GLAUBER DOS SANTOS MÜLLER
JOÃO VITOR DE CASTO
(coautores)[1]
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo debater sobre a inimputabilidade de pessoas diagnosticadas com psicopatia uma vez que se trata de uma doença mental. A pesquisa foi baseada na jurisprudência, na doutrina, estudos científicos, no Código Penal e Processual Penal Brasileiro e na Constituição da República de 1988. A questão jurídica objeto do estudo consiste em compreender se é possível determinar que um criminoso declarado com psicopatia deva cumprir sua sentença em um Hospital de Custódia, por ser dificil, às vezes impossível, sua reintegração social justamente em decorrência de sua natureza.
Palavras-chave: Psicopata; Doença mental; Psicopatia; Direito Penal.
PSYCHOPATHY AND BRAZILIAN CRIMINAL LAW: THE DUE PUNISHMENT OF PSYCHOPATHS DUE TO THEIR NATURE
ABSTRACT: This article aims to discuss the unimputability of people diagnosed with psychopathy since it is a mental illness. The research was based on jurisprudence, doctrine, scientific studies, the Brazilian Penal Code and Criminal Procedure and the 1988 Constitution. sentence in a Custody Hospital, because it is difficult, sometimes impossible, their social reintegration precisely due to their nature.
Keywords: Psychopath; Mental disease; Psychopathy; Criminal Law.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Conceito de psicopatia; 2.1. Psicopatia sob a ótica do Direito Brasileiro; 3. Diferença entre a Inimputabilidade e a Semi imputabilidade; 4. A Devida Punibilidade dos Psicopatas em Decorrência de sua Natureza; 4.1. Casos Criminais: Psicopatas Brasileiros; 5. Conclusão.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo é um estudo sobre a punibilidade de pessoas diagnosticadas com psicopatia uma vez que é considerada uma perturbação mental. Neste viés, é importante entender se o psicopata, em decorrência de sua natureza, tem ou não plena consciência de seus atos e como estes podem ser punidos penalmente.
Muitas vezes esta temática tende a assustar as pessoas, justamente por se tratar de um evento temido: a sensação de impunidade. Isto ocorre pelo fato de que a sociedade acredita que se um criminoso diagnosticado com psicopatia receber uma sentença como uma pessoa inimputável, a justiça não será devidamente executada.
De fato, o tema relacionado à capacidade penal é um dos fundamentos do Direito Penal Brasileiro, isto porque, uma pessoa portadora de doença mental, que não tem condições de discernimento do caráter ilícito do ato, no momento do crime, é considerada inimputável. No entanto, nos casos de perturbação mental, é necessária a realização de uma perícia psiquiátrica para determinar qual o tipo de transtorno mental do agente e, logo após, determinar quais medidas jurídicas serão tomadas.
No entanto, existe um instituto denominado como Hospital de Custódia, regulamentado pelo Decreto nº 1.131 de 1903, no qual é destinado para o tratamento psiquiátrico de pessoas que cometeram crimes, mas são consideradas semi imputáveis, devendo receber o tratamento médico adequado para sua enfermidade.
Sabe-se que no Brasil o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 40 anos e não é permitida a pena de prisão perpétua, não legitimando o encarceramento de um indivíduo criminoso até o fim de sua vida. Ademais, um indivíduo poderá permanecer cumprindo sua sentença no Hospital de Custódia por tempo indeterminado até que uma perícia médica determine a cessação da periculosidade.
Sendo assim, vê-se necessário do amadurecimento da ideia de inclusão, expressa, no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal, a previsão de internação para psicopatas considerando-os semi imputáveis.
A metodologia utilizada para a elaboração deste artigo será a análise bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, bem como artigos científicos e legislações pertinente. Ou seja, será analisado se o indivíduo que cometeu um ato considerado como crime deva cumprir sua sentença em Hospital de Custódia, caso seja diagnosticado com psicopatia.
O presente estudo será divido em três partes. A primeira discorre sobre a psicopatia, apontando seu conceito e impacto a luz do ordenamento jurídico brasileiro; a segunda parte discorre sobre o conceito de semi imputabilidade e sua diferença da inimputabilidade de acordo com o Código Penal; a terceira destaca a eficiência da correta aplicação da sentença penal para psicopatas na qual determine sua internação no Hospital de Custódia.
2.CONCEITO DE PSICOPATIA
De acordo com o Dicionário Online de Português a palavra psicopatia significa uma “pessoa que sofre de um distúrbio mental, definido por comportamentos antissociais, pela falta de moral, arrependimento ou remorso, sendo incapaz de criar laços afetivos ou de sentir amor pelo próximo”.[2] Já a palavra psicopatia significa “perturbação da personalidade que se manifesta essencialmente por comportamentos antissociais (passagens a ato), sem culpabilidade aparente”.[3]
Embora a psicopatia não tenha uma definição inequívoca, ocorrendo discordância sobre este tema, alguns profissionais defendem a ideia de que a psicopatia é, na verdade, um transtorno de personalidade social.[4]
De acordo com o psiquiatra forense brasileiro Guido Palomba, o termo psicopata foi descrito em 1940 pelo psiquiatra americano Hervey Cleckley mas também é sinônimo de “sociopata, louco lúcido, louco moral e condutopata”. Palomba acredita ainda que psicopata é “o interregno da descrição da patologia, deformidade e moléstia na conduta desses indivíduos, que não rompem com a realidade, ou seja, não são doentes mentais”.[5]
Para o professor de Psicologia da University of British Columbia no Canadá, Robert Hare, o psicopata pode ser um indivíduo que possui ausência de remorso ou culpa, é impulsivo, tem fraco controle do comportamento, falta de responsabilidade, problemas comportamentais precoces, entre outros.[6]
Além disto, Hare fez uma analogia importante para entender como a capacidade mental dos psicopatas são limitadas e moldadas:
O psicopata é como um indivíduo daltônico que vê as cores como acinzentadas, mas com isso aprende a gerenciar um mundo de cores, como por exemplo, ao parar no trânsito ao sinal vermelho do semáforo, esse indivíduo não contempla a cor vermelha, mas para ao ver a luz superior do semáforo, porque aprendeu maneiras de compensar o seu problema, como pessoas daltônicas os psicopatas carecem de um elemento experimental importante, nesse caso a experiência emocional, mas podem aprender as palavras que os outros usam para descrever as experiências que eles não podem. (HARE, 1993, p. 337).[7]
Ainda, a psiquiatra Dra. Ana Beatriz B. Silva descreveu em sua obra: Mentes Perigosas o Psicopata Mora ao Lado (2008), que:
Além de psicopatas, eles também recebem as denominações de sociopatas, personalidades antissociais, personalidades psicopáticas, personalidades dissociais, personalidades amorais, entre outras. Embora alguns estudiosos prefiram diferenciá-los, no meu entendimento esses termos se equivalem e descrevem o mesmo perfil.[8]
Silva evidencia também que os psicopatas “são absolutamente deficitários, pobres, ausentes de afeto e de profundidade emocional” e que eles “entendem a letra de uma canção, mas são incapazes de compreender a melodia”.[9]
Interessante destacar que o psiquiatra forense Guido Palomba ressalta que a ideia de que os psicopatas são superdotados intelectualmente é superestimada e não há comprovação científica que pessoas portadoras de psicopatia, necessariamente, tenham um desenvolvimento intelectual acima da média.[10]
Sendo assim, ainda de acordo com Robert D. Hare, os psicopatas são pessoas comuns com comportamentos sociais específicos com ausência de consciência moral. Ou seja, não existe um padrão de gênero, cor, nacionalidade, etnia e podem ser encontrados em qualquer lugar do mundo e suas características variam entre grave, moderado e leve.[11]
2.1. Psicopatia sob a ótica do Direito Brasileiro;
De acordo com Oliveira e Mattos a psicopatia tem grande destaque no sistema jurídico penal pois os criminosos definidos como psicopatas não são como os outros criminosos. Isto porque os psicopatas apresentam maiores possibilidades de reincidirem criminalmente uma vez que estes não costumam reagir positivamente ao tratamento de reabilitação para ser reinserido no convívio pessoal.[12]
Corroborando com este entendimento, o psicólogo criminal Christian Costa destaca que “os indivíduos acometidos por esse transtorno não podem ser colocados no grupo da normalidade, devido aos seus desequilíbrios psicoemocionais e comportamentais”.[13]
Fernando Capez destaca sobre o conceito de doença mental:
Doença mental: é a perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou a de comandar à vontade de acordo com esse entendimento. Compreende a infindável gama de moléstias mentais, tais como epilepsia condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia, paranoias, psicopatia, epilepsias em geral etc.[14]
Com base nisto, interessante ressaltar que Nucci afirma que “doença mental é um quadro de alterações psíquicas qualitativas, como a esquizofrenia, as doenças afetivas [...] e outras psicoses [...] abrangendo as doenças de origem patológica e de origem toxicológica”.[15]
O escritor Vicente P. Cabello defende que quando há falha na avaliação médica psiquiátrica, a valoração psicológica que decide, sendo essencial para o juízo jurídico da (in)imputabilidade penal.[16] Ou seja, muitos casos de criminosos que possuem todos os traços psicológicos de psicopatia foram julgados como um criminoso imputável e, após o cumprimento estão de volta a sociedade representando os mesmos perigos que os levaram a serem encarcerados.
No que tange estritamente ao âmbito criminal, Sebastião Roque entende que “o criminoso é geneticamente determinado para o mal, por razões congênitas. Ele traz no seu âmago a reminiscência de comportamento adquirido na sua evolução psicofisiológica”.[17]
O direito brasileiro entende que a psicopatia não se encaixa no quadro de doenças mentais e sim no de perturbação mental, uma vez que o indivíduo diagnosticado com psicopatia está lúcido para entender seus atos, só não possui a capacidade afetiva para se importar com o que faz. Neste sentido, Palomba, ratifica que “o doente mental, por exemplo, escuta vozes, sente que está sendo perseguido. Já o condutopata não rompe com a realidade, nem tem problema mental”.[18] Assim, os psicopatas não sentem “remorso, culpa, arrependimento, porque está sempre certo, a culpa é sempre do outro. Possui sentimento de superioridade e são absolutamente egocentrados”.[19]
Desta forma, sobre a aplicação penal para crimes cometidos por psicopatas, é interessante acentuar que a culpabilidade se dá em decorrência da conduta do agente, que cometeu um fato típico, ilícito e culpável. Ou seja, quando o psicopata agiu e cometeu o fato criminoso, este, nas condições em que se encontrava, poderia ter agido de outra maneira, mas não o fez.[20]
3.DIFERENÇA ENTRE A INIMPUTABILIDADE E A SEMI IMPUTABILIDADE;
O Código Penal Brasileiro destaca no caput do artigo 26 o conceito para pessoas consideradas inimputáveis, sendo isento de pena “o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”.[21] Aqui, nota-se a presença de uma pessoa completamente incapaz de entender os seus atos no momento dos fatos, conceituando o portador de doença mental.
Neste sentido, ainda que um fato seja típico e antijurídico, não será culpável se for cometido por uma pessoa considerada inimputável penalmente, pois, se no momento dos fatos não se comprovar que o agente possuía plena capacidade psíquica para compreender a reprovabilidade de sua conduta, não poderá lhe ser aplicada a pena, sendo, portanto, a inimputabilidade causa de exclusão da culpabilidade.[22]
O doutrinador Sanzo Brodt determina que “a imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito fato), e outro volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento).”[23]
Damásio de Jesus relata que “imputar é atribuir a alguém a responsabilidade de alguma coisa. Imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível”.[24] Ou seja, uma vez inimputável penalmente, não há que se falar em culpabilidade já que o sujeito não tem a capacidade de compreender o caráter ilícito da ação devido à sua incapacidade mental.
A diferença entre a inimputabilidade e a semi imputabilidade é que na segunda, ocorre a perda parcial da compreensão da conduta ilícita, da capacidade mental e do discernimento sobre os atos ilícitos praticados. Sua regulamentação encontra-se pautada no parágrafo único do artigo 26 do Código Penal:
A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.[25]
Todavia, o artigo 96 do mesmo código possibilita a internação ou tratamento ambulatorial em casos de semi imputabilidade como forma de substituição da pena para um tratamento curativo:
Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 a 3 anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1.º a 4º.[26]
Este fenômeno é denominado como substituição da pena restritiva de liberdade para uma medida de segurança, que são elas: “I) internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II) sujeição a tratamento ambulatorial”.[27]
Nesta feita, uma vez que ocorre a isenção de pena para os inimputáveis, a substituição da pena pela medida de segurança é cabível apenas para os semi imputáveis que realmente precisam de tratamento curativo, uma vez que é mais provável tentar controlar as enfermidades ou transtornos mentais do que proporcionar a própria cura dos mesmos.
4.A DEVIDA PUNIBILIDADE DOS PSICOPATAS EM DECORRÊNCIA DE SUA NATUREZA
É possível notar que existe um impasse jurídico sobre qual é o melhor tratamento jurídico para pessoas diagnosticadas com psicopatia, uma vez que não pode ser considerada como criminoso plenamente capaz, mas ao mesmo tempo, não pode ser considerado totalmente incapaz. O psiquiatra forense Guido Palomba considera que os psicopatas estão no meio entre a loucura e a normalidade.[28]
Interessante analisar cada caso em detalhes, uma vez que vale ressaltar que nem todo psicopata é criminoso e nem todo criminoso é psicopata. Existe uma parcela da população portadora de psicopatia que não cometeu nenhum crime. Portanto, todo o estudo a ser analisado no que tange a aplicação da lei penal, se refere àquela parcela de psicopatas criminosos.[29]
Conforme demonstrado, é preciso analisar a situação específica de cada caso. O indivíduo portador de psicopatia quando comete um crime não pode ser considerado plenamente lúcido ou com sua capacidade mental totalmente em ordem devido a sua perturbação mental. Como bem elucidado, a respeito da aplicação da lei penal específica a cada caso, Rogério Greco expõe que:
Com os estudos referentes à matéria, chegou-se paulatinamente ao ponto de vista de que a execução penal não pode ser igual para todos os presos – justamente porque nem todos são iguais, mas sumamente diferentes – e que tampouco a execução pode ser homogênea durante todo o período de seu cumprimento. Não há mais dúvida de que nem todo preso deve ser submetido ao mesmo programa de execução e que, durante a fase executória da pena, se exige um ajustamento desse programa conforme a reação observada no condenado, só assim se podendo falar em verdadeira individualização no momento executivo. […] A individualização, portanto, deve aflorar técnica e científica, nunca improvisada, iniciando-se com a indispensável classificação dos condenados a fim de serem destinados aos programas de execução mais adequados, conforme as condições pessoais de cada um.[30]
Dessarte, é importante que exista uma determinação legal expressa no Código Penal que seja específica para a devida punição de criminosos diagnosticados com psicopatia, diferenciando-os dos demais criminosos semi imputáveis. Visto que os psicopatas possuem ausência afetiva, que é basicamente o sentimento que impede que um indivíduo afete o outro ou seja afetado, uma vez que tal perturbação mental se manifesta em decorrência de sua natureza, enfatiza-se o fato de que um psicopata criminoso está propenso a continuar cometendo crimes caso seja reinserido a sociedade. Como bem ressalta Ana Beatriz B. Silva, “a natureza dos psicopatas é devastadora, assustadora, e, aos poucos, a ciência começa a se aprofundar e a compreender aquilo que contradiz a própria natureza humana”.[31]
Analisando a lei brasileira, elucida-se que o psicopata não pode ser considerado inimputável pois não é portador de doença mental e não é inteiramente incapaz. Assim, intriga-se acentuar que uma vez que a psicopatia se enquadra na condição de semi imputabilidade, por ser considerada uma perturbação mental, deveria ocorrer uma ratificação do parágrafo único do artigo 26 do Código Penal na qual determinaria que, após um criminoso ser diagnosticado com psicopatia, este deverá cumprir sua pena por meio de medida de segurança.
Ou seja, a aplicação de medida de segurança terá como consequência a remoção deste indivíduo do contexto social, uma vez que restou evidenciado que os psicopatas não estão aptos a serem reinseridos na sociedade, em decorrência de sua natureza (nascem e morrem com psicopatia). Assim, é necessário que ocorra uma reforma legal e estrutural dos Hospitais de Custódia em todo o país, a fim de oferecer o tratamento adequado para os criminosos psicopatas, por tempo indeterminado, até que seja atestado, através de perícia médica, a cessação de sua periculosidade.
5.CASOS CRIMINAIS: PSICOPATAS BRASILEIROS
Interessante citar que, no Brasil, existem alguns casos criminais com claros indícios de psicopatia por parte do criminoso, dos quais foram aplicadas as medidas de segurança para que o psicopata seja retirado do convívio da sociedade e internado em Hospital de Custódia, a fim de promover seu tratamento até que este esteja apto para viver socialmente.
Um exemplo disto é o caso de Liana Friedenbach e Felipe Caffé que ocorreu em 01 de novembro de 2003 quando o adolescente Roberto Aparecido Alves Cardoso, conhecido pelo codinome Champinha, e seu comparsa Paulo Cézar da Silva Marques, vulgo Pernambuco, sequestraram o jovem casal, Liana Friedenbach (16 anos) e Felipe Caffé (19 anos), que estavam acampando na zona rural de São Paulo. O sequestro durou aproximadamente 5 dias e foi marcado por tortura, abuso sexual e foi fatal para ambas as vítimas.[32]
Após serem capturados, o comparsa de Champinha, bem como outros participes, foram presos em unidades prisionais por serem penalmente imputáveis, porém, Champinha foi encaminhado para julgamento pela Vara da Infância e Juventude. Por se tratar de inimputável, em decorrência da idade, vez que a época dos fatos o mesmo ainda era adolescente, Champinha cumpriu medida socioeducativa no tempo máximo admitido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (três anos de internação). Após este período, o infrator deveria ser liberado perante o ECA, vez que não havia a possibilidade de lhe impor outra medida punitiva. No entanto, após avaliação psicológica, o mesmo atestou sua inaptidão ao convício social, conduzindo o Ministério Público a pedir sua interdição civil para a aplicação de uma medida de segurança, o que foi aceito, fazendo com que este permaneça na Fundação Experimental de Saúde sob vigilância do Estado até o presente momento.[33]
Entretanto, o caso de Suzane Von Richthofen, que aos 18 anos arquitetou e facilitou a morte dos próprios pais, Manfred e Marísia, com marretadas na cabeça em outubro de 2002 teve uma consideração diferente. Apesar do crime ter sido cometido pelos irmãos Cristian e Daniel Cravinhos e, Suzane não ter participado, diretamente, na atuação criminosa, foi reconhecida sua coautoria no homicídio pela elaboração do plano do crime.[34] Suzane foi condenada a 39 anos de prisão em regime fechado e em 2015 passou a cumprir pena em regime semi aberto.[35]
De acordo com o psicanalista David Zimerman, Suzane apresenta os defeitos morais característicos de psicopatia, como o pensamento regressivo, que vai do pensamento ao ato – actings – de natureza maligna, seguido da irresponsabilidade e aparente ausência de culpa. Além disso, ela apresenta ausência afetiva e empática e sem remorso pelo que aconteceu com as vítimas, possuindo claramente uma enfermidade mental antissocial e amoral.[36]
Um dos testes psicológicos projetivos mais renomados do mundo é o Teste de Rorschach que, de acordo com o IDRLabs Individual Differences Research é:
Os psicólogos usam o Teste de Rorschach para examinar as características da personalidade e o funcionamento emocional do paciente. Esse teste é frequentemente empregado para detectar padrões de pensamento subjacentes e diferenciar as disposições psicóticas e não psicóticas no pensamento de uma pessoa. O Teste de Rorschach também é usado em casos forenses e de guarda de menores, bem como para avaliar o grau geral de adaptação de uma pessoa à sociedade.[37]
Em 2014, quando Suzane esteve prestes a progredir para o regime semiaberto, a mesma realizou este teste, resultando-a com “egocentrismo elevado, conduta infantilizada, possibilidade de descontrole emocional, personalidade narcisista e manipuladora, agressividade camuflada e onipotência”.[38]
Porém, até o presente momento, apesar ter sido possível identificar vários dos aspectos que determinam a psicopatia de Suzane, não ocorreu sua declaração com tal perturbação mental, permanecendo seu julgamento como imputável e possibilitando seu retorno ao convívio social, mesmo não tendo aptidão para tal.
6.CONCLUSÃO
O conceito de psicopatia não é considerado como incontestável e acarreta certa discussão entre os profissionais da saúde. No entanto, muitos concordam que uma pessoa portadora de psicopatia é uma pessoa comum com irrefutáveis problemas comportamentais marcados por atitudes impulsivas, ausência de remorso, culpa, bem como falta de responsabilidade e comprometimento. À vista disto, determina-se que esta é a natureza dos psicopatas, eles nascem e morrem com esta condição.
É interessante ressaltar que nem todo psicopata é criminoso, assim como nem todo criminoso é considerado psicopata. Sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, um criminoso psicopata se encaixa no quadro de portadores de perturbação mental, vez que não são considerados incapazes, mas, ao mesmo tempo, não podem ser considerados completamente capazes, tendendo a reincidir criminalmente se forem reinseridos na sociedade novamente após o cumprimento de suas sentenças penais.
O Código Penal Brasileiro destaca em seu artigo 26 o conceito para pessoas consideradas inimputáveis, em decorrência de sua inteira incapacidade de entender o caráter ilícito no momento do crime, sendo, portanto, isentos de pena. Ademais, no parágrafo único do referido artigo, observa-se o conceito de semi imputabilidade, que ocorre quando há a perda parcial da compreensão do agente no momento do cometimento do crime. Assim, a pena de um indivíduo julgado como semi imputável pode ser alterada para uma medida de segurança.
Em suma, analisando a lei brasileira, uma vez que os psicopatas não podem ser considerados incapazes a ponto de serem inimputáveis, estes se enquadram na condição de semi imputável. Em razão de sua perturbação mental é possível que o cumprimento de sua sentença ocorra através de medida de segurança de internação em um Hospital de Custódia. Para isto, seria necessário a ocorrência de uma ratificação do parágrafo único do artigo 26 do Código Penal determinando, exclusivamente, o cumprimento de pena dos psicopatas por meio de medida de segurança, bem como, uma reforma legal e estrutural destas instituições em todo o país, a fim de oferecer o tratamento adequado, por tempo indeterminado, para estes criminosos até que seja atestado, através de perícia médica, a cessação de sua periculosidade.
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[1] graduanda em Direito pelo Centro Universitário Una
[2] Dicionário Online de Português. Significado de Psicopata.
[3] Dicionário Online de Português. Significado de Psicopatia.
[4] CALÓ, Fábio Augusto. Psicopatia: o que é, como identificar e quais os sinais. Instituto De Psicologia Aplicada.
[5] __. Guido Palomba define a psicopatia em programa de investigação criminal. Associação Paulista De Medicina. 2022.
[6] EDWARDS, Jim. ‘The Hare Psychopathy Checklist’: The test that will tell you if someone is a sociopath. 2016.
[7] Hare, R. D. 1993, p. 337. Without conscience: The disturbing world of the psychopaths among us. New York: Pocket Books.
[8] BARBOSA SILVA, Ana Beatriz. Mentes Perigosas - O Psicopata Mora ao Lado. Editora Fontanar. Edição 1. 2008. p. 12.
[9] BARBOSA SILVA, Ana Beatriz. Mentes Perigosas - O Psicopata Mora ao Lado. Op. cit. p. 13.
[10] __. Guido Palomba define a psicopatia em programa de investigação criminal. Associação Paulista De Medicina. op. cit.
[11] Hare, R. D. Forward. In K. A. Kiehl & W. P. Sinnott-Armstrong (Eds.), Handbook on psychopathy and law. New York, NY: Oxford University Press. 2013
[12] OLIVEIRA, Alexandra Carvalho Lopes de. A responsabilidade penal dos psicopatas. 101 f. Monografia (Bacharelado em Direito). Rio de Janeiro-RJ: PUC-RJ, 2012.
[13] COSTA, Chirstian. Curso de Psicologia Criminal. Belém: PlanejaRH, 2008.
[14] CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal – 22°ed., Editora: Saraiva, 2015, p.326
[15] NUCCI, Guilherme Souza. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 514
[16] CABELLO, Vicente. Psiquiatría forense en el derecho penal, I, 2000, p. 124
[17] LOMBROSO, César. O Homem Delinquente. Tradução de Maristela Bleggi Tomasini e Oscar Antonio Corbo Garcia. Porto Alegre: Ricardo Lenz, 2001, p. 3
[18]__. Guido Palomba define a psicopatia em programa de investigação criminal. Associação Paulista De Medicina. op. cit.
[19] __. Guido Palomba define a psicopatia em programa de investigação criminal. Associação Paulista De Medicina. op. cit.
[20] GRECO. Rogério. Curso de direito penal, Rio de Janeiro; Impetus, 2010
[21] BRASIL. Código Penal Brasileiro. Artigo 26, caput.
[22] MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
[23] SANZO BRODT, Luís Augusto. Da consciência da ilicitude no direito penal brasileiro, p. 46, apud GRECO, Rogério. Curso de direito penal, parte geral, volume I, arts. 1º a 120 de CP. 13 ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Impetus, 2011, p. 385
[24] JESUS, Damásio de. Direito Penal, Parte Geral. Ed. Saraiva, v. 1, São Paulo, 2011, p. 513
[25] BRASIL. op. cit. Artigo 26, p. único
[26] Ibid., Artigo 96
[27] Ibid., Artigo 96, incisos.
[28] __. Guido Palomba define a psicopatia em programa de investigação criminal. Associação Paulista De Medicina. op. cit.
[29] BARBOSA SILVA, Ana Beatriz. Mentes Perigosas - O Psicopata Mora ao Lado. Op. cit.
[30] GRECO, R. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 4. ed. rev. ampl. atual. Rio de Janeiro: Editora Impetus, 2014. p. 120 e 121
[31] BARBOSA SILVA, Ana Beatriz. Mentes Perigosas - O Psicopata Mora ao Lado. Editora Fontanar. Edição 1. 2008. p. 14
[32] SILVA, Lana Weruska. Caso Liana Friedenbach e Felipe Caffé: vítimas de Champinha. Canal Ciências Criminais. 2022.
[33] SILVA, Lana Weruska. op. cit.
[34] JANSEM, Vitoria. Análise do caso Suzane Von Richthofen sob a ótica da Psicologia Jurídica. JusBrasil. 2021.
[35] MIGALHAS. Após 20 anos Suzane Von Richthofen é solta; relembre a sentença do caso. 2023.
[36] ZIMERMAN, David E. Fundamentos psicanalíticos: teoria, técnica e clínica – uma abordagem didática. 4 ed. Porto Alegre: Artmed, 1999.
[37] IDRLabs. Teste de Rorschach.
[38] DARKSIDE. A utilização do teste de Rorschach no caso Richthofen. 2021.
graduanda em Direito pelo Centro Universitário Una
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHO, Ana Clara. Psicopatia e o direito penal brasileiro: a devida punibilidade dos psicopatas em decorrência de sua natureza Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 maio 2023, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61488/psicopatia-e-o-direito-penal-brasileiro-a-devida-punibilidade-dos-psicopatas-em-decorrncia-de-sua-natureza. Acesso em: 23 dez 2024.
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