RICARDO MAIA BARBOSA[1]
(coautor)
RAIMUNDO PEREIRA PONTES FILHO[2]
(orientador)
RESUMO: O art. 2º, III da Lei nº 14.017/2020, “a Lei Aldir Blanc”, mitiga o princípio da prestação de contas financeira prevista no art. 70 da Constituição Federal em favor da prestação de contas simplificada, feita por meio de relatório de atividades. Dessa mitigação, em meio à Pandemia de covid-19, houveram prejuízos à aplicação e devida distribuição dos recursos da lei à classe artística e trabalhadores da cultura, bem como dificultou a fiscalização do uso devido dos repasses financeiros, atentando contra a moralidade, probidade, eficiência e publicidade administrativa, também preceitos constitucionais, previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal. A partir de levantamento bibliográfico, percebe-se que ocorreram prorrogações para a execução das atividades culturais e para a apresentação dos relatórios, o que leva a acreditar que tal modalidade pode não ser adequada e quiçá, inconstitucional. Nesse contexto, busca-se dissertar sobre a aplicação dessa modalidade e seus resultados como meio para prestação de contas por particulares que receberam recursos públicos, para isso será utilizado como parâmetro a série de Editais do “Concurso-Prêmio Manaus de Conexões Culturais – 2020”, promovido pela Prefeitura de Manaus com recursos da Lei Aldir Blanc.
PALAVRAS-CHAVE: Prestação de Contas, Fiscalização, Relatório de Atividades, Lei nº 14.017/2020, constitucionalidade.
SIMPLIFIED ACCOUNTABILITY IN ARTICLE 2, ITEM III OF LAW 14.017/2020 AND ITS APPLICATION IN MANAUS BEFORE ADMINISTRATIVE AND CONSTITUTIONAL PRINCIPLES
ABSTRACT: Article 2, III of Law nº 14.017/2020, “the Aldir Blanc Law”, mitigates the principle of financial accountability provided for in art. 70 of the Federal Constitution in favor of simplified accountability, made through an activity report. This mitigation, in the midst of the Covid-19 Pandemic, caused damage to the application and proper distribution of law resources to the artistic class and cultural workers, as well as making it difficult to monitor the proper use of financial transfers, undermining morality, probity, administrative efficiency and publicity, also constitutional precepts, foreseen in the caput of art. 37 of the Federal Constitution. Based on a bibliographical survey, it is clear that there were extensions for the execution of cultural activities and for the presentation of reports, which leads to the belief that such modality may not be adequate and perhaps unconstitutional. In this context, we seek to discuss the application of this modality and its results as a means of accountability by individuals who have received public funds, for which the series of Public Notices of the “Manaus Contest-Award of Cultural Connections – 2020” will be used as a parameter. , promoted by the City of Manaus with resources from the Aldir Blanc Act.
KEYWORDS: Accountability, Inspection, Activity Report, Law No. 14.017/2020, constitutionality.
Sumário: 1. Introdução. 2. O fomento à cultura como preceito constitucional e histórico. 3. A chegada da pandemia de covid-19 e a Lei Aldir Blanc. 4. As sucessivas prorrogações para a prestação de contas da lei Aldir Blanc. 5. A execução da lei Aldir Blanc em Manaus. 6. A relativização da prestação de contas no art. 2º, III da Lei Aldir Blanc e a prestação de contas simplificada nos editais. 7. A prestação de contas simplificada e o interesse da classe artística e dos trabalhadores da cultura. 8. A prestação de contas simplificada e o princípio da prestação de contas financeira no art. 70 da constituição federal. 9. A prestação de contas simplificada perante princípios administrativos. 10. Considerações finais. 11. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A pesquisa tem como objetivo analisar e discutir se a prestação de contas simplificada, adotada para fiscalizar os repasses financeiros a artistas na cidade de Manaus, respeita o princípio jurídico do art. 70 da Constituição Federal e demais princípios administrativos, com especial foco na redação do artigo 2º, inciso III da Lei nº 14.017 de 2020, sendo este utilizado como fundamento para o “Concurso-Prêmio Manaus de Conexões Culturais – 2020”, promovido pela Prefeitura de Manaus por meio de recursos provenientes da Lei Aldir Blanc, ademais busca-se falar dos resultados da aplicação da modalidade e seus impactos.
A lei nº 14.017/2020 possibilitou o referido concurso que possuía uma série de editais separados por categorias artísticas distintas, destinados à premiação de artistas, havendo também um exclusivamente dedicado à manutenção de espaços culturais[3] (entretanto este é baseado no inciso II). O intuito do concurso era fomentar a cultura no munícipio e amenizar a crise infringida ao segmento por conta do novo coronavírus. Além da discussão constitucional sobre a prestação de contas com relatórios de atividades (prestação simplificada), almejamos responder se existe dentro dessa modalidade aderida para o caso do inciso art.2º, III da Lei Aldir Blanc o atendimento ao melhor interesse dos artistas e trabalhadores da cultura, igualmente ao interesse público, a probidade administrativa no uso de recursos públicos e princípios presentes na norma federal e seu decreto regulamentador.
Dessa forma, será realizado um apanhado da seguinte forma: Sucinta Base constitucional histórica de fomento à cultura; O contexto social, econômico e político que ensejou a criação da Lei Aldir Blanc; Aplicação da Lei em Manaus; O artigo 2º, inciso III e a prestação de contas simplificada perante princípios administrativos e constitucionais.
Espera-se, a partir da análise e exposição dos assuntos, identificar se há, dentro do procedimento, o atendimento ao interesse público, à classe artística, e a adequação ou não da Prestação de Contas Simplifica em relação a princípios constitucionais e administrativos do ordenamento jurídico brasileiro e à probidade no uso das verbas públicas.
2. O FOMENTO À CULTURA COMO PRECEITO CONSTITUCIONAL E HISTÓRICO
A humanidade, ao longo de sua história, em meio a guerras, doenças e catástrofes buscou se voltar para a cultura e a arte, como meio de expressar, tanto individual como pluralmente, os pensamentos à época e demonstrar expectativas e reflexões quanto ao futuro. Neste sentido, “até poucas décadas atrás, a expressão ‘cultura’ possuía uma acepção radicalmente diferente da atual: referia-se a uma espécie de signo de distinção social que dizia respeito a alguns extratos sociais. Hoje é impensável admitir que a existência humana esteja desvinculada de uma vida cultural; convencionou-se denominar isso como significado antropológico de cultura”[4]. O homem, ao estar compelido a possuir cultura e se manifestar através da arte, precisou firmar isso além do mundo material, positiva-se então a ideia de direito cultural nas cartas constitucionais.
A Constituição Federal de 1988, plenamente comprometida com a cidadania, trouxe a expressão “direitos culturais” no caput do art.215, algo que trouxe reflexos no mundo jurídico, mais especificamente quanto ao fato de que o “Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais”[5], dessa forma, consolidando tais direitos como fundamentais e indispensáveis à existência de um cidadão.
3. A CHEGADA DA PANDEMIA DE COVID-19 E A LEI ALDIR BLANC
Sendo a cultura uma das atribuições do Estado Brasileiro, considerando os compromissos internacionais firmados em prol do fomento e atenção ao segmento artístico, o advento do COVID-19 e a massiva movimentação política e social do setor cultural, o Congresso Nacional em 2020, elaborou uma lei de apoio à cultura em razão do estado de emergência sanitária, a que chamamos de Lei Aldir Blanc, em homenagem a Aldir Blanc Mendes, grande músico e compositor, que foi um dos primeiros artistas a falecer por conta da doença. A lei foi sancionada pelo Presidente da República Jair Messias Bolsonaro em 29 de junho de 2020.
Através da Lei nº14.017/2020, foi feito o repasse de 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) aos Estados, Municípios e Distrito Federal, tendo como objetivo atender a demanda do setor cultural devido a necessidade de isolamento social para conter a pandemia de COVID-19. O fomento deveria ser feito, conforme o art.2º da Lei, por intermédio de renda emergencial aos trabalhadores, subsídios mensais para manutenção de espaços artísticos e culturais, e procedimentos administrativos licitatórios como prêmios e editais[6]. A lei foi regulamentada em nível federal por meio do Decreto nº 10.464/2020.
O Estado do Amazonas recebeu o importe de pouco mais de quarenta e cinco milhões de reais, já a capital Manaus, o valor de quatorze milhões de reais, onde, posteriormente, seriam aportados mais 6.000.000.00 (seis milhões de reais), mas com recursos do próprio município, totalizando vinte milhões de reais. Em Manaus, a lei foi regulamentada pelo Decreto Municipal nº 4.923/2020, assinado pelo então prefeito Arthur Virgílio Neto e publicado na edição n° 4.944 do Diário Oficial do Município[7].
4. AS SUCESSIVAS PRORROGAÇÕES PARA A PRESTAÇÃO DE CONTAS DA LEI ALDIR BLANC
A prestação de contas quanto ao uso dos recursos por parte dos artistas e trabalhadores culturais, conforme previsto nos editais e no Decreto Legislativo nº6, de 20 de março de 2020[8](que reconhece o estado de calamidade pública e ao qual a Lei Aldir Blanc se vinculava), expiraria em dezembro de 2020.
A medida provisória nº 1.019, de 29 de dezembro de 2020, depois convertida na lei nº 14.150, de 12 de maio de 2021 veio para prorrogar esse prazo, desvinculando a aplicação dos recursos e realização das atividades e a prestação de contas do Decreto Legislativo nº06, trazendo como prazo a data de 31.12.2022.
Mais recentemente, o presidente Luís Inácio Lula da Silva também concedeu mais prazo para a prestação de contas pelos Estados, Municípios e Distrito Federal em relação à União por meio da Lei Nº 14.529, de 10 de janeiro de 2023.
Dessa forma, houve uma prorrogação de dois anos e outra de 7 meses, então seria possível aplicar recursos, executar projetos já aprovados e fazer a prestação de contas até 31 de julho de 2023. Contando a partir da promulgação da lei, temos que houveram quase 3 (três) anos de prorrogações apenas com o intuito de prestação de contas, o que corrobora com a tese de que a dificuldade de fiscalização e relativização do art. 70 da Constituição Federal obstaculizou a boa execução e distribuição dos recursos.
5. A EXECUÇÃO DA LEI ALDIR BLANC EM MANAUS
A Prefeitura de Manaus, durante o mês de julho de 2020, discutiu com a classe artística, por meio remoto, como se daria a aplicação das verbas recebidas. O diretor-presidente da Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos (Manauscult) na época, era Bernardo Monteiro de Paula, tendo organizado e justificado as reuniões para haver abrangência democrática na gestão e uso dos recursos, respeitando que cada categoria dentro da classe possuía peculiaridades. O fruto dessas discussões resultaria em diversos editais, sendo disponibilizados em momento prévio para consulta pública.
Em outubro de 2020, o dinheiro começou a ser executado com o “Concurso-Prêmio Manaus de Conexões Culturais”, por meio de onze editais dedicados a cada tipo de trabalho artístico e/ou cultural, buscando gerar emprego e atender os anseios do setor cultural e classe artística. Os certames foram geridos pelo Conselho Municipal de Cultura (Concultura), gestor do Fundo Municipal de Cultura (FMC), com apoio da Manauscult. No final do mês de novembro de 2020, começaram os trâmites de pagamento com a verba da Lei Federal.
O CONCULTURA, prontamente, no início da nova gestão em 2021, passou a verificar a documentação e cobrar a prestação de contas, tendo em vista que a aplicação e alocação dos recursos foi feita na gestão anterior, o que culminou em um primeiro edital de prorrogação. Uma vez que esse trabalho iniciou em momento anterior à vinda da lei 14.150/2021, as justificativas para prorrogar foram as de obedecer ao previsto na Lei Aldir Blanc, no Decreto Federal 10.464, no Decreto Municipal 4.923, no art. 70 da Constituição Federal, parágrafo único, e ainda considerando as dificuldades encontradas pelos proponentes para adequar seus projetos, já que nos editais estava disposto que a prestação de contas seria por relatórios de atividade, e não pela prestação de contas financeira por meio de recibos, notas fiscais e demais documentos contábeis próprios.
Com isso, começaram os questionamentos sobre a forma da prestação de contas, atentando que pelo artigo 70, parágrafo único, da Carta Magna, é necessária a prestação de contas por “qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária”[9].
6. A RELATIVIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS NO ART. 2º, III DA LEI ALDIR BLANC E A PRESTAÇÃO DE CONTAS SIMPLIFICADA NOS EDITAIS
Muito embora a Constituição Federal adote implicitamente a prestação de contas financeira (via recibos, notas fiscais, comprovantes de pagamento e similares, sendo uma prestação mais incisiva), a lei Aldir Blanc, considerando o contexto pandêmico e crise no setor cultural e a necessidade de rápida aplicação e recebimento dos recursos, permitiu a prestação de contas simplificada para os casos do art.2º, III da lei, sendo feita de maneira mais simplória, através de relatórios de execução, também chamados relatórios de atividades ou de relatórios de cumprimento do objeto, tais relatórios meramente abrangem narrações fáticas e colações de fotografias e vídeos.
O item 10 dos editais do Concurso Prêmio Manaus de conexões culturais previa tal sistema (exceto para o edital de credenciamento e manutenção de espaços, por ser feito com base no inciso II da Lei Aldir Blanc), por conta disso, houveram dificuldades em averiguar a comprovação efetiva de uso integral do dinheiro nos projetos culturais e artísticos propostos.
Com o surgimento de indagações sobre a não necessidade de prestação de contas por recibos e comprovantes financeiros (que facilitariam a inquirição), vêm à tona casos de embolso e mau uso do dinheiro em decorrência da prestação de contas simplificada.
7. A PRESTAÇÃO DE CONTAS SIMPLIFICADA E O INTERESSE DA CLASSE ARTÍSTICA E DOS TRABALHADORES DA CULTURA
A adoção de uma prestação de contas simplificada para os beneficiários dos recursos gerou críticas por parte de alguns setores da cultura, dentre eles cita-se:
Inclusive, tal sistema pode até mesmo prejudicar acesso a recursos futuros, pois a falta de transparência e a dificuldade em cumprir as obrigações legais podem obstar a obtenção de recursos futuros por parte dos trabalhadores. Sem uma prestação de contas adequada, os órgãos de fiscalização podem não aprovar novos projetos culturais, o que pode inviabilizar a continuidade das atividades culturais.
Tudo isso significa que um dos principais artigos do Decreto regulamentador nº 10.464, de 17 de agosto de 2020 pode ser (e foi) descumprido, onde trata de evitar que os recursos se concentrem nos mesmos beneficiários, não havendo garantias de que, por exemplo, um mesmo proponente não aplicou seus recursos no projeto de uma companhia de artistas que integra, posto que o objetivo era justamente a descentralização e distribuição de recursos:
Art. 9º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão elaborar e publicar editais, chamadas públicas ou outros instrumentos aplicáveis, de que trata o inciso III do caput do art. 2º, por intermédio de seus programas de apoio e financiamento à cultura já existentes ou por meio da criação de programas específicos.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão desempenhar, em conjunto, esforços para evitar que os recursos aplicados se concentrem nos mesmos beneficiários, na mesma região geográfica ou em um número restrito de trabalhadores da cultura ou de instituições culturais.
É importante ressaltar que a prestação de contas simplificada veio em um contexto excepcional, em que a pandemia da Covid-19 colocou em risco a sobrevivência de muitos profissionais e trabalhadores da cultura. Porém, mesmo diante de tais adversidades, a princípios decorrentes da Constituição Federal não podem ser descumpridos, havendo necessidade de que haja transparência e controle na utilização dos recursos públicos, de modo a garantir que o auxílio financeiro chegue a quem realmente precisa e seja utilizado de forma adequada.
8. A PRESTAÇÃO DE CONTAS SIMPLIFICADA E O PRINCÍPIO DA PRESTAÇÃO DE CONTAS FINANCEIRA NO ART. 70 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
O artigo 70 da Constituição Federal dispõe acerca de um princípio constitucional implícito, o da prestação de contas financeira. O recebimento de recursos públicos por um particular enseja que este demonstre de bom grado como, quanto e onde aplicou o dinheiro do contribuinte, e isso apenas pode ser feito através de um relatório financeiro detalhado:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
A razão de ser da prestação de contas é permitir a transparência, a probidade e a responsabilidade na administração pública, dando pilares para decisões de aplicação de recursos, bem como promove a defesa do patrimônio público e, acima de tudo, permite a informação aos cidadãos, que são os destinatários finais dos bens e serviços produzidos pela administração pública e principais dadores dos recursos, conforme também o artigo 5º, XIV da Constituição Federal. Dessa forma, se vê que a prestação de contas é um dos canais democráticos de comunicação entre governo, cidadãos e recebedores de recursos.
A prestação de contas deve transigir uma verdadeira orientação para a população e o estado de como os que fazem uso dos recursos públicos causaram impacto na sociedade, portanto, há uma expectativa de fornecimento de informações tanto pela Estado como pelos recebedores para apoiar avaliações em questões como:
● Se os gastos se deram de maneira eficiente;
● quais são os recursos atualmente disponíveis para gastos futuros, se existe necessidade de devolução por conta do uso não integral, e até que ocasião há restrições ou condições para a utilização desses recursos;
9. A PRESTAÇÃO DE CONTAS SIMPLIFICADA PERANTE PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS
É preciso dizer que até mesmo os entes recebedores foram agraciados com o benefício da prestação de contas simplificada, ao acessar o Anexo I do Decreto regulamentador nº 10.464, de 17 de Agosto de 2020, mencionado no seu art. 16, podemos ver que a minuta ali presente possui termos genéricos, não entrando no mérito do que e como foi gastado, mas apenas no que foi repassado e no que foi executado, e o status da prestação de contas, não entrando no mérito de solicitar ou anexar comprovantes, recibos etc.
Art. 16. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios apresentarão o relatório de gestão final a que se refere o Anexo I à Secretaria-Executiva do Ministério do Turismo após a efetiva realização das ações emergenciais de que trata o art. 2º da Lei nº 14.017, de 2020. (Redação dada pelo Decreto nº 10.683, de 2021)
O caput do artigo 37 da Constituição Federal consagra dois princípios constitucionais-administrativos muito importantes, o da publicidade e o da eficiência:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
O princípio da publicidade é um dos pilares da administração pública, previsto no artigo 37 da Constituição Federal, e estabelece a transparência das ações e decisões do poder público. No contexto Lei Aldir Blanc e pelos editais do Concurso-Prêmio Manaus de Conexões Culturais, temos que a publicidade é algo essencial para garantir a transparência e a prestação de contas dos recursos investidos na área cultural, algo que não pode ser atingido com a prestação de contas simplificada.
Nesse sentido, a lei prevê diversas obrigações de transparência, como a divulgação das ações e projetos apoiados, dos editais e chamadas públicas, dos resultados das seleções e das prestações de contas, entretanto, de nada adianta se a veracidade das informações não pode ser constatada.
A publicidade é primordial para garantir a participação da sociedade na definição das políticas culturais e na fiscalização da aplicação dos recursos. O acesso democrático e fiscalização dos recursos e benefícios previstos na lei são ameaçados pela prestação de contas simplificada.
O princípio da eficiência, assim como em todo o ordenamento jurídico brasileiro, também está presente na Lei Aldir Blanc, esse princípio determina que a administração pública deve buscar sempre a melhor utilização dos recursos disponíveis, visando alcançar os resultados almejados de forma mais rápida, econômica e eficiente possível.
No caso da Lei Aldir Blanc, a eficiência deveria ser observada na forma como os recursos foram distribuídos e utilizados, buscando atender às necessidades e demandas do setor cultural durante a pandemia da Covid-19, de forma ágil e eficaz. No entanto, como já mencionado, houve críticas em relação à prestação de contas e à fiscalização da aplicação dos recursos, o que pode indicar problemas em relação à eficiência na execução da lei em alguns casos.
Cabe ressaltar a existência de constantes prorrogações para a execução das atividades e prestação de contas, conforme já mencionado, dando sinais de que a eficiência não caminha ao lado da prestação de contas simplificada.
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A prestação de contas é uma obrigação dos beneficiários e recebedores de recursos públicos, bem como do próprio Estado, e visa garantir a transparência e o probidade no uso do dinheiro do contribuinte em atendimento à ordem constitucional do artigo 70 da Constituição Federal.
Após quase três anos desde a publicação da Lei Aldir Blanc e o início da prestação de contas de seus recursos, e considerando os termos trazidos, algumas conclusões podem ser tiradas:
Portanto, vemos um verdadeiro impacto positivo na cultura brasileira, fornecendo recursos financeiros para apoiar o setor em um momento de grave crise econômica e de saúde. No entanto, os desafios e a relativização na prestação de contas evidenciam a necessidade de aperfeiçoamento nos processos e a importância da transparência na utilização dos recursos públicos. É fundamental garantir políticas públicas efetivas para fortalecer a cultura de forma sustentável, assegurando que os recursos sejam distribuídos rapidamente, mas utilizados de forma adequada e transparente. Além disso, o fomento à participação dos artistas e produtores culturais na elaboração e implementação das políticas culturais deve ser priorizado, a fim de garantir que suas vozes sejam ouvidas e consideradas nos processos de decisão, tal como ocorreu em Manaus, por meio de audiências públicas.
A lei provou que a cultura é um setor econômico relevante, gerador de empregos e renda, e que contribui para a identidade, diversidade e valorização cultural do país. O reconhecimento da cultura como um direito fundamental significa, dentre outros meios, investir em políticas públicas sustentáveis que promovam a sua democratização e acesso para toda a população.
Em suma, a Lei Aldir Blanc teve um papel importante em mitigar os impactos da crise na cultura brasileira, por meio do fornecimento de recursos financeiros. A prestação de contas é um componente essencial para garantir a transparência e o uso adequado dos recursos públicos, sendo necessário aprimorar os processos e promover a participação dos beneficiários. O fortalecimento da cultura propulsiona esta como um setor estratégico para o desenvolvimento do país, por meio de políticas públicas efetivas e palpáveis, a promoção da transparência e prestação de contas se revelam práticas essenciais para garantir a integridade e o sucesso dessas políticas.
11. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LEI Nº 14.017, DE 29 DE JUNHO DE 2020. Dispõe sobre ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Lei/L14017.htm. Acesso em 02.01.2022
Viva Manaus. Início. Cultura. Nota de esclarecimento do Conselho Municipal de Cultura sobre denúncias veiculadas em relação à Lei Aldir Blanc. Disponível em: https://web.archive.org/web/20210304095453/https://vivamanaus.com/2021/03/01/nota-de-esclarecimento-do-conselho-municipal-de-cultura-sobre-denuncias-veiculadas-em-relacao-a-lei-aldir-blanc/ Acesso em 15/01/2022.
Governo Federal. Notícias. Cultura e Esporte. 2020. 09. Governo Federal já repassou R$ 2 bilhões por meio da Lei Aldir Blanc em apoio à cultura. Disponível em: Governo Federal já repassou R$ 2 bilhões por meio da Lei Aldir Blanc em apoio à cultura (www.gov.br). Acesso em 12/01/2022.
Prefeitura de Manaus. Página Inicial. Secretarias. Cultura, Turismo e Eventos – MANAUSCULT. Editais Lei Aldir Blanc. Disponível em <https://www.manaus.am.gov.br/secretarias/cultura-turismo-e-eventos-manauscult/editais-lei-aldir-blanc/.> Acesso em 12/01/2022.
Viva Manaus. Início. Cultura. Nota de esclarecimento do Conselho Municipal de Cultura sobre denúncias veiculadas em relação à Lei Aldir Blanc. Disponível em; https://vivamanaus.com/2021/03/01/nota-de-esclarecimento-do-conselho-municipal-de-cultura-sobre-denuncias-veiculadas-em-relacao-a-lei-aldir-blanc/. Acesso em 15/01/2022.
Prefeitura de Manaus. Concultura. Início. Lei Aldir Blanc. Disponível em: https://concultura.manaus.am.gov.br/lei-aldir-blanc. Acesso em 16/01/2022.
Viva Manaus. Início. Lei Aldir Blanc. Reuniões Virtuais com Segmentos Culturais e Artísticos. Disponível em: https://vivamanaus.com/lei-aldir-blanc-atas-de-reunioes-virtuais-com-segmentos-culturais-e-artisticos/. Acesso em 20/01/2022.
DECRETO Nº 10.464, DE 17 DE AGOSTO DE 2020. Regulamenta a Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020, para dispor sobre as ações emergenciais destinadas ao setor cultural a serem adotadas em decorrência dos efeitos econômicos e sociais da pandemia da covid-19. (Redação dada pelo Decreto nº 10.751, de 2021). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/Decreto/D10464.htm. Acesso em 04.01.2023.
LEI Nº 14.150, DE 12 DE MAIO DE 2021. Altera a Lei nº 14.017, de 29 de junho de 2020 (Lei Aldir Blanc), para estender a prorrogação do auxílio emergencial a trabalhadores e trabalhadoras da cultura e para prorrogar o prazo de utilização de recursos pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20192022/2021/lei/L14150.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2014.150%2C%20DE%2012%20DE%20MAIO%20DE%202021&text=Altera%20a%20Lei%20n%C2%BA%2014.017,Distrito%20Federal%20e%20pelos%20Munic%C3%ADpios. Acesso em 26.07.2022.
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COSTA, R. V. Cultura e patrimônio cultural na Constituição da República de 1988: a autonomia dos direitos culturais . Revista CPC, [S. l.], n. 6, p. 21-46, 2008. DOI: 10.11606/issn.1980-4466.v0i6p21-46. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/cpc/article/view/15623. Acesso em: 15.01.2023.
OLIVEIRA, Caio Tavares. A efetivação do Direito Fundamental à cultura no processo de execução da Lei Aldir Blanc no Distrito Federal. 2021. 56 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) — Universidade de Brasília, Brasília, 2021. Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/29500. Acesso 07.02.2023.
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NOTAS:
[1] Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal do Amazonas, servidor público, [email protected];
[2] Doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Mestre em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Bacharel em Direito pela UFAM. Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela UFAM. Atua no magistério desde 1996. Professor da Universidade Federal do Amazonas, na Graduação e no programa de Mestrado em "Constitucionalismo e Direitos na Amazônia". Docente do Programa de Mestrado em Segurança Pública da Universidade do Estado do Amazonas. Servidor público estadual, presidiu o Conselho Penitenciário do Estado do Amazonas (2013 a 2018). É pesquisador das violações a direitos fundamentais da sociodiversidade na Amazônia, buscando estabelecer o diálogo entre o direito e questões amazônicas, com livros publicados sobre o assunto, dentre os quais: Terceiro Ciclo (1997), História do Amazonas (2011), Logospirataria na Amazônia (2017), Desafios à Segurança Pública no Brasil (2020), Formação Sociocultural da Amazônia Colonial (2021). Coordenou curso de graduação em Direito, em Instituição de Ensino Superior em Manaus-AM (2008-2010). Coordena grupo de pesquisa e publica regularmente artigos em periódicos acadêmicos e eventualmente em veículos de imprensa; E-mail: [email protected];
[3] Edital de Chamada Pública nº012/2020 – Credenciamento para auxílio a espaços culturais. Disponível em: https://www.manaus.am.gov.br/wp-content/uploads/2020/10/Edital-de-Credenciamento-AUX%C3%8DLIO-A-ESPA%C3%87OS-CULTURAIS.pdf. Acesso em 25.03.2022.
[4] CUNHA FILHO, Francisco Humberto. Teoria dos Direitos Culturais: Fundamentos e Finalidades. São Paulo: Edições SESC, 2018. P.7.
[5] Constituição Federal: Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
[6] Lei 14.017/2020: Art. 2º A União entregará aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, em parcela única, no exercício de 2020, o valor de R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) para aplicação, pelos Poderes Executivos locais, em ações emergenciais de apoio ao setor cultural por meio de:
I - renda emergencial mensal aos trabalhadores e trabalhadoras da cultura;
II - subsídio mensal para manutenção de espaços artísticos e culturais, microempresas e pequenas empresas culturais, cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias que tiveram as suas atividades interrompidas por força das medidas de isolamento social; e
III – editais, chamadas públicas, prêmios, aquisição de bens e serviços vinculados ao setor cultural e outros instrumentos destinados à manutenção de agentes, de espaços, de iniciativas, de cursos, de produções, de desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária, de produções audiovisuais, de manifestações culturais, bem como à realização de atividades artísticas e culturais que possam ser transmitidas pela internet ou disponibilizadas por meio de redes sociais e outras plataformas digitais.
[7] PREFEITURA DE MANAUS. NOTÍCIAS. CULTURA. EDITAIS DA LEI ALDIR BLANC. Disponível em: https://www.manaus.am.gov.br/noticia/editais-da-lei-aldir-blanc-terao-aporte-de-r-6-mi-do-municipio/.Acesso em 08 fev. 2022.
[8] Decreto Legislativo nº6, de 20 de março de 2020: Art. 1º Fica reconhecida, exclusivamente para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, notadamente para as dispensas do atingimento dos resultados fiscais previstos no art. 2º da Lei nº 13.898, de 11 de novembro de 2019, e da limitação de empenho de que trata o art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública, com efeitos até 31 de dezembro de 2020, nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020.
[9] Constituição Federal, Art. 70, Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal do Amazonas; estagiário da Fundação Municipal de Cultura, Turismo e Eventos da Cidade de Manaus - Manauscult, lotado na Procuradoria Jurídica
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Luiz Eduardo Barbosa da. A prestação de contas simplificada no artigo 2º, inciso III da lei 14.017/2020 e sua aplicação em Manaus perante princípios administrativos e constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 maio 2023, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61462/a-prestao-de-contas-simplificada-no-artigo-2-inciso-iii-da-lei-14-017-2020-e-sua-aplicao-em-manaus-perante-princpios-administrativos-e-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
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