RESUMO: O presente artigo pretende analisar o poder nas relações entre capital e trabalho, especificamente nas relações de emprego, a partir da obra A Força do Direito de Frederick Schauer, o que justificaria a sujeição dos trabalhadores, ao poder empregatício conferido à figura do empregador nos contratos de trabalho. O poder nas relações de emprego somente pode ser estudado a partir dos conceitos de subordinação e poder empregatício. A subordinação é um dos elementos essenciais do contrato de emprego, correspondendo à antítese do poder empregatício. A questão principal, é entender se o trabalhador cumpriria as determinações diretivas do empregador, principalmente o poder punitivo, pela aceitação do poder conferido ao empregador, considerando-o legítimo, ou se é uma relação de submissão à força do capital revelada pela ameaça de uma sanção. Justamente essa a indagação que pretendemos analisar. Seria possível que a força de trabalho brasileira se enquadre perfeitamente no conceito de “pessoas perplexas” cunhado por Hart e apresentado por Schauer em seu livro, ou seja, trabalhadores que cumprem com o poder diretivo do empregador, simplesmente por ser um poder assegurado pela ordem jurídica, e, portanto, legítimo? Ou pelo medo da demissão, como sanção pelo não cumprimento de ordens, que exorbitam muitas vezes os limites preestabelecidos leva ao cumprimento? Como método de pesquisa, pretende-se adotar o levantamento através de pesquisa bibliográfica em materiais publicados, entre doutrinas, julgados, artigos científicos, notícias, dentre outros, utilizando-se como método de abordagem o método dedutivo.
Palavras-chave: Subordinação, poder empregatício, trabalhadores perplexos, força do direito.
Introdução
O presente artigo pretende analisar o poder nas relações entre capital e trabalho, especificamente nas relações de emprego, a partir da obra A Força do Direito de Frederick Schauer, o que justificaria a sujeição dos trabalhadores, ao poder empregatício conferido à figura do empregador nos contratos de trabalho.
O poder nas relações de emprego somente pode ser estudado a partir dos conceitos de subordinação e poder empregatício. A subordinação é um dos elementos essenciais do contrato de emprego, correspondendo à antítese do poder empregatício.
De forma geral, é na relação de emprego que nasce para o empregador o poder empregatício e para o empregado o dever de obediência, sujeição, que se exterioriza pela subordinação.
O poder empregatício é um conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica, concentradas na figura do empregador, para o exercício da direção, fiscalização, regulamentação e disciplinamento da economia interna da empresa e correspondente prestação de serviços.
Decorre do poder empregatício o poder punitivo ou disciplinar, que nos interessa em nosso estudo. O poder punitivo caracteriza-se como o conjunto de atribuições concentradas no empregador com o escopo de propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais.
Vale lembrar que, o contrato de trabalho cria uma relação jurídica assimétrica de poder, em que o empregado se encontra em um estado de subordinação à direção do empregador.
A questão principal, é entender se o trabalhador cumpriria as determinações diretivas do empregador, principalmente o poder punitivo, pela aceitação do poder conferido ao empregador, considerando-o legítimo, ou se é uma relação de submissão à força do capital revelada pela ameaça de uma sanção.
Certamente não podemos desconsiderar em nossa análise que a relação empregatícia tem um fundo essencialmente econômico. O trabalhador coloca sua força de trabalho à disposição do empregador, que lhe retribui com uma contraprestação financeira, a remuneração. Uma das faces do poder, o poder compensatório, que pressupõe que a obediência do trabalhador decorre da recompensa positiva. O direito do trabalho mantém essa dualidade premial e punitiva.
Contudo, não podemos esquecer que o empregador tem como objetivo único a obtenção de lucro, ou seja, a remuneração do capital, e não a remuneração do empregado. De forma que, sempre atribuirá o menor valor possível à força de trabalho colocada à sua disposição, percebendo o maior lucro. Dito isso, o poder compensatório não nos parece ser o estímulo da obediência, da subordinação do empregado.
Considerando ainda que, conforme pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria, parcela expressiva dos brasileiros têm um grande medo de perder o emprego, apreensão que atinge em maior porcentagem as mulheres. Importa a análise do porquê o trabalhador obedece ao empregador?
Justamente essa a indagação que pretendemos analisar. Seria possível que a força de trabalho brasileira se enquadre perfeitamente no conceito de “pessoas perplexas” cunhado por Hart e apresentado por Schauer em seu livro, ou seja, trabalhadores que cumprem com o poder diretivo do empregador, simplesmente por ser um poder assegurado pela ordem jurídica, e, portanto, legítimo? Ou pelo medo da demissão, como sanção pelo não cumprimento de ordens, que exorbitam muitas vezes os limites preestabelecidos leva ao cumprimento?
O presente artigo pretende analisar a adequação do conceito de “pessoas perplexas” aos trabalhadores, que acolheriam o poder diretivo empresarial, por considerá-lo um poder legítimo. Em sentido ainda mais específico pretende-se analisar, em contraposição à ideia de trabalhadores como “pessoas perplexas”, o medo de uma punição, como justificativa para a subordinação jurídica.
Como método de pesquisa, pretende-se adotar o levantamento através de pesquisa bibliográfica em materiais publicados, entre doutrinas, julgados, artigos científicos, notícias, dentre outros, utilizando-se como método de abordagem o método dedutivo.
1.Empresa como centro de Poder
A empresa é um centro de poder, que se revela, juridicamente, através dos poderes de organização, direção, comando, regulamentação, fiscalização, e por fim, pelo poder sancionador, punitivo ou disciplinar.
Como nos ensina Comparato[1] se procurarmos uma instituição social que, pela sua importância, pela sua força e poder, possa expressar a própria civilização contemporânea, essa instituição é a empresa.
A empresa é o lugar onde se instala a relação empregatícia, como uma das dimensões mais expressivas do poder, considerando que é na relação empregatícia que nasce para o empregador o poder empregatício e para o empregado o dever de obediência, sujeição, que se exterioriza pela subordinação.
Para Max Weber[2] entende-se poder como “a oportunidade existente dentro de uma relação social que permite a alguém impor a sua própria vontade mesmo contra a resistência e independentemente da base na qual esta oportunidade se fundamenta”.
Deste modo, poder é a capacidade de mandar, de dirigir a conduta de outros, fazer com que seja obedecido. O comando sempre pressupõe a obediência, só há poder se existe aquele que se submete.
É aceito como consenso de que a empresa é um centro de poder, um campo no qual relações de dominação, submissão e obediência são estabelecidas desigualmente. Neste sentido, nos ensina Coutinho[3]:
“O empregador detém o poder, porquanto é o proprietário dos meios de produção; porquanto é autoridade naquela instituição; porquanto pactuou num contrato; porquanto controla juridicamente o conjunto da estrutura empresarial; porquanto assumiu os riscos da atividade empresarial (...)”
A teoria justrabalhista apresenta algumas interpretações acerca da origem e da fundamentação jurídica do poder empresarial, conferindo-lhe validade no campo do Direito.
Como nos ensina Coutinho, uma primeira corrente, talvez a mais antiga das concepções, explica o exercício do poder empregatício a partir da propriedade privada. Deste modo, em sendo o empregador o proprietário dos bens de produção, ao assumir os riscos do empreendimento, o poder de direção, organização, fiscalização e disciplina, lhe são inerentes.
Embora essa corrente apresente numerosos adeptos, é muito criticada pela doutrina contemporânea, considerando-se, dentre outras coisas, uma concepção moderna de empresa, em que a velocidade em que ocorrem mudanças na titularidade do empreendimento, negociações e acordos para transferência de ações, não nos permitem determinar com precisão o direito de propriedade.
Uma segunda corrente busca na instituição o fundamento do poder empresarial interno. Seu maior defensor, o doutrinador Luiz José de Mesquita[4], sustenta que:
“visto do lado institucional esse direito encontra fundamento no interesse social da empresa, que exige uma perfeita organização profissional do trabalho fornecido por seus colaboradores a fim de se atingir um bem comum de ordem econômico-social. A ordem na organização técnica da produção e na administração interna da empresa exige uma direção neste sentido.”
Não obstante, segundo Magano, essa doutrina, em verdade, apenas justificaria o poder empregatício, sem explicá-lo, dissimulando uma liberdade na relação empregatícia em uma perfeita integração e colaboração entre empregados e empregadores, voltada para o bem comum da empresa. Essa doutrina é rechaçada pela necessidade de se garantir um poder ilimitado ao empregador, à quem é atribuído o poder de punir ou deixar de punir o empregado, bem como valorar a penalidade a ser aplicada[5].
A corrente publicista, no que lhe concerne, concebe o poder empregatício como uma delegação do poder público. Essa corrente é duramente criticada, pela noção de que o poder empresarial, com origem no Estado, é autoritária e “historicamente errônea”[6], considerando que a história demonstra a absorção do poder pela sociedade democrática, com a decorrente existência de centros de poder esparsos, o que contrapõe ao centralismo estatal.
A concepção mais hegemônica, com amplo potencial explicativo para o poder empresarial, e aceita atualmente por grande parte dos doutrinadores, é a contratualista. Segundo essa corrente, o contrato de trabalho é o título e fundamentação do poder intraempresarial, alcançando o pacto de vontades, que dá origem à relação de emprego, importando em um conjunto complexo de direitos e deveres, para o trabalhador e para o empregador.
O que se sustenta pelas palavras da doutrinada Coutinho[7] ao analisar o tema:
“O acolhimento, quase-unânime, vem indicando através da figura do empregador como a autoridade que dirige a atividade, numa linha obrigacional, por meio de um contrato de trabalho, que é caracterizado como criador de uma relação de emprego com subordinação, ou pela figura do empregado que possui o dever de obediência e está em um estado de sujeição. Os três aspectos são complementares, estado presente direita ou indiretamente sob qualquer dos fundamentos referidos pela doutrina e acolhidos pela jurisprudência.”
No ordenamento jurídico brasileiro, muito embora não seja possível encontrar uma regra jurídica expressa que faça referência ao poder empregatício, indiretamente podemos extraí-lo do artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que menciona a assunção de riscos da atividade pelo empregador, que assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.
De uma forma geral, podemos dividir o poder empresarial em quatro dimensões: o poder diretivo ou organizativo; o poder regulamentar; o poder fiscalizatório ou poder de controle; e o poder disciplinar ou punitivo.
O poder diretivo é classificado pelo doutrinador Godinho Delgado como o conjunto de prerrogativas atribuídas ao empregador dirigidas à organização da estrutura empresarial, inclusive o processo de trabalho adotado no estabelecimento e na empresa. O poder regulamentar voltado à fixação de regras gerais a serem observadas no âmbito do estabelecimento da empresa, e que para muitos doutrinadores seria mera expressão do poder diretivo. O poder fiscalizatório, que propicia o acompanhamento da prestação de serviços e a vigilância do espaço interempresarial. E, por fim o poder punitivo do empregador, à quem é atribuído com o escopo de propiciar a imposição de sanções aos empregados em face do descumprimento por esses de suas obrigações contratuais [8].
Os poderes de direção, regulamentar e fiscalizatório não apresentam grandes questionamentos, dentro do que se considera poder empresarial. Por sua vez, o poder punitivo do empregador, merece uma avaliação mais aprofundada, questionando-se inclusive o que leva o trabalhador a aceitar ser “punido” por seu empregador.
2.Vertentes do Poder Empregatício – O Poder Punitivo
Como analisamos o poder empregatício pode ser definido como o conjunto de prerrogativas asseguradas pela ordem jurídica ao empregador, para o exercício da direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da estrutura interna da empresa e da prestação de serviços.
A empresa como centro de poder, pressupõe a presença de uma autoridade capaz de impor e manter a ordem e disciplina, ainda que sob a pena de uma sanção. Vale dizer que, o Estado não detém mais, de forma exclusiva o monopólio da punição.
O contrato de trabalho seria o instrumento capaz de conferir legitimidade à relação desigual que possibilita ao empregador dar ordens, às quais o empregado deve cumprir. Deste modo, sem entrarmos de forma mais específica nas diferentes concepções que explicam a legitimidade, se as ordens decorrem do contrato de trabalho e não são manifestamente ilegais, tem presunção de legitimidade.
O poder punitivo, portanto, é a possibilidade de exigibilidade direta do cumprimento das ordens decorrentes do contrato de trabalho, pelo titular do direito (empregador), sem a necessidade de intervenção do poder estatal, como uma forma de autotutela dos interesses próprios[9].
O ordenamento jurídico brasileiro apresenta comandos direitos e limitativos às condutas do trabalhador, extrapolando, inclusive o controle e organização empresarial, voltando-se à inibição de práticas sociais, contrárias aos interesses da atividade empresarial, como uma verdadeira série de padrões de conduta.
Justifica-se a existência de um poder punitivo como manifestação da autoridade empresarial, considerando-se que os demais poderes, de direção, organização e fiscalização, consubstanciam-se como meros poderes morais, que não sustentariam uma obediência devida pelo trabalhador. Dessa forma, o poder punitivo, baseado em sansões, asseguraria a força coercitiva necessária ao cumprimento das ordens emanadas do contrato de trabalho.
De todo o exposto, considerando-se que o poder empresarial é legítimo, e o poder punitivo é necessário para o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho, é que se questiona se o poder punitivo, ou seja, o medo de sanções, seria realmente o único instrumento viabilizador para a obediência do trabalhador, ou se o trabalhador se submeteria aos poderes diretivos do empregador, por considerá-lo legítimo, mesmo em sua vertente sancionadora.
3.Dever de Obediência? – Subordinação
O poder nas relações de emprego somente pode ser estudado a partir dos conceitos de subordinação e poder empregatício. A subordinação é um dos elementos essenciais do contrato de emprego, correspondendo à antítese do poder empregatício.
De forma geral, é na relação de emprego que nasce para o empregador o poder empregatício e para o empregado o dever de obediência, sujeição, que se exterioriza pela subordinação.
Como nos ensina o doutrinador Maurício Godinho Delgado[10], por muito se debateu sobre a natureza jurídica da subordinação na relação de emprego, pacificando-se na doutrina e na jurisprudência como um fenômeno jurídico, derivado do contrato de trabalho.
Conforme os estudos do doutrinador a subordinação jurídica manifesta-se em três dimensões: clássica ou tradicional, pela qual o empregado compromete-se a acolher o poder de direção da empresa no tocante ao modo de realização de sua prestação de serviços; a subordinação objetiva que se manifesta pela integração do trabalhador nos fins empresariais, e; a subordinação estrutural que se expressa pela inserção do trabalhador na dinâmica empresarial, estruturalmente integrado na empresa.
De modo geral o trabalhador deve juridicamente, obediência e fidelidade a seu empregador, encontrando-se em um estado de submissão da sua vontade ao poder do empregador, que detém o poder de dirigi-lo, controlá-lo, fiscalizá-lo e puni-lo, se necessário. A subordinação reflete esse estado de sujeição ao poder empregatício, que decorre do contrato de trabalho.
Essa sujeição ao poder empregatício é explicada na doutrina através de três instrumentos que nos permitem manejá-lo ou exercê-lo, conforme uma classificação clássica do poder.
Segundo as expressões criadas por Galbraith, em sua obra Anatomia do Poder, há três instrumentos ou atributos que outorgam o direito de utilizar o poder: o poder condigno, o poder compensatório e o poder condicionado[11].
O poder condigno obtém submissão a partir de uma força coercitiva revelada pela violência, pela capacidade de imposição de um mal, ou ameaçando consequências dolorosas, ou desagradáveis.
Nas palavras do doutrinador:
“O poder condigno obtém submissão pela capacidade de impor às preferências do indivíduo ou grupo uma alternativa suficientemente desagradável ou dolorosa para levá-lo a abandonar essas suas preferências. Há ênfase na punição no termo “condigno” que transmite a impressão adequada”.
O trabalhador obedece, porquanto pode ser punido, ou imagina que o será. Em defesa do poder condigno, alega-se que sem a ameaça de um mal, configurado em penalidades, que vão da simples advertência, até a penalidade máxima celetista de aplicação de uma justa causa, a direção e o comando não seriam factíveis. É somente pela possibilidade de aplicação de uma pena, que o trabalhador cumpriria seu dever.
Frederick Shauer ressalta que o poder modificativo de comportamentos que a sanção pode ter. Segundo o doutrinador, esse processo pode ser chamado de persuasão ou adequação. Para ele: “a coerção jurídica pode produzir mudança de preferências exatamente dessa maneira, tornando a coerção subsequente, pelo menos para aqueles cujas atitudes foram alteradas, um pouco menos necessárias[12]”.
Por outro lado, o poder compensatório, encontra na recompensa positiva a conquista da submissão. Em nossa economia moderna, o poder compensatório encontra na remuneração sua mais importante expressão.
O ordenamento jurídico trabalhista sustenta essa dualidade de poderes, dado que apresenta normas legais que premiam e normas que penalizam.
Por fim, o poder condicionado, abandona a ideia de violência procurando seu exercício na mudança de convicção, de uma crença, chegando a um consenso. É o que o doutrinador Fábio Ulhoa Coelho denomina purificação do poder[13].
No poder condicionado a aceitação da autoridade e sua submissão é deliberadamente cultivada, pela persuasão ou pela educação, ou ainda pode ser ditada pela própria cultura, em que a obediência é considerada norma apropriada.
Neste sentido o doutrinado Fábio Ulhoa Coelho bem nos lembra que a própria existência da empresa, enquanto organização , leva às pessoas a seguirem determinada direção, eliminando comportamentos ou expectativas desconformes com a realidade da instituição. De forma que, opor-se ao poder sancionador empresarial, seria estar contra todo o sistema, e suportar, assim o fardo de ficar à margem da possibilidade de manter um vínculo empregatício.
Deste modo, a obediência decorre de uma crença, que o trabalhador tem de que assim deve proceder, por mecanismos de condicionamento, conscientes ou inconscientes. “Parece natural, apropriado e correto (..) é fundamental para o funcionamento da economia e do governo nos tempos atuais, tanto nos países capitalistas como nos socialistas, é necessário ao bom funcionamento da empresa” [14].
Poderíamos fazer uma aproximação, do poder condicionado, ao que Schauer nos apresenta em sua obra A Força do Direito, ao explicar o conceito de pessoa perplexa, cunhado por Hart: “A pessoa perplexa seria aquela que considera a obrigação jurídica sem sanção como motivo para agir e como motivo que pode influenciar, e com frequência, influencia, seu comportamento e suas decisões.[15]”
Como o doutrinador nos ensina, desde Sócrates, as pessoas buscam nas obrigações morais, independentemente do conteúdo, a motivação para obedecer ao direito, ou ao poder.
Com o propósito de sustentar a existência das pessoas perplexas, Schauer nos apresenta os estudos do psicólogo social Tom Tyler (Por que as pessoas obedecem o direito?), que estabelece por meio de questionários, que “as sanções têm importância decididamente secundária na explicação da conformidade jurídica (...) “ a moralidade é o fator primário na formação do comportamento relacionado ao direito”[16]
Os estudiosos do Direito do Trabalho, abraçam o poder condicionado, rechaçando o poder punitivo na seara trabalhista, sustentando que a aplicação de castigos ou punições ao empregado é absolutamente incompatível com um direito pautado nos princípios democráticos e voltado para a proteção, daí decorre o princípio protetor, do hipossuficiente.
3.1 Trabalhadores Perplexos?
Partindo da tríade que classifica o poder, e dos conceitos de poder empregatício e sua antítese subordinação, chegamos a nosso principal objetivo de estudo: o porquê os trabalhadores obedecem?
A subordinação, como elemento revelado através do contrato de trabalho, as necessidades econômicas e organizacionais da empresa, a inserção do trabalhador em uma estrutura hierárquica, a propriedade privada, dentre outros elementos, são apresentados pela doutrina como justificativas.
A obediência pelo medo, ou seja, pelo uso da força, é fator importante levantado pela doutrina, principalmente dentre os que sustentam a necessária manutenção do poder punitivo como meio de cumprimento legítimo das ordens emanadas do contrato de trabalho.
É inegável que a sanção consegue filtrar as condutas lesivas ou destruidoras do poder, como ressalta Foucault, a pena é capaz de docilizar o trabalhador[17].
Neste comento, devemos lembrar que atualmente o Brasil apresenta 11,9 milhões de desempregados[18], e uma alta taxa de empregados que afirmam ter medo de perder seu posto de trabalho, de forma que a relação de submissão à força do capital revelada pela ameaça constante de uma sanção nos parece ser um fator muito importante em nossa sociedade.
Sob outro ângulo, não podemos esquecer que a relação empregatícia tem um fundo essencialmente econômico. O trabalhador coloca sua força de trabalho à disposição do empregador, que lhe retribui com uma contraprestação financeira, a remuneração.
Contudo, é válido relembrar que o empregador visa unicamente a obtenção de lucro, ou seja, a remuneração do capital, e não a remuneração do empregado. De forma que, sempre atribuirá o menor valor possível à força de trabalho colocada à sua disposição, percebendo o maior lucro possível. Bem como, o empregado sofre a pressão de a todo instante perder seu posto de trabalho, considerando que em nosso sistema jurídico temos a possibilidade de demissão sem justa causa, ou seja, reconhecimento do direito potestativo do empregador de rescindir o contrato de trabalho, sem que o trabalhador tenha praticado nenhuma conduta tipificante.
Por fim, o argumento que vem sendo defendido por estudiosos da área trabalhista, que entendem que seria absolutamente legítimo o exercício da autoridade do empregador, de forma que haveria um consenso, um convencimento dos trabalhadores, de sua aceitação.
Estaríamos diante do que Hart cunha como pessoas perplexas, dentro de um contexto da relação empregatícia, de forma que não seria errado falarmos em trabalhadores perplexos. Dessa forma, teríamos trabalhadores que colaboram com a empresa, aceitando o poder empresarial e submetendo-se por entendê-lo legítimo e obedecendo-o independente de qualquer ameaça de punição.
Barassi aponta que o fundamento da relação hierárquica empresarial se justifica pela assunção de riscos pelo empregador, e para o empregado pela existência do contrato de trabalho, que decorre da voluntariedade. De forma que, muito embora ainda persista uma desigualdade, a sujeição do trabalhador não lhe é humilhante à medida que reflete uma igualdade contratual de colaboradores[19].
Para tanto é necessário que a empresa, que é um centro de poder, passe a ser compreendida como ambiente de realização pessoal do trabalhador. Todos os elementos da empresa precisam estar coesos, alinhados com os objetivos estabelecidos dentro da organização. Vende-se a ideia de que o trabalhador, quanto mais colaborar, maiores serão suas chances de ascensão na empresa.
De tal forma, cria-se um consciente coletivo de legitimidade do poder empregatício, de sua relação desigualmente necessária, em que seria possível, até mesmo, eliminar o poder punitivo da equação, uma vez que os trabalhadores cumpririam seus deveres independente de punições.
Como bem nos ensina Coutinho, esse é motivo do sucesso do modelo japonês dos 5S[20], que desenvolve um espírito de colaboração entre os funcionários das empresas, incrementando a participação de todos na organização, traduzindo-se no senso de utilização (seiri), senso de ordenação (seiton), senso de limpeza (seisou), senso de saúde (seiketsu) e senso de autodisciplina (shitsuke). Em benefícios de todos, é preciso, “vestir a camisa da empresa”.
Galbraith, por seu turno, ressalta um sistema bimodal, em que os poderes condignos e condicionados coexistem perfeitamente dentro da estrutura empresarial. Nos termos do doutrinador, o poder condicionado das organizações, através da crença da legitimidade do poder empregatício, em todas as suas vertentes, permite a manutenção do poder condigno, que servirá para ajudar a garantir a disciplina interna empresarial[21].
A existência desse sistema bimodal, reforça a ideia de trabalhador perplexo, em conformidade com a teoria de Hart, considerando-se que as sanções teriam apenas uma importância secundária na conformidade jurídica, concluindo-se que o convencimento da legitimidade do poder empregatício é o fator primário na formação do comportamento do trabalhador.
O jurista Arion Sayão Romita reforça a visão de um sistema de atenuação do unilateralismo e da assimetria do poder interempresarial, a partir de uma democratização no universo das ordens jurídicas mais avançadas[22]:
“Se o moderno direito do trabalho é favorável a uma limitação dos poderes de direção econômica do chefe de empresa, com mais razão há de mostrar-se ele favorável à limitação do poder disciplinar que, na maioria de suas manifestações práticas, põe em jogo a personalidade do trabalhador. Essa tendência pode ser observada na quase-totalidade dos ordenamentos jurídicos estrangeiros. A evolução geral, por via legislativa ou mediante negociação coletiva, demonstra que o poder disciplinar tende a despojar-se de seu primitivo caráter discricionário em proveito de uma ‘normalização’ justificada pela finalidade por ele perseguida e lastreada no intuito de proteger o assalariado”.
De todo modo, analisando nosso ordenamento jurídico trabalhista, sem fugir da própria CLT, podemos concluir pela existência dos três poderes dentro do ambiente empresarial: poder condigno, poder compensatório e poder condicionado.
À vista disso, considerando os apontamentos do doutrinador Romita, que afirma que ordenamentos mais “evoluídos” se afastam do poder punitivo, garantindo uma igualdade entre os contratantes, bem como a existência de grande parcela da população brasileira que manifesta sua submissão aos poderes organizacionais pelo medo de uma sanção, tolerando condutas empresariais que extrapolam os poderes contratuais e legais; bem como nossa realidade em que milhões de brasileiros encontram-se desempregados, dificilmente poderíamos concluir que estamos próximos do ideal, ao ponto de apresentarmos apenas trabalhadores perplexos.
Considerações Finais
Em nossa sociedade em que o poder não se encontra mais concentrado nas mãos do Estado, a empresa apresenta-se como um dos centros de poder e força mais característicos.
O Direito do Trabalho brasileiro reconhece o poder empresarial, em suas diferentes vertentes, atribuindo ao empregador o poder de dirigir, organizar, fiscalizar e disciplinar, a organização e a prestação de serviços. Esse poder, enquanto imposição da vontade, decorre do contrato de trabalho e apresenta como antítese o dever de obediência, ou seja, a subordinação do trabalhador.
Nosso objeto de estudo concentrou-se em buscar entender qual a motivação do trabalhador em cumprir as determinações diretivas do empregador, principalmente seu poder punitivo, passando assim pela tríade do poder: poder cognitivo (coercitivo), poder compensatório e poder condicionado.
Não podemos negar que a punição é um elemento presente nos normativos trabalhistas, que se consubstanciam em normas que preveem desde uma simples advertência, até a penalidade máxima que implica na rescisão contratual com justa causa, muito embora também apresente normas que expressam o poder compensatório e o poder condicionado.
Por outro prisma, devemos lembrar que o Direito do Trabalho tem como função primordial garantir condições justas de trabalho, e assim garantir o papel civilizatório do trabalho, não podendo ser menosprezado diante de quaisquer fatores externos, como a política, a economia, ou mesmo as pressões sociais, sob pena de ferir a dignidade da pessoa humana. De tal forma que, a aplicação de castigos e punições ao trabalhador, principalmente em nosso ordenamento que não reconhece o direito à defesa do empregado, nos parece absolutamente insustentável.
Portanto, vivenciamos uma verdadeira ambiguidade jurídica, em que o direito do trabalho apresenta como princípio fundamental a proteção do hipossuficiente, mas ao mesmo tempo garante o cumprimento das ordens decorrentes do contrato de trabalho através da coerção.
Referências
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[1] COMPARATO, Fabio Konder. A reforma da empresa. Revista de Direito Mercantil. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 50, p. 57.
[2] WEBER, Max. Conceitos básicos de sociologia. São Paulo: Centauro, 2002, p. 97.
[3] COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder Punitivo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p.13 e 14.
[4] MESQUITA, Luiz José de. Direito Disciplinar. São Paulo: Saraiva, 1950, p. 64. In DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: LTr, 2018, p. 797.
[5] MAGANO, Octavio Bueno. Do poder diretivo da empresa. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 149.
[6] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: LTr, 2018, p. 799.
[7] COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder Punitivo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p. 13 e 14.
[8] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: LTr, 2018, p. 788.
[9] COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder Punitivo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p. 86.
[10] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: LTr, 2018, p. 786 e 787.
[11] GALBRAITH, John Kenneth. Anatomia do Poder, São Paulo: Pioneira, 1986, p. 16.
[12] SCHAUER, Frederick. FREIRE, André Luiz [trad.]. A força do Direito. 1ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2022, p. 224.
[13] COELHO, Fabio Ulhoa. Direito e Poder [livro eletrônico]: ensaio e epistemologia jurídica. 2ª ed. rev. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019; ePub.
[14] GALBRAITH, John Kenneth. Anatomia do Poder, São Paulo: Pioneira, 1986, p. 6.
[15] SCHAUER, Frederick. FREIRE, André Luiz [trad.]. A força do Direito. 1ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2022, p. 72.
[16] TYLER, Tom R. Why People Obey the Law. 2ª ed. Princeton: Princeton University Press, 2006, IN SCHAUER, Frederick. FREIRE, André Luiz [trad.]. A força do Direito. 1ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2022, p. 89 e 90.
[17] FOUCALT, Michel. Vigiar e Punir: a história da violência nas prisões.
[18] IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dados do 1º trimestre de 2022. Disponível em: < https://www.ibge.gov.br/indicadores#desemprego> Acesso em: 08 de julho de 2022.
[19] BARASSI, Lodovico. Il dirito del lavoro. Milano: Giuffrè, 1949. V.2. IN COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder Punitivo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1999, p.289
[20] COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder Punitivo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p.75.
[21] GALBRAITH, John Kenneth. Anatomia do Poder, São Paulo: Pioneira, 1986, p. 65.
[22] ROMITA, Arion Sayão. O Poder Disciplinar do Empregador. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1983, p. 204.
Mestranda em Direito do Trabalho na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUCSP). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Damásio, formada com honra e mérito acadêmico, 1º lugar da XX Turma. Especialista em Gestão Educacional, Direito Processual Civil e Constitucional, pelo Grupo Damásio Educacional. Bacharel em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo, com iniciação científica em Neurociências e Comportamento, financiada pela FAPESP. Licenciada pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Palestrante e professora há aproximadamente 10 anos. Atualmente trabalha como professora tutora da pós-graduação em Direito e Processo do Trabalho no Grupo Damásio Educacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, APARECIDA CAROLINE LEÃO DE. O Poder nas Relações entre Capital e Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 abr 2023, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61342/o-poder-nas-relaes-entre-capital-e-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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