RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar as espécies de prisão existentes no ordenamento jurídico pátrio e destacar a prisão temporária que, recentemente, teve sua constitucionalidade enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, o qual trouxe uma nova visão a seu respeito e criou, à luz de uma interpretação constitucional da Lei nº 7.960/89, novos requisitos para a sua incidência.
Palavras-Chave: Medidas Cautelares. Espécies de Prisão. Prisão Temporária. Supremo Tribunal Federal.
ABSTRACT: This article aims to analyze the types of prison existing in the national legal system and highlight the temporary prison that, recently, had its constitutionality faced by the Federal Supreme Court, which brought a new vision about it and created, in the light of of a constitutional interpretation of Law nº 7.960/89, new requirements for its incidence.
Keywords: Precautionary Measures. Prison Species. Temporary Prison. Federal Court of Justice.
1.INTRODUÇÃO
No âmbito do processo penal brasileiro, a tutela jurisdicional cautelar encontra-se disposta no Código de Processo Penal através de inúmeras medidas cautelares, que vai desde a natureza patrimonial, passando por aquelas relativas às provas e encerrando nas de natureza pessoal, onde se encontram as famigeradas prisões cautelares.
É cediço que houve inúmeras alterações legislativas recentemente, especialmente pela Lei nº 13.964/19 (Pacote Anticrime), que, dentre as várias alterações no que se refere às medidas cautelares de natureza pessoal, determinou, de forma expressa, a existência de um sistema acusatório em que o magistrado não poderá mais decretar eventual prisão cautelar de ofício, dependendo de pedido prévio do Ministério Público, da autoridade policial, assistente de acusação ou do ofendido.
Não bastasse as alterações legislativas, há também importantes decisões judiciais tanto do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no que diz respeito às diversas modalidades de prisão, sendo que, nos próximos parágrafos, iremos debruçar de forma breve as modalidades de prisão cautelar e destacar o novo entendimento do STF no que se refere à prisão temporária, a qual foi decidida recentemente em repercussão geral.
2.DAS MODALIDADES DE PRISÃO E A NOVA ÓTICA JURISPRUDENCIAL SOBRE A PRISÃO TEMPORÁRIA
Em nosso sistema processual penal, há duas espécies de prisões: prisão pena, que é aquela sanção penal consistente em privação da liberdade do agente em virtude de uma condenação transitada em julgado; e prisão sem pena, que pode ser provisória ou cautelar, a qual é decretada pelo julgador antes do trânsito em julgado do processo criminal e se subdivide em algumas espécies.
Nesta breve estudos nos concentraremos nas prisões cautelares, as quais podem ser subdivididas em preventiva, temporária, domiciliar e em flagrante, sendo esta última uma polêmica no âmbito doutrinária acerca da sua inclusão ou não no rol de prisões cautelares.
Antes de adentrarmos nas modalidades de prisões, imperioso destacar que RENATO BRASILEIRO indica a existência de alguns princípios que norteiam a análise das medidas cautelares de natureza pessoal, quais sejam: a presunção da não culpabilidade, da jurisdicionalidade, da vedação da prisão ex lege e da proporcionalidade.
A não culpabilidade parte da premissa que, antes de haver uma decisão transitada em julgado, o investigado/réu deve ser tratado considerado inocente, de modo que eventual decreto prisional se mostra excepcional e apenas quando devidamente fundamentadas a existência dos requisitos permissivos. A jurisdicionalidade significa que qualquer decretação de medida cautelar de natureza pessoal deve partir exclusivamente de membros do Poder Judiciário.
Pelo princípio da vedação da prisão ex lege veda-se aquela prisão automática por força de lei, de modo que deve ser analisada previamente a sua necessidade pelo órgão competente, caso contrário também ofenderia o princípio da não culpabilidade. Por fim, o princípio da proporcionalidade pressupõe que a decisão do magistrado seja pautada de razoabilidade, evitando-se excessos por parte daquele que aprecia esta medida extrema.
Além da análise destes princípios, registre-se que para a decretação de medidas cautelares de natureza pessoal é necessário a presença dos seus pressupostos, quais sejam: fumus comissi delicti e o periculum libertatis. O primeiro consiste “na plausibilidade do direito de punir, ou seja, a plausibilidade de que se trata de um fato criminoso, constatada por meio de elementos de informação que confirmem a presença de prova da materialidade e de indícios de autoria do delito” (BRASILEIRO, pág. 843). Já o segundo é compreendido como “o perigo concreto que a permanência do suspeito em liberdade acarreta para a investigação criminal, o processo penal, a efetividade do direito penal ou a segurança social” (BRASILEIRO, pág. 844).
Pois bem. É cediço que há inúmeras nuances a respeito dessas cautelares de natureza pessoal acerca de suas formalidades e procedimento, contudo, passaremos desde já para a análise das modalidades de prisões, tema objeto do presente artigo.
A primeira modalidade é a prisão em flagrante, sendo esta palavra compreendida como “tanto o que é manifesto ou evidente, quanto o ato que se pode observar no exato momento em que ocorre” (NUCCI, pág. 587). Trata-se, pois, da “modalidade de prisão cautelar, de natureza administrativa, realizada no instante em que se desenvolve ou termina de se concluir a infração penal” (TÁVORA; ALENCAR, pág. 461).
Difere das demais porque possui inúmeras funções, destacando-se: “a) evitar a fuga do infrator; auxiliar na colheita de elementos informativos; impedir a consumação do delito, no caso em que a infração está sendo praticada (CPP, art. 302, inc. I), ou de seu exaurimento, nas demais situações (CPP, art. 302, II, III, IV); preservar a integridade física do preso, diante da comoção que alguns crimes provocam na população, evitando-se, assim, possível linchamento” (BRASILEIRO, pág. 926).
Verifica-se, pois, que a prisão em flagrante tem por objetivo a preservação social, de modo que fica admitido o encarceramento daquele agente que é surpreendido cometendo uma infração penal. Esta modalidade de prisão processual possui previsão expressa no art. 5º, inciso LXI, da CF/88 e é regulamentada pelos artigos 301 a 310 do CPP.
Ademais, convém ressaltar que, com as alterações promovidas pelo Pacote Antricrime (Lei nº 13.964/19), embora já houvesse previsão na Resolução nº 213/15 do CNJ, tornou-se obrigatório o encaminhamento do flagranteado a uma audiência de custódia, ocasião em que o magistrado, na companhia do membro do Ministério Público e de advogado ou defensor público, poderá resolver a respeito dessa prisão, podendo relaxá-la se ilegal; conceder a liberdade provisória com ou sem fiança; ou, ainda, caso haja requerimento do órgão acusatório e estejam presentes seus requisitos autorizadores, convertê-la em preventiva.
Lado outro, temos a prisão preventiva, que consiste na “prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente, mediante representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, em qualquer fase das investigações ou do processo criminal, sempre que estiverem preenchidos os requisitos legais (CPP, art. 313) e ocorrerem os motivos autorizadores listados no art. 312 do CPP, e desde que se revelem inadequadas ou insuficientes das medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 319)” (BRASILEIRO, pág. 956).
Portanto, trata-se daquela espécie de prisão processual decretada, exclusivamente, pelo membro do Poder Judiciário (juiz de direito/federal, membros dos tribunais de segunda instância ou superiores) quando presentes os requisitos expressamente previstos em lei. Como consiste em uma medida cautelar de natureza pessoal, por óbvio, deve pressupor a existência do fumus comissi delicti e do periculum libertatis.
Esta prisão preventiva consiste em medida excepcional e não deve ser aplicada de modo automático, devendo ser analisado em virtude da proporcionalidade que rege essas medidas cautelares. Assim, não se pode determinar a prisão preventiva de algum investigado ou denunciado de forma automática, devendo, sempre, o julgador verificar a necessidade desta modalidade de prisão.
Além disso, com a alteração trazida pela Lei nº 13.964/19, conforme o art. 312, § 2º, do CPP, deve ser observado o princípio da contemporaneidade, isto é, a medida deve estar baseada em fatos novos e contemporâneos, a saber: “§ 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
Outra alteração importante trazida pela referida reforma legislativa diz respeito à impossibilidade de decretação desta prisão cautelar de ofício pelo magistrado, antes autorizada durante a fase do processo. Agora, não é mais possível, somente será viável caso haja pedido do Ministério Público, autoridade policial, assistente da acusação ou ofendido, conforme a redação do art. 311, do CPP.
Não se pode ignorar, também, que com a alteração promovida pelo Pacote Anticrime, a prisão preventiva necessita, para ser decretada, da conjugação de três importantes requisitos, quais sejam: a prova da existência do crime (materialidade delitiva); indícios suficientes de autoria e do perigo gerado pelo estado de liberdade do agente; além da necessidade da prisão preventiva, conforme disposto no próprio art. 312, do CPP, mediante a necessidade de garantir a ordem pública, a ordem econômica, para conveniência da instrução criminal ou para a assegurar a aplicação da lei penal.
Não bastasse todos esses fundamentos e requisitos ensejadores da prisão preventiva, deve-se avaliar, ainda, suas circunstâncias legitimadoras e impeditivas previstas nos artigos 313 e 314 do CPP.
Com efeito, extrai-se do art. 313 do CPP que só será possível decretar a prisão preventiva nos seguintes casos: a) nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos; b) se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, salvo se decorrido o prazo depurador de cinco anos da reincidência; c) se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.
Ainda, há a previsão do art. 312, § 1º, do CPP, que dispõe a possibilidade da sua decretação quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
Concluindo acerca da prisão preventiva, obviamente sem esgotar e esmiuçar cada um dos seus requisitos, é preciso deixar claro a necessidade constitucional da fundamentação para que seja decreta esta medida extrema, tendo em vista que o próprio art. 315 do CPP, amparado no art. 93, IX, da CF, disciplina que a decisão que decretar, substituir ou negar a prisão preventiva será sempre motiva e fundamentada.
Por outro lado, também subiste no processo penal pátrio a denominada prisão domiciliar, sendo que, com a alteração introduzida no CPP pela Lei nº 12.403/11, gerou-se uma especial forma de cumprimento da prisão preventiva. De acordo com o texto legal, a prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização legal (CPP, art. 317).
Para Aury Lopes Junior, esta prisão domiciliar “não consiste em uma nova modalidade de prisão cautelar, mas apenas (...) uma especial forma de cumprimento da prisão preventiva, restrita aos poucos casos estabelecidos no art. 318 do CPP” (LOPES JR, pág. 137).
Com efeito, verifica-se “levando em consideração certas situações especiais, de natureza humanitária, a substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar visa tornar menos desumana a segregação cautelar, permitindo que, ao invés de ser recolhido ao cárcere, ao agente seja imposta a obrigação de permanecer em sua residência. Para que ocorra essa substituição, que só pode ser determinada pela autoridade judiciária, deve se exigir prova idônea dos requisitos estabelecidos no art. 318 do CPP” (BRASILEIRO, pág. 1021).
Se debruçando no art. 318 do CPP, observa-se que a prisão domiciliar consiste em uma forma alternativa de cumprimento da prisão preventiva, isto é, pressupõe a existência desta modalidade de prisão e, caso estejam presentes seus requisitos legais, seria possível a substituição pela domiciliar. Inclusive, de acordo com Leonardo Barreto Moreira Alves, “prepondera na doutrina o posicionamento segundo o qual a prisão domiciliar não pode substituir a prisão temporária. E isso basicamente por dois motivos: (1) a exiguidade do prazo da prisão temporária; (2) a finalidade da temporária é acautelar as investigações, o que não será obtido se o investigado for colocado preso em seu próprio domicílio” (ALVES, pág. 177/178).
Em relação às hipóteses autorizadoras da prisão domiciliar, registre-se que houve alteração pela Lei nº 13.257/2016, chamada de Estatuto da Primeira Infância, de modo que o julgador poderá substituir a preventiva pela domiciliar quando o agente for: (a) maior de 80 anos; (b) extremamente debilitado por motivo de doença grave; (c) imprescindível para os cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência; (d) gestante; (e) mulher com filho de até doze anos de idade incompletos; (f) homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até doze anos de idade incompletos.
Outrossim, o STF tem entendimento no sentido de que o art. 318 do CPP, que trata das hipóteses de substituição da prisão preventiva pela domiciliar, é inaplicável quando já há uma decisão condenatória transitada em julgado, ocasião em que deverá ser aplicada as hipóteses previstas no art. 117 da Lei de Execuções Penais, sendo indispensável, ainda, que a situação concreta esteja devidamente enquadrada nas situações previstas naquela legislação especial referente ao cumprimento da pena (STF, 1ª Turma, HC nº 177.164/PA, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18.02.2020).
Outro importante julgado diz respeito ao Habeas Corpus Coletivo enfrentado pelo STF em 2018, a pedido da Defensoria Pública, requerendo prisão domiciliar para todas as mulheres grávidas, amamentando ou com filho até doze anos ou com deficiência que se encontravam em prisão preventiva. Em sua conclusão, a Suprema Corte decidiu que para ter direito à prisão domiciliar seria necessário que a mulher: (a) não tenha cometido crimes com violência ou grave ameaça à pessoa ou ainda contra algum filho; (b) não tenha perdido a guarda da criança por algum motivo que não seja a prisão; (c) tenha convívio ou relação com o filho; ainda, este benefício deveria ser estendido às mães que se encontravam em centros socioeducativos (STF, 2ª Turma, HC nº 143.641, julgado em 20.02.2018).
Além disso, recentemente, a Lei nº 13.769/18 alterou o CPP e adotando parcialmente o entendimento do STF no Habeas Corpus Coletivo mencionado no parágrafo anterior, criou hipóteses específicas de substituição da prisão preventiva pela domiciliar para as mulheres gestantes ou mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência, desde que: (a) não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; (b) não tenha cometido crime contra seu filho ou dependente (CPP, art. 318-A). Ademais, o art. 318-B informa que esta benesse se aplica sem prejuízo da concomitante incidência de medidas cautelares alternativas previstas no art. 319 do CPP.
Por fim, temos a prisão temporária, que visa “assegurar uma eficaz investigação policial, quando se tratar de apuração de infração penal de natureza grave” (NUCCI, pág. 584). Esta modalidade de prisão só pode ser decretada durante a fase das investigações e tem previsão expressa na Lei nº 7.960/89.
Não bastasse assegurar a eficácia das investigações criminais, “o principal objetivo da criança da prisão temporária foi pôr fim à famigerada prisão para averiguações, que consiste no arrebatamento de pessoas pelos órgãos de investigação para aferir a vinculação das mesmas a uma infração, ou para investigar a sua vida pregressa, independentemente de situação de flagrância ou de prévia autorização judicial. Essa prisão para averiguação é de todo ilegal, caracterizando manifesto abuso de autoridade” (BRASILEIRO, pág. 999).
A doutrina conceitua a prisão temporária com “espécie de prisão cautelar decretada pela autoridade judiciária competente durante a fase preliminar de investigações com prazo preestabelecido de duração, quando a privação da liberdade de locomoção do indivíduo for indispensável para a obtenção de elementos de informação quanto à autoria e materialidade das infrações penais mencionadas no art. 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/89, assim como em relação aos crimes hediondos e equiparados (Lei nº 8.072/90, art. 2º, § 4º), viabilizando a instauração da persecutio criminis in judicio. Como espécie de medida cautelar, visa assegurar a eficácia das investigações – tutela-meio –, para, em momento posterior, fornecer elementos informativos capazes de justificar o oferecimento de uma denúncia, fornecendo justa causa para a instauração de um processo penal, e, enfim, garantir eventual sentença condenatória – tutela-fim” (BRASILEIRO, pág. 1000/1001).
Ademais, a lei de regência prevê prazo certo para esta espécie de prisão, sendo, como regra, o prazo de 05 (cinco) dias, podendo ser prorrogado por mais 05 (cinco) dias, desde que haja decisão fundamentada pela autoridade judiciária competente e reste demonstrada a extrema e comprovada necessidade (art. 2º, caput, da Lei nº 7.960/89). Quando envolver crime hediondo ou equiparado, o prazo da prisão temporária passará para 30 (trinta) dias, prorrogáveis por mais 30 (trinta) dias, nos termos do art. 2º, § 4º, da Lei de Crimes Hediondos, também sendo necessário que a autoridade judicial fundamente sua decisão na extrema e comprovada necessidade.
Pois bem. Analisando friamente a Lei nº 7.960/89, extrai-se que caberá prisão temporária: (a) quando imprescindível para as investigações do inquérito policial; (b) quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade; (c) quando houve fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos crimes elencados no art. 1º, III, alíneas “a” a “o”, além dos crimes hediondos e equiparados, conforme art. 2º, § 4º, da Lei nº 8.072/90.
Ocorre que havia divergência na doutrina em relação a cumulatividade ou não destes requisitos, bem como da existência de eventuais requisitos extras não previstos na lei de regência. A corrente majoritária partida do pressuposto que “com o objetivo de consertar a falta de técnica do legislador, somente é possível decretar a prisão temporária quando houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado nos crimes listados no inciso III do art. 1º, associada à imprescindibilidade da segregação cautelar para a investigação policial ou à situação de ausência de residência certa ou identidade incontroversa. Tendo em conta tratar-se a prisão temporária de espécie de prisão cautelar, conjugam-se, assim, seus pressupostos: 1) fumus comissi delicti, previsto no inciso III; 2) periculum libertatis, previsto no inciso I ou no inciso II” (BRASILEIRO, pág. 1002).
Em que pese esta discussão doutrinária, “a jurisprudência nacional, inclusive do STJ, vem entendendo que a prisão temporária possui regulamentação própria e autônoma, qual seja, aquela prevista na Lei nº 7.960/89, não sofrendo assim influência do regramento das prisões cautelares previstas no Código de Processo Penal, nem mesmo após o advento da Lei nº 12.403/11” (ALVES, pág. 106).
Não obstante, recentemente, o STF apreciou duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) propostas em face da previsão normativa da prisão temporária. A ADI nº 4109/DF proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PDT) e a ADI nº 3360/DF proposta pelo Partido Social Liberal (PSL).
As referidas ações sustentavam que o art. 1º da Lei nº 7.960/89 contrariava diversos direitos fundamentais assegurados na CF/88 e que eventual decretação de prisão temporária só seria possível se os requisitos dispostos nos incisos deste artigo fossem cumpridos de forma conjunta quando da análise por parte da autoridade judiciária competente, caso contrário estaria sendo violado o devido processo legal em seu aspecto substancial.
Também alegavam os autores das ações de controle objetivo que a redação do art. 1º, incisos I, II e III, da Lei nº 7.960/89 era imprecisa e, por consequência, geraria inúmeras controvérsias jurídicas que ocasionavam soluções distintas e desproporcionais, também ofendendo o devido processo legal substancial. Além disso, argumentaram que a prisão temporária era inconstitucional pelo fato de prever menos requisitos do que a prisão preventiva, de modo que estaria violando os direitos da presunção de não culpabilidade e da liberdade provisória.
Ao analisar estas ações conjuntamente, o STF julgou parcialmente para dar uma interpretação conforme a Constituição Federal ao art. 1º da Lei 7.960/89, isto é, que esta lei, de fato, é constitucional, todavia, desde que cumpridos alguns critérios e interpretação que foram fixados pela Suprema Corte.
Quanto ao inciso I do art. 1º da Lei nº 7.960/89, o STF chegou à conclusão de que é constitucional, pois a prisão temporária, de fato, é utilizada para assegurar a eficácia das investigações criminais e isso não estaria em desacordo com a ordem constitucional e convencional vigente.
Com efeito, é cediço que a prisão temporária é uma espécie de prisão cautelar, sendo certo, também, que no processo penal pátrio, em prestígio ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, as prisões cautelares só podem ser decretadas de forma excepcional e quando se mostrar necessário em cada caso concreto, sendo imprescindível uma decisão judicial devidamente fundamentada em fatos concretos.
Não obstante, este princípio da não culpabilidade não se mostra como um empecilho intransponível para a existência de prisões cautelares, tanto é que a própria CF/88 permite a sua possibilidade, indo ao encontro das normativas existentes também na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Embora seja possível a decretação de prisões cautelares quando devidamente necessário e presentes seus requisitos, o STF reafirma, com base na doutrina majoritária, que a prisão temporária não pode ser encarada com uma prisão para averiguações, a qual está peremptoriamente extinta do nosso ordenamento jurídico, além de não ferir o princípio da não culpabilidade.
Neste sentido, por não poder ser utilizada como prisão para averiguação, é categoricamente inconstitucional utilizar a prisão temporária como uma forma de violar o princípio da não autoincriminação, que tem sede expressa no texto constitucional, de modo que esta prisão cautelar também não poderá ser utilizada para forçar os investigados ou indiciados a prestarem depoimento na fase investigatória, pois, caso contrário, desvirtuaria os direitos fundamentais mais básicos do processo penal pátrio.
Ademais, ao analisar o inciso II do art. 1º da Lei nº 7.960/89, a Corte conclui que este requisito, que é aquele que autorizaria a prisão temporária quando o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade, é desnecessário e inconstitucional se interpretado de uma forma isolada, a uma porque esta circunstância já estaria abarcada pelo fato de eventual ausência de residência fixa poder ser encaixada no inciso I que trata da imprescindibilidade para a investigação, a duas porque que não se pode decretar uma medida tão extrema pelo simples fato de o investigado não possuir endereço fixo, de modo a atingir de uma forma desproporcional as camadas mais vulneráveis da sociedade, tais como as pessoas em situação de rua, violando, assim, o princípio da isonomia em seu aspecto material.
Em relação a este ponto, vale frisar que facilmente seria o caso de aplicação da famosa teoria do impacto desproporcional, que possui estreita relação com o princípio da igualdade material. Com efeito, esta teoria busca combater discriminação indireta e “consiste na ideia de que toda e qualquer prática empresarial ou política governamental, de cunho legislativo ou administrativo, ainda que não provida de intenção discriminatória no momento de sua concepção, deve ser condenada por violação ao princípio constitucional da igualdade material se, em consequência de sua aplicação, resultarem efeitos nocivos de sua incidência especial desproporcional sobre certas categorias de pessoas (STF, ADI nº 4424).
Assim, não há dúvidas de que, aplicando a teoria do impacto desproporcional, seria completamente inviável a permanência do inciso II do art. 1º da Lei nº 7.960/89, haja vista que, ao ser aplicada isoladamente conforme entendimento do STF, atingiria de forma desproporcional apenas determinada parcela da sociedade, qual seja, aqueles que já estão em extrema situação de vulnerabilidade e se encontram em total desvantagem para todas as formas de uma vida digna quando comparados com o restante da sociedade, tais como os desabrigados e as pessoas em situação de rua, pois, obviamente, não possuem residência fixa e, portanto, estariam a mercê da incidência do referido requisito que justificava a prisão temporária pelo simples fato de serem pessoas extremamente carentes, perpetuando, assim, a ideia de uma criminalização da pobreza, em total descompasso ao ditames mais básicos da CF/88 e das Convenções Internacionais que o Brasil ratificou.
Lado outro, dando continuidade ao julgamento do STF, chegou-se à conclusão de que o inciso III do art. 1º da Lei nº 7.960/89 é taxativo. O fundamento deste entendimento parte da ideia de que o poder punitivo do Estado encontra óbice na legalidade estrita, sendo que aqueles crimes elencados na lei de regência evidencia a opção do Poder Legislativo, o qual exercendo sua função constitucional legiferante, entendeu que só seria possível decretar prisão temporária quando da ocorrência daquelas graves infrações penais.
Além disso, o STF não vislumbrou nenhuma violação à CF/88 na taxatividade desta lista de crimes, sendo certo que esta opção legislativa vai ao encontro de um processo penal razoável e que objetiva garantir a limitação do direito de punir.
Não bastasse a análise dos incisos do art. 1º da Lei nº 7.960/89, o STF, ao fazer uma interpretação conforme a Constituição, criou novos requisitos não previstos na citada lei de regência para que a autoridade judiciária competente decrete a prisão temporária do investigado. Tais requisitos são: (a) a existência de fatos novos e contemporâneos e (b) adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado.
Quanto ao primeiro requisito adicionado pelo STF, verifica-se que há a aplicação do § 2º do art. 312 do CPP, isto é, do denominado pela doutrina de princípio da atualidade ou da contemporaneidade, que está dentro da temática da prisão preventiva. Com a alteração realizada pela Lei nº 13.964/19, o CPP passou a determinar para prisão preventiva a necessidade da comprovação de que o pedido desta cautelar extrema esteja justificada em fatos novos ou contemporâneos, isto não, não esteja baseada em fatos ou situações antigas.
Isso não significa que o fato não possa ser antigo, todavia, o pedido de prisão temporária deve ter como base um fato contemporâneo que justifique, de maneira objetiva, o periculum libertatis, já tratado no início deste artigo, haja vista ser uma decorrência lógica das prisões cautelares.
“A contemporaneidade diz respeito aos fatos que autorizam a medida cautelar e os riscos que ela pretende evitar, sendo irrelevante, portanto, se a prática do delito é atual ou não. (...) Ademais, a contemporaneidade não está diretamente vinculada ao início ou ao fim de uma investigação criminal, tampouco à data da prática do fato delitivo, e sim à necessidade da medida cautelar, o que pode se revelar a qualquer tempo. É possível que uma investigação dure anos e, mesmo assim, ser constatada a necessidade de uma prisão preventiva, o que se dá principalmente em crimes de grande complexidade (ALVES, Manual de Processo Penal, pág. 984-985).
O outro requisito consiste na aplicação à prisão temporária do art. 282, II, do CPP, ou seja, que para o magistrado deferir esta medida cautelar esteja devidamente demonstrado no caso concreto a adequação da medida à gravidade do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do indiciado.
Dessa feita, ainda que a previsão da prisão temporária seja oriunda de uma lei especial (Lei nº 7.960/89), o STF chegou à conclusão de que este art. 282, II, do CPP seria uma regra geral que deve incidir em todas as modalidades de medidas cautelares de natureza pessoal, seja de prisão ou não, tendo em vista que prestigia o festejado princípio da proporcionalidade.
Outrossim, entendeu o STF que não deve ser aplicado à prisão temporária os requisitos elencados no art. 313 do CPP, os quais ficam condicionados de forma exclusiva à prisão preventiva, posto que a Lei nº 7.960/89 já elenca os crimes para os quais a temporária é possível e, se assim não o fosse, haveria uma confusão na tentativa de conciliar os pressupostos para a decretação de ambas as medidas cautelares.
Portanto, de forma resumida, podemos chegar à conclusão de que para a decretação de uma prisão temporária, a autoridade judiciária competente deve analisar a presente de cinco importantes requisitos, quais sejam: (a) for imprescindível para as investigações do inquérito policial (art. 1º, inciso I, da Lei nº 7.960/89); (b) houver fundadas razões de autoria ou participação do indiciado nos crimes taxativamente elencados no rol do art. 1º, inciso III, da Lei nº 7.960/89; (c) for justificada em fatos novos ou contemporâneos (art. 312, § 2º, do CPP); (d) for adequada à gravidade concreta do crime, às circunstâncias do fato e às condições pessoais do investigado (art. 282, II, do CPP); e (e) não for suficiente a imposição de medidas cautelares diversas da prisão. (STF, Plenário. ADI 4109/DF e ADI 3360/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia, redator para o acórdão Min. Edson Fachin, julgado em 11.02.2022).
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observa-se que as medidas cautelares de natureza pessoal, em especial as prisões processuais, constituem medidas extremas que só podem ser utilizadas pelo Estado punitivo quando presentes seus requisitos autorizadores e quando, no caso concreto, não houver medida mais branda que solucione o status libertatis do investigado, protegendo, assim, a sociedade sem intervir tão severamente na vida pessoal do ofensor, posto que se baseia na ultima ratio, bem ainda sempre mediante a imperiosa e necessária decisão judicial devidamente fundamentada pela autoridade judiciária competente.
Não obstante as modalidades de prisão brevemente tratadas neste trabalho (prisão em flagrante, preventiva, domiciliar e temporária), devemos ter em mente que recentemente tivemos importantes alterações legislativas que tentaram conciliar estas medidas cautelares extremas com a realidade social e o quadro notório de prisões quase sempre automáticas pelos membros do Poder Judiciário, na grande maioria atingindo a população mais vulnerável e carente da sociedade.
Com isso, houve a implementação de melhoria nas hipóteses de substituição da prisão preventiva com a prisão domiciliar, destacando-se o Estatuto da Primeira Infância, bem como alterações nos pressupostos que justificariam a prisão preventiva pelo famoso e recente Pacote Anticrime (Lei nº 13.964/19).
Contudo, como temática principal, a grande novidade adveio da jurisprudência, especificamente de ações diretas de inconstitucionalidade julgadas pelo STF, o qual realizou interpretação conforme a Constituição para ajustar a precária e defasada Lei nº 7.960/89, que trata da prisão temporária, aos preceitos básicos dispostos na Constituição Federal e na Convenção Americana de Direitos Humanos.
Assim, com os novos requisitos, tem-se maior segurança por parte da sociedade em evitar que magistrados, a pedido do órgão investigativo e/ou acusador, intervenha em um dos pilares mais importantes de um Estado Democrático de Direito, que é a liberdade de ir e vir, somente pelo fato de haver uma investigação em seu desfavor ou por não possuir residência fixa.
Muito embora parte da doutrina afirme que houve certa intromissão por parte do STF na atividade legislativa, é fato que a interpretação conforme a Constituição objetiva conferir a certos institutos um viés mais condizente com os direitos fundamentais e, com isso, prestigiar a força normativa da Constituição.
Portanto, em que pese algumas críticas, a mora legislativa em atualizar os critérios defasados e desproporcionais da lei de regência trouxe ao STF o dever de atuar como verdadeiro guardião da Constituição Federal, de modo que sua interpretação e nova ótica da prisão temporária se faz pertinente especialmente pelo momento punitivo que estamos vivendo, sendo necessário, sempre, pelo órgão judiciário máximo previsto constitucionalmente, a tarefa de frear e introduzir balizas em institutos que visam atingir, quase que sempre, os grupos mais vulneráveis de nossa sociedade.
4.REFERÊNCIAS
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Graduado em Direito pela Fundação Universidade Federal de Rondônia. Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Sociedade de Ensino Superior Estácio de Sá. Servidor Público do Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia. Atuou como Analista Jurídico da Defensoria Pública do Estado de Rondônia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TRES, Allexandre Raffael. As espécies de prisão e a nova ótica da prisão temporária pelo Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2023, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61423/as-espcies-de-priso-e-a-nova-tica-da-priso-temporria-pelo-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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