MARINA PALHARES[1]
(coautora)
EDUARDO SIMÕES NETO
(orientador)
RESUMO: O Presente trabalho, sob a metodologia indutiva e dedutiva, visa discutir a responsabilidade dos pais frente ao fenômeno Oversharenting, assim como abordar os institutos constitucionais e civilistas que ilustram os direitos personalíssimos do nascituro, da criança e do adolescente, consoante ao Estatuto da Criança e do Adolescente, importante lei infraconstitucional que serve de arrimo para reivindicar a não utilização da prática em análise. O artigo ainda apurou a respeito da popularização das redes sociais e a troca de informações produzida, acarretando um meio instável para a exposição de crianças e adolescentes, já que o compartilhamento não possui um controle seguro de quem recebe ou quem emana os arquivos, cabendo aos pais o monitoramento e fiscalização. Com a excessiva exposição e não vigilância dos pais perante as redes sociais, o Oversharenting, trouxe diversos malefícios para a criança. Abordamos também, as ferramentas utilizadas pelo Poder Judiciário, Legislativo e o Ministério Público, como forma de intervir para frear a exposição, dirimir e analisar os atos dos familiares que expõem as crianças ao meio, através da chave normativa, os mecanismos endo processuais, como a perícia psicológica e uma jurisprudência correlata ao tema proposto que discrimina de forma clara quais são os limites da exposição e em qual momento o Oversharenting diferencia-se da liberdade de expressão pelos pais, resguardando a proteção e segurança de seus filhos.
Abstract: The present work, under the inductive and deductive methodology, aims to discuss the responsibility of the parents in the face of the Oversharenting phenomenon, as well as to approach the constitutional and civil institutes, that illustrate the very personal rights of the unborn child, the child and the adolescent, authority to the Statute od the Child and the Adolescent, important infraconstitucional law that serves as a support to claim the non-use of the practice under analysis. The article also found out about the popularization of social networks and the exchange of information produced, resulting in an unstable medium for the exhibition of children and adolescents, since sharing does not have a secure control of who receives or who emanates the files, leaving it to the parents monitoring and enforcement. With the excessive exposure and the non-vigilance of the parents in the face of social networks, the Oversharenting, brought several harms to the child. We also approach the tools used by the Judiciary, Legislative Power and the Public Prosecutor’s Office, as a way of intervening to curb the exposure, resolve and analyze the acts of family members who expose children to the environment, though the normative key, endo procedural disorders, such as to psychologies and jurisprudence related to the proposed theme that clearly discriminates what are the limits of exposure and at what moment Oversharenting differs from freedom of expression by parents, safeguarding the protection and safety of their children.
Palavras- Chave: Oversharenting. Responsabilidade Civil. Zeitgeist. Estatuto da Criança e do Adolescente. Poder Judiciário.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2. O QUE CONSISTE O OVERSHARENTING E COMO IDENTIFICÁ-LO. 3. OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E DO NASCITURO EM FACE DA PRÁTICA ANALISADA. 4. COMO O JUDICIÁRIO, O LEGISLATIVO E O MINISTÉRIO PÚBLICO PODEM PROTEGER DIREITOS PERSONALÍSSIMOS EM PROL DO MENOR. 5. JULGADO ATINENTE AO FENÔMENO OVERSHARENTING. BREVE ANÁLISE. 6. CONCLUSÃO.
1.INTRODUÇÃO
O Direito, como regra matriz sedimentada e vigorada em todas as sociedades pelo mundo, sempre visou garantir o apoio e vigilância para o desenvolvimento da criança e do adolescente. Em nosso país, o ordenamento pátrio sempre foi a sentinela e o garantidor do desenvolvimento psíquico, físico e social do menor através de diversas ferramentas legislativas em constante evolução com o passar dos anos e da evolução da sociedade.
Através do Código do Menor de 1927, começamos a observar a consolidação gradativa da ideia da criança, como integrante importante da cápsula familiar e o regozijo dos seus direitos civis como cidadão. Com a inserção de seus direitos na CRFB (Constituição Federal) de 1988, com status de cláusula pétrea e a sedimentação do Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, mencionando também os direitos do nascituro sob a ótica civilista de 1916, além do aparecimento das diretrizes acerca da adoção de menores em sede internacional com o apoio e amparo da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro) de 1942, observamos que o legislador pátrio é coerente e catequizador em tangenciar a criança e o nascituro como um componente catalizador das comunidades e portador de um legado para gerações futuras, portanto, merecedor da vigília e patrocínio de todos os envolvidos na pirâmide familiar, jurídica e social.
Ao passo em que foi-se aprimorando a relação criança, família e meio social, diversos entraves ocorreram e uma das mais corriqueiras, comentadas e dirimidas pelo poder judiciário é a questão da alienação parental, discutida desde 1985 e que assola as famílias e os processos de guarda de menores até os dias atuais. Entretanto, com o advento das ferramentas tecnológicas no dia a dia das famílias e as redes sociais como instrumento e método de interação social, culminou-se em uma onda de exposição excessiva da criança e do adolescente em escalas preocupantes. Denominado Oversharenting em países desenvolvidos e cuja classificação foi aceita em nosso ordenamento jurídico para identificar práticas que vão de encontro à proteção e segurança da imagem do menor e objeto de estudo do presente artigo.
Com a adoção da metodologia indutiva e dedutiva, o presente trabalho busca desmembrar o fenômeno Oversharenting com o amparo da psicologia jurídica, psicoterapia infanto-juvenil, as ferramentas coibidoras e sancionadoras do judiciário, através do Estatuto da Criança e do Adolescente, s leis civilistas e criminalizadoras, no que couber, e o entendimento dos tribunais superiores e legislativo, por meio de mutações constitucionais, no tocante à conscientização e disciplinarização da sociedade, enquanto cápsula familiar, para deter práticas de cunho abusivo em detrimento a exposição da criança e do adolescente à meios desconhecidos e nada incólumes.
2.O QUE CONSISTE O OVERSHARENTING E COMO IDENTIFICÁ-LO.
Conhecemos como Zeitgeist, o modus operandi de uma época, jeito de pensar e agir, logo, é inegável observarmos que a ótica comportamental de nossa era e da geração atual, é o uso de smartphones, tablets, computadores e gadgets adjacentes para comunicar, aproximar pessoas, educar e oferecer produtos e realizar serviços. Uma ferramenta utilizada por quase todas as classes sociais, faixas etárias e grupos empresariais, com o objetivo de otimizar o tempo e o acesso à informação, a entrega de produtos ou infoprodutos e também, a comunicação entre os amigos, familiares e pessoas distantes, através das mídias sociais. Tomamos como exemplos de mídias sociais populares no Brasil e no Mundo, o Facebook, WhatsApp, o Instagram, Twitter e outras plataformas operacionalizadas pela Meta Corporação.
Diante mão, com toda a exposição às mídias sociais e essa nova forma de exposição da sociedade em sede eletrônica, temos as crianças e adolescentes, cidadãos em formação que são expostos por seus pais nos meios mencionados, fato esse que gera vulnerabilidade e insegurança para o menor. Através do compartilhamento de fotos, cotidiano, locais e especificidades da criança, como por exemplo, onde ele gosta de comer ou brincar, por exemplo, acarreta em questões muito sensíveis e inseguras para o menor, pois como é sabido, na internet, não conseguimos frear a quantidade de compartilhamentos e informações e muito menos se o recebedor dessas informações é individuo idôneo e bem intencionado, ao receber todos esses dados, classificando essa prática dos pais que detém o poder familiar e função importante no crescimento desse menor, como questionável e passível de fiscalização por todos aqueles responsáveis e interessados na segurança social e psicológica do menor exposto. Toda a narrativa descritiva acima, define o conceito e a denominação ilustrativa do fenômeno Oversharenting, termo em inglês que se coaduna a práticas encontradas em nossa sociedade. A saber sua denominação e característica sobre outro prisma literário:
Com a consolidação da internet na sociedade, surgiu as redes sociais, com o intuito de promover conexões entre as pessoas de diferentes lugares. Ao longo dos anos ocorreu um aumento no alcance dessas relações, diante disso tornou-se essencial na vida de todo corpo social. Oversharenting se caracteriza pelo compartilhamento excessivo que os pais fazem da imagem dos seus filhos nas redes sociais, essa prática começa antes mesmo do nascimento da criança e pode influenciar diretamente na sua vida futura. (Barbieri e Souza, 2020.
Outros autores acerca do mesmo tema:
Dessa forma, a prática do “Oversharenting” é caracterizada pelo compartilhamento excessivo e frequente, por parte de pais e responsáveis, de informações pessoais, imagens, vídeos e notícias de seus filhos menores nas redes sociais. Ressalte-se que, uma vez divulgadas informações dos menores na web, tais dados podem ser facilmente acessados mesmo após grande período desde a publicação. Consequentemente, é possível que anos depois as imagens e vídeos da criança sejam acessados tanto por terceiros quanto pelo próprio menor, que poderá sentir-se constrangido frente à exposição sofrida na internet. (Nunes Macedo, 2022.)
Ainda a respeito deste tema tão intrigante e à guisa de informação e esclarecimento, temos suas implicações:
Sobre a temática proposta, pode-se esclarecer que Oversharenting é definido como a exposição excessiva da imagem dos seus filhos menores em redes sociais pelos pais, tutores ou responsáveis. Há casos em que tal compartilhamento se inicia antes mesmo do nascimento, afetando diretamente em sua vida sem direito de escolha a tal exposição. Oversharenting é uma expressão da língua inglesa. Este fenômeno é cada vez mais frequente e se dá pelo crescimento das redes sociais no cotidiano atual.
A infância e a adolescência são fases especiais, de amplas experiências e momentos extremamente importantes que é o da formação do indivíduo enquanto ser humano, a identificação das referências, valores sociais e pessoais, evolução física e emocional que conduzirão a fase adulta.
A exposição nas redes sociais nessa fase, se feita de forma descontrolada pode desencadear problemas de ordem comportamental, emocional e social. Por exemplo, um registro de uma criança nua ou seminua pode depois de anos ser utilizada para a prática de cyberbullying, bem como usada fora de contexto por pessoas criminosas para fomentar turismo sexual, prostituição de menores e munição para pornografia infantil. (Correa, Oliveira e Lopes, 2021.)
Qualquer indivíduo que possua relação direta com a família em que esse menor está inserido, ou até mesmo seus parentes, que conseguem de uma maneira mais direta observar o uso do poder familiar oriundo da relação maternal e paternal, pode identificar a prática do Oversharenting por meio das mídias sociais. O comportamento mais claro dessa prática é sem dúvida a exposição do menor de forma reiterada, assim como a divulgação de sua escola, locais em que ele frequenta, sua intimidade e também, tentar obter algum tipo de vantagem moral e pecuniária através dessa exposição. As autoras Correa, Oliveira e Lopes em seus estudos, foram assertivas em suscitar uma vertente do Oversharenting, pais que trabalham com mídias sociais e até mesmo influenciadores, utilizando da exposição do menor para lucrar com o uso de sua imagem. A seguir:
A ideia de sharenting, também, abarca as situações em que os pais fazem a gestão da vida digital de seus filhos na internet, criando perfis em nome das crianças em redes sociais e postando, constantemente, informações sobre sua rotina. É o caso da mãe que, ainda grávida, cria uma conta em uma rede social para o bebê que irá nascer. [EBERLIN, 2017, P. 258].
Tal fato ocorre principalmente com pais que são digitais influencers e tem como ferramenta de trabalho as redes sociais, utilizando a exposição como forma de estar sempre em alta com visualizações e engajamento em suas postagens. Quando algo é postado em redes sociais torna-se público e aquele conteúdo passa a ser acessado por vários usuários, deixando assim de pertencer somente ao seu usuário de origem, ou seja, o autor da postagem. (Correa, Oliveira e Lopes, 2021.)
De acordo com a prática já identificada, seguimos para a explanação acerca dos direitos do menor e do nascituro em questão em detrimento ao Oversharenting, sob o olhar do Direito Pátrio.
3.OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE E DO NASCITURO EM FACE DA PRÁTICA ANALISADA
Sob a ótica civilista, a Constituição Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente, temos alguns institutos de preservação e manutenção do direito dos da criança e do adolescente e do nascituro que devem ser abordados e amplificados, fazendo uma ponte com a prática mencionada de nossa tese e apontando as falhas, assim como a disciplina de contenção do Oversharenting e adjacentes. A saber:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Com a menção do artigo 227 da CRFB/88, observamos que a manutenção e o oferecimento de mecanismos e ferramentas para o bom desenvolvimento do menor como alimentação, moradia, educação, à dignidade (Nessa toada, podemos amplificar a interpretação da dignidade com a proteção à intimidade para o correto e equilibrado crescimento do menor) e entre outros discriminados no texto pátrio, formam um meio saudável e equilibrado para o menor crescer e evoluir enquanto cidadão em fase de formação. Tal dispositivo é uma cláusula pétrea e entendemos essa importância devido à questões psicossociais e biológicas e educacionais, tendo em vista que um ambiente saudável para a criação do menor e a velação de sua privacidade, além de direitos personalíssimos, na verdade, são um inventário moral da vida da criança onde seu legado no futuro será o crescimento de um cidadão sem problemas sociais ou psicológicos e melhor atuando em sua vida civil e social, ficando pouco provável uma disfunção social. Observemos o que diz outros autores à respeito do texto de lei constitucional.
Os direitos personalíssimos são cláusula pétreas, ou seja, não podem ser mudadas. São também irrenunciáveis, pois ninguém pode dizer que não quer mais usufruir de seus direitos de personalidade, e intransmissíveis pois não podem ser passados a outra pessoa, o que se encontra disposto no artigo 11 do Código Civil de 2002: “Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
A saber, os direitos personalíssimos são totalmente baseados na dignidade da pessoa humana, tal feito inquestionavelmente limita até mesmo a própria ação do detentor dos direitos, pois não há o que se falar em “desistência” aos direitos de personalidade garantidos por lei. Deste modo, aqueles que possuem o poder familiar devem sim respeitar a imagem e privacidade do menor. [...]
Em suma, é inegável que os direitos garantidos por lei são de extrema necessidade, a construção da vida e da pessoa como sujeito de direitos. Deve- se preservar a dignidade humana de qualquer acometimento que possa vir a violar seus direitos, tais como imagem, privacidade e nome (Silva, 2009). (Correa, Oliveira e Lopes, 2021.)
Especialmente no tocante à privacidade e veiculação da imagem, a Constituição Federal taxou de forma precisa a inviolabilidade da intimidade do indivíduo e a preservação de sua imagem e intimidade. Logo, é direito do menor:
Art. 5º, X.: São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Ainda assevera o entendimento mencionado, o Constitucionalista Alexandre de Moraes em sua obra Direito constitucional, de 2009, o referido manto constitucional consegue sofrer uma importante mutação constitucional[2], entender nosso, abrangendo a interpretação atualizada e abraçar a sociedade atual no que tange aos meios de comunicação convencionais e eletrônicos, onde inserimos as mídias sociais:
A proteção constitucional consagrada no inciso X do art. 5.o refere-se tanto a pessoa física quanto a pessoas jurídicas, abrangendo, inclusive, à proteção à própria imagem frente aos meios de comunicação em massa. (Moraes, 2009).
Fazendo um importante link com a realidade analisada, a criança que ainda não possui bem fortificados seus direitos de escolha e entender os riscos que acarretam a exposição, é exposta por seus pais ao aparecer nas mídias sociais, de forma que pode expor a sua segurança a riscos, sem os devidos cuidados necessários à proteção da imagem e segurança deste pequeno cidadão em desenvolvimento da personalidade, periclitando sua intimidade em detrimento à terceiros que podem se valer dessa omissão dos pais para fazer algum mal para o menor.
Art. 5º. ECA: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. [BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente.1990] [...]
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais
A partir das teorias concepcionistas e natalistas que embalam o direito do nascituro, regozijando seus direitos fundamentais da personalidade, lastreado pelo Codex Pátrio Civilista, observamos a infringência dessa ferramenta aliada ao mecanismo do Oversharenting desde muito cedo, por seus genitores. À guisa de ilustração:
Art. 2 do Código Civil: “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro”.
Sob esse entendimento, qualificaremos a seguir acerca das teorias que embalam os direitos personalíssimos em nosso ordenamento jurídico, as teorias natalistas e concepcionistas, trazendo a visão dos Egrégios Tribunais Superiores para a correta aplicação dessas teorias, sanando qualquer celeuma advinda destas, esclarecemos.
Para a Teoria Natalista, o nascituro não é dotado de personalidade jurídica, tendo em vista que não nasceu, logo, não é possível atribuir-lhe capacidade civil, tampouco direitos personalíssimos. Trazendo para a análise de nosso caso, o nascituro, pela visão dessa teoria, jamais poderia regozijar seu direito à imagem. Como transcreve o autor:
Essa teoria, consiste em afirmar que o sujeito que ainda não nasceu, não possui direitos estabelecidos pela Lei, apenas aqueles que nascem já estão garantidos, a teoria ganha força pela literalidade do Art. 2º do Código Civil, onde afirma que a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Com base nisso, o indivíduo que nasce com vida terá seus direitos garantidos e tutelados, dessa forma os direitos a vida, imagem, nome; honra, etc... só estariam vinculados se o próprio nascesse, tendo assim uma personalidade jurídica. (Henrique, Afonso. JusBrasil, 2022.)
Já a Teoria Concepcionista, visa a personalidade civil própria para o nascituro desde muito cedo, tendo em vista que este é pessoa humana e já detém direitos resguardados pelo Codex Pátrio, independente do seu nascimento e sim sua concepção. É o que transcreve o brilhante civilista Flávio Tartuce, trazendo outros autores com a mesma opinião jurídica:
É aquela que sustenta que o nascituro é pessoa humana, tendo direitos resguardados pela lei e pelo ordenamento jurídico.
Esse é o entendimento defendido por Silmara Juny Chinellato (principal precursora da tese no Brasil), Rubens Limongi França, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald, José Fernando Simão, entre outros. (Tartuce, Flávio. JusBrasil, 2011.)
Ainda menciona Tartuce, que tal corrente é a abraçada pelo nosso Superior Tribunal de Justiça (STJ), informando ainda o julgado originário deste entendimento:
Trata-se da corrente que prevalece na doutrina contemporânea. A jurisprudência do STJ também tem adotado tal corrente, como no julgado que reconheceu danos morais ao nascituro em decorrência da morte do seu pai ocorrida antes do seu nascimento:
“DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS. MORTE. ATROPELAMENTO. COMPOSIÇÃO FÉRREA. AÇÃO AJUIZADA 23 ANOS APÓS O EVENTO. PRESCRIÇÃO INEXISTENTE. INFLUÊNCIA NA QUANTIFICAÇÃO DO QUANTUM. PRECEDENTES DA TURMA. NASCITURO. DIREITO AOS DANOS MORAIS. DOUTRINA. ATENUAÇÃO. FIXAÇÃO NESTA INSTÂNCIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I - Nos termos da orientação da Turma, o direito à indenização por dano moral não desaparece com o decurso de tempo (desde que não transcorrido o lapso prescricional), mas é fato a ser considerado na fixação do quantum. II - O nascituro também tem direito aos danos morais pela morte do pai, mas a circunstância de não tê-lo conhecido em vida tem influência na fixação do quantum. III - Recomenda-se que o valor do dano mor al seja fixado desde logo, inclusive nesta instância, buscando dar solução definitiva ao caso e evitando inconvenientes e retardamento da solução jurisdicional” (STJ, REsp 399.028/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 26/02/2002, DJ 15/04/2002, p. 232). (Tartuce, Flávio. JusBrasil, 2011.)
O voto aqui abordado da turma colegiada referida, nos faz mencionar a divergência de entendimentos que havia entre os Egrégios Superiores Tribunais, visto que o Supremo Tribunal Federal possuia um pensamento que vai de encontro ao consolidado pelo STJ. Consubstanciando por meio dessas divergências à uma terceira teoria, a teoria da personalidade condicional, esclarecida em parágrafo próprio posterior.
Em um primeiro momento, o STF adotou a teoria natalista ao acolher o aborto de feto anencefálico em favor aos direitos da mulher. Observa-se:
A situação do feto anencefálico nunca foi imaginada na elaboração do Código Penal Brasileiro em 1940. Porém na atualidade temos como comprovar por meio de laudos médicos inquestionáveis, que o feto não tem cérebro e não há qualquer perspectiva de que sobreviva. Diante desse cenário o STF autorizou na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 54 - ADPF 54/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 11 e 12.4.2012 - a possibilidade de antecipação terapêutica do parto, sendo a mesma ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS - nesse mesmo sentido noticiou o STF:
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou procedente o pedido contido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 54, ajuizada na Corte pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), para declarar a inconstitucionalidade de interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, todos do Código Penal. Ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso, que julgaram a ADPF improcedente.
Observa-se por Conceição Lemos (2012) que o Ministro Marco Aurélio ao declarar seu voto, se mostrou preocupado também com os direitos da mulher, visto que seria um sacrifício incongruente levar adiante a gravidez de caso anencefálico, não tendo sequer expectativa de vida extrauterina, mostrando assim que não se importa apenas em proteger um lado dos seres da relação. Caso tenha a imposição de continuar com a gestação, o resultado será irremediavelmente a morte do feto, indo de contra a princípios basilares do sistema constitucional, principalmente à dignidade da pessoa humana, à autodeterminação, à liberdade no campo sexual e à saúde. Além da garantia da integridade física, psicologica e moral. (Oliveira, Bergamim Leonan. JusBrasil, 2020.)
Entretanto, nos dias de hoje, o STF adotou a teoria concepcionista através da transmutação do entendimento e firmamento da personalidade formal e material:
Porém, a partir do decorrer dos anos, percebemos uma mudança significativa da aplicação das três teorias. Sendo adotado pelo STF a Teoria Concepcionista, que assegura personalidade formal e material, na qual a vida começa no momento da concepção, ou seja, do encontro de gametas e posterior nidação do zigoto no útero feminino. Portanto, a teoria justifica a posse de direitos para alguém que está por nascer, mas que já possui personalidade jurídica. Entende-se que o embrião, sendo um ser vivente e independente geneticamente de sua genitora, é portador de direitos. (Oliveira, Bergamim Leonan. JusBrasil, 2020.)
Como forma de ampliação do conhecimento e ilustração, explicamos a terceira teoria que fora acolhida em momento anterior, a teoria da personalidade condicionada, esta funciona com uma condicionante, pois embora já sinalizados o direito da personalidade do nascituro, eles apenas passam a valer sob uma condição suspensiva, se o feto nascer com vida:
Por último, há a teoria da personalidade condicional, para a qual a personalidade tem início com a concepção, porém fica submetida a uma condição suspensiva (o nascimento com vida), assegurados, no entanto, desde a concepção, os direitos da personalidade, inclusive para assegurar o nascimento. (Revista Consultor Jurídico, 2019.)
De base às teorias aqui abordadas, entendimentos superiores e a evolução sociojurídica no que tange às normas e procedimentos competentes jurisdicionados, prevalecem o saber de que os direitos à dignidade humana começam a partir da existência do feto em gestação, o nascituro já começa a ter uma personalidade civil e esta não deve ser violada, conforme esclarece a importante civilista Maria Helena Diniz:
Entende que o nascituro pode ser considerado ente dotado de personalidade formal e material, tendo inúmeros direitos, tais como o direito à identidade genética, à indenização pela morte do pai, a alimentos gravídicos, à imagem e à honra. A autora defende, dessa forma, que o nascituro, apesar de desprovido de capacidade de fato, tem capacidade de direito.
Diante dessas premissas, é claro que o dever de vigília dos pais começa a partir do ventre da mãe, colaborando para a segurança e privacidade no desenvolvimento do feto, sem a exposição de imagens da ultrassonografia do nascituro, ou até mesmo, local onde realizará o parto, planos futuros envolvendo a criança e nenhuma informação que periclite a segurança desse menor, que devido à exposição em grande escala pelas mídias sociais, pode incorrer em diversos crimes cibernéticos e no ambiente social, como sequestro, lesão corporal à criança, estupro e outros tipificados nas leis criminalizadoras.
4.COMO O JUDICIÁRIO, O LEGISLATIVO E O MINISTÉRIO PÚBLICO PODEM PROTEGER DIREITOS PERSONALÍSSIMOS EM PROL DO MENOR.
Devido às incessantes transformações sofridas por nossa sociedade, o legislador pátrio, órgãos fiscalizadores autônomos (Ministério Público) e os tribunais especializados e superiores também tiveram que passar por um recrutamento no tocante ao aperfeiçoamento e aplicação das leis e instrumentos normativos que alcançassem toda essa evolução trazida pelo uso da internet. Com o fenômeno Oversharenting, diversos mecanismos de fiscalização aos direitos personalíssimos e análise psicossocial foram ativados e repaginados para estudar, coibir, sancionar e educar os pais e envolvidos na realidade do menor. Amplificando artigos de lei e estatutos já conhecidos e intensificando o papel do Ministério Público.
Os direitos personalíssimos são caracterizados como indisponíveis, desse modo cabe também ao Ministério Público resguardar sua defesa. No Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em seu artigo 201, inciso VIII também está elencado o papel do Ministério Público diante de tais direitos: “Compete ao Ministério Público: zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis.”
Cabe ao Ministério Publico intervir quando aqueles que detém poder sobre o menor, sejam eles pais ou qualquer outro responsável que expõe as crianças mediante a prática do oversharenting em situações vexatórias e que
colocam em risco sua imagem, dados pessoais e segurança, propor ações para proteger os interesses difusos, coletivos ou individuais referentes à infância e à adolescência são utilizadas pelo Ministério Público para efetivação de seus direitos. (Correa, Oliveira e Lopes, 2021.)
Este é um momento muito importante de nosso sistema inquisitório, punitivo e fiscalizador, pois as redes sociais trouxeram novas formas de cometer crimes, delitos e evocação das responsabilidades e direitos civis dos cidadãos, já conhecidos pelo ordenamento jurídico, e que põe em risco a vida do menor, questionando e avocando a realidade e eficiência do poder familiar em detrimento aos direitos à imagem e privacidade da criança e do adolescente. A responsabilidade civil dos pais é uma grandeza de suma importância no estudo comportamental e jurídico do fenômeno em discussão, com arguições e dispositivos normativos já mencionados em capítulos anteriores.
Nessa perspectiva, a vasta gama de informações de crianças e adolescentes exibidas nas redes sociais, combinada com a possibilidade de tais dados causarem constrangimento posteriormente ao menor exposto, pode significar uma violação ao direito à imagem, direito à privacidade e direito à intimidade, direitos da personalidade garantidos pela Constituição Federal, Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo menciona Eberlim (2017), em sua obra que traduz: A exposição exagerada de informações sobre menores pode representar ameaça à intimidade, vida privada e direito à imagem das crianças, interesses que são expressamente protegidos pelo art.100,V da lei 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente(ECA). Esse aspecto é especialmente importante porque o conceito de privacidade [e contextual, temporal e depende muito do modo de vida e nível de exposição que o titular do direito está disposto a oferecer. Nesse contexto, é perfeitamente possível (senão provável) que o critério sobre privacidade que os pais possuam seja diferente daquele que a criança vai desenvolver na vida adulta. Em outras palavras, a criança pode desaprovar a conduta dos seus pais e entender que teve sua vida privada exposta indevidamente durante a infância. (Nunes Macedo,2022.)
A prática Oversharenting, já escalonada em nossa tese, geralmente, acarreta diversos prejuízos físicos e psíquicos ao menor, cenário propício para a amplo atuação e amparo dos mecanismos e ferramentas do judiciário, com o objetivo de fiscalizar o pátrio poder dos genitores. O primeiro prejuízo é de fácil projeção e associação, tendo em vista que as redes sociais possuem uma audiência nem sempre benéfica e que muitos criminosos utilizam das redes para acompanhar suas vítimas, por muitas vezes analisando as postagens, seguindo o menor e consequentemente causando uma lesão física e também psíquica, como o estupro, lesão corporal e outros delitos.
O segundo, os danos psicológicos, estão atrelados à forma com que seus progenitores o expõem à vida cibernética e se esta prática afeta seu desenvolvimento cognitivo, social, emocional e educacional. A melhor forma de ilustrar isso é a criança que desde muito cedo é acostumada a utilizar as mídias sociais como forma de comunicação e trocas de imagens. Se todos os dias essa criança está postando fotos ou vídeos de sua imagem, consequentemente ela entende que essa atitude é a correta para o seu convívio, esquecendo um pouco do meio social entre as pessoas, familiares e amigos.
Destarte, a prática aludida não é uma disfunção apontada pelo cidadão comum, precisando sempre de um profissional habilitado e atualizado com os fenômenos sociais e psíquicos oriundos desse novo sentir através dos meios eletrônicos. Portanto, é imprescindível abordarmos a essencialidade dos profissionais de saúde psicológica, social e educativa para detectar e qualificar o fenômeno, pois a junção da multifuncionalidade desses profissionais é a chave para a contenção da prática do Oversharenting, em processos que envolvem o menor em tutela.
Logo, exemplificado pela apelação cível que fundamenta o nosso estudo e que abordaremos em capítulo posterior, as ações em que se pese a manutenção, investigação, fiscalização ou remoção da guarda compartilhada, tal como, ações autônomas e específicas que mencionem o Oversharenting na Vara da Infância e do Adolescente, e de Família, são acompanhadas por profissionais não apenas de cunho jurídico, estes designados pelo juiz habilitado, como também, psicopedagogos infantis, professores, psicólogos, exercendo o ofício da perícia psicológica, para conseguir identificar o prejuízo da exposição às redes sociais dos filhos por conta da vontade dos pais, onde a criança tem um remodelamento do comportamento social pelo excesso de uso à essas ferramentas midiáticas.
Os juízes de Varas de Família, em geral, determinam a realização de perícia psicológica para instruir suas decisões em processos (ou ações) judiciais que envolvem a guarda e/ou visitação de menores, crianças e adolescentes. Não são todos os processos dessa natureza, porém, que demandam a perícia psicológica, mas principalmente aqueles em que há uma demanda específica nesse sentido por parte de pelo menos um dos litigantes, ou nos quais as provas documentais e testemunhais não oferecem elementos suficientes para a formulação da sentença. (Ortiz, Meireles. 2012.)
Ainda sobre o papel fundamental do judiciário na ampla investigação e apuração do poder familiar em face de práticas que desestabilizem o desenvolvimento infanto-juvenil, temos:
As perícias psicológicas são instrumentos cada vez mais fundamentais nas demandas judiciais de famílias que necessitam de equilíbrio no exercício das funções parentais. Equilíbrio perdido, ou mesmo nunca atingido, nas crises decorrentes das separações — em sentido lato —, e em discussões a respeito do exercício do poder familiar. Equilíbrio que deve ser ponderado levando-se em conta os interesses e necessidades de crianças, adolescentes e, também, dos adultos. Interesses e direitos que devem ser necessariamente complementares numa família. (Groeninga Câmara, 2016.)
Através dessa gama de prejuízos e danos já citados, o legislativo precisou atentar-se para o fato de leis mais coesas e a completa aplicação e ressignificação dos estatutos em prol do menor, além da culturalização desses institutos no país:
Dessa forma, com o propósito de ser uma lei específica que aplicasse a Doutrina da Proteção Integral aos casos concretos, além de regulamentar o dispositivo 227 da Constituição, o Estatuto da Criança e do Adolescente entrou em vigência, visando proteger e atribuir eficácia aos direitos fundamentais infantojuvenis previstos (LIMA; VERONESE, 2012, p. 54). Para Lima e Veronese (2012, p. 56), a nova lei passou a ressignificar toda a política nacional em prol dos melhores interesses de crianças e adolescentes, com a proteção à infância tornando-se uma responsabilidade não apenas do poder familiar, mas também do poder público (MACIEL, 2018, p. 47).
Não obstante, apesar do Estatuto representar um instrumento normativo comprometido em dar efetividade jurídica aos direitos fundamentais ‘inerentes à infância e adolescência’’(LIMA; VERONESE, 2012, p. 56), ele ainda se revela, mesmo com trinta anos de vigência, como uma ‘’ lei materializada mais em âmbito formal do que essencialmente presente nas praticas sociais’“(LIMA; VERONESE, 2012, p. 56). (Nunes Macedo,2022.)
O tema, de fato, é novo e intrigante, pois discute o poder dos pais enquanto responsáveis e os direitos à intimidade da criança. A efetiva verticalização do poder familiar e até qual ponto o Estado poder intervir e identificar o que é infringência aos direitos personalíssimos e o que é regozijo de uma conduta social, havendo ou não a mitigação da aplicabilidade da norma e a cultura do nosso país, sobre ser saudável ou não essas exposições reiteradas de crianças e jovens. Uma nova ferramenta social ou mais um espectro de uma disfunção social e psicológica? Um dilema a ser opinado em capítulo conclusivo posterior.
5. JULGADO ATINENTE AO FENÔMENO OVERSHARENTING. BREVE ANÁLISE.
A Apelação cível de número: XXXXXXX.XX.2019.8.26.0577
EMENTA: ILEGITIMIDADE DE PARTE. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FACEBOOK. POSTAGEM EM REDE SOCIAL. CONFORME O MARCO CIVIL DA INTERNET, O PROVEDOR DE APLICAÇÃO NÃO É RESPONSÁVEL PELO CONTEÚDO GERADO POR TERCEIROS, SOMENTE RESPONDENDO CIVILMENTE QUANDO, APÓS ORDEM JUDICIAL, DEIXAR DE REMOVER O CONTEÚDO. ILEGITIMIDADE RECONHECIDA. RECURSO DESPROVIDO. DIREITO DE IMAGEM. POSTAGEM, PELA MÃE, EM REDE SOCIAL, ACERCA DA DOENÇA DE SEU FILHO (AUTISMO). CONTRARIEDADE DO PAI. NÃO CABIMENTO. EMBORA SE DEVA EVITAR A SUPEREXPOSIÇÃO DOS FILHOS EM REDES SOCIAIS, PRIVILEGIANDO A PROTEÇÃO À IMAGEM E À INTIMIDADE DO INCAPAZ, NECESSÁRIO BALIZAR TAIS DIREITOS FUNDAMENTAIS COM A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DA GENITORA. POSTAGEM QUE NÃO OFENDE OU DESMORALIZA O INFANTE. TEOR DO TEXTO PUBLICADO QUE DEMONSTRA PREOCUPAÇÃO E AFETO COM O MENOR. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
(TJSP; Apelação Cível XXXXXXX.XX.2019.8.26.0577; Relator (a): Vito Guglielmi; Órgão Julgador: 6ª Câmara de Direito Privado; Foro de São José dos Campos - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/07/2020; Data de Registro: 13/07/2020)
Devido a jurisprudência em comento ser sinalizada como segredo de justiça, por bem, mantemos a inviolabilidade ao sigilo processual e das informações das partes e do menor, preservando os envolvidos e enfocando na grande lição que essa jurisprudência produz para a comunidade jurídica.
Resumidamente, a narrativa fática que ensejou o processo concerne no fato de que o pai do menor, sentindo-se constrangido pela exposição da mãe com relação à descoberta da doença do seu filho, portador do transtorno de espectro autista do filho, postada nas mídias sociais sem o seu consentimento, tendo em vista que a relação dos pais e a criança é manejada através do instituto da guarda compartilhada. O pai, por sua vez, ingressou com uma ação para a retirada da postagem onde ela anuncia a doença do filho na sua conta pessoal do Facebook, e também, pleiteando a não violação direitos personalíssimos do menor perante a empresa de mídias sociais Facebook, alegando que a requerida também infringiu os direitos à imagem e privacidade do menor ao autorizar a postagem.
A priori, o magistrado acolheu o pleito pugnado pelo polo passivo da ação, deferindo a ilegitimidade do Facebook na demanda em análise, fundamentado na lei do Marco Civil da Internet, lei 12.965/14, em seu art. 19º:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material.
§ 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5º da Constituição Federal.
§ 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais.
§ 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3º , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.
Nessa toada, a requerida, mãe do menor, o magistrado também entendeu não violar direitos personalíssimos do menor, pois tratava-se de um desabafo da mãe em falar do espectro autista sofrido pelo filho. Julgando improcedente o pedido de remoção da postagem por parte da genitora.
O pai, ora inconformado, interpôs recurso mediante a decisão em primeira instancia, pelas razoes já aduzidas na narrativa fática, reforçando seu pedido de remoção da postagem.
Novamente, o recurso foi desprovido pelo tribunal ad quo e mantida a decisão pelo juízo ad quem, firmando o entendimento já sedimentado pelo magistrado da requerida não ter nenhuma intenção em expos seu filho à algum tipo de constrangimento e sim, dividir um desabafo sobre a doença do filho, com o fito de informar e buscar acolhimento de pessoas mais próximas em sua rede social privada. Conforme transcreve-se o voto do relator:
Contudo, no caso em apreço, verifico que não houve qualquer ofensa capaz de macular a imagem da criança, sendo, em verdade, produto da própria liberdade de expressão, previsto no art. 5o, IV da Constituição Federal. Pelo teor do texto publicado, pode-se perceber uma mãe, preocupada com o diagnostico de autismo do filho, relatando, de forma emotiva, a descoberta da moléstia e a confusão de sentimentos que se seguiu. Percebe-se, nitidamente, que não houve qualquer mácula à imagem do menor. Pelo contrário, nota- se uma mãe preocupada com o filho que tanto ama, compartilhando seus sentimentos na rede social, em busca de afeto, reconhecimento e identificação. Comentando a colisão de direitos fundamentais no caso de sharenting (de um lado, os direitos fundamentais à privacidade e à proteção de dados pessoais das crianças e, do outro, o direito à liberdade de expressão dos pais), Fernando Eberlin expõe: “A análise sobre os direitos a serem tutelados no caso do sharenting demanda mecanismos de solução para os casos concretos (seja pela ponderação com base no principio da proporcionalidade, seja com base na interpretação sistemática), sendo necessário encontrar uma justa medida para preservar tanto o direito à liberdade de expressão dos pais e de terceiros como o direito à privacidade e à proteção de dados pessoais de crianças”.
De todo o exposto, pode-se perceber que a pretensão do apelante não merece acolhimento, não tendo a postagem da ré capacidade de ofender a
imagem ou privacidade do menor.
Mantida a sucumbência tal como estabelecida, os honorários advocatícios ficam majorados para R$ 2.000,00 para o patrono de cada réu,
nos termos do art. 85, § 11 do Código de Processo Civil. Nesses termos, nega-se provimento ao recurso.
Portanto, a partir desse julgado importante, observamos que a sociedade e os cidadãos, estão gradativamente conscientizando-se a entender melhor os limites de exposição das crianças e adolescentes frente às ferramentas de comunicação e postagens em mídias sociais. Quando se sentem lesados ou expostos, recorrem ao judiciário para dirimir assuntos que envolvem o direito à imagem, honra, privacidade, os direitos personalíssimos, uma questão inovadora e intrigante que põe à guisa de discussão a liberdade de expressão, o poder familiar, a exposição da imagem e os riscos do Oversharenting à longo prazo na vida do menor. A cultura do país tem sido levada a discutir os limites da superexposição de pais e filhos em mídias sociais, pauta de extrema importância numa sociedade que tem sido reprogramada para se comunicar através dessas ferramentas tecnológicas.
6. CONCLUSÃO
Desde a escolha do tema, até o aprimoramento do conhecimento, materialização e confecção do artigo exposto, sob o prisma do método indutivo e dedutivo, a preocupação com a exposição de menores foi assunto recorrente em nosso sentir, devido ao compartilhamento frenético de informações e arquivos na internet.
Vivemos em uma era onde o meio cibernético é ferramenta para o asseveramento de condutas, buscas por serviços e produtos, tudo isso diluído em locuções rápidas e mentes ávidas para o novo, o publicável. Como o corriqueiro adágio, ‘’Se não postou, não viveu ou não aconteceu’’, vivemos sob essa ótica, de postagens para validar as relações e sobretudo o ego, fenômeno já analisado por Bauman em sua obra, Amor Líquido.
Logo, nesse meio cibernético e cada vez mais instável por não termos mais o controle de nossos arquivos, quando em contato com a tela de um smartphone, tablets ou qualquer outra ferramenta tecnológica, temos o uso desenfreado e o compartilhamento abusivo e sem controle de nosso cotidiano e consequentemente de nossa privacidade.
Em meio ao avanço tecnológico e a pretensão futurista de sermos uma sociedade avançada em meios de encurtar distâncias e oferecer, cada vez mais, produtos com uma projeção real de futuro, suprimimos a nossa privacidade em busca da prática mercadológica do storytelling, onde expondo mais o emissor/produtor, gera-se um desejo por aquilo que se oferta. De fato, isso acontece, entretanto, falamos da vida civil e mercadológica de um cidadão adulto com completa fase de maturação e ciente do manejo de sua imagem perante os outros. Todavia, isso não acontece com a vida do menor, tampouco com o nascituro, onde suas capacidades civis estão sendo aprimoradas para formar um indivíduo com plena capacidade de gozo e fruição dos seus direitos civis em um futuro mais breve.
Com toda essa celeuma, o nosso ponto de partida para a criação do presente artigo foi a superexposição desses menores, com o fenômeno ora classificado como Oversharenting e os direitos personalíssimos. Quem os regozijará, e como se dará essa ampla difusão do conhecimento pelos direitos fundamentais do menor e do nascituro? Como explicar para os pais que esse tipo de conduta poderá acarretar prejuízos na vida do menor e como podemos coibir isso com a ajuda das sentinelas do Estado, o judiciário, legislativo e o Ministério Publico?
Para todas essas questões, um ponto de partida, os princípios constitucionais basilares que norteiam toda a nossa sociedade: a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Nesse ritmo, o direito à vida e à segurança de todos os cidadãos também aparecem. Esses devem sempre ser invocados em situações em que exista a possibilidade de perigo e quando falamos em superexposição de crianças, conseguimos elencar uma gama de reações adversas no Oversharenting, cyberbullying, por exemplo, um tema que vem sendo discutido e abordado entre pais, escolas e meios televisivos, além de ações governamentais como meio de difusão da informação.
Informar à população que o início dos direitos à imagem e privacidade do menor, começa no ventre materno, com direito à segurança e privacidade, componentes importantes para a tranquilidade do desenvolvimento de um nascituro e da criança. Alertar acerca dos perigos à exposição, assim como sinalizar como o Poder Público ampara e atua como protetor dos direitos fundamentais do cidadão, por meio da tutela jurisdicional, através de campanhas educacionais realizadas dentro e fora do ambiente cibernético, com o monitoramento do Ministério Público e convênios com canais de veiculação de informação em massa, como rádios e tvs.
A exposição deve ser utilizada apenas para informar benesses que interessem em caráter coletivo, assim como organizações governamentais e não governamentais já fazem. O Oversharenting praticado pelos pais impossibilita o crescimento saudável da criança, que deve ser criança, brincar, estudar, ter momentos felizes e saudáveis com seus pais, amigos e familiares, esse é o verdadeiro ambiente em que uma criança deve participar, a vida real e uma vida tranquila, sem exposições.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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graduanda em Direito pela UNIBH.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROSA, Bárbara Diniz. Oversharenting e suas implicações legais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jun 2023, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61818/oversharenting-e-suas-implicaes-legais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Patricia de Fátima Augusta de Souza
Por: André Luís Cavalcanti Chaves
Por: Lara Pêgolo Buso
Por: Maria Guilhermina Alves Ramos de Souza
Por: Denise Bueno Vicente
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