RESUMO: A Lei n. 13.467/2017, conhecida como Reforma Trabalhista, promoveu significativas alterações na legislação material e processual trabalhista. O presente trabalho intenta analisar, em especial, os novos caminhos por ela ofertados à execução de ofício com a nova redação do art. 878 da CLT, que pretendeu restringir a atuação de ofício do magistrado na execução às hipóteses em que as partes estiverem desassistidas de advogado. Para tanto, utilizou-se como base a legislação constitucional e infraconstitucional, a doutrina trabalhista, constitucional e processual, bem como o acervo jurisprudencial sobre o tema.
Palavras-chave: Reforma trabalhista. Processo do trabalho. Execução de ofício.
INTRODUÇÃO
A multicitada Lei n. 13.467/2017 deu corpo à chamada Reforma Trabalhista, porém não sem críticas de operadores do direito: de um lado, pela forma não dialógica de sua perfectibilização, sem consulta efetiva e observância do tripartismo preconizado pela Convenção n. 144 da OIT e, de outro, pelo retrocesso social que acompanhou diversas de suas disposições (art. 7º, caput, CF).
A partir de sua vigência, a Lei n. 13.467/2017 forneceu novos contornos, também, à fase executiva do processo trabalhista. Trouxe consigo a previsão legal para o instituto da desconsideração da personalidade jurídica no âmbito trabalhista (art. 855-A, CLT), bem como parâmetros para o protesto de dívidas e inscrição no BNDT (art. 883-A, CLT).
Nesta oportunidade, tratar-se-á da dicotomia gerada a partir dos novos caminhos ofertados à execução de ofício com a redação do art. 878 da CLT trazida pela Lei 13.467/2017 e da necessidade de superá-la para a salvaguarda da força vinculante do ordenamento jurídico.
DA EXECUÇÃO DE OFÍCIO NA JUSTIÇA DO TRABALHO
Em que pese não obrigatória, a execução de ofício era uma faculdade conferida ao magistrado muito presente na prática forense e, por conseguinte, constituía um traço marcante do cumprimento de sentença trabalhista. Dizia o caput do art. 878 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que a execução poderia ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio pelo próprio magistrado.
A execução de ofício, registre-se, era – e ainda o seria, a despeito da alteração legislativa que se verá adiante - medida de economia e celeridade processual compatível com todo o rito processual previsto na CLT e na legislação trabalhista esparsa. Explica-se.
Já há obrigação – e não simples faculdade – de o magistrado trabalhista executar, de ofício, as contribuições sociais dos empregados e trabalhadores decorrentes das sentenças que proferir e acordos que homologar, conforme art. 114, VIII, da Constituição Federal (CF), e Súmula Vinculante n. 53 do Supremo Tribunal Federal (STF).
Não o fazendo, o magistrado será responsabilizado, conforme art. 43 da Lei 8.212/91, que preceitua: “Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o juiz, sob pena de responsabilidade, determinará o imediato recolhimento das importâncias devidas à Seguridade Social”.
As supracitadas normas simplificam a cobrança das contribuições sociais decorrentes dos pronunciamentos judiciais citados, permitindo sua cobrança nos autos da ação trabalhista e, por corolário, otimizam o sistema arrecadatório do Estado.
A CLT reproduz a sobredita norma constitucional no parágrafo único de seu art. 876:
Art. 876 - As decisões passadas em julgado ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo; os acordos, quando não cumpridos; os termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia serão executada pela forma estabelecida neste Capítulo.
Parágrafo único. A Justiça do Trabalho executará, de ofício, as contribuições sociais previstas na alínea a do inciso I e no inciso II do caput do art. 195 da Constituição Federal, e seus acréscimos legais, relativas ao objeto da condenação constante das sentenças que proferir e dos acordos que homologar. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
Destarte, somada a obrigatoriedade de execução de ofício das contribuições sociais supracitadas, presentes não em todas, mas em grande parte das ações trabalhistas, à faculdade de iniciativa na execução do crédito das partes (antiga redação do art. 878 da CLT), tornava-se dedutiva a conclusão pela realização, em conjunto, do ato de impulsionamento executivo pelo magistrado.
Com o advento da Reforma Trabalhista, o art. 878 da CLT ganhou nova redação, nos seguintes termos: “A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado”.
Como se vê, a partir da vigência da Reforma Trabalhista (11.11.2017), figura como faculdade do magistrado (“permitida a execução de ofício”) a de impulsionar o início da execução nos feitos em que as partes não possuam patronos constituídos. Quanto aos demais processos, caberá a iniciativa às próprias partes (“será promovida pelas partes”).
Tais delineamentos a respeito da iniciativa executiva, contudo, permanecem sem atingir as contribuições sociais decorrentes das sentenças e acordos homologados pelo juiz trabalhista, tanto por força do art. 114, VIII, da CF quanto pelo parágrafo único do art. 876 da própria CLT.
Feitas tais considerações (evolutivas?) sobre o mais recente histórico do cumprimento de sentença trabalhista, como ficará a prática executiva nos juízos trabalhistas?
DA INCOERÊNCIA SISTÊMICA NA EXECUÇÃO TRABALHISTA
Frente ao novo cenário legislativo antes exposto, há de se vislumbrar que o juiz trabalhista, com os autos processuais de uma sentença condenatória transitada em julgado em mãos, terá de enfrentar um procedimento bipartido no ato de impulsionamento da execução.
Diante de créditos trabalhistas e previdenciários constantes na planilha de cálculos de liquidação, cumprirá ao magistrado determinar, de imediato, o início dos atos executivos das contribuições sociais do empregador e do trabalhador presentes no título.
Logo, serão empreendidos todos os esforços do juízo para a satisfação, unicamente, dos créditos previdenciários. Posteriormente, por ocasião do futuro peticionamento da parte assistida por advogado (aquela que não constituiu patrono, certamente, não enfrentará tal caminho), será necessário percorrer, novamente, o caminho de diligências executivas a fim de satisfazer seu crédito.
A título de esclarecimento, utiliza-se o “posteriormente” pela seguinte razão: não há como presumir a hipótese de, ato contínuo ao trânsito em julgado, existir peticionamento da parte de impulsionamento da execução, de forma a permitir, de forma sincronizada, o impulsionamento conjunto da globalidade de créditos apurada em sentença.
Da mesma forma, não há como cogitar da possibilidade de o magistrado trabalhista permanecer inerte após o trânsito em julgado de uma sentença condenatória e “optar” por exercer o seu dever constitucional de executar, de ofício, as contribuições sociais a seu encargo somente quando a parte provocar a iniciativa executória de seu crédito, para fazê-lo em conjunto.
Do que se colocou até aqui, espera-se que o leitor já tenha percebido algo: a reserva de iniciativa da execução do crédito da parte, como regra, em contraponto ao dever do magistrado de tomar tal providência quanto às contribuições sociais daquele crédito decorrentes, constituem entraves à concretização da seguinte norma própria do processo trabalhista, ainda em vigor:
Art. 765, CLT. Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.
Igualmente, haverá obstáculo ao cumprimento do dever que incumbe aos secretários de juntas, atuais Diretores de Secretaria de Varas do Trabalho, de “promover o rápido andamento dos processos, especialmente na fase de execução” (art. 762, f, CLT).
Ora, repartindo a execução em retalhos, com um tempo próprio para início da busca pela satisfação de cada tipo de crédito e, por consequência, com desdobramentos diversos para cada ato executivo, haverá perda inestimável para a celeridade processual.
De outra banda, também haverá significativa perda de efetividade, haja vista que uma providência executória adotada com sucesso, inicialmente, para a satisfação da contribuição social determinada de ofício pelo magistrado poderá, por ocasião de sua repetição para tentativa de adimplemento de crédito da parte, não lograr o mesmo êxito. O inverso também poderá, eventualmente, acontecer, sem prejuízo da conclusão pela perda de efetividade.
Sob tal perspectiva, Mauro Schiavi (2019, pág. 1154) pondera:
De nossa parte, o fim do impulso oficial do juiz na execução enfraquece a eficácia da execução trabalhista, mitiga, sem justificativa plausível o princípio do protecionismo processual na execução, e favorece, em muito, situações para que a prescrição intercorrente seja reconhecida. Além disso, está na contramão da efetividade processual da tutela executiva.
Nada obstante, considerado o sincretismo processual, a execução é apenas mais uma etapa processual, e não um processo autônomo, o que demanda, portanto, o impulsionamento oficial do processo pelo magistrado condutor. Nessa toada, o CPC/15 trata do impulso oficial na fase executória em seu art. 782, ao dispor que “não dispondo a lei de modo diverso, o juiz determinará os atos executivos, e o oficial de justiça os cumprirá”.
O processo do trabalho, ontologicamente, foi concebido para ser mais célere e informal do que o processo comum, a fim de ser instrumento eficaz à tutela do direito material do trabalho. Diante de norma processual comum mais afeita à consecução da finalidade do processo do trabalho, é mister a sua aplicação supletiva, à luz do art. 769 da CLT.
Com Carlos Henrique Bezerra Leite (2021, pág. 1929):
Assim, diante de lacunas normativas, ontológicas ou axiológicas na execução trabalhista, é factível a sua hetorintegração com as novas normas do sincretismo do CPC, tudo isso com vistas à máxima efetivação do direito/princípio fundamental do acesso efetivo à Justiça e, consequentemente, à realização dos demais direitos dos cidadãos e cidadãs no campo das relações trabalhistas.
Superada a análise sobre esse primeiro ponto, cumpre observar as consequências da alteração legislativa sob outro aspecto.
DA VIOLAÇÃO ÀS PREFERÊNCIAS LEGAIS CREDITÓRIAS
O Código Tributário Nacional (CTN), no art. 186, traz uma conhecida regra de preferência: “crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho”.
A lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência, classifica a ordem de preferência dos créditos habilitados perante o juízo falimentar em seu art. 83 e, em primeiro lugar, estão “os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e aqueles decorrentes de acidentes de trabalho”, aparecendo em terceiro lugar os “os créditos tributários, independentemente da sua natureza e do tempo de constituição, exceto os créditos extraconcursais e as multas tributárias”.
O crédito trabalhista possui natureza alimentar (art. 100, §1º, CF), inclusive os honorários advocatícios, conforme art. 85, §14, do Código de Processo Civil (CPC). Por outro lado, as contribuições sociais executadas na justiça trabalhista possuem natureza de tributo.
É dizer: no bojo do cumprimento de sentença trabalhista, o magistrado irá se deparar, com preponderância, com dois tipos de crédito: um alimentar, privilegiado, referente ao crédito da parte e a honorários advocatícios, e outro tributário, concernente às contribuições sociais decorrentes das sentenças e acordos homologados.
Para o crédito privilegiado, o juiz do trabalho não terá iniciativa executória, porém o terá quanto ao não privilegiado, conforme leitura feita alhures sobre a legislação hodierna. Por conseguinte, na prática, será executado com preferência o não privilegiado, considerando o dever do magistrado de atuar de ofício quanto a ele, ao passo que o privilegiado aguardará a iniciativa da parte e os desdobramentos daí decorrentes.
Portanto, haverá, no bojo de um mesmo processo, muito provavelmente, uma inversão na ordem de satisfação dos créditos, em ofensa ao art. 908 do CPC, de aplicação supletiva, que dispõe, que “havendo pluralidade de credores ou exequentes, o dinheiro lhes será distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências”.
Por derradeiro, caracterizada estará uma incoerência sistêmica na execução trabalhista, consubstanciada dentro de um mesmo processo, em que as preferências legais reconhecidas pelo ordenamento jurídico pátrio serão inobservadas em seu próprio nascedouro e reconhecidas em caso de ulterior habilitação em concurso de credores em outra justiça.
Em arremate, como observado por Thiago Henrique Ament:
Finalmente, o artigo 876 da CLT determina a execução de ofício das contribuições previdenciárias, o que implica a obrigatoriedade da execução também de ofício do crédito do trabalhador, pois a obrigação acessória (contribuição previdenciária) depende da principal (crédito trabalhista e fato gerador do tributo).
Caberá aos operadores do direito, em especial aos juízes do trabalho, a necessária interpretação do ordenamento jurídico a fim de evitar a supracitada incoerência sistêmica, sob pena de o acessório passar a valer mais do que o principal.
DA PECULIARIDADE DOS RITOS DE ALÇADA
A Justiça do Trabalho conta, ainda, com o rito especial de alçada, disciplinado pela Lei n. 5.584/70 e destinado a reger os feitos cujo valor da causa não exceda a 2 (duas) vezes o valor do salário-mínimo (art. 2º, §3º).
A legislação de regência desse rito processual cuida do impulso oficial do juiz em seu art. 4º, ao dispor que “nos dissídios de alçada exclusiva das Juntas e naqueles em que os empregados ou empregadores reclamarem pessoalmente, o processo poderá ser impulsionado de ofício pelo Juiz”.
Não há restrição ao dever de impulso oficial pelo magistrado quanto à fase de execução.
Observado o sincretismo processual, bem como a compatibilidade dessa norma à finalidade contida no art. 5º, XXXV, CF de promoção do acesso à justiça substancial, que abarca a atividade satisfativa (art. 4º e art. 15, CPC), tem-se como inalterada a possibilidade de execução de ofício pelo magistrado, no particular.
DO DEVER DE CONCRETIZAÇÃO DO MANDAMENTO CONSTITUCIONAL DO ACESSO à JUSTIÇA SUBSTANCIAL. INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA DA LEGISLAÇÃO.
A Constituição Federal elenca o direito ao acesso à justiça como fundamental (Art. 5º, XXXV, CF/88), cuja densificação pressupõe uma interpretação que lhe conceda máxima eficácia e aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, CF), à luz da hermenêutica concretizadora preconizada por Konrad Hesse.
Outrossim, emana da Constituição Federal um verdadeiro mandado de não disciminação (art. 3º, I, IV, 5º, caput) que obsta que a legislação infraconstitucional permita tratamento desigual entre pessoas quando esse não objetive o atingimento de outras finalidades também constitucionais.
A seu turno, o poder de direção do juiz condutor do processo trabalhista enunciado no art. 795 da CLT deve ser exercido sob o enfoque da celeridade da tramitação dos processos, à luz do art. 4º do CPC, de aplicação supletiva e subsidiária (art. 769, CLT).
Por outro ângulo, não se pode permitir que haja prioridade na execução de créditos acessórios, a saber, contribuições previdenciárias decorrentes de sentenças e acordos trabalhistas, com preterição da execução de créditos de natureza alimentar, privilegiados na forma da legislação (art. 83, I, da Lei 11.101/05, art. 908, CPC).
Nesse caminho, crê-se que, em hermenêutica concretizadora dos mandamentos constitucionais e interpretação teleológica da legislação em comento, o art. 878 da CLT só pode ser aplicado em compatibilidade vertical e horizontal com o ordenamento jurídico vigente no sentido de permitir a continuidade da execução de ofício pela Justiça do Trabalho sem restrição quanto à natureza dos títulos exequendos.
Quanto ao tema, colhe-se trecho de importante precedente do E. TRT da 15ª Região:
(...) Mas, uma vez iniciada a execução trabalhista, qual é o limite de atuação do juiz?
Nos termos do art. 2º do CPC: "O processo começa por iniciativa das partes e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.". assim, o princípio do impulso oficial está insculpido no Capítulo I do CPC, que trata das normas fundamentais do processo civil, sem qualquer distinção de fase (conhecimento ou executiva) e não se confunde com o princípio da demanda, tratado no art. 878, CLT.
Nessa esteira, os ensinamentos do Professor Manoel Antonio Teixeira Filho:
Para reforçar o argumento de que a iniciativa da ação não se confunde com o impulso processual, lembremos que, enquanto a primeira é proibida pelo art. 2º do CPC, o segundo é consentido pela mesma norma legal. A definitiva separação dessas duas situações será realizada no item subsequente. Ficou demonstrado que o juiz não pode agir ex officio. Essa proibição estampada no art. 2º do CPC, contudo, deve ser entendida em seus estritos termos: ao juiz somente é vedado, por sua iniciativa, dar início ao processo. Sendo, porém, a prestação da tutela jurisdicional regularmente invocada pela parte ou pelo interessado, o juiz terá a iniciativa do impulso processual (idem). Destarte, conquanto o processo não se inicie ex officio, desenvolve-se por impulso oficial. (in, Comentários ao novo código de processo civil: sob a perspectiva do processo do trabalho (Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015). São Paulo: LTr, 2015.
Referido instituto tem como fundamento o interesse do Estado em ver o conflito solucionado o mais breve possível. Ao se proibir que o juiz impulsione o processo de execução, independentemente de provocação da parte interessada, estar-se-á contrariando os interesses do próprio Estado na busca da rápida solução dos litígios submetidos ao Poder Judiciário, cujo art. 5º; XXXV, CF, determina a celeridade e a efetividade.
O impulso oficial é, pois, princípio que permeia todo o processo civil e, muito mais, o processo do trabalho, tendo em vista que, na CLT, há regra expressa acerca da assertividade do juiz na condução do processo.
Veja-se o art. 765 da CLT, inalterado pela reforma trabalhista, dispõe que: "Os juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas".
Se o juiz tem amplo poder de direção e condução do processo na fase de conhecimento, muito mais o terá na fase de execução, quando já não resta dúvida sobre a titularidade do bem postulado em juízo, cuja demanda já teve início por iniciativa da parte, inclusive, que culminou com a referida sentença de conhecimento, cuja obrigação do Estado é executá-la. Na execução, não há res dubia, repito, voltando-se a atuação do Estado apenas à entrega do bem da vida já reconhecido na fase cognitiva.
Dessa forma, não é razoável admitir que, após iniciada a execução a requerimento da parte interessada, o juiz só possa atuar quando provocado. Se, no processo de conhecimento, é dado ao juiz promover qualquer diligência na busca da verdade real, muito mais o será na execução, quando já há provimento final transitado em julgado, reconhecendo o direito da parte à quantia líquida e certa.
Seria totalmente incoerente pregar que o juiz pudesse promover de ofício todos os atos executórios acessórios, inclusive no que se referem ao débito previdenciário, mas, no mesmo processo executivo, não pudesse fazê-lo quanto às verbas trabalhistas sem provocação do Exequente. O inciso VIII do art. 114 da CRFB não sofreu qualquer alteração, dispondo que a execução das contribuições sociais será promovida de ofício pelo juiz, assim como o parágrafo único do art. 876 da CLT, que, apesar de ter tido a redação alterada pela reforma, continua prevendo a execução de ofício para esses tributos. Ora, esse acessório somente poderá existir se o principal for executado.
Poderíamos chegar à situação teratológica, então, de ter o débito previdenciário solvido em detrimento do trabalhista, não obstante o privilégio deste sobre aquele, simplesmente porque, na execução das contribuições previdenciárias, o juiz impulsionou o processo de ofício e não o fez para as verbas trabalhistas? Acredito que não.
Remata-se que o princípio do impulso oficial não é novidade no processo do trabalho. A Lei nº. 5.584/1970 dispõe, em seu art. 4º, a possibilidade de o juiz, de ofício, impulsionar os processos em que empregados e empregadores reclamarem pessoalmente ou nas causas que estejam sob rito de alçada, o que não foi alterado pela Reforma, diga-se.
Em suma, portanto, o Julgador, atuando com base no procedimento, mas atento às regras de aplicação dos fins sociais da Lei, observando o bem tutelado e a sua grandeza, atento aos princípios do devido processo legal e direito de contraditório, pode autorizar a condução de ofício dos rigores atinentes à despersonalização da pessoa jurídica e, assim, garantir a liquidação e execução do título de conhecimento, visando plena efetividade da prestação jurisdicional e o atingimento da Justiça em plenitude. (...) (TRT15. AP nº 0001351-49.2012.5.15.0097. 7ª Câmara. Relatora Desembargadora do Trabalho Luciane Storel. Publ. 10/12/2021)
Espera-se, portanto, que os magistrados e tribunais trabalhistas, em aplicação da ainda recente Reforma Trabalhista, realizem a sua densificação em ordem a concretizar os mandamentos constitucionais aqui tratados e ofertar à ordem jurídica a coerência sistêmica necessária ao seu sustentáculo.
CONCLUSÃO
Parafraseando o Ministro Dias Toffoli, por ocasião do julgamento do MS 38199 (Publ. 03/10/2022), é direito de todo cidadão que a legislação processual trabalhista que instrumentalizará o seu direito ao acesso à justiça substancial não seja uma colcha de retalhos.
Nessa toada, o art. 878 da CLT, com a redação que lhe foi dada pela Lei n. 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) deve sofrer interpretação constitucional concretizadora quanto à sua compatibilidade vertical, em verdadeira filtragem constitucional, e sistemática quanto à harmonização horizontal com toda a ordem jurídica posta que lhe é pretérita.
Crê-se, portanto, que, mesmo após a Reforma Trabalhista, o poder-dever de condução processual do magistrado trabalhista lhe assegura a possibilidade de instaurar, de ofício, a execução na Justiça do Trabalho sem restrição quanto à natureza dos títulos exequendos.
REFERÊNCIAS
AMENT, Thiago Henrique. Da execução de ofício na Justiça do Trabalho e a lei de abuso de autoridade. 2020. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/321204/da-execucao-de-oficio-na-justica-do-trabalho-e-a-lei-de-abuso-de-autoridade. Acesso em: 14 abr. 2023.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região. Acórdão em Julgamento de Agravo de Petição nº 0001351-49.2012.5.15.0097. Relator: Luciane Storel. Campinas, 10 dez. 2021. Disponível em: https://trt15.jus.br/. Acesso em: 14 abr. 2023.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
SCHIAVI, Mauro. Manual de processo do trabalho: de acordo com o novo CPC, Reforma Trabalhista, lei n. 13.467/2017 e a IN. n. 41/2018 do TST. 15. ed. São Paulo: LTr, 2019.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Superior da Magistratura do Trabalho da 21ª Região (ESMAT-21). Analista Judiciária no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEITE, THAISSA LAUAR. Reforma trabalhista e execução de ofício: violação às preferências legais e incoerência sistêmica na execução Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2023, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61359/reforma-trabalhista-e-execuo-de-ofcio-violao-s-preferncias-legais-e-incoerncia-sistmica-na-execuo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
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