A responsabilidade civil Estatal perpassou por inúmeras fases, dentre as quais é possível citar:
1ª fase: Irresponsabilidade estatal.
Trata-se de uma concepção político-ideológica, que sustentava a origem divina dos governantes. Assim, o rei não errava (“the king can do no wrong”). Superada na França com o Aresto Blanco (1873). No Brasil, no entanto, nunca foi adotada.
2ª fase: Responsabilidade subjetiva, assim subdividida:
Teoria do Fisco, da culpa civil ou civilista:
Sustentava a dupla personalidade do Estado. Quando atuava por atos de império, não havia responsabilidade. Quando atuava por atos de gestão, por sua vez, equiparava-se ao particular e havia responsabilidade, mas era necessário demonstrar a culpa ou o dolo do agente público.
Teoria da culpa anônima, culpa administrativa ou falta do serviço:
Exige também a comprovação de culpa ou dolo da Administração, dispensando, no entanto, a identificação do agente. Basta a vítima comprovar a falha do serviço (não funcionou, funcionou mal ou com atraso). É a regra para os atos omissivos, conforme doutrina tradicional e entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
O Supremo Tribunal Federal, no entanto, faz a seguinte distinção: nos casos de omissão genérica não haveria responsabilidade, pois o Estado não pode funcionar enquanto segurador universal. Ex.: segurança pública. Todavia, nos casos de omissão específica, a responsabilidade seria objetiva, pela teoria do risco administrativo. Ex.: custódia de presidiários.
3ª fase: Responsabilidade objetiva:
Teoria do Risco Administrativo: é a regra para os atos comissivos baseados na responsabilidade extracontratual ou aquiliana, conforme artigo 37, parágrafo 6º, da CF, in verbis:
Art. 37, § 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Possui como fundamento para os atos LÍCITOS, o princípio da igualdade (isonomia), nos casos de expressa disposição legal ou sacrifício desproporcional ao particular (TEORIA DA REPARTIÇÃO EQUÂNIME DOS ENCARGOS SOCIAIS), e para os ILÍCITOS, o princípio da legalidade.
Em que pese tratar-se de responsabilidade objetiva, admite excludentes, tais como a culpa exclusiva da vítima, o fato de terceiros, o caso fortuito ou a força maior, no que se diferencia da responsabilidade objetiva integral, adotada excepcionalmente nos casos de atos terroristas, danos ambientais e danos nucleares, mais a frente abordado.
Há que se diferenciar, ainda, o fortuito interno do externo. Isso porque, conforme abalizada doutrina e jurisprudência, só é causa excludente o externo, isto é, que não integra o risco da atividade desenvolvida. Logo, se a situação envolve o risco natural da atividade desenvolvida, tem-se o fortuito interno, que não rompe o nexo causal, de modo que o Estado responde.
Como atenuantes, por sua vez, pode-se mencionar a culpa concorrente da vítima.
Nas relações de custódia, o Estado responde, em regra, de maneira objetiva, dado o dever constitucional de incolumidade que a Carta Magna lhe atribui em determinadas situações. Como exemplo, cite-se a morte de preso dentro do estabelecimento prisional.
Assim, o suicídio de detentos, em regra, gera a responsabilidade civil objetiva do Estado, a não ser que fique comprovado que o suicídio foi repentino e totalmente imprevisível (ad impossibilia nemo tenetur = o dano não podia ser evitado).
Mais recentemente, ainda surgiu a denominada Teoria do Risco Social, ampliando a responsabilidade, por lei, em prol da proteção da vítima e com fulcro no dever de solidariedade em situações especiais de grave risco ou relevante interesse público. Ex.: lei geral da copa, pandemia da COVID-19.
Como requisitos para a responsabilidade civil com fulcro na Teoria do Risco Administrativo, é possível citar a conduta, que pode ser comissiva ou omissiva, lícita ou ilícita e com relação direta com o exercício da função pública ou a omissão relevante dos agentes públicos; o dano, isto é, a lesão ao bem jurídico da vítima, que pode ser patrimonial (dano emergente e lucro cessante) e/ou moral, podendo ambos serem cumulados, conforme entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça; e, por fim, o nexo causal, que é o liame que liga a conduta ao dano.
Além disso, o dano moral pode ser suportado não apenas por pessoas físicas, mas também por pessoas jurídicas, tendo em vista, neste último caso, a lesão à sua honra objetiva, como nome e imagem, por exemplo (súmula nº 227 do STJ).
No que tange às pessoas jurídicas de direito público, em regra, não há que se falar em responsabilidade por dano moral.
No entanto, excepcionalmente, o STJ já admitiu. Colaciona-se, abaixo, comentários do Dizer o Direito, do ilustre professor Márcio André Lopes Cavalcante, bastante elucidativos acerca do tema:
“Imagine que um particular profere palavras ofensivas contra a administração pública. A pessoa jurídica de direito público terá direito à indenização por danos morais sob a alegação de que sofreu violação da sua honra ou imagem?
NÃO. Em regra, pessoa jurídica de direito público não pode pleitear, contra particular, indenização por dano moral relacionado à violação da honra ou da imagem. Nesse sentido: REsp 1.258.389/PB, REsp 1.505.923/PR e AgInt no REsp 1.653.783/SP.
Suponha, contudo, que uma autarquia foi vítima de grande esquema criminoso que desviou vultosa quantia e gerou grande repercussão na imprensa, acarretando descrédito em sua credibilidade institucional. Neste caso, os particulares envolvidos poderiam ser condenados a pagar indenização por danos morais à autarquia?
SIM. Pessoa jurídica de direito público tem direito à indenização por danos morais relacionados à violação da honra ou da imagem, quando a credibilidade institucional for fortemente agredida e o dano reflexo sobre os demais jurisdicionados em geral for evidente.
Nos três julgados acima mencionados nos quais o STJ negou direito à indenização, o que estava em jogo era a livre manifestação do pensamento, a liberdade de crítica dos cidadãos ou o uso indevido de bem imaterial do ente público. No caso concreto é diferente. A indenização está sendo pleiteada em razão da violação à credibilidade institucional da autarquia que foi fortemente agredida em razão de crimes praticados contra ela.
STJ. 2ª Turma. REsp 1722423-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 24/11/2020 (Info 684)”.
Prosseguindo na temática, conforme a TEORIA DO DUPLO EFEITO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS, o mesmo ato administrativo pode vir a causar um dano específico/anormal para determinada pessoa, e para outra não causar dano passível de indenização).
Ademais, a teoria do nexo causal mais aceita no ordenamento jurídico brasileiro é a TEORIA DA CAUSALIDADE DIRETA E IMEDIATA ou TEORIA DA INTERRUPÇÃO DO NEXO CAUSAL – art. 403 do CC/02, segundo a qual, apenas o dano direto e imediato é apto a gerar a responsabilidade estatal.
Segundo a Teoria do RISCO SUSCITADO/INCREMENTADO, quando o poder público atua, de maneira comissiva, e cria com essa conduta uma situação de risco maior para as pessoas, passa a ser responsável por eventuais danos. Isso ocorre porque o estado INCREMENTOU o risco de o dano ocorrer, de modo que responderá de maneira objetiva. Exs.: presídio, munições próximas a residências, dentre outros.
No que toca à prescrição, conforme tese de Repercussão Geral firmada pelo STF, “é prescritível a ação de reparação de danos à Fazenda Pública decorrente de ilícito civil”.
O prazo prescricional para ajuizamento da ação regressiva em face do agente público inicia-se no momento da efetiva lesão do direito material (actio nata objetiva), a saber, na data do trânsito em julgado da sentença em ação indenizatória, e não na data do pagamento da condenação.
O STJ entende que o prazo para ajuizamento de ação em face da Fazenda Pública é de 5 (cinco) anos, conforme o Decreto nº 20.910/32, que prevê norma específica, prevalecendo, portanto, sobre o prazo previsto no Código Civil de 2002.
No que tange às concessionárias de serviços públicos, quando o dano é provocado ao usuário, a relação é contratual, por isso, inaplicável o art. 37, parágrafo 6º, da CF/88, mas a responsabilidade continua objetiva com fulcro no art. 25 da Lei nº 8.987/95 e art. 17 do Código de Defesa do Consumidor. Já quando o dano é a um terceiro, isto é, não-usuário, a responsabilidade é objetiva, nos termos da CF/88. Ressalte-se que, em ambos os casos, o prazo prescricional será de 5 (cinco) anos, com base no art. 1º-C da Lei 9.494 e nos arts. 14 e 27 do CDC.
Conforme entendimento firmado pelos Tribunais Superiores, todavia, é imprescritível a ação indenizatória proposta em face do Estado em razão de danos decorrentes de atos de tortura praticados durante o regime militar, bem como as ações de ressarcimento ao erário fundada na prática de ato doloso tipificado na Lei de improbidade administrativa.
O Estado tem o dever de cobrar, regressivamente, o valor desembolsado. É ilegal, no entanto, impor o desconto em folha de pagamento dos agentes públicos do valor relativo ao ressarcimento ao erário, salvo se houver prévia autorização do agente ou procedimento administrativo com ampla defesa e contraditório.
Para o STJ, a denunciação da lide é faculdade do estado. Cumpre destacar, no entanto, que a doutrina majoritária NÃO admite denunciação, sob o argumento de que ampliaria objetivamente a demanda.
Os efeitos da ação regressiva transmitem-se aos herdeiros e sucessores do agente público culpado, até o limite do patrimônio transferido.
Conforme a teoria da dupla garantia, o art. 37, parágrafo 6º, da CF estabelece uma dupla garantia, isto é, o direito da vítima de ser ressarcida pelos cofres públicos, e do servidor de somente ser responsabilizado pelo próprio estado, em ação regressiva, sendo adotada pelo STF em sede de Repercussão Geral.
Os responsáveis podem ser pessoas públicas (entes e administração indireta) e pessoas privadas que prestam serviço público, tais como concessionárias e permissionárias.
As pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público respondem de forma primária e objetiva.
Já as empresas contratadas pelo Poder Público respondem de forma primária e subjetiva (art. 70 da Lei nº 8.666/1993). Como exemplo, cite-se casos de terceirização.
Responsabilidade por atos legislativos
Em regra, não existe responsabilidade civil do Estado, tendo em vista o caráter genérico e abstrato das normas jurídicas.
No entanto, a doutrina menciona algumas exceções, tais como, leis de efeitos concretos, que constituem, na verdade, atos materialmente administrativos capazes de causar prejuízo patrimonial ensejador de ressarcimento, quando ficar demonstrado um dano desproporcional e concreto. Trata-se de responsabilidade do Estado por ato legislativo lícito, fundada no princípio da repartição dos encargos sociais.
Também é possível mencionar os casos de leis inconstitucionais, que geram responsabilidade desde que a vítima demonstre especial e anormal prejuízo decorrente da norma inválida. A legitimidade passiva, nesses casos, será do Ente responsável pela lei inconstitucional, e não da Casa Legislativa, uma vez que esta é órgão estatal despido de personalidade jurídica.
Há quem defenda, ainda, que há responsabilidade decorrente de mora legislativa, contudo, o STF entendeu que não há direito à indenização da mora decorrente da omissão do Poder Público de formular lei de reajuste geral dos servidores públicos.
“O não encaminhamento de projeto de lei de revisão anual dos vencimentos dos servidores públicos, previsto no inciso X do art. 37 da CF/88, não gera direito subjetivo a indenização. Deve o Poder Executivo, no entanto, se pronunciar, de forma fundamentada, acerca das razões pelas quais não propôs a revisão. STF. Plenário. RE 565089 /SP, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 25/9/2019” (repercussão geral – Tema 19) (Info 953).
Responsabilidade por atos judiciais
Nos casos de atos administrativos praticados pelo judiciário, há responsabilidade caso ocorra o dano a particular, decorrente de ato lícito ou ilícito, assim como ocorre com os demais poderes.
No que toca aos atos judiciais propriamente ditos, por sua vez, em regra, não há responsabilidade, tendo em vista a soberania estatal e a independência funcional dos juízes.
Como exceção, pode-se citar os casos de erro judiciário, desde que anormal, desproporcional, que foge a lógica do razoável. Ex.: prisão equivocada do homônimo, não havendo que se falar em responsabilidade civil em razão de prisão cautelar
Além disso, a prisão além do tempo fixado na sentença ou o ato praticado com dolo ou fraude do magistrado, é possível de gerar responsabilização, consoante art. 143 do CPC/2015.
Danos causados por obras públicas
Neste ponto, há que se diferenciar os casos em que a Administração é responsável pela execução direta da obra, caso em que responderá objetivamente com esteio no artigo 37 da CF/88, dos casos em que executa indiretamente.
No caso de execução indireta, sendo o dano proveniente do mero fato da obra, o estado responderá de forma primária e objetiva. Ex.: obra que acarreta o fechamento de via pública por longo período, prejudicando comerciantes.
Já nos casos de má execução da obra, em regra, a empresa responderá de forma primária e subjetiva (na forma do art. 70 da lei nº 8.666/93, ficando o estado responsável apenas de forma subsidiária. Ex: ausência de sinalização no canteiro de obra que gera queda de pedestre.
Responsabilidade por ato de multidões
Em regra, não geram responsabilidade civil do Estado, tendo em vista a inexistência do nexo de causalidade, pois tais eventos são praticados por terceiros (fato de terceiro) e de maneira imprevisível ou inevitável (caso fortuito ou força maior).
Assim, não há ação ou omissão estatal causadora do dano.
Cumpre ressaltar que excepcionalmente o Estado será responsável quando comprovadas a ciência prévia da manifestação coletiva (previsibilidade) e a possibilidade de evitar a ocorrência de danos (evitabilidade).
Desse modo, se o Estado é notificado sobre encontro violento de torcidas organizadas de times rivais e não adota as providências necessárias para evitar o confronto, restará caracterizada a sua omissão específica e, por consequência, a sua responsabilidade.
Responsabilidade por dano ambiental
O ordenamento jurídico brasileiro adota a teoria do risco integral no que tange à responsabilidade civil por danos ambientais, vedando-se a alegação de causas excludentes do nexo causal.
Art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981: o poluidor é “obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. (Princípio do poluidor-pagador).
Art. 3º, IV, da Lei n.º 6.938/1981, considera-se “poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.
O poder público pode ser poluidor por ação, quando, por exemplo, concede licença para o exercício de atividade econômica em desacordo com a legislação ambiental, ou por omissão, nos casos de ausência de fiscalização de atividades desenvolvidas em área de preservação ambiental.
Quando a omissão de seu dever de fiscalizar for determinante para a concretização ou o agravamento de danos ambientais, caracterizada estará a responsabilidade civil objetiva e solidária entre os poluidores diretos e indiretos.
Nesse sentido, recente súmula do Superior Tribunal de Justiça: A responsabilidade civil da Administração Pública por danos ao meio ambiente, decorrente de sua omissão no dever de fiscalização, é de caráter solidário, mas de execução subsidiária (Súmula nº 652).
Advogada. Pós-graduada em Direito Público. Pós-graduada em Direito Administrativo e Gestão Pública. Autora dos livros - "Audiência de Custódia: Alternativa à Cultura do Encarceramento Enraizada no Sistema Penitenciário Brasileiro" (2019); e - "A (Im)prescritibilidade das Ações de Ressarcimento por Dano Causado ao Erário: Interpretando o art. 37, § 5º, da CF, à luz do entendimento do Supremo Tribunal Federal" (2019). Professora no Conteúdos PGE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Marcela Pedrosa. Responsabilidade civil do Estado: origem, evolução, teorias e disciplina constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jan 2023, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60885/responsabilidade-civil-do-estado-origem-evoluo-teorias-e-disciplina-constitucional. Acesso em: 23 dez 2024.
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