus sistemas, produzindo alterações em seu funcionamento.
As drogas ainda são podem ser classificadas de acordo com sua legalidade segundo a legislação vigente, podendo ser lícitas, ou seja, têm seu comércio e consumo permitido por lei (álcool, tabaco, medicamentos, etc) ou ilícitas, sendo estas o foco do presente estudo, cujo comércio e consumo são proibidos por lei, como por exemplo, a maconha, crack, cocaína, bastante conhecidas na sociedade.
Desde seus primórdios, o homem faz uso de substâncias, ervas, etc, com a finalidades não alimentares, mas sim visando saciar desejos pessoais ou até mesmo gerar sensações prazerosas de forma a alterar seu estado psíquico.
O hábito de consumir drogas fez e faz parte de toda a sociedade, sem distinção de classe social e com o grande aumento do uso de entorpecentes que causam dependência, o legislador se viu na necessidade de criar normas a fim de frear o surto de drogas no país.
A primeira legislação específica sobre o uso de drogas ilícitas no Brasil foi o Decreto 11.481, de 10 de fevereiro de 1915, resultado das Convenções Internacionais do Ópio. Já em 1921, outro decreto acrescentou drogas no rol de substâncias proibidas e durante o Estado Novo, em 1938, foi outorgado o Decreto-Lei nº 891, que inaugurou um período de recrudescimento e combate ao tráfico de drogas, com ações de fiscalização.
O Código Penal de 1941, em sua redação original cominava em seu artigo 281 a pena privativa de liberdade para a posse de substância entorpecente, sem distinguir se seria ou não para uso pessoal, aplicando pena privativa de liberdade para todos que se enquadrassem na referida conduta.
Em 1976, a norma jurídica que de fato que regulamentou sobre drogas, foi a Lei 6.368, que assim trazia em sua ementa: Dispõe sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica, e dá outras providências”, inovando em sua redação. Dentre outras diferenças, a citada lei trazia a figura do traficante em seu artigo 12:
Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamenta:
Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
Já o usuário, ou seja, aquele que mantinha em sua posse drogas para consumo pessoal tinha sua conduta descrita no artigo 16 da seguinte forma:
Art. 16. Adquirir, guardar ou trazer consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - Detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e pagamento de (vinte) a 50 (cinqüenta) dias-multa.
Após a redemocratização do Brasil, em 1988, a nova Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLIII deu status equiparado ao de crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia ao tráfico de drogas.
Somente dezoito anos depois, por meio da publicação da Lei 11.343 de 2006, é que a Lei 6.368 de 1976 foi revogada, passando por alterações fundamentais, criando políticas nacionais de combate ao tráfico de drogas e de tratamento dos dependentes químicos de forma única e diferenciou mais profundamente as figuras do “usuário de drogas” tornadas ilícitas e do traficante, sendo a mais significativa das mudanças, a ausência de pena privativa de liberdade em relação ao agente que porta a droga destinada ao seu consumo pessoal.
Referida norma é a que vigora até os dias de hoje, sendo que a figura do traficante está descrita em seu artigo 33, trazendo dezoito núcleos, como se pode ver:
Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.
O artigo 28, da Lei 11.343/06, o qual dispõe sobre drogas para consumo pessoal, passa a trazer cinco núcleos e não mais três como na legislação anterior:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I – advertência sobre os efeitos das drogas;
II – prestação de serviços à comunidade;
III – medida educativa de comparecimento ou curso educativo.
Como se pode ver no dispositivo acima, não se tipifica a conduta de “usar droga”, mas sim o porte e apesar das alterações trazidas pela legislação vigente, as discussões relacionadas ao tráfico e ao uso de entorpecentes ainda permanecem em pauta.
4 DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL E O TRÁFICO DE DROGAS
Como já vimos anteriormente, a atual Lei de Drogas distingue em seu texto, mais precisamente em seus artigos 28 e 33, as figuras do “usuário de drogas”, de forma indireta, descrevendo o porte de drogas para consumo pessoal, e do traficante, respectivamente, no entanto, a linha separa as duas condutas é tênue. Analisando os mencionados artigos, observamos certa semelhança entre eles, já que alguns núcleos destes dispositivos são parecidos. O artigo 33, como já evidenciado, possui consideravelmente mais núcleos que o artigo 28, porém ambos possuem os verbos “transportar”, “guardar”, “adquirir”, “trouxer consigo” (art. 28) ou “trazer consigo” (art. 33) etc, o que diferencia referidas condutas é o objetivo com que se pratica tais ações, cuja finalidade é expressamente trazida no caso do artigo 28: “para consumo pessoal”, caracterizando, portanto, o usuário de drogas, uma vez que o a finalidade do agente em portar a droga é consumi-la, tanto é que se flagrado logo após o uso, ainda que sob efeito da mesma, não há que se falar em crime.
Para Bertolote (1997), os padrões do uso de drogas correspondem aos graus de interação que os usuários mantêm com as substâncias auto administradas, tendo em vista as consequências advindas do uso. Assim, os padrões de uso de drogas são utilizados para identificar tipos diferentes de usuários e tipos diferentes de consumo, classificados a partir do contexto interacional havido entre o consumidor e a substância, bem como considerando o propósito a que se volta o ato do uso.
A literatura especializada, reconhecida pela OMS classifica o usuário de drogas em cinco padrões, sendo eles: uso experimental, uso recreativo, uso controlado/social/funcional, uso nocivo/abuso e dependência.
O padrão de uso experimental refere-se aos primeiros contatos que um usuário tem com a droga, ou a um padrão de consumo extremamente infrequente ou inconstante.
No padrão recreativo (ou recreacional), o usuário utiliza drogas em contextos sociais festivos ou relaxantes, geralmente em grupos. A finalidade imediata do uso associa-se com momentos de lazer e descontração. Este nível não implica dependência e não traz problemas fisiológicos, psíquicos ou sociais ao consumidor. Está normalmente relacionado com o consumo de drogas ilícitas.
O padrão controlado (também conhecido como social ou funcional) refere-se ao uso de drogas com regularidade, mas sem compulsão, geralmente em circunstâncias socialmente aceitáveis e, por vezes, em companhia de outras pessoas. O uso controlado de drogas não afeta o funcionamento normal do indivíduo nem leva à dependência, não comprometendo a possibilidade de redução da frequência de consumo
O uso nocivo de drogas (também chamado de abuso) e a dependência, por importarem consequências lesivas ao organismo do usuário, suscitam diversas abordagens por parte dos estudos na seara das ciências da saúde e demandam uma análise mais detida.
Murad (2007), ainda acrescenta um padrão de usuário que tem íntima relação com o presente estudo. Trata-se do usuário traficante: aquele usuário que também trafica, ou seja, que assim procede por uma série de razões com o objetivo de conseguir recursos para manter a sua própria dependência e o status no seio do grupo ou obter prestígio. Ocorre até mesmo por certa tendência psicológica comum em certos tipos de indivíduos que têm prazer em envolver outros em seus problemas, frustrações e desgraças.
No que tange a linha tênue que diferencia a figura do usuário e do traficante, apesar da distinção trazida pela atual lei que regula sobre drogas ilícitas, um ponto que ainda é alvo de críticas da referida norma é que a diferenciação acima citada é feita pelo Delegado de Polícia ou pelo Juiz, de forma bastante subjetiva, o que leva a jurisprudência a tentar unificar e padronizar os critérios para evitar desproporcionalidades sistêmicas.
O artigo 28, da Lei 11.343/06, traz em seu parágrafo segundo a seguinte redação:
§ 2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
Nota-se a intenção do legislador de pormenorizar a conduta do agente que se enquadraria no referido dispositivo penal, porém, na prática, isso não é o bastante para distinguir de forma objetiva o usuário do traficante em si.
Para Gomes (2006), a lei permaneceu com a noção de que a distinção entre usuário e traficante somente pode ser aferida de acordo com a hipótese concreta, levando-se em consideração a natureza da droga, a sua quantidade, o modo de vida do agente e demais características.
A contribuição do usuário é consumir o que os traficantes vendem, sendo estes, segundo a lei, os verdadeiros criminosos, os quais trabalham em várias frentes como produção, venda, incitação, estes crimes passíveis de punição segundo o ordenamento jurídico vigente.
Ainda acerca da relação do “usuário de drogas” com o tráfico, a Lei 11.343/06 tipifica no terceiro parágrafo de seu artigo 33 o consumo compartilhado, que pode se confundir de maneira mais gravosa com o “caput” do referido artigo, ou ainda de forma mais branda com o artigo 28, no entanto, mais uma vez somente o Delegado ou Juiz poderá decidir no caso concreto o enquadramento da conduta. A redação do mencionado dispositivo assim se dá:
§ 3º Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.
Assim, Perine (2018) entende que em sendo os tipos penais que definem os delitos muito próximos (art. 33, caput e 33, §3º, além do art. 28º da Lei 11.343/2006), a diferença entre as figuras penais recai na forma da prisão/apreensão (natureza, local, objetos apreendidos, circunstâncias, quantidade), e, especialmente, no elemento subjetivo do tipo diverso do dolo, isto é, se subjetivamente a droga apreendida em posse destinava-se ao compartilhamento com pessoas do relacionamento sem objetivo de lucro ou a traficância.
Destaca-se também que a conduta do parágrafo terceiro é competência do JECRIM, assim como a do artigo 28 e, consoante texto de lei, as penas cominadas no citado artigo também podem ser aplicadas ao agente ativo.
A atual lei de drogas, além de trazer diversas mudanças quanto aos crimes e penas relacionadas à posse, mercancia, fabricação, cultivo, preparação, dentre outras condutas envolvendo drogas ilícitas, também instituiu o SISNAD (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas), apontando sua finalidade já no artigo 3º, conforme a seguinte redação:
Art. 3º O Sisnad tem a finalidade de articular, integrar, organizar e coordenar as atividades relacionadas com:
I - a prevenção do uso indevido, a atenção e a reinserção social de usuários e dependentes de drogas;
II - a repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas.
A Política sobre Drogas, por força dos acordos internacionais, dos quais o Brasil é signatário, é constituída por um conjunto de eixos e subeixos, que se constituem como alicerces da política, a saber: I – redução da demanda: prevenção, promoção à saúde, cuidado, tratamento, acolhimento, apoio, mútua ajuda e reinserção social; II – gestão: incluídas as ações de estudo, pesquisa, avaliação, formação e capacitação; gestão de ativos; III – redução da oferta: incluídas as ações de segurança pública, defesa, inteligência, regulação de substâncias precursoras, de substâncias controladas e de drogas lícitas, repressão da produção não autorizada, de combate ao tráfico de drogas, à lavagem de dinheiro e crimes conexos, inclusive por meio da recuperação de ativos que financiem ou sejam resultados dessas atividades criminosas.
É evidente o caráter preventivo da legislação atual sobre drogas, pois além das políticas públicas sobre drogas propostas pelo SISNAD, conforme Couto e Silva (2015), observa-se a despenalização do artigo 28 da referida norma, uma vez que foi abolida a pena privativa de liberdade ao usuário surpreendido na posse de drogas. Ainda segundo eles, o legislador seguiu a tendência internacional, fazendo com que o Estado dispensasse ao usuário um tratamento preventivo e terapêutico em substituição à antiga linha repressiva e prisional.
Bernardi Júnior (2014) entende que a atual lei, ao invés da punição anterior trouxe mudanças observadas em seu artigo 28, como advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programas ou curso didáticos, ou seja, o usuário no Brasil hoje é tratado como caso patológico e não um criminoso, sendo passivo de tratamentos para recuperação.
Segundo Paiva e Rodrigues (2015), no crime previsto no artigo 28, da Lei 11.343/06, há quem alegue a ocorrência da violação do princípio da alteridade, afinal, quem usa drogas prejudica tão somente a si mesmo, o que não justificaria uma intervenção repressiva do Estado mas esse não é o entendimento majoritário no âmbito jurídico, vez que a finalidade da norma é coibir a circulação das drogas, sua disseminação e o perigo social que estas representam. Desse modo, entende-se que o objeto jurídico do artigo 28 é a saúde pública e não o usuário de drogas.
Nesse sentido, ressalta-se o entendimento do renomado jurista Fernando Capez:
“Proíbe a incriminação de atitude meramente interna do agente e que por essa razão, só faz mal a ele mesmo e a mais ninguém. Sem que a conduta transcenda a figura do autor e se torne capaz de ferir o interesse do outro (altero), é impossível ao Direito Penal pretender puni-la. O princípio da alteridade impede o Direito Penal de castigar o comportamento de alguém que está prejudicando apenas a sua saúde e interesse. Com efeito, o bem jurídico tutelado pela norma é sempre o interesse de terceiros, de forma que seria inconcebível, por exemplo, punir-se um suicida malsucedido ou um fanático que se açoita. É por isso que a autolesão não é crime, salvo quando houver intenção de prejudicar terceiros, como na autoagressão cometida com o fim de fraude ao seguro, em que a instituição seguradora será vítima de estelionato (art. 171, § 2º, V, do CP). No delito previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, poder-se-ia alegar ofensa a esse princípio, pois quem usa droga só está fazendo mal à própria saúde, o que não justificaria uma intromissão repressiva do Estado (os usuários costumam dizer: “se eu uso droga, ninguém tem nada haver com isso, pois o único prejudicado sou eu”). Tal argumento não convence. A lei em estudo não tipifica a ação de “usar a droga”, mas apenas o porte, pois o que a lei visa é coibir o perigo social representado pela detenção, evitando facilitar a circulação da droga pela sociedade, ainda que a finalidade do sujeito seja apenas a de consumo pessoal. Assim, existe transcendentalidade na conduta e perigo para a saúde da coletividade, bem jurídico tutelado pela norma do art. 28”. (CAPEZ, 2006, p. 755)
Os movimentos de descriminalização das drogas ilícitas crescem com o passar dos anos, tendo hoje no Brasil ações que questionam a constitucionalidade do uso e/ou da criminalização das drogas no Brasil, não tendo ainda um veredito definitivo nessa seara jurídica.
O tema abordado evidenciou que o consumo de drogas pelo homem já era uma prática comum desde seus antepassados e com o passar do tempo foi se tornando um hábito cada vez mais presente na sociedade, bem como novas drogas forma surgindo, sendo necessária intervenção do Estado para frear a disseminação dessas substâncias entorpecentes.
O aparelho estatal foi se adaptando às novas realidades relacionadas ao consumo e ao tráfico de drogas por meio de leis que foram surgindo e sofrendo alterações conforme a realidade temporal.
Ao longo do tempo, o legislador procurou tentar separar em seu ordenamento jurídico as figuras do “usuário”, como sendo aquele que porta a droga para consumo pessoal e do traficante em si, no entanto, ainda há discussões quanto à definição do enquadramento da conduta do agente ativo, pois ainda que a lei o descreva, no caso concreto há diversos fatores objetivos e subjetivos a serem analisados pelas autoridades competentes.
O presente estudo destacou ainda a íntima relação entre o “usuário de droga”, em seus variados padrões de uso, e o tráfico de entorpecentes, já que a princípio sem um, o outro não existiria. Apesar da discrepância quanto às penas a serem aplicadas de acordo com o dispositivo penal, muitas das vezes, na prática, as figuras do usuário e traficante acabam se confundindo, ocorrendo inversões no amoldamento das condutas praticadas, acarretando enorme desproporcionalidade quanto às consequências penais que recaem sobre o indivíduo.
Cabe salientar que na legislação atual sobre drogas, ficou demonstrada que o objeto jurídico é a saúde pública, tanto é que por meio dela institui-se o SISNAD, apresentando um caráter mais preventivo, por meio de políticas públicas, focado na educação, tratamento e ressocialização daqueles que estejam envolvidos com o consumo drogas. Isso fica ainda mais nítido quando as penas aplicadas a quem for flagrado em posse de drogas para consumo pessoal deixaram de ser privativas de liberdade, enquanto o caráter repressivo ficou voltado à figura do traficante.
BERTOLOTE, José Manoel. Problemas sociais relacionados ao consumo de álcool. In: RAMOS, S. P. (Org.). Alcoolismo hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
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BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol., 1, Saraiva Jur. 26ª edição. 2020. Disponível em <https://professor.pucgoias.edu.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/17637/material/Direito%20Penal%20I%20-%20Cesar%20Roberto%20Bitencourt.pdf>. Acesso em 15 out. 2022.
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Graduando em Direito pela Universidade Brasil, campus de Fernandópolis/SP. Funcionário Público Estadual - Estado De São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NAKANO, RAFAEL SEIJI DE CASTRO. A relação do Artigo 28, da Lei 11.343/06 com o tráfico de drogas e sua relevância social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60719/a-relao-do-artigo-28-da-lei-11-343-06-com-o-trfico-de-drogas-e-sua-relevncia-social. Acesso em: 22 nov 2024.
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