Resumo: Partindo da premissa de que não se pode entender o processo como um fim em si mesmo, mas como um instrumento a fim de dirimir os conflitos de interesses, faz-se necessária a concepção de um modelo procedimental flexível, passível de adaptação às circunstâncias apresentadas pela relação substancial. Não há mais como se admitir o procedimento único, rígido e sem possibilidade de adequação às exigências do caso concreto. Nesse sentido, o presente artigo visa apresentar a flexibilização procedimental tão incentivada pelo Código de Processo Civil de 2015, com a devida especificação de seus fundamentos basilares - princípio da adequação e do devido processo legal - dos meios capazes de concretizá-la - como por exemplo o negócio jurídico processual em parceria com o princípio da cooperação - das formas em que se apresenta na legislação processual e, por fim, com a imprescindível determinação de seus limites, como meio de garantir a segurança jurídica e a efetiva tutela do bem jurídico em lide.
Palavras Chave: Flexibilização Procedimental; Adequação; Código de Processo Civil de 2015.
Resumo: Suponiendo que no se puede entender el proceso como un fin en sí mismo sino como una herramienta para resolver conflictos de intereses, el diseño de un modelo de procedimiento flexible, es necesario, capaz de adaptarse a las circunstancias presentadas por relación sustancial. No hay manera de que admitir el único, duro y sin la posibilidad de ajuste a los requisitos del procedimiento de caso. En este sentido, este artículo tiene como objetivo presentar la flexibilidad procedimental tan alentado por el Código de Procedimiento Civil, con la especificación correcta de sus pilares - el principio de idoneidad y el debido proceso - los medios capaces de encarnar ella - como negocio jurídico procesal en colaboración con el principio de cooperación - la forma en que aparece el Código de Procedimiento Civil de 2015 y, por último, con la determinación necesaria de sus límites, como medio de garantizar la seguridad jurídica y la protección efectiva de la buena en procedimientos judiciales.
Palavras Chave:
1.Introdução
A constante busca pela inovação é responsável pelas diversas transformações na sociedade, sendo a força-motriz do ser humano. Dessa forma, a fim de melhor atender a suas demandas, as pessoas tendem a transformar tudo o que lhes rodeia.
Logo, com o Direito não poderia ser diferente, tendo em vista que este busca incansavelmente à paz social, visando solucionar conflitos, inseridos em uma sociedade cada vez mais complexa.
Em razão disso, assim como todos os outros ramos do Direito, o Direito Processual brasileiro viu-se obrigado a se apresentar com uma nova roupagem, o que deu origem à aprovação do Código de Processo Civil de 2015, que veio para desconstruir paradigmas, começando pelo reconhecimento da relação íntima entre o direito processual e o direito material.
Em termos mais específicos - em relação ao supracitado - estudiosos do Direito, como Fred Didier, chegaram a seguinte conclusão:
Não há processo oco: todo processo traz a afirmação de ao menos uma situação jurídica carecedora de tutela jurisdicional, situação essa que pode ser chamada de direito material processualizado ou simplesmente, de direito material. Logo, o processo deve ser compreendido, estudado e estruturado, tendo em vista a situação jurídica material, para a qual serve de instrumento de tutela.[1]
Nesse diapasão, é possível afirmar que o CPC de 2015 surgiu, primordialmente, para atenuar a rigidez procedimental e estimular a flexibilidade processual, sendo esta extremamente bem-vinda e, indiscutivelmente, adequada. Ou seja, o CPC trouxe a ideia de supremacia da liberdade das formas procedimental em relação a legalidade das formas.
Acontece que, para que essa nova realidade seja efetivamente consolidada no âmbito processual, é imprescindível a observância do princípio do devido processo legal, o qual - em conjunto com o princípio da adequação e com o princípio da cooperação - norteia a concretização da associação entre o direito processual e o direito material.
Deve-se ressaltar, porém, que a flexibilização procedimental ainda desperta muita polêmica no âmbito jurídico, tendo em vista que essa nova realidade gera uma sensação de ausência de previsibilidade e, consequentemente, de segurança jurídica.
Percebe-se, portanto, que a absoluta ausência de requisitos legais no que se refere ao modo de ser do ato processual e do procedimento leva a desordem e se apresenta como um obstáculo ao escopo do processo, no entanto, o formalismo desmedido impede o desenvolvimento normal da atividade jurisdicional e acaba levando as mesmas consequências.[2]
Dessa forma, há um grande estímulo a fim de que a jurisprudência e a doutrina caminhem juntas para estabelecer os limites dessa flexibilização, garantindo o devido acesso à segurança jurídica, bem como a efetivação da tutela jurisdicional.
2.Princípio do Devido Processo Legal e o Princípio da Adequação
1.1 Princípio do Devido Processo Legal
A ideia do “Devido Processo legal” é originária do Direito Inglês, mais especificamente, do texto da Carta Magna de João Sem Terra, de 1215. É importante destacar, porém, que esse texto em nenhum momento fez remissão expressa ao princípio do Devido Processo legal, limitando-se a explanar o intento desse último, ao estabelecer o seguinte paradigma:
Nenhum homem livre será detido ou aprisionado, ou privado de seus direitos ou bens, ou declarado fora da lei, ou exilado, ou despojado, de algum modo, de sua condição; nem procederemos com força contra ele, ou mandaremos outros fazê-lo, a não ser mediante o legítimo julgamento de seus iguais e de acordo com a lei da terra[3].
Do exposto, observamos que era dada ênfase apenas aos aspectos processuais do devido processo legal, para garantir regularidade ao processo judicial. Contudo, ao longo dos séculos, esse princípio foi se aperfeiçoando e se moldando às transformações vivenciadas pela sociedade.
Logo, o que se entendia como devido na época do absolutismo monárquico, não foi o que se entendeu como devido no século XVIII, quando a monarquia absolutista encontrou seu infortúnio e a igualdade formal aspirou uma posição de destaque entre a coletividade, nem obviamente, é o que se entende como devido nessa era da globalização e da informatização das relações.[4]
Dessa forma, enquanto no primórdio do Devido Processo Legal, o enfoque era a regularidade do processo judicial – conforme supracitado - atualmente, é pacífico o entendimento de que, segundo Humberto Ávila, “o devido processo legal tem a função de criar os elementos necessários à promoção do ideal de protetividade”[5]. Ou seja, o princípio norteia o Direito Processual de forma a fazê-lo garantir resultados efetivos ao processo e proteção ao jurisdicionado.
Assim, devido a sua função de tamanha relevância para o Direito Processual, o Devido Processo Legal é tido como um superprincípio, pois coordena e delimita todos os demais princípios que formam o processo.
É nesse ínterim de elevada magnitude do Princípio do Devido Processo Legal que Fred Didier lança a seguinte máxima:
Assim, além de público, paritário, tempestivo, etc, adjetivos que correspondem às normas constitucionais expressamente consagradas, o processo para ser devido, há de ter outros atributos. Um processo, para ser devido, precisa ser adequado, leal e efetivo.[6]
Essa nova concepção “do que é devido”, trazida pelo ilustre doutrinador, diz respeito, justamente, à necessidade da flexibilização procedimental, através da adequação do procedimento abstratamente e rigidamente estabelecido em lei às particularidades do direito material em lide, bem como às especificidades da causa, a fim de tornar mais efetiva a tutela do bem jurídico.
1.2 Princípio da Adequação
O princípio da adequação pode ser estudado em suas três dimensões, quais sejam a legislativa, a jurisdicional e a negocial.
Na esfera legislativa, como forma de compromisso com o princípio da adequação, determina-se a obrigação do legislador em se ater à natureza e às peculiaridades do objeto da construção legislativa do processo, sendo uma dimensão prévia e abstrata. Quanto à adequação jurisdicional, torna-se válido ressaltar sua importância na efetivação da adequação entre as técnicas processuais e o direito material, sendo realizada in concreto, ou seja, caso a caso, diferentemente da adequação legislativa, que atua no âmbito das suposições. Por fim, a dimensão negocial deriva dos negócios processuais celebrados pelos sujeitos processuais, ora apenas entre as partes, ora incluindo o órgão jurisdicional.[7]
Ressalta-se, entretanto, que apesar do princípio da adequação ter ganho destaque no CPC de 2015, por ser, juntamente, com o princípio do devido processo legal, o fundamento basilar da flexibilização procedimental, o mesmo já era abordado no contexto do CPC de 1973. Ocorre que este, apesar de destacar alguns casos de adequação jurisdicional e legislativa, não adota esse princípio como regra, mas sim como exceção.
1.3 Princípio da Cooperação
O devido processo legal, unido aos princípios da boa-fé processual e ao contraditório dão ensejo ao surgimento de um princípio que servirá de base para o modelo de estruturação do direito brasileiro que trouxe à tona a nova redação do Código de Processo Civil de 2015. O princípio da cooperação, como é chamado, está expresso já no artigo 6º do Código, e determina que, no processo, a fim de que se alcance decisão justa e efetiva de mérito em tempo razoável, todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si[8].
Com objetivo de construir uma decisão mais justa, assim, surge a cooperação como sendo instrumento imprescindível ao desenvolvimento desse novo modelo processual. Aqui, a interação entre as partes e o magistrado passa a ser tida como fundamental, de forma que a figura desse último ganha maior participação no diálogo processual em relação à permitida pelo modelo liberal do processo, no qual as partes determinam o andamento do processo e o juiz é um mero espectador[9]. É necessário frisar, contudo, que essa valorização à participação do julgador no diálogo entre os sujeitos do processo não estimula que esta seja feita de forma inquisidora, tal como permite a visão publicista que teve grande influência na legislação processual brasileira[10]. Através do Princípio da Cooperação, portanto, o novo ideal do Código Processual Civil Brasileiro almeja um equilíbrio entre essas duas formas de interação entre as partes.
É notório que o reforço ao diálogo entre o órgão judicial e as partes permite que as sentenças sejam construídas com uma participação mais efetiva de tais sujeitos, o que fortalece, sobretudo, a boa-fé processual, tendo em vista que a cooperação entre as partes é incentivada em detrimento do duelo até hoje estimulado pelo modelo liberal vigente.
Diante da valorização da cooperação no trâmite processual, faz-se mister trazer, aqui, a semelhança desse modelo participativo com os moldes do negócio processual, já que neste fato jurídico a vontade das partes constitui elemento fundamental da decisão a ser tomada.
Primeiramente, deve-se conceituar o negócio jurídico, segundo os dizeres de Marcos Bernardes de Mello[11], como sendo:
o fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fático consiste em manifestação ou declaração consciente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro dos limites pré-determinados e de amplitude váriavel, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico.
Nesse diapasão, deve ser admitido que o negócio jurídico produz efeitos na esfera processual, o que já era previsto, inclusive, pelo CPC de 1973, o qual determinava, em seu artigo 158, que “os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais”. Reconhecida a eficácia de tais negócios, torna-se fundamental reafirmar a íntima ligação entre essa declaração de vontade das partes que produz efeitos no mundo processual com o princípio da cooperação, então caracterizador do modelo de procedimento utilizado pelo ideal do Código de Processo Civil de 2015.
O negócio jurídico processual é, pois, a pura representação da flexibilização procedimental no atual direito processual brasileiro, na medida em que torna possível às partes a alteração no procedimento ao longo de seu curso, a fim de que sejam atendidas as necessidades do caso em discussão, no plano do direito material e de sua efetividade[12]. Tal assertiva pode, inclusive, ser identificada no artigo 190 no CPC de 2015 que estabelece o seguinte:
Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.[13]
2.A Flexibilização Procedimental no Novo Código de Processo Civil brasileiro
O Código de Processo Civil de 2015 promoveu importantes alterações no regime procedimental do Código de Processo Civil de 1973, tendo em vista a simplificação dos ritos e a mitigação do modelo da legalidade das formas procedimentais, garantindo a possibilidade das partes e do juiz, diante do déficit procedimental, adaptar procedimentos às particularidades da causa, ou seja, a flexibilização procedimental. Dessa forma, o CPC investe na simplificação formal e ritual do sistema, eliminando empecilhos puramente formais e reprojetando os ritos processuais a fim de garantir segurança, cadência e estrutura ao processo civil.[14]
2.1 Flexibilização Procedimental Legal
Em busca de mais celeridade e menos burocracia, destaca-se no Código de Processo Civil de 2015, a substituição dos procedimentos cognitivos ordinário e sumário pelo procedimento comum “melhorado”. Isso decorre do fato de que o procedimento cognitivo sumário do CPC/73, apesar de ser um plenário rápido, na maioria das vezes, acabava por ser mais lento que o próprio procedimento ordinário, devido a necessidade de pauta judicial livre para realização de audiência de conciliação logo no início do procedimento.[15] Assim, não há mais qualquer subdivisão do procedimento comum, devendo este ser adotado quando não houver previsão de rito especial para a causa.
Devido a possibilidade de o juiz calibrar o procedimento conforme as particularidades da causa, alguns procedimentos especiais previstos pela legislação processual de 1973 tornaram-se desnecessários e consequentemente foram extintos, quais sejam: ação de depósito (art. 901); ação de anulação e substituição de títulos ao Portador (art. 907); ação de nunciação de obra nova (art. 934); ação de usucapião de terras particulares (art. 941); vendas a crédito com reserva de domínio (art. 1070). Ressalta-se que essas ações continuam a existir, no entanto, não são mais conduzidas por procedimentos especiais, mas sim, pelo novo procedimento comum.
Por sua vez, os procedimentos especiais incompatíveis com o procedimento comum, não poderiam ser tutelados pelo mesmo, devido as particularidades do direito ou das partes que os compõem, o que acarretou na manutenção dos seguintes procedimentos “fora do padrão“: ações de consignação de pagamento; ações possessórias; ação de divisão e demarcação de terras particulares; ação de inventário e partilha ; ação de embargos de terceiro; ação monitória; ação de homologação de penhor legal; ação de restauração de autos.
Ademais, o procedimento é uma sequência de atos relacionados entre si, que tem como objetivo a prestação da tutela jurisdicional. Ocorre que, em algumas situações, a legislação prevê que alguns atos podem ser suprimidos, tendo a finalidade de tornar o processo mais célere. No que se refere a esses institutos, o CPC de 2015 trouxe algumas modificações.
Quanto ao julgamento liminar do pedido, por exemplo, de acordo com o artigo 332 do atual diploma legal, a improcedência liminar do pedido poderá ser proferida “nas causas que dispensem a fase instrutória”, e não apenas quando a matéria for unicamente de direito, como previa o diploma processual.
Outra modificação introduzida pelo atual diploma processual é o fato de que as decisões de improcedência anteriormente prolatadas no juízo não serão mais usadas como embasamento para o julgamento liminar, pois deverão ser utilizadas como referência às decisões dos tribunais superiores. Percebe-se, dessa forma, uma inclinação, pelo atual código, à adoção do sistema de vinculação de precedentes, oriundo do common law.
Ressalta-se, por fim, que o CPC de 2015 prevê, no artigo 356, o julgamento antecipado parcial de mérito, rompendo o dogma da sentença una.[16] A decisão, nesses casos, é chamada de decisão interlocutória de mérito, pois quando um ou mais pedidos formulados estiver em condições de julgamento, pode o juiz realizar o julgamento antecipadamente, o qual não havendo recurso ou esgotadas as vias recursais, pode criar coisa julgada e pode, inclusive, ser executado definitivamente.
2.2 Flexibilização Procedimental Judicial
No que se refere aos prazos processuais, o antigo CPC previa, no artigo 177, que os atos processuais realizar-se-ão nos prazos prescritos em lei. Caso não fossem realizados no tempo oportuno, ocorreria a preclusão temporal, nos termos do artigo 183, de modo que a parte não poderá mais praticá-lo, passando-se ao próximo ato do processo.
Em que pese a rigidez desse sistema quanto à fixação dos prazos, a tendência no âmbito do código 2015 foi a flexibilização do mesmos, ao dispor que o juiz poderá dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito, conforme o artigo 139, VI.
Assim, pode o juiz promover alterações nos prazos processuais e na ordem de produção da provas, de forma a melhor adequá-los às necessidades do caso concreto, sempre com o objetivo de buscar uma maior efetividade da tutela do bem jurídico objeto do conflito.
Essa regra está em perfeita consonância com a que permite às partes pactuar alterações no procedimento comum, de modo a torná-lo mais adequado ao direito material de que trate o litígio. Dessa forma, corrobora-se a ideia de obter do processo o maior rendimento possível para as partes, para o Judiciário, de ver solucionado mais um caso; e para a sociedade, que daquela solução poderá extrair parâmetros de conduta.[17]
Dessa maneira, verificando o juiz que a causa versa sobre matéria complexa ou, ainda, considerando as particularidades do litigante, pode adaptar o prazo a tais circunstâncias. Tal prática, concretiza o princípio do devido processo legal e privilegia os princípios do contraditório e da ampla defesa, na medida em que possibilita à parte tempo adequado para o levantamento das provas.
Discute-se, no entanto, o alcance da flexibilização dos prazos pelo magistrado, pois o legislador não distingue quais prazos podem ser dilatados, de modo que se entende que tanto os prazos peremptórios, como os dilatórios estão abarcados pela norma.
Além disso, prevê expressamente o artigo 222, § 1º, do CPC que o juiz não pode reduzir os prazos peremptórios sem anuência das partes. Isto é, o legislador faz uma restrição expressa quanto à redução dos prazos peremptórios, mas silencia quanto a sua ampliação, o que reforça que ela é possível, devendo-se, entretanto, utilizar-se dos critérios da razão e da proporcionalidade, sempre que o magistrado verificar que o caso concreto assim exija. Ressalte-se, por fim, que a ampliação somente poderá ser determinada antes de encerrado o prazo regular, nos termos dos parágrafo único do artigo 139 do CPC.
Outra faculdade do juiz, nos termos do artigo acima mencionado, é a possibilidade de inversão da ordem de produção dos meios de prova, constituindo, assim, mais uma forma de flexibilização do procedimento. Percebeu-se que, em determinadas situações, seria mais viável a inversão da ordem pré-fixada em lei, como por exemplo na produção de provas orais na audiência de instrução e julgamento. No CPC de 1973, esta, seguia os ditames do artigo 452, devendo necessariamente seguir a seguinte ordem: peritos e assistentes técnicos; depoimentos pessoais; testemunhas. No atual código, tendo em vista o princípio da eficiência, essa lógica foi alterada, pois dispõe que tal ordem deve ser seguida “preferencialmente”, o que significa dizer, portanto, que ela poderá ser alterada, já que pretende racionalizar as etapas de produção de provas.
Assim, a possibilidade de ampliação dos prazos e inversão da ordem de produção de provas, são técnicas que visam adequar o procedimento às particularidades da causa.
2.3 Flexibilização Procedimental Voluntária
Como já foi introduzido, o CPC prevê vários negócios jurídicos, privilegiando a vontade das partes tendo em vista a ideia de cooperação no processo. Dessa forma, torna-se mister analisarmos sucintamente algumas dessas modificações, as quais reforçam a flexibilização procedimental.
2.3.1 Redução dos prazos peremptórios
De acordo com o artigo 222, §1º, do CPC, afirma-se que é vedado ao juiz reduzir os prazos peremptórios sem anuência das partes. Esse dispositivo ratifica o empoderamento das partes, já que, no caso em questão, a determinação do órgão jurisdicional irá depender da concordância das partes no processo.
2.3.2 Calendário processual
O artigo 191 do CPC trata do calendário processual, o qual pode ser “estabelecido por intermédio do negócio jurídico processual; contudo só irá ser possível se houver comum acordo entre as partes e o órgão jurisdicional acerca de disposição que trate de prazos para prática de atos processuais“[18]. De acordo com o dispositivo, o juiz e as partes poderão fixar calendário para a prática dos atos processuais, cujos prazos são de observância obrigatória, sendo modificados apenas em casos excepcionais, devidamente justificados. Ressalta-se que após o pacto as partes são dispensadas automaticamente de intimação acerca de audiências ou prática de atos processuais.
2.3.3 Acordo de Saneamento
O §2º do artigo 357 do diploma processual prevê que as partes possam apresentar ao juiz uma petição, em comum acordo, fixando os prontos de fatos controvertidos e especificando as questões de direito relevantes para a solução da lide. Essa petição pode ser homologada ou não pelo juiz com base no seu livre convencimento motivado. Uma vez homologada, a delimitação vinculará as partes e o juiz.[19]
2.3.4 Escolha consensual do perito
Contrapondo-se ao estabelecido pelo CPC 73, que determinava a escolha do especialista pelo próprio julgador, o Código de Processo Civil de 2015, no seu artigo 471, estabelece a possibilidade de as partes, em comum acordo, determinar o perito responsável pela coleta de provas necessárias à solução da lide. Logo, observa-se, novamente, a maior participação dos sujeitos processuais no procedimento de resolução do conflito.
2.3.5 Audiência de Saneamento e organização em cooperação com as partes
Visando entrar em consonância com o princípio da cooperação, o §3˚ do artigo 357 do CPC, determina que o juiz deverá estabelecer, na audiência de saneamento, uma interação com as partes, de forma a facilitar o entendimento de questões complexas de fato e de direito, considerando que as mesmas são capazes de esclarecer as controvérsias existentes no processo.
3. Limites à flexibilização procedimental
3.1. Limites à adequação jurisdicional
A adequação jurisdicional, como já foi mencionado, surge com o intuito de dar continuidade à atividade legislativa em relação à adequação das técnicas processuais ao direito material, visto que se depara com diversas facetas desse último que não puderam ser previstas pelo legislador.
É importante destacar, porém, que apesar da inegável importância dessa esfera do princípio da adequação, a flexibilização não pode ser realizada de forma desmedida, devendo sempre observar o princípio do contraditório e o modelo cooperativo do processo.
Isso porque, caso o princípio do contraditório - o qual permite a manifestação de ambas as partes perante o magistrado, além de admitir a influência das mesmas no conteúdo da decisão - e o modelo cooperativo não sejam devidamente respeitados, as partes podem ser surpreendidas negativamente com as mudanças do procedimento, o que irá impedi-las de criarem novas estratégias de forma a permitir sua adaptação a essas transformações processuais.
Ou seja, se o limite imposto pelo respeito ao princípio supracitado e ao novo modelo de elaboração de decisão judicial não for levado em consideração, aquilo que deveria gerar uma segurança jurídica e garantir uma tutela mais efetiva do direito material, acabará por ocasionar uma verdadeira desconfiança relativa a essa ideia de maior flexibilização procedimental apregoada pelo CPC.
3.2. O negócio jurídico e seus limites
O negócio jurídico processual tem o princípio da cooperação como seu princípio fundamental, visto que esse último defende a maior interatividade entre o magistrado e as partes na construção da decisão judicial e o primeiro concretiza esse propósito, permitindo uma redução considerável da rigidez do procedimento estabelecido no CPC de 1973 e o desenvolvimento da flexibilização defendida nos moldes do CPC de 2015.
O fato é que, assim como a adequação jurisdicional, o negócio jurídico processual como forma de flexibilização procedimental também deve sofrer certas limitações.
Um dos primeiros exemplos de restrição que pode ser elencado, é o dispensado pela observância das garantias fundamentais, considerando que a produção de prova ilícita, a dispensa do contraditório, a exigência de sigilo ou segredo de justiça ou dispensa da fundamentação judicial não podem ser objetos de negociação entre os sujeitos processuais.
Além disso, os negócios jurídicos processuais não podem promover uma flexibilização procedimental ao ponto de criar novo recurso - por exemplo - já que tal matéria só pode ser regulada por lei formal, de acordo com o princípio da reserva legal.
Por último, é possível destacar mais dois limites impostos nessa dimensão da flexibilização, os quais dizem respeito à impossibilidade das partes acordarem algo que vá além dos seus próprios ônus, poderes e deveres processuais e à proibição de disposição de regras que contrariem a lei.
4.Conclusão
A ideia de instrumentalidade processual é a de que o processo serve de meio à realização do direito material. Entende-se, a partir do exposto no presente artigo, que a recíproca também é verdadeira. Conforme leciona Calmon de passos, o direito depende do seu processo de enunciação[20], ou seja, não há uma hierarquia entre as duas expressões do direito, mas sim uma interdependência.
A partir da flexibilização procedimental verificada com as modificações trazidas pelo Código do Processo Civil é possível afirmar que determinadas características, antes consideradas exclusivas do direito material, passam a integrar também o polo do direito processual. A adaptação do processo em face ao direito material, com a aderência dessas características, torna-se regra a partir do ideal fomentado pela flexibilidade do procedimento almejado pelo atual ideal processualista brasileiro.
Ainda na seara na flexibilização do procedimento, é necessário frisar a importância que adquire o princípio da cooperação nesta cena, que junto ao instituto do negócio processual busca diminuir as distâncias existentes entre as partes do processo, com o objetivo de constituir uma decisão mais justa e favorável às partes.
Não se pode deixar de lembrar que existe uma certa polêmica na doutrina em torno da matéria da flexibilização, tendo em vista que a falta de previsibilidade que esta pode acarretar no meio jurídico. Por isso, deve se atentar aos limites a serem estabelecidos para essa flexibilização, já que a inobservância destes pode acarretar insegurança jurídica, comprometendo, inclusive, a própria manutenção dessa técnica no meio jurídico.
REFERÊNCIAS
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[1] DIDIER, Fred. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo do Conhecimento. Salvador: Editora Juspodivm, 2015. P.38.
[2] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Nulidade processual e instrumentalidade do processo. In: Revista de Processo. São Paulo: RT, 1990, outubro/dezembro, ano 15, n.60, p.94.
[3] Magna Carta, 1215.
[4] DIDIER, Fred. Op cit. P.65.
[5] ÁVILA, Humberto apud DIDIER JR. Fred. Teoria do Processo – Panorama Doutrinário Mundial. Editora Podivm. P.57.
[6] DIDIER, Fred. Op cit. P.67.
[7] DIDIER, Fred. Op cit, 2015. P.120.
[8] NOVO CPC. ARTIGO 6º.
[9] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. “Garantia do Contraditório”. Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: TRM 1999. P. 139 – 140.
[10] CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios Jurídicos Processuais no Processo Civil Brasileiro. Disponível em: http://www.academia.edu/10270224/Neg%C3%B3cios_jur%C3%ADdicos_processuais_no_processo_civil_brasileiro. Acessado em: 07/07/2015.
[11] DE MELLO, Marcos Berdardes. Teoria do Fato Jurídico - Plano de Eficácia 1ª Parte - 9ª Ed. 2014.
[12] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio de Castro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 1ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. P. 265.
[13] NOVO CPC, artigo 190.
[14] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Procedimentos, déficit procedimental e flexibilização procedimental no novo CPC. Revista de Informação legislativa. Brasília ano 48. N. 190 abr/jun 2011.
[15] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Op Cit.
[16] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio de Castro Torres de. Op cit. P. 620.
[17] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio de Castro Torres de. Op cit. P.139.
[18] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogerio de Castro Torres de. Op cit. P. 354.
[19] Idem, ibidem. P. 622.
[20] PASSOS, J. J. Calmon de. Instrumentalidade do Processo e Devido Processo Legal. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, nº. 1, 2001. P. 10.
Advogada. Especialização em direito tributário pelo IBET, bacharel em direito pela Universidade Federal de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Débora Pascal de. Flexibilização procedimental no código de processo civil brasileiro de 2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jan 2023, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60735/flexibilizao-procedimental-no-cdigo-de-processo-civil-brasileiro-de-2015. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
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