RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar a atividade extrafiscal do Estado, como instrumento eficaz de intervenção na economia, estimulando indiretamente a atuação dos agentes econômicos e sociais em direção ao interesse da coletividade. Com este objetivo, aplicou-se o método dedutivo, com as técnicas de pesquisa documental e bibliográfica, por intermédio do estudo da tributação extrafiscal e da indução de comportamentos pelo Estado. Com a análise exploratória qualitativa, tivemos como resultado a possibilidade de intervenção no domínio econômico através da tributação e em benefício da coletividade. É cabível atingir a conclusão de que a incidência tributária deve ser utilizada pelo Estado para conseguir atingir os objetivos de realização do interesse público.
Palavras-chave: Tributação indutora. Extrafiscalidade. Intervenção do estado. Domínio econômico.
INDUCING TAXATION AND STATE INTERVENTION IN THE ECONOMIC FIELD
ABSTRACT: The objective of this article is to analyze the extrafiscal activity of the State, as an effective instrument of intervention in the economy, indirectly stimulating the performance of economic and social agents towards the interest of the community. With this objective, the deductive method was applied, with the techniques of documental and bibliographic research, through the study of extrafiscal taxation and the induction of behavior by the State. With the exploratory qualitative analysis, we had as a result the possibility of intervention in the economic domain through taxation and for the benefit of the community. It is possible to reach the conclusion that the tax incidence must be used by the State to achieve the objectives of achieving the public interest.
Keywords: Inducing taxation. Extrafiscality. State intervention. Economic domain.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. O EXERCÍCIO DA EXTRAFISCALIDADE. 2. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO. 3. A TRIBUTAÇÃO PARA INDUZIR COMPORTAMENTOS. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1.INTRODUÇÃO.
Este artigo trata sobre a utilização extrafiscal da tributação como forma de intervenção do Estado no domínio econômico, desde que não vulnere o Pacto Federativo e a autonomia dos Entes Federados. Os marcos históricos escolhidos foram as desonerações tributárias do final da primeira e início da segunda década do século XXI, por isenção ou alíquota zero, principalmente sobre o IPI, que foi determinante para a queda repentina no repasse financeiro feito pela União, através dos Fundos Constitucionais de Transferência, aos Estados-membro e Municípios.
Não deve-se negar a importância da extrafiscalidade como forma de intervenção do Estado na economia através da tributação indutora, reduzindo alíquotas ou criando isenções fiscais. Entretanto, no caso de tributos que são repartidos com os demais entes federados, como o Imposto sobre Produtos Industrializados, destinando parcela de sua arrecadação para a formação dos fundos de Participação de Estados e Municípios, a desoneração deve respeitar a autonomia financeira dos demais entes da Federação, considerada cláusula pétrea.
A tributação extrafiscal, principalmente no caso do IPI, imposto cuja arrecadação é majoritariamente destinada a repartição constitucional aos demais entes federados, deve ser vista sob o prisma da Federação, com ênfase na necessária garantia da autonomia dos entes no âmbito político, financeiro e administrativo, garantida pelos recursos advindos dos repasses da arrecadação tributária.
Com isso, não se está a negar a competência tributária da União para, por ato infralegal, reduzir ou mesmo colocar em alíquota zero a cobrança do IPI, mas sim reconhecer que a intervenção na economia através da tributação indutora exige respeito ao Pacto Federativo e a autonomia dos demais entes federados.
Como projeto metodológico, utilizou-se o método dedutivo, com as técnicas de pesquisa documental e bibliográfica, por intermédio de uma pesquisa qualitativa e exploratória. A pesquisa esta concentrada nos textos legais, entendimentos consolidados na jurisprudência e na produção acadêmica.
De tal modo, este artigo foi estruturado em três seções, iniciando pelo estudo do exercício da extrafiscalidade pelo Estado para, logo após, tratar de como se dá esta intervenção do estado no domínio econômico. Enfim, será analisada a utilização da tributação como forma de induzir comportamentos.
2. O EXERCÍCIO DA EXTRAFISCALIDADE.
O estado, como concebido, surgiu numa tentativa de proporcionar uma vivência pacífica entre os integrantes do corpo social, através da diminuição da liberdade individual em benefício da segurança coletiva, com um órgão diferente dos indivíduos responsável por gerir a coisa pública, pertencente a todos. Na obra Do Contrato Social: princípios do direito político[1], de Rousseau, retira-se a ideia de que o contrato social se deu a partir do momento em que os indivíduos se uniram na tentativa de superar os obstáculos de convivência em seu estado natural, daí a necessidade de ser tolhida a liberdade individual absoluta em prol da garantia de segurança e uma liberdade individual regrada por um poder soberano e imparcial aos possíveis conflitos das partes, sendo este o organizador dos interesses coletivos, o próprio Estado.
De início, surgiu o Estado comandado por um monarca soberano, que se confundia com a própria figura estatal e o interesse coletivo, impondo deveres a comunidade a qual estava exercendo seu domínio. Já neste período, havia contribuição compulsória de recursos por parte dos súditos para manutenção da Monarquia e o próprio Estado, figuras até então indissociáveis.
Importante movimento de limitação do Poder Soberano veio com a Magna Carta Inglesa de 1215, assinada pelo rei João Sem-Terra por pressão dos Barões Ingleses e do Clero, forçando-o a limitar seus próprios poderes, impedindo a majoração de tributos sem a aprovação do Parlamento, trazendo a embrionária figura do que viria a ser o princípio da legalidade tributária.
Outro movimento de relevo ocorreu no final do século XVIII, com a Revolução Francesa de 1789, em sua primeira fase, os revolucionários pleitearam o que viria a ser a primeira dimensão dos direitos fundamentais, o direito à liberdade individual, numa noção de Estado abstencionista, com prestações negativas. Passada a primeira etapa, com as distorções surgidas pelas abstenções do Estado, surgi os anseios por igualdade material entre os cidadãos, numa eficácia horizontal dos direitos fundamentais, oponíveis não só quanto ao Estado, mas também na relação entre indivíduos, daí a necessidade de prestações positivas pelo ente estatal.
Nessa toada, o Estado passa a necessitar de cada vez mais recursos para fazer frente as despesas com a prestação de utilidades a coletividade, principalmente com a eclosão do Estado Social de Direito (Welfare State), maximizado nas Constituições Mexicana de 1917 e de Weimar de 1919, surgindo de modo mais direto o dever fundamental de pagar tributos para fazer jus aos gastos públicos com prestações positivas.
Com esse viés, o sistema tributário se consolida com respeito ao princípio da legalidade, já que o contribuinte só pagará o tributo que ele houver concordado em arcar com os custos, pois necessariamente a sua criação e, de regra, a alteração das alíquotas majorando-o devem ser precedidas de aprovação por lei, votada pelos representantes do povo democraticamente eleitos, reunidos no parlamento. Advém disto a legitimidade da cobrança fiscal, alicerçada na lei, para angariar receitas classificadas no orçamento como derivadas, por serem oriundos do patrimônio privado, para possibilitar os gatos públicos com matérias do interesse comum tutelado pelo Estado, no âmbito das prestações positivas exigidas pelo Estado contemporâneo como forma de construir uma igualdade material de oportunidades para os cidadãos administrados.
No esteio do Estado prestacionista, responsável por promover uma gama de serviços e utilidades para a comunidade, delineia-se o dever fundamental de pagar tributos, para fazer frente aos gastos públicos com as prestações positivas postas à disposição da sociedade, como principal forma de obtenção de receita pública derivada. Assim, o particular fica obrigado a pagar o tributo sempre que incorrer no fato gerador da exação, definido por lei, podendo usufruir das comodidades advindas do investimento da recita pública advinda da arrecadação tributária.
Na prática, parcela do patrimônio do particular é destacada para integrar o patrimônio público, através da cobrança tributária. Na vertente da definição de tributo, constante do art. 3º do CTN, tem-se como uma exação: 1) instituída por lei; 2) em pecúnia, em moeda, ou cujo valor nela se possa exprimir, como a dação em pagamento de bem imóvel; 3) compulsoriamente cobrada; 4) que não constitua sanção por ato ilícito; e 5) cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
O tributo deverá ser instituído em lei por respeito ao princípio da legalidade tributária estrita, como forma de limitação ao então poder soberano do monarca. Será pago em pecúnia, moeda ou cujo valor nela se possa exprimir por vedar o pagamento através de prestação de serviços ou dação de bens móveis, já que significaria burla ao princípio constitucional da licitação; pode ser feita a extinção do crédito tributário ainda por dação de bens imóveis, conforme disposto expressamente no CTN, art. 156, inc. XI. É de cobrança compulsória, ocorrido o fato gerador não há discricionariedade de atuação do Fisco na cobrança tributária. Não poderá constituir sanção pelo cometimento de ato ilícito, para isso existem as multas punitivas, sendo importante destacar que na prática de atividades ilícitas, como auferir renda através do jogo do bicho, haverá a incidência dos tributos na espécie, em atenção ao princípio pecúnia non olet. Por fim, a cobrança do tributo tem natureza vinculada, ocorrido o fato gerador os agentes do Fisco devem cobrar a exação tributária do contribuinte ou seu responsável.
Dessa forma, o dever fundamental de pagar tributos alicerça-se na ideia de que todos os cidadãos são responsáveis pela manutenção dos serviços públicos, prestados a todos sem discriminação. A partir do momento que um contribuinte deixa de arrecadar sua parcela para o fim comum público, outro terá de fazê-lo, onerando de sobremaneira os demais contribuintes, por isso o combate à sonegação e ao planejamento ilícito tributário devem ser constantes, tendo em vista qualificar a justiça fiscal, o sentimento de pertencimento e a real capacidade contributiva de cada indivíduo.
3. INTERVENÇÃO DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO.
Ao objetivo arrecadatório dos tributos dar-se o nome de função fiscal, a fiscalidade tributária, função primordial de carrear recursos aos cofres públicos. No entanto, cabe ressaltar, principalmente quando o Estado é chamado a atuar positivamente na economia, de modo a induzir comportamentos desejados para o benefício da coletividade, que o tributo poderá ter natureza extrafiscal, deixando a função arrecadatória relegada a segundo plano, sendo o principal intento a produção de certas atividades.
Em termos de extrafiscalidade tributária, nas pedagógicas palavras de Paulo Amaral[2]:
Como visto, a EXTRAFISCALIDADE consiste na utilização da tributação com finalidades EXTRA (“além de”) FISCAIS (“arrecadatórias”), quais sejam: indução ou inibição de comportamentos. E isso ocorre pela adoção de dois mecanismos distintos, cuja eficácia ainda está para ser testada: oneração e desoneração tributária.
A cobrança de tributos é uma forma de o Estado agir de maneira a intervir indiretamente na economia, através da indução de determinadas condutas direcionadas a produzir o interesse público. Através destes mecanismos, a autoridade governamental pode fomentar o exercício de uma atividade, encorajando ou desencorajando determinadas atitudes.
Na hipótese dos impostos aduaneiros, como o imposto de importação e de exportação, o aumento da alíquota sobre a importação de produtos estrangeiros similares aos nacionais é benéfico a indústria nacional, por poder concorrer com preços similares ou até mesmo inferiores aos produtos industrializados, fomentando a atividade industrial nacional, a geração de empregos diretos e indiretos e o incremento da arrecadação tributária, tanto pelo aumento da alíquota do imposto de importação quanto por aumento das negociações com os produtos nacionais. Lado outro, para evitar o desabastecimento de determinados produtos no âmbito nacional, pode-se aumentar a alíquota do imposto de exportação, desestimulando a exportação de produtos pelo aumento da carga tributária, com estimulo indireto ao abastecimento do mercado consumidor nacional, todos em atenção ao interesse público.
No Brasil, principalmente a partir da crise mundial de 2008, utilizou-se do instituto da isenção ou mesmo da alíquota zero do IPI para determinados setores da economia, como a linha branca de eletrodomésticos e os automóveis, tendo por objetivos baratear a produção, colocar ao consumidor um preço final do produto industrializado mais acessível, manter os empregos na indústria, estabilizar a produtividade e ainda manter a arrecadação através da negociação de mais produtos, mesmo com a desoneração fiscal.
Tal medida pode ser melhor entendida quando se estuda a Curva de Laffer. Artur Laffer, economista americano e integrante da equipe econômica do então presidente Ronald Reagan na década de 1980, propôs um gráfico em que relacionava na vertical a arrecadação tributária e na horizontal a alíquota do tributo, formando uma curva que tem no seu ponto mais alto o lugar onde a alíquota não poderá ser majorada, sob pena de diminuição da arrecadação. Interessante notar que quando a alíquota do tributo for igual a zero ou a 100% da renda tributável, o resultado será o mesmo: arrecadação zero. Explica-se, no primeiro caso, por ser zero a alíquota, não haverá qualquer valor a ser pago a título de tributos; por outro lado, se a alíquota for de 100%, sobre o valor total da renda, não haverá o que se tributar, já que haverá um desestímulo a aquisição de renda, tendo em vista que não haverá qualquer comodidade ao particular. Nesse sentido, busca-se o ápice da Curva de Laffer, ponto onde a alíquota fixada dará a maior arrecadação possível.
No Estado excessivamente liberal do ponto de vista econômico entendia-se que a mão invisível do mercado seria o bastante para regular a economia, fazendo despiciente a atuação estatal como órgão regulador ou indutor da atividade econômica. Com a crise do sistema liberal, pelas distorções geradas, ausência de segurança jurídica e apreço pelo domínio do capital, formando mono e oligopólios, volta-se a incentivar a atuação do Estado na Ordem Econômica como forma de garantir o interesse da coletividade.
Dentre as formas de intervenção na economia, na clássica obra do jurista Eros Grau[3], temos a divisão entre a intervenção direta e indireta. Esta se ramifica ainda como formas de indução ou direção; já aquela distingue-se entre a absorção ou a participação. A participação seria quando o Estado age em concomitância com o particular, exercendo a atividade econômica não exclusiva, de outro lado, a absorção seria quando o Estado atua em regime de monopólio, concentrando toda a atividade produtora daquele serviço exclusivo. Na intervenção indireta, o Estado pode agir por direção quando determina ou impõe as condutas dos agentes econômicos ou indução quando o Estado estimula, através de benefícios ou malefícios, que os agentes econômicos adotem determinada conduta, sempre em observância ao interesse público.
3. 1 A TRIBUTAÇÃO PARA INDUZIR COMPORTAMENTOS.
Atualmente, o Estado exerce uma forte função regulatória, incentivando ou desencorajando certas atitudes dos particulares, com a majoração ou desoneração da carga tributária de acordo com o que for melhor para a coletividade. Nos dizeres de Paulo Amaral[4]: “A tributação regulatória, por sua vez, é uma das formas de intervenção estatal na economia, ou seja: é uma das formas de regulação econômica.”. A tributação, como forma de intervir na Ordem Econômica e induzir certos comportamentos tem função de relevo neste novo Estado Regulador.
A utilização extrafiscal da tributação, como forma indutora da economia, principalmente entre os anos de 2009 a 2013, foi utilizada pela União quando desonerou a incidência do IPI sobre o setor dos automóveis. Com os dados colhidos pelo IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, não houve redução no valor da arrecadação tributária da União no período de 2009 a 2013, em que pese tenha havido uma diminuição do montante arrecadado a título de IPI, contudo com o aumento das vendas e da produção, houve um incremento no que diz respeito a outros tributos relacionados a venda de automóveis, como o PIS e a COFINS, incidentes sobre o faturamento ou receita bruta das sociedades empresárias, compensando a perda arrecadatória na desoneração do IPI e aumentando a arrecadação final.
O Brasil já teve sua experiência como um Estado Unitário, até o Século XIX, quando o poder estava centralizado nas mãos do soberano, sem autonomia as unidades administrativas. A partir da transição entre os Séculos XIX e XX, passamos a vivenciar uma Federação como forma de Estado, garantindo-se aos Estados-membro autonomia em três frentes: financeira, administrativa e política. Na CRFB/88, a forma federativa de Estado possui natureza de cláusula pétrea, vedando-se a tramitação de emenda constitucional ou qualquer proposta que tenda a aboli-la, nos termos do art. 60, §4º, inc. I.
De fato, no Estado Federal percebe-se uma maior descentralização política, com repartição constitucional das competências, estabelecida por uma Constituição rígida, que veda o direito de secessão. Somente o Estado Federal mantém sou soberania, sendo destinado as entidades federadas a autonomia, cabendo ao ente central a intervenção nos entes federados sempre nos casos e termos previstos na Constituição. Os Estados-membros organizam-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios e parâmetros da Constituição Federal de 1988, nos termos do art. 25 da CRFB/88. No Poder Legislativo Central, os estados-membros serão representados pelo Senado Federal, composto de 3 senadores para cada Estado e para o Distrito Federal, como forma de manter uma representação paritária a Corte Legislativa. Além disso, possuímos um órgão cuja principal atribuição é a guarda da Constituição, sendo um dos interpretes do Texto Magno, o Supremo Tribunal Federal.
Interessante instrumento de manutenção das autonomias administrativa, financeira e política das unidades federadas é a repartição de receitas da União para os demais entes federados. No Brasil, há uma certa concentração de competência tributária no âmbito do órgão central, a União, criando-se mecanismos de repartição do montante de receita tributária altamente concentrada.
Nessa toada, cria-se o sistema de repartição de receitas tributárias, sendo obrigada a repartir parte do valor arrecadado em alguns tributos com os demais entes federados. O art. 159 da CRFB/88 estabelece a repartição, com os Estados-membros e Municípios, de valores arrecadados com IPI, IR ou CIDE-combustíveis.
No que se refere ao Imposto sobre Produtos Industrializados, é exceção a legalidade tributária e a anterioridade anual, respeitando a anterioridade nonagesimal. Significa dizer que o IPI poderá ter suas alíquotas alteradas por decreto do Presidente da República, podendo produzir efeitos no mesmo ano fiscal da alteração, desde que respeitado o prazo de 90 dias para a entrada em vigência. Sendo um imposto de natureza extrafiscal, o IPI é utilizado como forma de intervenção do Estado na economia, como forma de incentivar a produção industrial, tendo se utilizado deste expediente, principalmente entre 2009 a 2013, como forma de reduzir custos na produção de automóveis e da linha branca de eletrodomésticos, mantendo-se os empregos e a economia aquecida, diante da crise global, que também nos atinge.
O efeito colateral desta desoneração do IPI, que tem 59% de sua arrecadação destinada a repartição constitucional para os demais entes federados, sendo 10% direcionado aos estados e ao Distrito Federal, proporcionalmente ao valor das exportações de produtos industrializados, e o restante repartido entre os fundos de participação dos Estados e Municípios e para financiar programas do setor produtivo do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, nos termos do art. 159 da CRFB/88, é a queda na receita tributária repassada aos demais entes federados pela União, através dos Fundos de Participação. Como é notório, mais da metade da arrecadação do Imposto sobre Produto Industrializado é constitucionalmente destinado aos demais entes federados, como forma de repasse aos fundos constitucionais, sendo boa parte de suas receitas, garantidores da autonomia financeira dos Estados e Municípios.
Portanto, a alteração de alíquotas ou a desoneração do IPI, amparada no caráter extrafiscal do tributo deve limitar-se ao ponto em que não fira o Pacto Federativo, vulnerando a autonomia financeira e administrativa dos Estados, Distrito Federal e Munícipios. Bem por isso, em que pese a competência tributária para instituir, majorar ou reduzir as alíquotas do IPI seja da União, por ser um imposto que tem sua arrecadação repartida com os demais entes federados, como forma de garantir-lhes a autonomia financeira e administrativa, deve-se agir com prudência na concessão de benefícios fiscais, sob pena de atentar contra a própria Federação, cláusula pétrea inscrita no art. 60, § 4º, inc. I, CRFB/88.
4. CONCLUSÃO.
Este artigo procurou analisar a extrafiscalidade tributária, principalmente do IPI, como ser vetor de possível desarranjo da Federação, retirando a autonomia financeira e administrativa de Estados e Municípios, sob a tutela da competência da União para alterar as alíquotas do imposto.
O cerne da questão é sair da interpretação meramente formal da exação tributária para uma interpretação teleológica da ideia do imposto extrafiscal e da lógica constitucional de repartir as receitas tributárias, tendo em vista a autonomia dos entes federados.
As consequências da utilização do IPI como forma exclusivamente extrafiscal, de intervenção na economia, abstraindo-se do fator arrecadatório do imposto, pode gera uma grave quebra do Pacto Federativo, com consequente desarranjo da Federação, forma de Estado adotado no Brasil, onde somente o Estado Federal será soberano, sendo União, Estados, Distrito Federal e Municípios entes federados autônomos.
Essa autonomia concedia aos entes federados, de base constitucional, quer representar uma tríplice autonomia: financeira, política e administrativa. A autonomia financeira de Estados e Municípios é assegurada graças às repartições constitucionais de receitas derivadas de tributos, dentre os quais está o IPI, sendo destinada boa parte da sua arrecadação aos Fundos Constitucionais de Participação. Por isso, a arrecadação de IPI está diretamente relacionada a quantia que será repassada aos demais entes federados, sendo muito tênue o limite entre o poder da União de reduzir as alíquotas do imposto extrafiscal e garantir a autonomia administrativa e financeira aos entes federados.
Ademais, foi verificado que a tributação indutora deve ser limitada na medida em que puder tender a abolir a forma federativa de Estado, através da supressão da autonomia financeira do ente federado, com potencial violação da cláusula pétrea do artigo 60, § 4º, inciso I, da CRFB/88.
Por fim, não se deve negar a importância da extrafiscalidade como forma de intervenção do Estado na economia através da tributação indutora, reduzindo alíquotas ou criando isenções fiscais. Entretanto, no caso de tributos que são repartidos com os demais entes federados, como o Imposto sobre Produtos Industrializados, destinando parcela de sua arrecadação para a formação dos fundos de Participação de Estados e Municípios, a desoneração deve respeitar a autonomia financeira dos demais entes da Federação, caso contrário ferirá cláusula pétrea.
5. REFERÊNCIAS.
AMARAL, Paulo Adyr Dias do. Finanças Públicas e Sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso em 01 de julho de 2022.
________. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 27 out. 1966.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: Malheiros, 3ª ed. 2001.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. São Paulo: Martin Claret, 2008.
[1] ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: princípios do direito político. São Paulo: Martin Claret, 2008.
[2] AMARAL, Paulo Adyr Dias do. Finanças Públicas e Sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p20.
[3] GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988: interpretação e crítica. São Paulo: Malheiros, 3ª ed. 2001.
[4] AMARAL, Paulo Adyr Dias do. Finanças Públicas e Sustentabilidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, pag. 12.
Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco em 2016. Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Maurício de Nassau em 2019.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, Ana Roberta Silva de. Tributação indutora e a intervenção do Estado no domínio econômico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jan 2023, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60863/tributao-indutora-e-a-interveno-do-estado-no-domnio-econmico. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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