FERNANDO PALMA PIMENTA FURLAN[1]
(orientador)
RESUMO: A prática constante de crimes no mundo virtual ensejou a criação de novas leis penais voltadas para a responsabilização criminal do agente, que se utiliza do mundo cibernético para praticar ilícitos e manter-se aparentemente impune. Uma vez caracterizado o crime na internet, será o agente submetido às sanções penais previstas para o crime cometido. Além disso, é possível ainda se discutir os efeitos civis desse crime na vida da vítima. Isto posto, diante do questionamento acerca dos impactos dos crimes virtuais na esfera dos direitos civis da vítima, o estudo científico aqui desenvolvido tem como objetivo primordial apontar os efeitos civis dos crimes na internet segundo a lei e a jurisprudência pátria. A pesquisa científica, desenvolvida segundo o método dedutivo, de natureza bibliográfica e qualitativa irá realizar uma análise das normas e jurisprudências proferidas pelos tribunais brasileiros disponíveis em bibliotecas físicas e virtuais, e demostrará que o crime no meio virtual, quando transcende o âmbito criminal e ofende os direitos da personalidade, essenciais para a dignidade humana, gera a responsabilidade civil e o dever de reparar os danos causados a ofendida.
Palavras-chave: Crimes na internet. Efeitos civis. Responsabilidade civil. Dano. Reparação.
ABSTRACT: The constant practice of crimes in the virtual world gave rise to the creation of new criminal laws aimed at the criminal accountability of the agent, who uses the cyber world to practice illicit acts and remain apparently unpunished. Once the crime on the internet is characterized, the agent will be subject to the criminal sanctions provided for the crime committed. In addition, it is still possible to discuss the civil effects of this crime on the victim's life. That said, given the questioning about the impacts of virtual crimes on the victim's civil rights, the scientific study developed here has as its primary objective to point out the civil effects of crimes on the internet according to the law and the national jurisprudence. The scientific research, developed according to the deductive method, of a bibliographical and qualitative nature, will carry out an analysis of the norms and jurisprudence issued by the Brazilian courts available in physical and virtual libraries, and will demonstrate that crime in the virtual environment, when it transcends the criminal scope and offends Personality rights, essential for human dignity, generate civil liability and the duty to repair the damage caused to the offended party.
Keywords: Crimes on the Internet. Civil effects. Civil responsability. Damage. Repair.
Sumário: 1. Introdução. 2. Os crimes virtuais e seus impactos no cotidiano dos usuários da internet. 3. A responsabilização do agente pelos crimes virtuais. 4. Responsabilidade civil: requisitos para a sua caracterização. 5. Os efeitos civis em crimes na internet. 6. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O avanço da tecnologia nos últimos anos tornou o uso da internet uma ferramenta básica no dia da dia do ser humano. Seja para trabalhar, facilitar atividades do cotidiano ou para se relacionar com outras pessoas nas redes sociais, é inquestionável a presença do mundo virtual no cotidiano através do acesso a computadores e smartphones.
Com a declaração de situação pandêmica em razão do contagio da Covid19, essa dependência tornou-se ainda maior. A Pandemia deixou como herança o uso da internet como meio de adquirir produtos e serviços que antes eram prestados apenas por meio do atendimento presencial.
Como consequência prática do aumento do uso da internet, houve um crescimento no número de crimes virtuais cometidos por meio da rede mundial de computadores, os quais estão previstos nas leis que regulamentam o uso da web e preveem a aplicação de sanção penal em caso de cometimento de conduta ilícita.
Assim sendo, sempre que é cometido um delito virtual, será o agente penalmente responsabilizado por seus atos. Ocorre que o crime, muitas vezes, não fere apenas a norma penal. Na maioria dos casos o crime também atinge a personalidade da vítima, tornando o criminoso responsável também pelos danos causados na esfera civil da vida do cidadão.
Nesse contexto, a pesquisa tem como propósito estudar os efeitos civis dos crimes virtuais, enfatizando, portanto, a responsabilização civil do agente e demonstrando qual o alcance de sua conduta segundo as normas previstas no Código Civil e no Código de Processo Civil.
Ou seja, a pesquisa irá solucionar o questionamento acerca de quais são os efeitos civis dos crimes virtuais cometidos no Brasil segundo a legislação vigente, demonstrando que a reparação moral e material é possível quando apurada a responsabilidade civil do agente delituoso e também do provedor da internet e das redes sociais.
Através do método dedutivo de pesquisa científica, o estudo terá como ponto de partida os aspectos gerais acerca dos crimes virtuais e sua responsabilização segundo as normas penais para em seguida adentrar ao debate acerca de seus efeitos civis, destacando a possibilidade de responsabilizar civilmente o criminoso que praticou a conduta ilícita e também o provedor da internet por eventual falha na prestação do serviço aos seus usuários.
O Estudo foi desenvolvido com base em material exclusivamente bibliográfico, pautado nas normas brasileiras e publicado nos últimos 5 anos, obtidos de forma não onerosa. A pesquisa teórica coletou materiais em livros, jurisprudências e revistas científicas disponíveis em bibliotecas e sites jurídicos, sem realizar qualquer intervenção direta à outros seres humanos. Classifica-se, portanto, como pesquisa bibliográfica e qualitativa, ao passo que objetiva ampliar o estudo acerca do tema dos efeitos civis dos crimes virtuais, haja vista que na maioria das vezes o debate é restrito ao aspecto penal da conduta, deixando de lado os danos civis suportados pela vítima.
2 OS CRIMES VIRTUAIS E SEUS IMPACTOS NO COTIDIANO DOS USUÁRIOS DA INTERNET
A utilização da internet e seus vários mecanismos de convivência social, aquisição de produtos, contratação de serviços, acesso a serviços essenciais e indispensáveis, não está completamente dissociada dos riscos diariamente vivenciados nos espaços físicos da sociedade atual.
Neste contexto, determinadas situações ocorrem e causam prejuízos aos indivíduos que acessam às redes sociais, sites, revistas, etc. Com isso, surge a necessidade de verificar, diante da gravidade da conduta, se houve uma prática criminosa no meio virtual e quais os seus efeitos reais.
Para saber se o ocorrido pode ser considerado um crime virtual é preciso se ter em mente o meio como o delito foi praticado. Para Moisés de Oliveira Cassanti “toda atividade onde um computador ou uma rede de computadores é utilizada como uma ferramenta, base de ataque ou como meio de crime é conhecido como cibercrime” (2014, p. 17).
No mesmo sentido, Daniel Frederick e Silva Salustiano menciona:
Os crimes virtuais são atitudes ilícitas cometidas por indivíduos que se aproveitam das brechas dos sistemas digitais, e da fragilidade dos usuários leigos, para praticarem suas fraudes, podendo ser feitas através de dispositivos como o celular, tablet, notebook ou computador. O conceito de crimes virtuais diverge conforme cada autor, porém o fundamento resume-se ao meio empregue para o delito ser a internet e o dispositivos que fazem uso da mesma. (SALUSTIANO, 2021, p. 10)
Além de definir os crimes virtuais, há ainda uma diferenciação entre eles, uma vez que se classificam em crimes puros e próprios:
A primeira divisão tem o objetivo de atingir o sistema de um computador, seja a parte física ou de dados, geralmente praticado por hackers podendo se dividir em crimes mistos em que o alvo não é o computador, mas os bens da vítima, ou seja, a internet é utilizada como meio para realizar o crime, como, por exemplo, transferências ilícitas de bens e/ou valores, crimes comuns são aqueles que utilizam a internet para realizar o crime, sendo assim reconhecidos pela lei, como o caso da pornografia infantil que já é abordado no Estatuto da Criança e do Adolescente. A segunda divisão compreende a seguinte classificação: crimes próprios aqueles praticados exclusivamente por meio de computadores e crimes impróprios aqueles que atingem o bem comum sendo o meio virtual apenas uma das formas de execução do crime, podendo ser praticado por outros meios (SALUSTIANO, 2021, p. 09 e 10).
Independentemente da forma como ocorrerá, é certo que a vítima do crime virtual pode ser atingida tanto com delitos que ofendem o seu patrimônio (estelionato, furto, etc.), como também contra a sua pessoalidade, mais precisamente através da ocorrência de calúnia, injúria e difamação (SALUSTIANO, 2021).
Em todas as situações de caracterização, a responsabilização do agente criminoso deve ocorrer não apenas no âmbito criminal, mas também fixando, se possível, uma reparação na esfera cível.
3 A RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE PELOS CRIMES VIRTUAIS
Ao praticar qualquer das condutas tipificadas como crimes no ambiente virtual, nasce para o autor do fato a responsabilidade por seus atos, sendo que, por ser uma prática criminosa, a principal responsabilização consiste em imposição de sanção de natureza penal, mediante o processamento de uma ação penal, que levará a uma pena.
Em decorrência de um sentimento de impunidade, a utilização dos meios virtuais para o cometimento de atos ilícitos ganhou destaque na sociedade atual, motivado pela ampla utilização da internet para a realização dos mais variados atos da vida civil, mas nem assim passam despercebidos, desde que caracterizados os elementos do tipo penal.
Portanto, em um primeiro momento, ocorrido o fato, é preciso verificar se o mesmo se enquadra em uma das hipóteses tipificadas no Código Penal, haja vista o princípio da anterioridade penal estabelecer logo no artigo 1º que “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.” (BRASIL, 1940)
No que tange a responsabilidade penal, ela é baseada na tipicidade do crime, é necessário que ocorra o fato concreto e o fato penal, sendo um ato que causou prejuízos a integridade física do indivíduo, a vida e ordem pessoal. Nos crimes virtuais essa responsabilidade gera efeito como no mundo físico (CRUZ, 2022, p. 54).
Dos crimes comuns, são recorrentes no meio virtual a prática de estelionato, pornografia infantil, fraudes bancárias e clonagem de cartão, vazamento de dados e, não menos importante, os crimes contra a honra: a calunia, difamação e injúria
Além das espécies tipificadas na lei penal em si, existem ainda os crimes inseridos no ordenamento criminal mediante a entrada em vigor de leis especiais, destinadas especialmente à regulamentação do acesso à internet:
Existem 3 (três) legislações competentes para tratar da segurança dos usuários nas redes sociais, o marco civil da internet que sancionado em 2014, determina garantias, direitos, princípios dos usuários. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), começou a vigorar em 2020, trazendo definições e regras para empresas e institutos públicos como deve ser tratado os dados pessoais. E a Lei Carolina Dieckmann, com nº 12.737/2012, entrou em vigor trazendo mudanças para o Código Penal sobre delitos informáticos (CRUZ, 2022, p. 38).
Assim, uma vez identificado o dispositivo legal que preveja a ilicitude da conduta, surgirá a responsabilidade do autor do fato, não apenas na esfera penal, mas também na cível, ambos aplicáveis de forma cumulativa, haja vista que atinge tanto a sociedade como também a própria vítima:
A responsabilidade penal tem quase o mesmo fundamento da responsabilidade civil. O elemento o que as torna diferente repousa nas condições em que elas surgem. Acerca dessa distinção, Aguiar Dias (1979) adverte que uma é mais exigente do que a outra quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos. No caso da responsabilidade penal, o agente infringe uma norma de direito público. Neste caso, o interesse lesado é a sociedade. Já na responsabilidade civil, o interesse tutelado é o privado, dando ao prejudicado a chance de requerer a reparação, se assim desejar (FRANÇA, 2020, p. 485).
Destaca-se que, “na responsabilidade penal, o lesante deverá suportar a respectiva repressão, isto é, recairá sobre a sua própria pessoa o dever de reparar o dano, uma vez que o direito penal vê, sobretudo, o criminoso”, enquanto que, na esfera cível, “aquele ficará com a obrigação de recompor a posição do lesado, indenizando-lhe os danos causados, restaurando-lhe o direito ora violado pela conduta ilícita do agente” (SOUZA, 2022, p. 01).
Com isso, em que pese alguns acreditem que a imposição de pena põe fim à responsabilização do agente, na prática, havendo interesse por parte da vítima, existirão efeitos de reparação civil cujos impactos podem ser mais relevantes, com significativa retribuição ao agente causador. Para tanto, deve ser demonstrado o preenchimento dos requisitos que autorizam a responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro que será visto adiante.
4 RESPONSABILIDADE CIVIL: REQUISITOS PARA A SUA CARACTERIZAÇÃO
Conforme já explicitado, é possível que o agente criminoso seja responsabilizado não apenas no âmbito criminal por sua conduta ilícita praticada na internet, mas também na seara cível pelas consequências geradas por sua conduta. Entretanto, para que isso ocorra é necessário constatar sua responsabilidade civil.
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, tecem comentários acerca do conceito de responsabilidade civil nos seguintes termos:
a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar). Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2018, p. 719).
Essa responsabilidade está prevista no artigo 186 do Código Civil que dispõe que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002) e também no artigo 927, in verbis: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002).
Diferente do que ocorre na responsabilidade penal, em que a obrigação é pessoal e o agente responde com uma sanção, na responsabilidade civil a obrigação é patrimonial cuja reparação se dá por meio do pagamento pecuniário, podendo ocorrer em decorrência de qualquer ação ou omissão, quando violar um direito ou causar prejuízo a terceiro (GONÇALVES, 2018).
A sua caracterização necessita da constatação da presença de seus requisitos legais, citados no artigo 186 do Código Civil acima transcrito. São eles: conduta (comissiva ou omissiva), dolo ou culpa, nexo causal e dano.
Nas palavras de Fávio Tartuce “a conduta humana pode ser causada por uma ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa) voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia, modelos jurídicos que caracterizam o dolo e a culpa, respectivamente) (TARTUCE, 2018, p.615).
A culpa ou o dolo é o segundo requisito para configuração da responsabilidade civil, conforme análise do artigo 186 da norma civil realizada por Carlos Roberto Gonçalves:
Ao se referir à ação ou omissão voluntária, o art. 186 do Código Civil cogitou do dolo. Em seguida, referiu-se à culpa em sentido estrito, ao mencionar a “negligência ou imprudência”. Dolo é a violação deliberada, intencional, do dever jurídico. Consiste na vontade de cometer uma violação de direito, e a culpa, na falta de diligência 609 . A culpa, com efeito, consiste na falta de diligência que se exige do homem médio. Para que a vítima obtenha a reparação do dano, exige o referido dispositivo legal que esta prove dolo ou culpa stricto sensu (aquiliana) do agente (imprudência, negligência ou imperícia), demonstrando ter sido adotada, entre nós, a teoria subjetiva (embora não mencionada expressamente a imperícia, ela está abrangida pela negligência, como tradicionalmente se entende) (GONÇALVES, 2018, p. 394).
O terceiro elemento é o nexo causal, que consiste basicamente na vinculação da conduta culposa ou dolosa praticada pelo indivíduo e o dano que foi causado a outrem (TARTUCE, 2018), enquanto o último requisito: o prejuízo ou dano é “a lesão a um interesse jurídico tutelado — patrimonial ou não —, causado por ação ou omissão do sujeito infrator” (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2018, p. 739).
Via de regra, exige-se a presença desses quatro requisitos, contudo, há hipóteses em que a responsabilidade do agente é objetiva, situação em que não será necessária a comprovação da culpa para a caracterização do instituto previsto no artigo 186 do Código Civil.
São, grosso modo, esses os requisitos indispensáveis para a caracterização da responsabilidade civil, para que seja possível exigir uma reparação patrimonial daquele que, ao cometer um crime virtual (ato ilícito) violar o direitos da vítima. Agora que conhecidos os requisitos, passamos ao debate sobre os efeitos civis dos crimes virtuais.
5 OS EFEITOS CIVIS EM CRIMES NA INTERNET
Conforme se verificou até aqui, uma vez constatada a ocorrência de uma violação dos direitos da vítima, consubstanciado em uma prática legalmente tipificada na legislação penal, é passível a responsabilização civil do agente causador do dano. Desta feita, “a Responsabilidade Civil consiste no efeito jurídico e patrimonial de reparar o dano que foi causado a outrem, portanto, surge com um descumprimento legal ou obrigação contratual, no qual resulta em conduta prejudicial à vítima” (OLIVEIRA, 2022, p. 01).
Especificamente quando o assunto reside em prática de crime através da rede mundial de computadores, mais necessário ainda é a discussão acerca dos efeitos civis decorrentes dessas condutas, uma vez que nessas situações a exposição da vítima justifica a reparação civil, desde que identificado o autor do fato.
Atualmente, com o livre acesso e o suposto anonimato na internet e falsa sensação de impunidade, as ofensas e agressões verbais nas redes sociais tornam-se cada vez mais frequentes. Contudo, acionando-se as autoridades policiais competentes e o Poder Judiciário pode-se descobrir a identidade do autor das ofensas e, posteriormente, ajuizar-se ação visando a indenização por danos morais (MENEZES, 2020, p. 01).
Neste interim, a condenação ao pagamento de indenização é o principal efeito civil decorrente dos crimes virtuais, quando constatado que, além da imposição de uma sanção penal, é ainda devida a reparação financeira ao indivíduo diretamente atingido pelas práticas ilícitas.
Na jurisprudência, são comuns as condenações civis quando as publicações ofendem a honra de outros usuários, caracterizando-se os crimes de injuria, difamação e calúnia.
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. PUBLICAÇÃO EM REDE SOCIAL – FACEBOOK. OFENSA À HONRA. DIFAMAÇÃO E INJÚRIA. AFRONTA AOS DIREITOS DA PERSONALIDADE. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. DANO MORAL IN RE IPSA. \n1. A inconformidade recursal refere-se ao cabimento de indenização por danos morais, referente alegado ato ilícito envolvendo ofensa à honra da parte autora por publicação realizada em rede social. \n2. Mostram-se aplicáveis as disposições contidas nos artigos 186 e 927, do Código Civil, no sentido de que, para se configurar o dever de indenizar, devem ser observados os pressupostos legais, quais sejam: a ação do agente, o resultado lesivo e o nexo causal entre o ato danoso e o resultado. \n3. Caso dos autos em que se mostra cabível indenização por danos morais, eis que sobreveio demonstração dos requisitos necessários para configurar o dever de indenizar, quais sejam, a ação do agente, o dano existente e o nexo de causalidade, não sendo caso de mero aborrecimento. Da publicação realizada na rede social Facebook, resultou exposição do nome e perfil da parte autora, bem como o endereço em que estuda, com ameaças à integridade física, além de difamação e injúria. \n4 O valor da reparação deve ser fixado observando a proporcionalidade e a razoabilidade, somados aos elementos apresentados na situação fática, a exemplo da gravidade do dano, da intensidade e da duração das consequências, bem como da condição econômica das partes e o duplo caráter (compensatório e punitivo) da medida. Quantum indenizatório fixado em R$ 5.000,00, conforme parâmetros utilizados por este Tribunal para demandadas semelhantes. \Nderam provimento ao recurso Apelação. (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul TJ-RS – Apelação Cível: AC XXXXX20208215001 RS. Órgão Julgador: Sexta Câmara Cível. Relator: Eliziana da Silveira Perez. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-rs/1477092681>. Acesso em 04 mai. 2023).
Sabe-se que a liberdade de expressão, não raras vezes, é usada como fundamento para a realização de qualquer publicação na internet. No entanto, trata-se de um direito fundamental limitado, que não se sobrepõe à honra dos outros indivíduos, por exemplo. Neste sentido, encontra-se a jurisprudência do Estado de São Paulo a seguir apresentada:
RECURSO INOMINADO. Dano moral. Ofensas propaladas na rede social “Facebook”. Direito constitucional à liberdade de expressão e manifestação não é ilimitado. Abuso do direito. Direito de crítica dá conta da possibilidade de formulação de juízos pejorativos, o que não significa, todavia, que o crítico possa fazer uso de expressões formalmente injuriosas ou aquelas desnecessárias e alheias ao pensamento, que venham a constituir ofensa à honra da vítima. Dimensão do alcance que não pode ser menosprezada. Dano moral configurado. Condenação mantida e fixada em dois mil reais para cada recorrido. Recurso conhecido e não provido. (Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP – Recurso Inominado Cível: RI XXXXX-91.2021.8.26.0320 SP. 2ª Turma Cível. Relator: Ricardo Truite Alves. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1435923712>. Acesso em 04 mai. 2023).
Dos entendimentos apresentados, tem-se como lógica a responsabilidade daquele que pratica o ato através de uma publicação na rede mundial de computadores, a qual não pode passar impune, nem mesmo para a plataforma em que a divulgação se deu, haja vista a responsabilidade objetiva dos provedores.
A população de maneira geral tende a se comportar no ambiente virtual como se este fosse totalmente livre e não houvesse qualquer responsabilidade, o que não é verdade, já que o ambiente virtual é parte do convívio social e, portanto, interessa ao Direito. Desse modo, quando ocorrer um dano neste ambiente haverá de se atribuir responsabilidade civil ao autor, seja ele o provedor (fornecedor dos serviços de internet), que tem responsabilidade objetiva amparada no risco da atividade, ou o usuário, cidadão que cometeu o ato ilícito ou, até mesmo, a ambos solidariamente (MANÇO, 2021, p. 01).
Portanto, por se tratar de crimes praticados através da utilização de uma plataforma digital, discute-se qual seria a responsabilidade dessas empresas, proprietárias de redes sociais, sites e aplicativos de relacionamento, pelos conteúdos divulgados em suas páginas, sem o devido monitoramento.
É preciso então analisar o grau de responsabilidade do provedor que hospeda o conteúdo publicado por terceiros (OLIVEIRA, 2021).
De acordo com entendimento exarado pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, a responsabilidade dos provedores será subsidiária. Assim diz um trecho da ementa publicada:
(...) 4. A responsabilidade subsidiária do provedor de aplicações de internet por conteúdo gerado por terceiro (art. 18 do Marco Civil da Internet - Lei 12.965/14) exige o descumprimento de prévia ordem judicial (19) ou pedido do ofendido (21) para a exclusão do conteúdo. Inexistente ordem judicial ou pedido do ofendido, ausente se mostra pressuposto necessário à caracterização de omissão ilícita ensejadora de responsabilidade civil e impositiva do dever de indenizar. (...). (TJDFT - Acórdão 1369225, 07165425920198070020, Relatora: DIVA LUCY DE FARIA PEREIRA, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 1/9/2021, publicado no DJe: 16/9/2021. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/cdc-na-visao-do-tjdft-1/o-consumidor-na-internet/responsabilidade-do-provedor-pelo-conteudo-publicado-nas-redes-sociais>. Acesso em 04 mai. 2023).
Ademais, há que se verificar a conduta dos demais usuários da rede. Desta forma, conclui Danylo de Meo Manço (2021) que todo aquele que contribuir para que o crime ocorra deverá ser punido na medida de sua culpabilidade. Ou seja, é possível existirem coatores na prática desse crime, caso outros usuários deem vazão ao fato criminoso, situação em que eles se tornam responsáveis solidários pelo delito virtual praticado contra a vítima.
A aplicação da solidariedade em uma obrigação de indenizar proveniente de um crime no ambiente virtual, especialmente os crimes contra a honra, encontra alicerce no elemento subjetivo do autor, pois, por ato próprio e de espontânea vontade, determinado usuário replica uma publicação com conteúdo criminoso ou a complementa no mesmo sentido pejorativo e, assim, pratica ou contribui para prática de um ato ilícito que deverá ser indenizado (MANÇO, 2021, p. 01).
Não restam dúvidas, portanto, doutrinárias e jurisprudenciais acerca do cabimento do pedido de reparação civil pela ocorrência de crimes no meio virtual, desde que observados os requisitos contidos na legislação pátria, devendo ser observado, em cada caso, o nível da responsabilidade de cada agente envolvido no fato, desde o autor do crime, como também o provedor que permitiu a sua divulgação.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso da internet, por estar presente no dia a dia da grande maioria dos brasileiros, tornou possível a prática de crimes cometidos de forma virtual, isto é, através do acesso a rede mundial de computadores.
Por meio da internet, o criminoso acaba cometendo crimes variados, que além de lesarem o patrimônio da vítima, ferem sua dignidade humana, sua honra e sua imagem, direitos da personalidade que acabam ensejando também o direito à reparação civil.
A pesquisa bibliográfica demonstrou que, além da responsabilidade penal em decorrência da prática de um crime tipificado nas normas penais, pode o agente ser ainda condenado na esfera civil a reparar os danos morais e materiais suportados pelo ofendido através uma indenização pecuniária.
Depois de realizado o estudo, conclui-se que essa possibilidade é admitida quando constatada a presença dos requisitos legais da responsabilidade civil previstos no artigo 186 do Código Civil, são eles: conduta, culpa/dolo, nexo de causalidade e dano (resultado).
Assim sendo, uma vez comprovado que a conduta ilícita que caracterizou um crime praticado na internet ofendeu também direitos personalíssimos do ofendido, será o agente responsabilizado civilmente pelo seu delito, cuja reparação é patrimonial através de indenização pelos prejuízos suportados pela vítima.
Esse dever de indenizar civilmente o ofendido não atinge somente o agente delituoso, sendo admitida pela jurisprudência a responsabilização também de terceiros e das empresas proprietárias de páginas na internet, quando comprovado que esta não ofereceu um acesso seguro aos seus usuários, facilitando a pratica de crimes em seus sites e redes sociais.
Portanto, a pesquisa científica conclui que os efeitos civis dos crimes na internet são aplicados quando constatada a responsabilidade civil do agente e de terceiros, a qual atinge o patrimônio do responsável, que pode ser condenado a indenizar o ofendido pelos danos causados à sua honra e imagem perante os demais. Contudo esta reparação deve ser aplicada na medida da responsabilidade de cada um, após estar devidamente comprovada.
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP – Recurso Inominado Cível: RI XXXXX-91.2021.8.26.0320 SP. 2ª Turma Cível. Relator: Ricardo Truite Alves. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-sp/1435923712>. Acesso em 04 mai. 2023.
BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. TJDFT - Acórdão 1369225, 07165425920198070020, Relatora: Diva Lucy De Faria Pereira, Primeira Turma Cível, data de julgamento: 1/9/2021, publicado no DJe: 16/9/2021. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/jurisprudencia-em-temas/cdc-na-visao-do-tjdft-1/o-consumidor-na-internet/responsabilidade-do-provedor-pelo-conteudo-publicado-nas-redes-sociais>. Acesso em: 04 mai. 2023.
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[1] Prof. Orientador do Curso de Direito da Universidade de Gurupi- UnirG e Mestre em direito digital pela Univem –Marília –SP.
Graduanda do Curso de Direito da Universidade de Gurupi- UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VARGAS, Laryssa Alves. Os efeitos civis em crimes na internet Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 maio 2023, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61438/os-efeitos-civis-em-crimes-na-internet. Acesso em: 23 dez 2024.
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