RESUMO: O presente trabalho tem por escopo analisar e apontar possíveis motivos que podem levar a instauração de uma crise na empresa, bem como, os princípios levados em consideração para instauração do processo de recuperação judicial. Busca-se ainda, defender a aplicação de sanções mais rigorosas pelo descumprimento do plano de recuperação judicial às empresas que obtiverem a aprovação e concessão do respectivo pedido, e resistirem ao término do prazo de dois anos do regime de recuperação previsto no artigo 61, caput da lei 11.101/05, e que após esse prazo, descumprirem as obrigações contraídas no plano de recuperação judicial. Contudo, o fundamento da presente crítica, está calcado no prejuízo dos credores que invariavelmente, nesse caso em específico de deságio, não terão os seus créditos constituídos nas condições originalmente contratados, fato que caracteriza uma evidente vantagem para empresa devedora e irreparável prejuízo a todos os credores que ainda não tiveram satisfeitos todos os seus créditos. O objetivo dessa pesquisa é apontar uma falha legislativa no que tange ao descumprimento do plano após o período específico do devedor que se encontra em regime de recuperação judicial, pois oportuniza ao mesmo, o pagamento do saldo devedor baseado no crédito novado e afasta a possibilidade do credor em reconstituir seus créditos nas condições originalmente contratados.
Palavras chave: crise na empresa; recuperação judicial; falta de penalidades.
ABSTRACT: The scope of this paper is to analyze and point out possible reasons that may lead to the onset of a company crisis, as well as the principles are taken into consideration for the onset of the judicial reorganization process. It also seeks to defend the application of stricter sanctions for non-compliance with the judicial reorganization plan to companies that obtain approval and is granted the respective petition and resist the expiration of the two-year term of the rehabilitation regime provided for in article 61, the main section of law 11.101/05, and that after this term, fail to comply with the obligations contracted in the judicial rehabilitation plan. However, the basis of this criticism is based on the loss of creditors who invariably, in this specific case of discount, will not have their credits constituted under the conditions originally contracted, a fact that characterizes a clear advantage for the debtor company and irreparable damage to all creditors who have not yet had all their credits satisfied. This research aims to point out a legislative flaw regarding the non-compliance with the plan after the specific period of the debtor that is under judicial reorganization since it allows the debtor to pay the debit balance based on the novated credit and eliminates the possibility of the creditor reconstituting its credits in the originally contracted conditions.
Key words: company crisis; judicial reorganization; lack of penalties.
1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por objetivo fazer uma breve explanação sobre os motivos da instauração de uma crise em determinada empresa, e também, os princípios que devem ser observados para preservação da empresa em apuros, bem como, a violação desses princípios.
A argumentação desse trabalho está voltada à defesa da incidência de penalidades para as empresas que obtiveram o benefício da recuperação judicial e superaram o término do prazo de dois anos, e que após o término desse prazo, descumpriram o previsto no respectivo plano de recuperação judicial, violando os princípios da preservação da empresa e da função social da mesma.
2.INSTAURAÇÃO DA CRISE NA EMPRESA
Atualmente pode-se afirmar de maneira geral, que vivemos uma fase de constantes mudanças sejam elas econômicas, tecnológicas, políticas, entre outras, onde se renovam constantemente os hábitos que influenciam significativamente no comportamento de consumo das pessoas e na economia em geral.
Essa constante mudança nos hábitos dos consumidores, impõe às empresas uma frequente fase de transformação e adaptação, a fim de satisfazer os desejos consumeristas dos usuários, tornando as mesmas, cada vez mais competitivas e agressivas no mercado de uma forma em geral.
Tais mudanças repentinas, exigem dos dirigentes e acionistas que identifiquem no mercado essas vicissitudes e interfiram de forma relevante e eficiente para a adaptação da empresa, nesse novo contexto de consumo.
A título exemplificativo, uma mudança na forma de consumo que certamente já causou significativas mutações de como determinadas empresas tiveram que se adaptar as alomorfias consumeristas é o comércio eletrônico, o qual rompeu barreiras tornando- se extremamente competitivo e eficiente em relação as empresas que atendem somente por meio de lojas físicas.
Com certeza o comercio eletrônico, oportunizado pela popularização dos meios de conexão à internet, proporciona um acesso amplo a inúmeros produtos aos consumidores, sem a necessidade de sair de casa, principalmente em tempos de pandemia, em que a necessidade de se manter em isolamento, acelerou ainda mais essa tendência mundial.
Invariavelmente, denota-se que na maioria dos casos uma crise instaura-se nas empresas por consequência das transformações tecnológicas e de consumo aplicadas no mercado e que não foram tempestivamente observadas pelos dirigentes e acionistas da empresa, ensejando dessa forma, na instauração de uma crise.
Nessa esteira aponta Tomazette:
O empresário que pede recuperação judicial reconhece estar passando por uma crise econômico-financeira, mas entende ser possível superar essa crise e manter a atividade em funcionamento. Para tanto, haverá um plano de recuperação judicial que indicara as medidas necessárias para a superação dessa crise, abarcando as obrigações que o devedor diz ter condições de cumprir. A adoção das medidas dependera do consentimento da massa de credores, vale dizer, os credores consentem com as medidas do plano de recuperação judicial, dando um voto de confiança ao devedor para manter a atividade em funcionamento. (TOMAZETTE, 2017, p. 415).
Assim, destaca Coelho:
Nem toda falência é um mal. Algumas empresas, porque são tecnologicamente atrasadas, descapitalizadas ou possuem organização administrativa precária, devem mesmo ser encerradas. Para o bem da economia como um todo, os recursos – materiais, financeiros e humanos – empregados nessa atividade devem ser realocados para que tenham otimizada a capacidade de produzir riqueza. Assim, a recuperação da empresa não deve ser vista como um valor jurídico a ser buscado a qualquer custo. Pelo contrário, as más empresas devem falir para que as boas não se prejudiquem. Quando o aparato estatal é utilizado para garantir a permanência de empresas insolventes inviáveis, opera-se uma inversão inaceitável: o risco da atividade empresarial transfere-se do empresário para os seus credores (COELHO, 2016, p. 225).
Desta forma, Coelho conclui que nem toda empresa em crise, mesmo preenchendo os requisitos objetivos da recuperação judicial, possui organização administrativa capaz e suficiente para afastar uma crise instaurada na empresa, pois os agentes empresariais demonstram-se lentos e atrofiados diante das mudanças de mercado, no passo em que essa mesma empresa não merece ser beneficiada pelo instituto da recuperação judicial.
3.RECUPERAÇÃO JUDICIAL COMO SOLUÇÃO DA CRISE
Primeiramente é profícuo estabelecer como premissa do instituto da recuperação judicial, que a própria empresa devedora é o sujeito ativo do pedido de recuperação judicial, trata-se de um ato ou declaração de vontade unilateral da empresa devedora, a qual provoca o Estado-juiz para se submeter a um processo de recuperação da empresa em crise ao controle judicial, sem causar prejuízo para as deliberações dos credores no que lhes couber.
Como uma forma de solução para eventuais crises econômicas e financeiras, o advento da Lei 11.101/2005, também conhecida como a Lei de Falências, determina que se possa ser analisada como uma possibilidade jurídica de não se extinguir determinadas atividades empresárias, a fim de oportunizar a essas empresas uma nova chance de reorganizar suas estruturas econômicas abaladas pela crise, para eventualmente retomar o equilíbrio econômico e financeiro.
Assim analisa Fazzio Junior:
A atividade empresarial afeta o mercado e a sociedade. O modo de produção econômica, no sistema capitalista, é determinante das demais instâncias sociais. Por isso, o interesse de agir nos processos regidos pela LRE reside na necessidade de um provimento judiciário para deslindar não só a crise econômico- financeira de um empresário, mas toda espécie de relações daí decorrentes e suas repercussões sociais. (JUNIOR, 2016, p. 562).
Contudo, o intuito do instituto da recuperação judicial é demonstrar que com a promulgação da Lei 11.101/2005, que por sua vez não tem por único e simples objetivo a finalidade de salvar uma empresa em crise, mas sim, que seu escopo principal é o de proteger o interesse legítimo de todos aqueles que de uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, são os beneficiados desta atividade empresária em crise.
Em resumo, a lei recuperacional objetiva algo que vai além do interesse próprio da empresa para sair da crise, ao passo em que ao ser efetivamente aplicado o plano de recuperação judicial, este se converge em desenvolvimento econômico e social para o país, ou seja, a norma legal de recuperação busca albergar o princípio da função social desempenhada pela empresa.
Nessa esteira, conforme dispõe o artigo 47, da Lei 11.101/2005:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica (artigo 47 da Lei 11.101/2005).
Nessa órbita, como dispõe a Lei 11.101/2005, as empresas não podem a bel prazer requerer o benefício da recuperação judicial, assim, para se obter essa benesse, a empresa em crise deve demonstrar a viabilidade de sua manutenção, com a apresentação de um plano de recuperação judicial capaz de vencer a crise, bem como, deve preencher os requisitos legais previstos em na lei recuperacional.
Por conseguinte, os requisitos legais para o deferimento do juiz ao plano de recuperação judicial da emprese me crise, estão previstos no artigo 48, da Lei 11.101/2205, quais sejam:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
§ 1o A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.
§ 2o Tratando-se de exercício de atividade rural por pessoa jurídica, admite-se a comprovação do prazo estabelecido no caput deste artigo por meio da Declaração de Informações Econômico-fiscais da Pessoa Jurídica – DIPJ que tenha sido entregue tempestivamente (artigo 48 Lei 11.101/2005).
Assim, conforme o mencionado no art. 48, da lei 11.101/2005, observa-se que a efetiva vontade do legislador com o advento da Lei de recuperação judicial, ao tentar resgatar a empresa em crise, foi a de dar proteção ao interesse legítimo da coletividade.
4.PRINCÍPIOS OBSERVADOS NA FASE DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Pode-se conceituar esse instituto da recuperação judicial, como um procedimento legal adotado por determinada empresa, que vivencia uma situação de crise econômica vista primeiramente como uma crise temporária, por meio do qual busca-se a superação da crise e a consequente proteção de princípios como o da preservação da empresa.
Pertinentemente, com esse instituto jurídico pelo qual se visa por meios legítimos, preservar a atividade empresarial para manutenção da fonte produtora de receitas, fonte de renda dos trabalhadores e a preservação dos interesses dos credores, se tem por consequência, o atendimento ao princípio da função social da empresa que se encontra, por hora, em recuperação judicial.
Assim, o princípio da função social da empresa é um importante princípio albergado pela Lei 11.101/05, que ao tratar da recuperação judicial da empresa em crise, o supracitado princípio, previsto no artigo 5º, XXIII da Constituição Federal de 1988, é reconhecido expressamente pela Constituição Federal de 1988, como um dos princípios basilares da ordem econômica nacional.
Demais disso, nos exatos termos do art. 5º, caput, e inciso XXIII, Constituição Federal de 1988:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXIII - a propriedade atenderá a sua funçãosocial; (Constituição Federal, 1988).
Nesse sentido, o papel desempenhado pelas empresas na sociedade deve ser respectivamente proporcional a sua condição de empreendimento, ou seja, ela deve ser vista como um meio fundamental no que tange a construção de uma sociedade mais igualitária e equilibrada financeiramente, fornecendo empregos com salários dignos, proporcionando oportunidades de geração de renda para outras empresas, ao efetuar suas compras, recolhendo impostos ao Estado que serão convertidos em benefícios para população em geral.
De fato, expõe Coelho:
A mais importante peça do processo de recuperação judicial é o plano de recuperação judicial (ou de “reorganização da empresa”). Depende exclusivamente dele a realização ou não dos objetivos associados ao instituto, quais sejam, a preservação da atividade econômica e o cumprimento de sua função social. Se o plano de recuperação é consistente, há chances de a empresa se reestruturar e superar a crise em que mergulhar. (COELHO, 2016, p. 208).
Enfim, o referido instituto, busca manter a função social precípua das empresas, que por sua vez fazem a roda da economia girar, ou seja, essas premissas servem como funções básicas desses empreendimentos que devem ser consideradas na hipótese de deferimento da recuperação judicial pelo juízo recuperacional.
Nessa órbita, existem inúmeras razões benéficas de ordem econômica e social a serem consideradas para concessão da recuperação judicial da empresa em crise, e que devem ser consideradas na sua melhor forma como instituidora de empregos e pagadora de impostos que atendem aos interesses da coletividade, e que vão além das pretensões dos credores e até mesmo do seu próprio interesse de negócio, ou seja, a empresa em efetivo funcionamento atende acima de tudo ao interesse público.
5. DESCUMPRIMENTO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL APÓS O PERÍODO REGIME ESPECÍFICO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Um dos primórdios objetivos da recuperação judicial é evitar a falência. Todavia não havendo a satisfação das obrigações assumidas no plano de recuperação judicial, o legislador incisivamente elencou nos incisos do artigo 73 da Lei 11.101/05, algumas possibilidades de decretação da falência durante o processo de cumprimento do plano de recuperação judicial.
Dessa forma expõe o art. 73, da Lei 11.101 de 2005:
Art. 73. O juiz decretara a falência durante o processo de recuperação judicial:
I – por deliberação da assembleia-geral de credores, na forma do art. 42 desta Lei;
II – pela não apresentação, pelo devedor, do plano de plano de recuperação no prazo do art. 53 desta Lei;
III – quando não aplicado o disposto nos §§ 4º, 5º e 6º do art. 56 desta Lei, ou rejeitado o plano de recuperação judicial proposto pelos credores, nos termos do § 7º do art. 56 e do art. 58-A desta Lei.
IV – por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação, na forma do art. 61 desta Lei;
V – por descumprimento dos parcelamentos referidos no art. 68 desta Lei ou da transação prevista no art. 10 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002; e
VI – quando identificado o esvaziamento patrimonial da devedora que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, inclusive Fazendas Públicas.
(...). (Art. 73, Lei 11.101/2005).
Em especial o inciso IV, do artigo 73 da Lei 11.101 de 2005, o qual trata da possibilidade de convolação em falência do devedor que obteve a concessão da recuperação judicial e no período dos próximos dois anos após a concessão do pedido, “quando está em regime de recuperação judicial”, descumprir qualquer obrigação assumida no respectivo plano de recuperação.
Uma vez obtida a concessão da recuperação judicial, resta demonstrado que a empresa devedora recebeu um voto de confiança dos seus credores, bem como, por consequência, a empresa devedora será beneficiada por esse voto de confiança, com a dilatação de prazos e abatimentos nos saldos devedores que serão objetos de novação, momento em que absorve um dever de reciprocidade com os credores pela confiança cedida.
Dessa forma expõe Fazzio Junior:
Isso não impede que qualquer credor requeira a falência do devedor se este descumprir qualquer obrigação integrante do plano aprovado. Aliás, o descumprimento de encargo assumido pelo devedor no plano já autoriza o juiz, independentemente de provocação, a convolar a recuperação judicial em falência. Se isso ocorrer, os credores terão seus direitos e garantias constituídos nas condições originais, com a dedução dos valores por ventura recebidos e ressalvada a validade dos atos praticados durante a recuperação judicial. (JUNIOR, 2016, p. 614).
No tocante, a empresa que descumprir qualquer uma das obrigações previstas no plano de recuperação judicial, desde logo estará se sujeitando as íras do artigo 73, IV, o qual prevê nesse caso, a possibilidade de convolação do plano de recuperação judicial em falência, que será decretada pelo juiz da causa falimentar.
Nota-se, que a força normativa concebida pelo legislador ao artigo 73, IV, da Lei 11.101 de 2005, astuciosamente faz incidir uma sanção ao devedor pelo descumprimento de qualquer uma das obrigações assumidas no plano de recuperação judicial.
Dessa forma, enquanto o referido plano estiver em fase de cumprimento, ele protege ao mesmo tempo os direitos dos credores, prevendo a reconstituição de seus direitos e garantias nas condições originalmente contratadas em caso de violação do proposito firmado.
Assim, o artigo 73, inciso IV, da Lei 11.101 de 2005, comunica que durante a fase de cumprimento do plano de recuperação judicial, este possui dois vieses, o primeiro viés refere-se à convolação do plano de recuperação apresentado em falência em caso de descumprimento do proposito tratado, o qual se traduz em um caráter punitivo para a empresa pelo seu inadimplemento ao plano.
Ademais, o segundo viés, refere-se ao benefício ao devedor de reconstituição dos direitos e garantias do credor nas condições originalmente contratadas, o qual traduz o caráter protetivo aos direitos do credor.
Demais disso, expõe Tomazette:
Dentro dessa perspectiva, o devedor terá que cumprir as obrigações previstas no plano, sob pena de se quebrar a confiança depositada nele. Ademais, esse descumprimento das obrigações é suficiente para denotar a impossibilidade de superação da crise, isto é, é suficiente para fazer presumir uma insolvência irremediável do devedor. Desse modo, o descumprimento das obrigações previstas no plano de recuperação judicial também representa um ato de falência. (TOMAZETTE, 2017, p. 415).
Porém, todavia, é profícuo salientar que nem todos os planos de recuperação judicial conseguem abranger o cumprimento das obrigações no prazo máximo concedido de dois anos, conforme previsto no artigo 61, caput da Lei 11.101/05.
Assim, muitas vezes o próprio fator crise pela qual passa o devedor, não permite a aprovação e o respectivo cumprimento do plano de recuperação judicial nesse prazo, que é de certa forma exíguo, permitindo-se assim o cumprimento da obrigação em prestações continuadas que excedem o período, sendo esse, o principal motivo pelo qual na maioria dos casos de recuperação de uma crise empresarial, o que se tem, são prazos mais dilatados podendo facilmente ultrapassar o prazo total de dois anos previstos em lei.
Nessa hipótese, não havendo a convolação do plano de recuperação judicial em falência, dentro do prazo legal de dois anos estipulado para o cumprimento do respectivo plano, as obrigações nele assumidas pelo devedor e que não foram quitadas no respectivo prazo permanecem ativas.
Portanto, essas obrigações que permanecem, por sua vez, poderão ser exigidas em seu vencimento por qualquer um dos credores de acordo como o estabelecido no referido plano de recuperação judicial, e também, estes valores poderão exigir seu cumprimento por meio de execução específica, ou ainda, o credor poderá requerer a falência do devedor com base no disposto do artigo 94 da Lei 11.101/05.
Contudo, no caso de impontualidade injustificada do devedor após o biênio recuperatório, não há qualquer previsão legislativa no sentido de reconstituição dos direitos e garantias do credor nas condições originalmente contratadas.
No tocante, conclui Tomazette:
Os credores prejudicados pelo descumprimento do devedor posterior a esse período de dois anos podem buscar apenas o cumprimento das obrigações assumidas no plano, mas inadimplidas. (TOMAZETTE, 2017, p. 416).
Nessa hipótese ao que parece, os critérios formais da lei invertem-se passando de certa forma a influir no sentido de desonerar o devedor do ônus do pagamento do valor da dívida inicial anterior ao plano, e que levou a recuperação judicial do devedor, aplicando-se o valor novado favorável a este.
Por outro lado, o legislador ordinário buscou extirpar, de certa forma, os direitos e garantias do credor que estão preservadas na sua forma originária até essa fase, e que posteriormente ao biênio recuperatório, deve arcar com o valor do deságio novado que foi acordado no momento da adesão ao plano recuperacional.
Dessa forma, facultar ao credor a possibilidade de requerer a execução específica do título judicial novado dando início à execução concursal ou de requerer a falência do devedor, por si só não significa proteção ao seu interesse financeiro e econômico como protegidos e estabelecidos anteriormente pela lei.
Por consequência, na medida em que tal situação traduz vantagem unicamente ao devedor, que mesmo tendo que adimplir a obrigação por força da execução, agora não sofre a penalidade da reconstituição das garantias na forma originalmente contratadas, estando obrigada apenas ao adimplemento do saldo devedor do valor novado mesmo havendo passivo suficiente para satisfação de todos os créditos em sua forma e valores originalmente contratados.
Para uma visão mais clara e apropriada sobre essa crítica à legislação, merece análise do julgado da data de 31/01/2018 da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná publicada pelo acórdão 1691057-3, quando na ocasião analisou-se o descumprimento do plano de recuperação judicial da empresa recuperanda Insol Intertrading do Brasil Indústria e Comércio S/A, a qual deixou de adimplir com a obrigação assumida no respectivo plano de recuperação junto à credora América Corretora de Mercadorias SS Limitada e que foi condenada ao pagamento do valor previsto na novação.
Ementa: Apelação Cível nº 1.691.057-3, da Comarca de Ponta Grossa ¬ 2ª Vara Cível. Apelante: Insol Intertrading do Brasil Indústria e Comércio S/A. Apelada: América Corretora de Mercadorias SS Limitada. Relator: Des. Lauri Caetano da Silva recuperação judicial. Crédito incluído no quadro geral de credores. Descumprimento do plano de recuperação judicial. Credor que ajuíza ação de execução específica do crédito reconhecido pelo administrador judicial e não impugnado pela sociedade empresária recuperanda. Embargos à execução. Pedido julgado improcedente. Recurso desprovido. O credor admitido na recuperação judicial pode promover a execução específica desse crédito quando ocorre o descumprimento do plano.
Processo: 16910573. Acórdão: 71763. Fonte: DJ:2209
Data Publicação: 28/02/2018 Órgão Julgador: 17ª Câmara Cível. Data Julgamento: 31/01/2018.
Conforme extraído do presente julgado, a obrigação originalmente contratada pela devedora foi R$ 110.271.71 (cento e dez mil, duzentos e setenta e um reais, e setenta e um centavos), dos quais a devedora antes de pedir a recuperação judicial pagou a importância de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), restando um saldo devedor na ordem de R$ 60.271.71 (sessenta mil, duzentos e setenta e um reais, e setenta e um centavos).
Diante do pedido de recuperação judicial concedido, o valor de R$ 60.271.71 (sessenta mil, duzentos e setenta e um reais, e setenta e um centavos) foi novado por R$ 37.659,52 (trinta e sete mil, seiscentos e cinquenta e nove reais, e cinquenta e dois centavos), ou seja, a empresa credora despendeu um deságio de R$ 22.612.19 (vinte e dois mil, seiscentos e doze reais, e dezenove centavos) do valor total do seu crédito inicial para se ter a aprovação do plano de recuperação judicial da empresa devedora, que, no entanto, de maneira mediata locupletou-se com a vantagem obtida pela novação, sendo assim, o credor teve que arcar com o valor do deságio.
Fica evidente nesse ponto, que a empresa devedora, se valendo das vantagens obtidas com novação da obrigação, percebida tanto pelo abatimento dos valores quanto pela dilatação dos prazos, pode após o exaurimento do prazo em regime de recuperação judicial intencionalmente deixar de cumprir as obrigações assumidas no plano de recuperação judicial, mesmo que esta tenha ativos suficientes para satisfação de todos os credores nos valores originalmente contratados.
Conclui-se, portanto, que é nesse momento é que insubsistente a penalidade prevista no artigo 61, parágrafo 1º, da Lei 11.101/2005, que prevê a reconstituição dos direitos e garantias na forma originalmente contratadas, e conforme o exemplificado no caso concreto, fica evidente que a somatória dessas diferenças financeiras obtidas com a novação, podem ser significativas e interessantes para o devedor.
6.CONCLUSÃO
A recuperação judicial é um importante instituto inserido no ordenamento jurídico brasileiro, contudo, mais importantes do que a norma norteadora do próprio instituto, estão em primeiro lugar os princípios que regem a respectiva norma, ou seja, a norma expressa pela Lei 11.101/2005, tem por objetivo a efetiva proteção de determinados princípios, aos quais efetivamente deve-se respeitar.
Nesse contexto, o instituto da recuperação judicial inserido no ordenamento jurídico brasileiro, deve ser algo que quando utilizado atenda aos princípios que o fundaram e o regem, e os quais o instituto deve satisfação e respeito.
Como justificativa para invocar o instituto da recuperação judicial, via de regra a argumentação da empresa é voltada a atender o princípio da função social que a mesma desempenha perante a sociedade, albergando automaticamente o princípio da preservação da empresa.
Partindo desse pressuposto, surge o questionamento sobre a falta de penalidade para a empresa que descumpre as obrigações assumidas no plano de recuperação judicial perante os credores após o biênio recuperatório, pois nesse caso, evidencia-se a supressão do princípio da função social por parte da empresa devedora.
Conforme exposto no presente artigo, a empresa deixa de atender aos princípios da preservação da empresa e da função social quando após o biênio recuperatório descumpre o pagamento previsto no plano de recuperação judicial, motivo pelo qual, nas ações específicas de execução contra o devedor os direitos e as garantias do credor deveriam ser reconstituídos nas condições originalmente contratadas, como uma forma de penalizar o devedor pelo seu descumprimento ao pagamento, sob pena dos valores, interesses e benefícios albergados pelo princípio da função social inverter-se em favor da individualidade da empresa devedora.
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TOMAZETTE, Marlon. Curso de direto empresarial: Falência e recuperação de empresas, v. 3 / Marlon Tomazette. – 5. ed. rev. e atual – São Paulo: Atlas, 2017.
bacharel em Direito pelo Centro Universitário UNISEP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SCHNEIDER, LAÉRCIO RAFAEL. Recuperação judicial após uma crise na empresa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 dez 2022, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60720/recuperao-judicial-aps-uma-crise-na-empresa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
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