Resumo: O presente trabalho objetiva analisar aspectos gerais da improbidade administrativa, instrumento ímpar na consagração do princípio da moralidade administrativa. Tecer breves comentários acerca de algumas das alterações legislativas trazidas pela Lei 14.230/21, que promoveu profunda alteração no instituto da improbidade administrativa. Bem como comentar a decisão do STF acerca de importantes questões que envolvem o direito intertemporal que surgiram com as alterações trazidas pela Lei supracitada. Especificamente vai se analisar a razão de decidir e o que foi decidido no Tema 1.199 de Repercussão Geral, já que existe uma enorme repercussão prática advinda do que foi decidido.
Palavras-chave: Improbidade Administrativa. Alterações legislativas. Direito intertemporal. Jurisprudência Vinculante. Uniformidade.
Abstract: The present work aims to analyze general aspects of administrative impropriety, a unique instrument in the consecration of the principle of administrative morality. Make brief comments about some of the legislative changes brought about by Law 14.230/21, which promoted a profound change in the institute of administrative impropriety. As well as commenting on the decision of the STF on important issues involving intertemporal law that arose with the changes brought about by the aforementioned Law. Specifically, the reason for deciding and what was decided in Theme 1.199 of General Repercussion will be analyzed, since there is an enormous practical repercussion arising from what was decided.
Keywords: Administrative dishonesty. Legislative changes. Intertemporal law. Binding Jurisprudence. Uniformity.
INTRODUÇÃO
O tema improbidade administrativa é da mais alta relevância, desde a busca de se ressarcir o erário, punir os praticantes dos atos severamente prejudiciais ao funcionamento da Administração Pública, de maneira geral, até a correta interpretação dos dispositivos que regulam a lei para que os servidores possuam a devida segurança jurídica para sua atuação, evitando assim, o fenômeno do “apagão das canetas”, ou seja, uma constante busca do servidor por evitar a sua responsabilização, de modo a limitar ou paralisar o exercício das suas funções. Verdadeira fuga do exercício de suas atribuições, por medo de eventual responsabilização.
Esse tema, que, inclusive, daria um outro artigo, não é o objeto do presente, mas está, com ele relacionado, já que boa parte das alterações trazidas pela Lei 14.230/21 teve como objetivo conferir mais segurança jurídica e afastar esse tipo de fenômeno.
O ato de improbidade administrativa é gravíssimo, não a toa pode levar à suspensão dos direitos políticos do indivíduo. Nesse sentido, é preciso restringir a aplicação aos casos mais graves e evitar a banalização do instituto. Boa parte das alterações trazidas, foram nesse sentido. Em especial a taxatividade do rol de casos de improbidade por violação aos princípios da administração pública. Esse tema será melhor delineado adiante.
A Lei de Improbidade foi profundamente alterada pela Lei 14.230/21 e, como consequência, houve questionamentos acerca dos impactos dessas alterações nos processos já em curso, transitados em julgado, enfim, questões de direito intertemporal. Esse é o cerne do que se pretende analisar neste artigo.
Nessa toada, especificamente, analisar o que o STF decidiu em sede de jurisprudência vinculante acerca de questões envolvendo direito intertemporal no Tema 1.199 de repercussão geral e os principais argumentos utilizados para fundamentar a posição adotada.
Trata-se de decisão relevantíssima e muito necessária à manutenção da segurança jurídica, visando a evitar decisões conflitantes e não isonômicas.
Segundo a doutrina majoritária[1], a improbidade administrativa é espécie de imoralidade administrativa que mereceu tratamento constitucional, o que, ab initio, já denota a sua importância no seio administrativo. A possibilidade de suspensão dos direitos políticos, igualmente, ressalta a grandiosidade do instituto, afinal, o direito mais sagrado que advém de uma democracia, é o de votar.
O tratamento dispensado pela Constituição ao tema apenas enumera alguns meios de punição daquele que cometer ato de improbidade administrativa: suspensão dos direitos políticos, perda da função, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao erário, afirmando que não há prejuízo da ação penal cabível. A Lei de Improbidade Administrativa aumenta o rol de punições. Dessa forma, é de perceber que não se trata de rol taxativo, mas meramente exemplificativo. A própria forma como o artigo constitucional é escrito já denota bem a questão:
Art. 37 § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Na doutrina e na jurisprudência pátria é pacífico o entendimento de que é possível que a Lei de Improbidade preveja outras penalidades. Prova disso é o fato de haver previsão da pena de multa na Lei de Improbidade, a qual não consta no dispositivo constitucional. As penas previstas na Lei de improbidade após a alteração da Lei 14.230 de 2021 foram mais racionalizadas e são as seguintes:
Art. 12. Independentemente do ressarcimento integral do dano patrimonial, se efetivo, e das sanções penais comuns e de responsabilidade, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato
I - na hipótese do art. 9º desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 14 (catorze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 14 (catorze) anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
II - na hipótese do art. 10 desta Lei, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos até 12 (doze) anos, pagamento de multa civil equivalente ao valor do dano e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 12 (doze) anos; (Redação dada pela Lei nº 14.230, de 2021)
III - na hipótese do art. 11 desta Lei, pagamento de multa civil de até 24 (vinte e quatro) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo não superior a 4 (quatro) anos;
A esfera atingida pelo ato de improbidade é a cível, trata-se de ilícito civil. Se o ato de improbidade administrativa também configurar crime, haverá a penalização do agente também na esfera penal. Não por outro motivo, o já transcrito artigo 37, §4º da CF preceitua “sem prejuízo da ação penal cabível”. Igualmente não é de natureza administrativa, não alterando a perseguição na esfera administrativa. Na realidade as 3 esferas são independentes.
Disso decorre, a possibilidade de uma tríplice responsabilização, advinda de um único ato, desde que configurada essa responsabilidade nas respectivas esferas.
Válido o esclarecimento que, conforme dito inicialmente, é considerado espécie de imoralidade, o que nos permite concluir que nem todo ato que configure afronta ao princípio da moralidade será ato ímprobo.
2 DA DECISÃO EM REPERCUSSÃO GERAL
Antes de se adentrar no que foi decidido, é preciso esclarecer que o STF decidiu em sede de repercussão geral. Mas qual a importância e relevância disso?
A EC 45/04, buscando afastar a malfadada insegurança jurídica, evitar decisões não isonômicas e dar maior racionalidade e eficiência ao sistema, instituiu esse mecanismo.
Na época, até houveram vozes que se levantaram contra o instituto alegando a sua inconstitucionalidade por violar a separação dos poderes, já que as decisões proferidas pelo STF em repercussão geral vincularia outros poderes.
É preciso esclarecer que a decisão do STF, nessa modalidade, passa a ser vinculante para todo o Judiciário, exceto o próprio STF, que pode futuramente rever o posicionamento, para a Administração Pública, bem como, para o Legislativo, quando do exercício de sua função atípica, qual seja, a Administrativa.
Desse modo, essencial delinear que não há vinculação do Poder Legislativo quando do exercício de função típica – a de Legislar.
3. DA REVOGAÇÃO DA MODALIDADE CULPOSA
De todas as espécies de improbidade administrativa, apenas o ato de improbidade violador dos princípios administrativos previa a possibilidade de conduta culposa. Nesse sentido, confira-se a redação antiga:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
Dessa redação, além de haver a possibilidade de conduta culposa, a qual admite a prática de improbidade por imperícia, imprudência e negligência, o rol ainda era exemplificativo, afinal, o artigo fala em “notadamente”.
Por conta disso, muitos agentes públicos e particulares foram condenados, pois é muito mais fácil configurar a conduta culposa do que a dolosa. Além disso, em sendo o rol aberto e em se tratando de violação de princípios, foram se configurando uma série de casos em que se configurava a improbidade administrativa.
Um bom exemplo é o seguinte caso:
A tortura de preso custodiado em delegacia praticada por policial constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública[2].
Ocorre que, como dito, existem diversas instâncias que podem punir o ato e a improbidade é um ilícito civil qualificado, já que, dada sua gravidade, o legislador permite até que se suspendam os direitos políticos do autor do ato.
Nesse sentido, permitir que a jurisprudência determine ou não se um determinado ato configura improbidade violadora dos princípios da administração pública, que, por serem princípios, possuem enorme abertura semântica, bem como, que se configure, tão somente quanto à culpa, gera enorme insegurança jurídica e a banalização desse ato que só deve ser aplicado nos casos mais extremos.
Foram justamente esses os motivos que levaram o Congresso Nacional a alterar a Lei de Improbidade, que ficou com a seguinte redação:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:
Perceba-se, que, agora, somente atos de improbidade dolosos e somente os previstos no rol taxativo do artigo 11 da Lei de Improbidade, é que são ensejadores de ato de improbidade por violação aos princípios administrativos.
Por conta dessa guinada legislativa, muitas ações foram protocoladas pedindo a absolvição em condenações anteriores que foram culposas ou que se pautaram em atos de improbidade que não estão tipificados na lei pós atualização normativa.
Os principais argumentos são no sentido de que a Lei de Improbidade Administrativa expressamente prevê a aplicação dos princípios do direito administrativo sancionador que tem forte ligação com o direito penal, nesse sentido:
Art. 1º (...) § 4º Aplicam-se ao sistema da improbidade disciplinado nesta Lei os princípios constitucionais do direito administrativo sancionador.
Ademais, alegou-se que, no caso, deveria se aplicar o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, nos termos da CF:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;
Ocorre que, como se sabe, a improbidade administrativa é matéria afeta à seara cível, de forma que a regra da retroatividade benéfica não pode ser aplica ao caso, conforme decisão o STF no tema analisado.
É preciso ter em mente, que a regra no nosso ordenamento jurídico é a irretroatividade, até por conta da segurança jurídica. Dessa forma, o art. 5º, XL, da CF/88, que fala especificamente em lei penal e visa a tutelar especificamente casos que envolvam restrição da liberdade, deve ser interpretado restritivamente, por constituir exceção à regra e, não pode, absolutamente, ser aplicado na esfera civil para fins de improbidade administrativa.
A lógica do constituinte ao instituir essa exceção foi a de fazer incidir a retroatividade quando, por exemplo, deixa-se de se considerar certa conduta crime. Afinal, acaso se deixe de considerar determinada conduta criminosa, não faz sentido manter preso alguém que a cometeu antes da descriminalização.
Em suma, são bens jurídicos diferentes e âmbitos de atuação diversos (um é penal, outro é cível). Por isso, no que se refere aos processos transitados em julgado e as execuções das penas e seus incidentes, não é possível a aplicação das alterações advindas da Lei 14.230/21. Somado aos argumentos supracitados, tem-se que a admitir a aplicação a esses processos violaria a coisa julgada, afinal, o art. 5º, XXXVI, da CF, expressamente delineia que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
Nesse sentido, concluiu o STF:
Por força do art. 5º, XXXVI, da CF/88, a revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, promovida pela Lei nº 14.230/2021, é irretroativa, de modo que os seus efeitos não têm incidência em relação à eficácia da coisa julgada, nem durante o processo de execução das penas e seus incidentes[3].
Superada essa questão, impõe-se perquirir, então, a que processos as alterações trazidas se aplicam? Ora, a depender da resposta, isso pode resultar numa absolvição ou numa condenação, daí a extrema relevância do tema e, também, a necessidade de se responder o tema o mais rápido possível.
Essas mudanças se aplicam a todos os processos posteriores à sua data de publicação e vigência (26/10/21)? Ou se aplica aos processos em curso, mas ainda não transitados em julgado?
A resposta para essa questão passa pela natureza de processo civil, que já foi analisada. Ora, em se tratando de processo civil, a regra aplicável é a do “tempus regit actum”, nesse sentido é o seguinte artigo do CPC:
Art. 14. A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada.
Por esse motivo, o STF entendeu que, nos processos ainda em curso a alteração promovida é plenamente aplicável, sem importar em retroatividade. Seria o caso de um processo que tramitou na primeira instância, a parte foi condenada com base na Lei de Improbidade por ato culposo e ao chegar no Tribunal houve a publicação das alterações na Lei de Improbidade. Nesse caso, deve-se verificar a ausência de dolo e, o fazendo o réu deve ser absolvido.
Com isso, quer-se dizer que, o só fato de ter sido condenado por ato de improbidade culposo e no curso do processo advir a alteração legislativa, não implica a absolvição automática, devendo o juízo competente proceder ao exame de eventual dolo. É nesse sentido a decisão do STF:
Incide a Lei nº 14.230/2021 em relação aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência da Lei nº 8.429/1992, desde que não exista condenação transitada em julgado, cabendo ao juízo competente o exame da ocorrência de eventual dolo por parte do agente[4].
Então, o STF decidiu a que processos se aplica a mudança legislativa e que isso não implica a absolvição automática, devendo o órgão julgador proceder ao julgamento do caso conforme se identifique a existência de dolo.
4. MUDANÇAS NA PRESCRIÇÃO
A prescrição é a perda da pretensão de exercer o direito de ação contra um determinado sujeito. Perceba que não há fulminação do direito em si, mas somente da pretensão, ou seja, ele permanece intacto, mas a parte não pode se socorrer do judiciário para fazer valer seu direito. Quem regulamenta o instituto o Código Civil, mais precisamente o seu artigo 189:
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
Assim como boa parte das alterações promovidas na lei de improbidade, como citado, a prescrição tem como fundamento a segurança jurídica e a paz social, pois impede que quem se mantém inerte exerça seu direito sobre outrem depois do decurso do prazo previsto em lei. Dessa forma, há inegável estabilização de relações jurídicas, algo que é fundamental para os mais diversos aspectos da vida, considerada como um todo.
Feita essa explicação, percebe-se que era fundamental prever o prazo prescricional para se ajuizar a ação de improbidade, o que foi feito no art. 23 LIA. A antiga previsão era nos seguintes termos:
Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;
II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.
III - até cinco anos da data da apresentação à administração pública da prestação de contas final pelas entidades referidas no parágrafo único do art. 1o desta Lei.
Perceba-se, portanto, que havia uma complicada disciplina, que inclusive foi alvo de diversos debates, como por exemplo, quando começaria o prazo de prescrição no caso de exercente de cargo eletivo que comete ato de improbidade, mas é reeleito para outro mandato? A expressão contida no art. 23, I, da LIA “término do exercício de mandato”, se refere ao do mandato em que se praticou o ato de improbidade ou, em caso de reeleição, ao fim de qualquer mandato eletivo?
Enfim, eram diversas as divergências, que até foram pacificadas pela jurisprudência, mas aqui não se adentra no mérito dessas questões, pois não é o foco do presente artigo. Na realidade, o objetivo de trazer a discussão é somente mostrar que houve uma simplificação do trato da matéria, quando do advento da Lei que alterou a LIA.
Atualmente, o artigo 23 da LIA dispõe da seguinte maneira:
Art. 23. A ação para a aplicação das sanções previstas nesta Lei prescreve em 8 (oito) anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência.
§ 1º A instauração de inquérito civil ou de processo administrativo para apuração dos ilícitos referidos nesta Lei suspende o curso do prazo prescricional por, no máximo, 180 (cento e oitenta) dias corridos, recomeçando a correr após a sua conclusão ou, caso não concluído o processo, esgotado o prazo de suspensão.
De pronto, é notável o fato de que, em termos absolutos, se aumentou o prazo, já que o maior sob a égide da Lei anterior era de 5 anos e agora é de 8 anos. Em sendo assim, por que foram ajuizadas diversas ações visando à aplicação do novo prazo previsto na lei de improbidade? Não faria mais sentido para o réu querer que se aplique o prazo de menos anos?
Não necessariamente. A resposta está no termo inicial do prazo. De maneira geral, o prazo anterior, em termos absolutos era menor, mas o seu termo inicial se dava somente com o conhecimento da autoridade o que poderia levar anos, tornando a soma do prazo para conhecimento pela autoridade com o previsto no artigo 23 maior do que o prazo trazido pela Lei 14.230/21, já que da prática do ano, já começa a contar o prazo prescricional.
Abre-se um pequeno parêntese para ressaltar a previsão de suspensão do prazo em 180 dias no caso de ser aberto inquérito civil ou processo administrativo.
Dito isso, assim como ocorreu na questão referente à supressão da modalidade culposa, passou-se a questionar que prazo deve se aplicar, já que essa decisão afeta diversos processo, que, a depender do caminho que se tomar podem estar prescritos. É salutar, nesse sentido, mencionar que, diferente da LIA anterior, a nova previu a aplicabilidade da prescrição intercorrente nos processos de improbidade administrativa. Esse é um ponto bastante relevante, pois a LIA pré- alterações era omissa e, firmou-se, no âmbito do STJ o seguinte entendimento:
Esta Corte Superior possui jurisprudência consolidada no sentido de que não há falar em prescrição intercorrente nas ações de improbidade administrativa, pois a Lei 8.429/92 somente prevê a existência de prazo prescricional para o ajuizamento da ação[5].
Dessa forma, resta superado o referido entendimento, que, por sinal, era consolidado. Conforme nota-se da previsão a seguir:
Art. 23 (...) § 8º O juiz ou o tribunal, depois de ouvido o Ministério Público, deverá, de ofício ou a requerimento da parte interessada, reconhecer a prescrição intercorrente da pretensão sancionadora e decretá-la de imediato, caso, entre os marcos interruptivos referidos no § 4º, transcorra o prazo previsto no § 5º deste artigo.
§ 5º Interrompida a prescrição, o prazo recomeça a correr do dia da interrupção, pela metade do prazo previsto no caput deste artigo.
Em suma, a questão enfrentada pelo STF era se esse novo prazo previsto retroage. Decidiu-se o que segue:
Os prazos prescricionais previstos na Lei nº 14.230/2021 não retroagem, sendo aplicáveis a partir da publicação do novo texto legal (26/10/2021)[6].
A razão de ser foi que acaso retroagissem estaria ferindo de morte o ato jurídico perfeito, o princípio da segurança jurídica, a proteção da confiança (vertente da segurança jurídica ligada à Administração Pública, bem como se restringiria o acesso à justiça. Afinal, determinado processo que foi ou seria ajuizado poderia ter que ser extinto ou ser estar prescrito quando do seu eventual ajuizamento se o prazo novo retroagisse, pois, como explicado anteriormente, apesar de se tratar de prazo com mais anos, o termo inicial é completamente diverso e de forma que torna muito mais provável a prescrição.
Outro ponto relevante e que foi levada em consideração pelo STF quando da decisão é que, acaso se permitisse que o novo prazo prescricional retroagisse o que se teria é verdadeiro desvirtuamento do instituto da prescrição.
Explico melhor. O fundamento da prescrição é a pacificação social e a punição da inércia do detentor da pretensão. Nesse sentido, imaginemos a situação em determinada ação de improbidade ainda pudesse ser ajuizada em 2 anos. Logo mais, advém uma alteração legislativa e pela nova contagem, acaso fosse permitida a retroação, a pretensão estaria fulminada.
Ora, nesse caso, fica claro que, se permitida a retração, uma lei posterior determinou que o detentor da pretensão foi moroso, inerte, tratando-se de verdadeira conduta surpreendente, pois, no caso dado como exemplo ainda haviam 2 anos para se ajuizar a ação. É por esse motivo que se fala que permitir a retroação do prazo prescricional violaria o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança. Taxar de inerte, quem não foi, por lei futura é situação teratológica e que deve, portanto, ser afastada, de forma que muito pertinente o marco temporal escolhido pelo STF.
Considerações Finais
Por todo o exposto, é preciso primeiro elogiar a velocidade com que o STF decidiu a questão, pois isso é muito importante para uniformizar a jurisprudência e evitar o sentimento de injustiça dos jurisdicionados para o caso de decisões opostas em que a situação jurídica é a mesma.
Do mesmo modo, é muito salutar o instituto da repercussão geral e o sistema de jurisprudências vinculantes que progrediu bastante com o advento do novo CPC.
No que concerne o mérito do artigo, é preciso esperar para ver como vão ser as repercussões das alterações na Lei de Improbidade, mas, de pronto, muitas delas são muito pertinentes já que visam a dar maior segurança jurídica. Em especial a unificação dos prazos de prescrição num único, com termo inicial bem definido, além de um maior controle e, portanto, menor abertura semântica para caracterizar os atos de improbidade violadores dos princípios da administração pública.
Especificamente quanto as questões de direito intertemporal, o STF decidiu que a retirada da modalidade culposa dos casos que envolvem condenação de atos de improbidade por violação aos princípios da administração pública deve ser vistos à luz dos princípios da irretroatividade da lei e da regra processual na qual o tempo em que ato processual é praticado é que determinada a regra a que se aplica.
Desse modo, não se aplicam aos processos transitados em julgados, bem como aos que executam eles, mas se aplica aos processos em curso.
Já no que tange ao novo prazo prescricional e a todas as alterações trazidas por ele e já comentadas no corpo do artigo, ele só se aplica para os atos de improbidade praticados após a publicação da Lei 14.230/21. Foram esses os marcos temporais adotados pelo STF e que foram exaustivamente analisados.
Referências
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Seção. REsp 1.177.910-SE, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 26/8/2015 (Info 577).
______. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1860617/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 23/11/2020.
______. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Tribunal Pleno, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1.199) (Info 1065).
CASTRO, Renério. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022.
[1] CASTRO, Renério. Manual de Direito Administrativo. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Juspodivm, 2022. p. 824.
[2] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Seção. REsp 1.177.910-SE, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 26/8/2015 (Info 577).
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1199) (Info 1065).
[4] Idem.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 2ª Turma. AgInt nos EDcl no REsp 1860617/MS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 23/11/2020.
[6] _____. Supremo Tribunal Federal. Plenário. ARE 843989/PR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, julgado em 18/8/2022 (Repercussão Geral – Tema 1199) (Info 1065).
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Advogado. Pós-graduado em Direito Tributário e Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREIRE, Pedro Borges Coelho de Miranda. Alterações na Lei de Improbidade Administrativa e seus reflexos no direito intertemporal. Uma análise do Tema de Repercussão Geral 1.199 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2023, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61078/alteraes-na-lei-de-improbidade-administrativa-e-seus-reflexos-no-direito-intertemporal-uma-anlise-do-tema-de-repercusso-geral-1-199. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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