RESUMO: Diante dos recentes e rápidos avanços da ciência moderna, o Direito Brasileiro vem se deparando com inúmeras situações sem precedentes, que necessitam de regulamentação. Entre elas, e como objeto desse trabalho, está a possibilidade da clonagem de seres humanos, que pode ocorrer tanto para fins terapêuticos, quanto para fins de reprodução assistida. Fato é, que o legislador não poderá se furtar de um posicionamento sobre o assunto, anda que atualmente, a prática seja expressamente vedada pelo Ordenamento Jurídico Brasileiro. Entre vários assuntos a serem discutidos, evidencia-se na presente dissertação o direitos desses possíveis indivíduos clonados a fazerem parte da linha sucessória do indivíduo doador, de modo que seja protegido e respaldado pela lei o direito a saisine dessas pessoas, bem como respeitada a dignidade da pessoa humana e todas as garantias fundamentais inerentes às pessoas naturais, garantidas tanto pela Constituição Federal, quando pelo Código Civil Brasileiro.
Palavras Chave: Sucessão, clonagem humana, biodireito, direito das sucessões, bioética.
ABSTRACT: In view of the recent and rapid advances of modern science, Brazilian Law has been facing numerous unprecedented situations that require regulation. Among them, and as the object of this work, is the possibility of cloning human beings, which can occur both for therapeutic purposes and for assisted reproduction purposes. The fact is that the legislator cannot avoid a position on the subject, even though the practice is currently expressly prohibited by the Brazilian Legal System. Among several issues to be discussed, this dissertation highlights the rights of these possible cloned individuals to be part of the donor individual's line of succession, so that the right to saisine of these people is protected and supported by law, as well as respecting the dignity of the human person and all the fundamental guarantees inherent to natural persons, guaranteed both by the Federal Constitution and by the Brazilian Civil Code.
Keywords: Succession, human cloning, biolaw, inheritance law, bioethics.
As novas tecnologias no campo das ciências humanas, tem se desenvolvido de maneira célere e com grande rapidez. As ciências médicas, tem trazido grandes inovações, na maneira de conceber e gerar o ser humano. Nesse particular, o ser humano criou o bebê de proveta, depois iniciou o processo de geração de bebês através da barriga de aluguel ou barriga solidária, até chegar à inseminação artificial e manipulação de células para criar novos seres aos casais que não podiam conceber filhos de forma natural.
À medida que o tempo passa, o ser humano realiza novas e novas descobertas que trazem avanços científicos que nem sempre estão ligados à ética. Nesse sentido, os cientistas já conseguiram criar novos seres vivos através da clonagem, que é a obtenção de um ser vivo através das células de apenas um indivíduo, de forma assexuada, por meio de células adultas de um ser; como foi o caso da ovelha Doly, criada em laboratório, a partir de uma célula somática doada por uma ovelha adulta.
Nesse sentido, embora haja uma proibição legal e ética, no Brasil, de se proceder à clonagem de seres humanos, não se pode garantir que tais criações não estejam sendo realizadas em laboratórios clandestinos,
Recentemente um cientista chinês já publicou em sua rede social que teria concebido em laboratório o clone de um ser humano do sexo masculino. Dentro deste contexto, o direito não pode fechar os olhos para os possíveis problemas éticos e questionamentos que virão.
Desta forma, o objetivo desta pesquisa será o de analisar a legislação brasileira e princípios éticos do biodireito, para garantir direitos aos seres humanos clonados em laboratórios a partir do processo de clonagem.
A problemática que movimenta essa pesquisa é: de que forma garantir direitos de hereditariedade ao clone humano? O doador da célula geradora possui que grau de parentesco ao receptor da célula?
A pesquisa se justifica tendo em vista que já se tem notícias de que essas criações, mesmo à revelia da lei, estão acontecendo em laboratório. E uma vez criada, não poderá ser simplesmente descartada ou não se poderá negar-lhe direitos, em especial ao da dignidade da pessoa humana e o da hereditariedade.
Para tanto, o direito deve se fazer presente neste contexto para garantias mínimas de direitos e buscar trazer segurança jurídica, sendo o objetivo desta pesquisa o foco do direito de hereditariedade do clone humano.
A metodologia que se adotará nessa pesquisa será a do método dedutivo; quanto aos meios a pesquisa será bibliográfica, com uso da doutrina, legislação e jurisprudência; quanto aos fins a pesquisa será qualitativa, pois não se deterá a análise de percentis e nem quantitativa.
1. PESSOAS NATURAIS - SUJEITOS DE DIREITO
O Código Civil, em sua parte geral, versa sobre os sujeitos de direito, sendo estes, os capazes de adquirir, modificar, extinguir ou conservar direitos. Sobre isso, LÔBO nos diz que "o ser humano nascido com vida é pessoa física. Essa denominação é tradicional e continua adequada para os fins do direito civil." (LÔBO, 2023, p.181)
Nascendo com vida, o sujeito passa a ter direitos e deveres na vida civil, estando apto a gozar de todos os benefícios e garantias impostas pela lei. Ainda no ventre materno, o feto, embora não tenha direitos, já possui garantida por lei sua proteção, podendo ser confirmada pelos alimentos gravídicos, regulamentados pela Lei 11804/2008. Ainda, pode, o nascituro, ter garantido seu direito à herança, em caso de falecimento de seu genitor, como descrito no artigo 1798 do Código Civil, “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão” (CÓDIGO CIVIL, 2006)
Em síntese, a pessoa natural, ou pessoa física, é indivíduo dotado de direitos e deveres, e possui proteção garantida por lei. Importa salientar, que a legislação brasileira não admite diferenciação de pessoas no que diz respeito a esses direitos e deveres, sendo todos, sem distinção, tutelados pelo Estado, que deve assegurar de forma eficiente que sejam respeitados os direitos garantidos pela Constituição Federal de 1988, e nesse sentido, nos esclarece o artigo terceiro:
“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
Dessa forma, é matéria relevante para o presente trabalho, questões relacionadas a proteção do nascituro, de modo que a lei não versa sobre qual a forma correta, ou qual a única forma de concepção aceita, para que o Estado possa ser garantidor dos direitos desse indivíduo, chamado aqui de pessoa natural.
Um ser humano, ainda que concebido in vitro não deixa de estar inserido em nosso ordenamento jurídico somente por ter sido concebido de forma diversa do natural. Desse modo, e seguindo a mesma linha de raciocínio, uma vez nascido um ser humano, por meio de uma possível clonagem bem-sucedida, seria, e deveria gozar de toda proteção descrita em lei, dada as pessoas naturais, pois uma vez nascido, ele assim seria, podendo adquirir, modificar, conservar ou extinguir direitos como qualquer outro ser humano, independente da forma como foi concebido.
2. DA CLONAGEM
Ao longo dos anos, vem-se observando um crescimento contínuo e rápido da ciência, em todos os campos e áreas quanto seja possível.
Para o atual estudo, chamamos a atenção para a significativa evolução científica no que diz respeito à saúde e desenvolvimento reprodutivo, entre outros. Nesse sentido, voltamos nossa atenção para a clonagem, que em linhas gerais, consiste na reprodução de um indivíduo a partir de células adultas de um outro indivíduo, sem a necessidade de gametas masculinos ou femininos.
Segundo Diniz (2022), é antiga a ideia da reprodução feita de forma assexuada através de transplante de células nucleares e tem sido largamente utilizada no campo da agronomia vegetal, com objetivos comerciais. Os primeiros testes realizados em animais ocorreram em 1962, sendo utilizadas rãs para tal. De lá para cá, muitos foram os testes realizados, em vacas, ratos, macacos, entre outros, alguns malsucedidos, outros obtiveram sucesso, e entres esses, o mais expressivo ocorreu em julho de 1996, na Escócia, com o nascimento da ovelha Dolly, fato esse que foi considerado um marco histórico da ciência moderna.
A criação de Dolly ocorreu após 277 outras tentativas frustradas e foi feita utilizando o núcleo de uma célula mamária de uma ovelha, sem qualquer participação de um gameta masculino. O referido núcleo foi implantado em um óvulo desnucleado e não fecundado, ocorrendo dessa maneira uma reativação da nova célula, que a partir de então começou o processo de multiplicação, originando um embrião, que foi colocado no útero de uma outra ovelha. Todo esse processo deu origem a Dolly, que era uma cópia idêntica, geneticamente e fisicamente da ovelha doadora da célula mamária, se diferenciando somente pela idade entre ambas.
Nesse contexto da possibilidade de clonagem, inclusive de humanos, surge a figura da bioética, diante das inúmeras questões impactantes e inovadoras no âmbito das ciências biomédicas, da genética, da embriologia e tantas outras questões que vão de encontro aos costumes das sociedades.
Assuntos delicados como a utilização de células tronco no tratamento de determinadas enfermidades, ou a possibilidade de se manter vivo por anos um indivíduo, ainda que em estado vegetativo através de aparelhos, ou até mesmo a possibilidade da fertilização in vitro, passaram a fazer parte da vida cotidiana das ciências médicas, pois trouxeram grande benefício para a vida humana. O fato é que a cada passo rumo à evolução da ciência, há de ser analisado cuidadosamente a fim de saber se tais descobertas trarão mais benefícios do que possíveis danos colaterais para toda uma sociedade.
Diniz (2022), aventa ainda a possibilidades de clones humanos descerebrados, servindo apenas como depósitos de órgãos saudáveis para tratar enfermidades de seus “pais” ou de terceiros geneticamente compatíveis. Questões como essas acarretaram numa mudança de postura na forma de agir de todos os envolvidos com o desenvolvimento das ciências médicas e biológicas.
Além disso, existe a preocupação na delimitação de padrões morais a serem seguidos por um todo. É certo que os costumes não são os mesmos em todas as partes do Globo, o que acaba por diferenciar também os limites éticos e morais de cada local, de acordo com suas culturas, porém é inevitável chamar atenção quando tal assunto tem relação direta com a vida humana, com questões de reprodução assistida e quando a finalidade da criação de outro ser humano deixa de ser meramente o nascimento de um bebê, esperado e querido por uma família e passa a ser objeto de procedimentos que vão muito além do “natural” , como é o caso da criação de clones descerebrados para fins terapêuticos.
Desse entrelaçamento inevitável entre medicina, ciência e valores ético morais é que surgiu a bioética, a fim de regular as práticas biomédicas, práticas no campo da engenharia genética e até mesmo o atual pluralismo moral que se acentua mais a cada dia. Dessa forma, observou-se a necessidade de uma intervenção dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, a fim de dar limites a certos feitos da ciência, de modo que tais feitos não venham a divergir com os princípios da dignidade da pessoa humana, ou ultrapassar limites do moralismo, além é claro de garantir que tais avanços sejam feitos em prol da coletividade, e não somente em proveito de um grupo restrito de pessoas. Nesse sentido, a lei n° 11.105/2005, estabelece que:
Art. 6º Fica proibido:
Omissis
IV – clonagem humana;
Tal texto de lei não deixa lacuna para a referida prática em nosso país. Fica então, o questionamento, de até que ponto tal prática vai ser evitada em larga escala a nível mundial, e que benefícios ela poderia trazer para o âmbito da preservação da saúde humana?
Nessa linha de raciocínio, surgem outras indagações, como o direito de cada ser humano de ser único e irrepetível, levando-se em conta que um clone humano seria a cópia fiel de um outro ser humano, tendo como diferença apenas o lapso temporal.
Ou ainda, na visão de Diniz (2022), certos avanços no campo biotecnológico, tem por si só o caráter negativo, pois envolvem o poder da manipulação do patrimônio genético, o poder da vida e da morte, a reprodução humana, a maternidade ou a paternidade além de problemas ético-jurídicos e até mesmo a alteração do meio ambiente.
Afinal, quando nasce uma pessoa, supondo a concepção por vias normais, ou seja, gameta feminino + gameta masculino, nasce com ela a personalidade. Passa esse indivíduo a ser inserido na sociedade tendo direitos e deveres que a lei garante a todos, sem distinção, como menciona a Constituição Federal em seu artigo 5°, caput, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.
Previu, ou está prevendo o legislador a possibilidade da criação de novos seres humanos, através de métodos não convencionais e completamente assexuados?
3. DA SUCESSÃO
O verbo suceder significa vir depois ou sucessivamente. Para o Direito, o vocábulo sucessão é utilizado para referir-se à transmissão causa mortis de um patrimônio, desse modo, não se fala em Direito das Sucessões inter vivos.
O Direito brasileiro adota o princípio da saisine, que consiste na transmissão automática do direito de herdar o patrimônio do de cujus aos seus herdeiros legítimos, ainda que estes desconheçam ou ignorem a existência da herança. Contudo, tal princípio é automático em se tratando da herança, sem excluir a necessidade de abertura do inventário para que seja efetivada a partilha.
A Constituição Federal em seu artigo 5°, XXX, garante o direito à herança quando diz que:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Omissis
XXX - é garantido o direito de herança;”
Na linha de raciocínio de Gonçalves, ele nos diz que a sucessão pode acontecer de forma legítima, ou seja, decorrente de lei, ou de forma testamentária, funcionando como ato de última vontade do possuidor do patrimônio, em vida. (Gonçalves, 2020)
O Código Civil- Lei 10.406 de 2002, em seu artigo 1788 regulamenta a transmissão do patrimônio dizendo que:
“Artigo 1788 - Morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento e subsiste a sucessão legítima se o testamento caducar ou for julgado nulo.”
E segue, com a linha de raciocínio dizendo:
“Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.”
Por herdeiros necessários, entenda-se descendentes, ascendentes e cônjuges. Por herdeiros legítimos, entenda-se todos aqueles mencionados no Código Civil em seu artigo 1829.
Ocorre que em todas as espécies de herdeiros nota-se a existência de uma relação, ainda que não consanguínea, do de cujus com o sucessor, de modo que todas as formas possíveis de partilha vem amparadas pelo Código Civil, garantindo assim segurança jurídica na transmissão da herança. Para tanto, o artigo 1798 do Código Civil alude que “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”.
A palavra concebida, em termos médico científicos quer dizer “criado por concepção ou gerado pela junção de um espermatozoide e um óvulo”. (Dicio, 2009)
Nessa linha de raciocínio, Aguiar (2020), nos diz que:
O chamamento da sucessão deve obedecer a ordem das classes trazidas pelo artigo 1829 do Código Civil de 2002 e seus incisos, o que quer dizer que havendo descendentes, os demais são excluídos, ou ainda, pela máxima que os mais próximos excluem os mais remotos.
Classifica-se os herdeiros da seguinte forma:
Herdeiros Necessários- a esses cabe 50%, legitimamente, do patrimônio do de cujus, parte essa que não pode ser privada do mesmo, salvo exceções expressas na lei. São chamados em primeiro lugar os descendentes direitos, sendo eles os filhos, netos, bisnetos, até o infinito; na sequência, são chamados os ascendentes, pais, avós, bisavós, até o infinito; e por último é chamado o cônjuge, lembrando que o assunto trata de herança e não de meação.
Herdeiros Legítimos- são aqueles a quem a lei garante a herança sendo divididos em herdeiros necessários, e herdeiros facultativos (colaterais até o 4° grau de sucessão).
Herdeiros Testamentários- todo aquele que recebe parte da herança através de uma disposição testamentária ou ato de última vontade do dono do patrimônio.
4. DOS REFLEXOS DA CLONAGEM HUMANA NO DIREITO DAS SUCESSÕES
A clonagem humana é um assunto polêmico e delicado, que gera inúmeras discussões no âmbito da ciência, da bioética e do biodireito, uma vez que o legislador não poderá se furtar de regulamentar tal questão, caso venha a se tornar uma prática comum no meio médico e cientifico.
No Brasil, a lei nº 11.105, de 24 de março de 2005 de Biossegurança versa sobre o tema da clonagem e veda expressamente tal prática em seu artigo 6°, como se segue:
Art. 6º Fica proibido:
I – implementação de projeto relativo a OGM sem a manutenção de registro de seu acompanhamento individual;
II – engenharia genética em organismo vivo ou o manejo in vitro de ADN/ARN natural ou recombinante, realizado em desacordo com as normas previstas nesta Lei;
III – engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano e embrião humano;
IV – clonagem humana;
Embora no Brasil ainda não se tenha relatos de que a clonagem humana tenha acontecido, essa realidade vem se aproximando cada vez mais, de modo que já é sabido que em alguns países do mundo, tal prática já vem sendo manipulada e testada em laboratórios clandestinos ou não. É o caso da China, que, diferente do Brasil, não considera que embriões recém fecundados sejam seres humanos, e dessa forma, adotam limites éticos diferentes dos adotados aqui, utilizando a clonagem terapêutica uma prática comum para estudos genéticos e científicos.
Quando pensamos em clonagem de um ser humano, devemos nos atentar que uma nova pessoa natural estará sendo criada, e como tal, terá proteção, direitos e deveres, todos garantidos pela legislação do nosso país. Ainda que, para fins terapêuticos, a clonagem de um ser humano completo, que é gestado e nasce por um parto, seja natural ou cesariano, como qualquer outra pessoa, deve ser encarada como o nascimento de qualquer outro indivíduo. Por tanto, é importante pensar de que forma o legislador irá inserir esses indivíduos no direito das sucessões, por exemplo. Afinal, nascerá um indivíduo totalmente novo, porém com carga genética cem por cento igual a de uma pessoa já adulta. Duas pessoas que embora tenham uma distância temporal que as separam, serão, teoricamente o mesmo indivíduo.
Muitas questões podem ser abordadas com o tema em tese, inclusive no âmbito do direito penal. Ora, dois indivíduos que compactuam do mesmo DNA, poderiam facilmente se valer dessa condição para o cometimento de crimes.
O fato a ser questionado e largamente explorado, é em qual posição da sucessão hereditária esse novo indivíduo se enquadraria, uma vez que não se encaixa como descendente, e ainda menos como colateral. Pensando de forma prática, seria essa uma forma de manter sempre sob a guarda de uma única pessoa seu próprio patrimônio, já que por meio de um clone, embora faleça o doador do material genético, lhe substituiria de forma legítima, aquele que foi clonado e, em tese, é a mesma pessoa do morto, separados apenas por determinado lapso temporal.
Pensando por essa ótica, a clonagem pode gerar inúmeros conflitos e disputas familiares em relação à distribuição de bens e propriedades, uma vez que o clone pode ser considerado como herdeiro legítimo, juntos aos demais. Nesse caso, é necessário que a legislação seja atualizada e regulamentada de forma a abordar adequadamente as questões levantadas pela clonagem humana.
É importante considerar também a questão da paternidade e da maternidade envolvendo esses indivíduos. Por exemplo, se um indivíduo clonado for considerado um filho legítimo do indivíduo original, isso pode gerar questionamentos em relação à verdadeira identidade e parentesco do clone. Contudo, ainda que a legislação permita que o clone humano seja considerado um herdeiro legítimo, pode ainda haver controvérsias e questionamentos em relação a sua identidade pessoal e a sua relação com a família e outros herdeiros, uma vez que, sendo o clone considerado filho legítimo do indivíduo original, isso afetará de maneira direta a posição dos outros familiares na linha sucessória.
Ressaltado o fato de que a Lei de Biossegurança expressamente proíbe a clonagem humana, atualmente o Brasil já conta com a produção de alimentos transgênicos, ou seja, geneticamente modificados (OGM), fato esse que deixa mais próxima a possibilidade de possíveis experiências de clonagem no país. Dessa forma, é importante pensar em como a linha sucessória se comportaria com o nascimento desses novos indivíduos, de modo que o mais sensato, é considerar para eles sempre a linha descendente, não cabendo nesse caso a sucessão ascendente ou colateral.
Isso posto, vale também a consideração de que lugar esse indivíduo ocuparia, na linha de sucessão da mulher responsável por gerar esse feto, uma vez que nenhum material genético desta, estaria presente no DNA daquele. Seria o caso de considera-la apenas uma barriga de aluguel? Se a clonagem fosse realizada para atender a necessidade de casais que não podem ter filhos próprios, a lei adotada seria a mesma para os embriões produzidos por inseminação artificial, ou por fertilização in vitro?
O Conselho Federal de Medicina, através da Resolução 2.320 de 20 de setembro de 2022, estabeleceu normas éticas para a prática da reprodução assistida no Brasil. Sobre o tema, o anexo da referida resolução dispõe o seguinte:
“1. As técnicas de reprodução assistida (RA) têm o papel de auxiliar no processo de procriação. 2. As técnicas de reprodução assistida podem ser utilizadas para doação de gametas e para preservação de gametas, embriões e tecidos germinativos por razões médicas e não médicas. 3. As técnicas de reprodução assistida podem ser utilizadas, desde que exista possibilidade de sucesso e baixa probabilidade de risco grave à saúde do(a) paciente ou do possível descendente.”
Diante do exposto, fica clara a possibilidade de utilizar, a interpretação dada as técnicas de reprodução assistida no momento de legislar sobre uma possível clonagem de seres humanos, estando o indivíduo clonado, no mesmo patamar de parentesco que qualquer descendente natural, concebido por reprodução assistida, seja por inseminação artificial ou por fertilização in vitro.
Fato é, que o legislador não pode omitir-se de regulamentar de forma específica o tema, a fim de que não ajam inseguranças jurídicas quanto aos direitos sucessórios e a transmissão de patrimônios, e ainda mais, sobre a identidade desse indivíduo e que papel ele ocupará tanto na sociedade quanto na família a que pertencer.
CONCLUSÃO
Mais uma vez, é importante considerar que o presente trabalho é meramente dedutivo e que a lei brasileira veda, de forma categórica, a prática da clonagem de seres humanos, ainda que essa seja matéria amplamente discutida nos meios médicos e científicos, pelas inúmeras possibilidades como por exemplo a cura para várias patologias, sejam elas genéticas ou não, contudo, a criação atípica de novos seres humanos, deverá ser tratada com tal ética e respeito, quanto é tratado o nascimento das pessoas naturais, com todos os seus direitos, deveres e proteção à dignidade da pessoa humana, sendo-lhes garantido o amparo de todos os ramos da lei brasileira.
Além disso, vale ressaltar que, caso ocorra a clonagem de um ser humano, o Direito Brasileiro deverá se atentar para as devidas alterações no Direito das Sucessões, legislando sobre a existência desse indivíduo e o enquadramento dele na linha sucessória, posto que, em comparação com o nascimento natural de uma pessoa, ela estará, em princípio, na linha descendente de seus genitores, devendo essa regra ser também aplicada a um ser clonado, vez que toda sua geração intrauterina será igual a de qualquer outra pessoa natural, excetuada apenas pelo fato de não ter sido fruto da fecundação de dois gametas, um feminino e outro masculino.
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graduanda em Direito pela Universidade Brasil
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FRANGHANI, Daniele Nogueira Posseti. Reflexos da clonagem humana no direito das sucessões Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2023, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61564/reflexos-da-clonagem-humana-no-direito-das-sucesses. Acesso em: 26 dez 2024.
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