GUSTAVO ANTÔNIO NELSON BALDAN
Orientador
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discorrer sobre a lei ambiental que trata da responsabilidade penal da pessoa jurídica, demonstrando sua viabilidade e a necessidade de um instituto que protegesse de forma eficaz um bem jurídico relevante, que anteriormente possuía sua proteção assegurada em leis esparsas em várias legislações, o que dificultava sua aplicação. Bem como, o presente artigo visa ainda demonstrar a importância da lei brasileira em acolher tal responsabilidade sem acarretar prejuízo, uma vez que está assegurada de forma explícita na Constituição e anteriormente a existência da lei 9.605/98 existiam várias normas de cunho penal que garantissem a aplicação da sanção penal ao ente moral, posteriormente apenas a unindo em uma única legislação.
Palavras-chave: Lei Ambiental. Responsabilidade Penal. Pessoa Jurídica. Lei 9.605/98.
O assunto a ser tratado no presente trabalho diz respeito a responsabilidade penal da pessoa jurídica consagrada na Lei n° 9.605/98.
Decorrente do grande número de crimes que são cometidos pela coletividade que antes, por falta de uma legislação própria acabavam por ficar sem punição, visto que as normas existentes eram insuficientes para garantirem uma punição eficaz.
A lei ambiental visa prevenir os crimes ambientais, como ficará demonstrado no decorrer do presente trabalho, cujo objetivo é demonstrar que ela não é incompatível com o ordenamento jurídico brasileiro.
Sendo assim, o primeiro capítulo deste trabalho tem como objetivo trazer os antecedentes históricos que sucederam o direito ambiental, utilizando-se até mesmo dos princípios bíblicos que demonstram e descrevem a importância da natureza. Bem como, o presente trabalho irá conceituar o direito ambiental e o meio ambiente.
A segunda parte deste artigo irá tratar de algumas características do Direito Ambiental, como este sendo um direito difuso, de ordem econômica e um bem jurídico autônomo, da responsabilização cumulativa das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e da responsabilidade do Ministério Público em tutelar o meio ambiente.
Será discutida a responsabilidade da pessoa jurídica no direito brasileiro com o advento da Constituição Federal de 1988 e a Lei 9.605/98. Discorrendo em seguida, sobre as duas principais teorias sobre a responsabilidade da pessoa jurídica.
Por fim, será demonstrado de que forma ocorre a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais e a aplicação das penas, conforme previsão da lei 9.605/98.
2 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO DIREITO AMBIENTAL
A proteção à natureza é muito antiga e tem como fundamento a bíblia sagrada. Conforme descreve Luís Paulo Sirvinskas (2002, p. 8), “O meio ambiente é criação divina e o homem será julgado por aquilo que fizer contra a natureza”. E neste caso, ainda nos dizeres de Luís Paulo (2002, p.8): "O homem é mero procurador de Deus na Terra, devendo prestar-lhe contas de suas atitudes praticadas contra a natureza”.
Verifica-se, a partir desses versículos bíblicos, que a natureza não se restringe apenas aos animais, mas a tudo que há na Terra e que ela produz.
Observe-se com esta breve explanação que a proteção à natureza tem sido objetivo do homem desde tempos remotos, o que demonstra que a preocupação com um meio ambiente sadio e equilibrado, não é algo recente ou apenas um modismo de meros ativistas.
Em nosso país até a independência, a legislação vigorante sobre o tema ressentia-se das dificuldades de uma aplicação prática e demonstrava a necessidade de um corpo de regras mais atualizado. O que permaneceu assim por muito tempo, mesmo depois da independência com a promulgação, em 1.830, do Código Criminal brasileiro, no qual apenas demonstrou interesse pelo meio ambiente no que se referia ao corte ilegal de árvores e ao dano ao patrimônio cultural.
Com o advento da República, o então Código Criminal vigente àquela época não passou por nenhum processo de modificação, fato que se repetiu com o estatuto de 1.940, que deu pouca atenção à matéria. De fato, foram poucas e tímidas, as previsões de cunho ambiental contidas no velho Código Criminal, assim como a lei das Contravenções Penais de 1.941, que apenas de forma mediata se preocupou com a questão.
Inúmeros outros diplomas legais extravagantes foram editados, com tudo sem a preocupação de proteger o meio ambiente de forma global e orgânica, já que dele cuidaram de forma diluída, causal e na medida para atender a exploração pelo homem, foram eles:
Lei nº 4.771, de 15/09/65 (Código Florestal); Lei n° 5.197, de 03/01/67, com nova redação determinada pela Lei n° 7.653, de 12/02/88 (Proteção à fauna); Decreto Lei 221, de 28/02/67 (Proteção e estimulo à pesca); Lei 6.453, de 17/10/77 (Responsabilidade por atos relacionados com atividades nucleares); Lei 6.766, de 19/12/79 (Parcelamento do solo urbano); Lei 6.938, de 31/08/81 (Política Nacional do Meio ambiente); Lei 7.347 de 24/07/85 (Ação Civil Pública); Lei 7.643, de 18/12/87 (Proibição da pesca de crustáceos nas águas jurisdicionais brasileiras); Lei 7.679, de 23/11/88 (Proibição da pesca de espécies em períodos de reprodução); Lei 7.802, de 11/07/89 (Agrotóxicos); Lei 7.805, de 18/07/89 (Mineração) e a Lei 8.974, de 05/01/95 (Biossegurança).
Muito embora a Lei n°9.605/98 tenha tutelado os crimes contra o meio ambiente, esta não revogou inteiramente, os tipos de natureza ambiental constantes do Código Penal, como por exemplo, o artigo 250, § 1°, II, “h”, da Lei de Contravenções Penais (artigo 31), do Código Florestal (artigo 26, "e, j, l, m"), entre outros.
3 CONCEITO DE DIREITO AMBIENTAL
O direito ambiental ainda é uma disciplina relativamente nova no direito brasileiro e antes era vista apenas de forma esporádica no Direito Administrativo adquirindo sua autonomia apenas com o advento da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1.981.
O Direito Ambiental é um ramo de atuação jurídica que se preocupa com questões relacionadas à preservação do meio ambiente, instituindo um conjunto de regras e normas que zelam pelos recursos naturais (fauna, flora, rios, edificações e urbanisco), bem como as intenções desses elementos com toda a sociedade (Maria Lopes, 2021).
Para Talden Farias (2020):
O Direito Ambiental é o ramo da Ciência Jurídica que disciplina as atividades humanas efetiva ou potencialmente causadoras de impacto sobre o meio ambiente, com o intuito de defendê-lo, melhorá-lo e de preservá-lo, dentro dos padrões de qualidade ambiental estabelecidas, para as gerações presentes e futuras. Isso implica dizer que os impactos ambientais que não forem causados nem puderem ser influenciados pelo ser humano não farão parte do objeto desta disciplina.
Ressalte-se ainda que o Direito Ambiental apenas é valorizado por conta de sua autonomia adquirida através da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que trouxe os requisitos necessários para tornar o Direito Ambiental uma ciência jurídica independente que busca relacionar harmoniosamente o homem e a natureza.
Já consagrado na doutrina, na lei, na jurisprudência, na consciência da população e de acordo com o artigo 3°, inciso I, da Lei n°. 6.938/81, o conceito legal de meio ambiente é "o conjunto de condições, leis, influências, alterações e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
O meio ambiente divide-se em meio ambiente natural, o qual por sua vez integra o solo, a água, o ar atmosférico, a flora e a fauna; meio ambiente cultural, que integra o patrimônio arqueológico, artístico, histórico, paisagístico e turístico; meio ambiente artificial, que integra os edifícios, equipamentos urbanos, comunitários, arquivo, registro, museu, biblioteca, pinacoteca e instalação científica ou similar, e por último, meio ambiente do trabalho, o qual integra a proteção do trabalhador em seu local de trabalho e dentro das normas de segurança, com intuito de fornecer-lhe uma qualidade de vida digna (art. 200, inciso VIII, da Constituição Federal de 1988).
Porém o presente trabalho tem como objetivo o meio ambiente natural, daí ser ele direcionado somente neste aspecto.
5 DIREITO AMBIENTAL COMO INTERESSE DIFUSO
O direito que justifica a proteção ao meio ambiente caracteriza-se, como não poderia deixar de ser, por uma ideia fundamental, qual seja, ele não pode ser visualizado pelo jurista com o mesmo enfoque das matérias tradicionais do Direito. Isto porque tal direito diz respeito à proteção de interesses pluriindividuais que superam as noções tradicionais de interesse individual ou coletivo.
Em suma o interesse difuso estrutura-se como um interesse transindividual, ou seja, pertente a toda coletividade; indivisível; possui titulares indeterminados e são ligados por circunstâncias de fato.
5.1 A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE COMO PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA
A ordem econômica brasileira, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa tem entre seus princípios a defesa do meio ambiente (art. 170, VI, CF/88). E este, é um dos principais avanços da Constituição em relação à tutela ambiental, destarte que nos termos da Constituição Federal, estão em desconformidade e, portanto, não podem prevalecer as atividades da iniciativa privada assim como da pública que, violem a proteção do meio ambiente. De forma que, a propriedade privada, que é base da ordem econômica constitucional, deixa de cumprir sua função social, requisito este essencial para sua garantia constitucional, quando se insurge, ou seja, se volta contra o meio ambiente.
5.2 meio ambiente como bem jurídico autônomo
A Constituição brasileira, seguindo uma tendência mundial, incluiu em seu bojo o meio ambiente como bem jurídico autônomo elegendo-o à categoria de um daqueles valores ideais da ordem social, dedicando-lhe um capítulo próprio que de forma definitiva, institucionalizou o direito ao meio ambiente sadio como um direito fundamental do indivíduo.
A Carta Magna define o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito de todos e lhe dá natureza de bem de uso comum do povo e essencial á sadia qualidade de vida, impondo a corresponsabilidade do cidadão e do Poder Público pela sua defesa e preservação, é o que preceitua o artigo 225, caput, do citado diploma.
E assim ao proclamar o meio ambiente como "bem de uso comum do povo", reconheceu-lhe a natureza de direito público subjetivo, vale dizer exigível e exercitável em face do próprio Estado, que tem a missão de protegê-lo, razão pela qual ninguém tem direito ao uso exclusivo ou a privilégios na utilização do bem, e neste sentido o direito de cada indivíduo limita-se à igualdade com os demais na fruição do bem ou no suportar o ônus dele resultante. De maneira que todos são iguais perante os bens de uso comum do povo.
A decisão do legislador pátrio, em albergar na Carta Magna, a proteção do meio ambiente de forma autônoma e direta, tendo em vista que as normas constitucionais não representam apenas um programa ou ideário de um determinado momento histórico, demonstram claramente o grande alcance destas normas e o quanto elas são dotadas de eficácia e imediatamente aplicáveis.
Visto que a proteção ao meio ambiente é pressuposto para o atendimento de outro valor fundamental qual seja, o direito à vida, cuidou o ordenamento constitucional de prescrever uma série de garantias ou mecanismos capazes de assegurar à cidadania os meios de tutela judicial daquele bem, dentre os quais temos a Ação Direta de Inconstitucionalidade de lei ou ato normativo; Ação Civil Pública; Ação Popular Constitucional; Mandado de Segurança Coletivo; Mandado de Injunção.
O Direito do Ambiente encontra sua base normativa no capítulo VI, do título VIII (Da Ordem Social), consubstanciada toda ela no artigo 225, com seus parágrafos e incisos. E no dizer de José Afonso da Silva (1997, p. 31), tal dispositivo compreende três conjuntos de normas quais seriam: o primeiro aparece no caput, onde se inscreve a norma matriz, reveladora do direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; o segundo encontra-se no § 1°, com seus incisos que versa sobre os instrumentos de garantia e efetividade do direito enunciado no caput do citado artigo; o terceiro compreende um conjunto de determinações particulares, em ralação a objetos e setores, referidos nos parágrafos 2° e 6°, que, por tratarem de áreas e situações de elevado conteúdo ecológico, merecem desde logo, proteção constitucional.
Confirma-se com isto que o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado, é um direito fundamental, e indisponível, e tal indisponibilidade vem acentuada na Constituição Federal, quando esta afirma que a preservação do meio ambiente deve ser feita no interesse das gerações presentes e também das gerações futuras, é um dever moral e jurídico e de natureza constitucional, para as gerações atuais de transmitir esse "patrimônio" às gerações que sucederem e melhores condições do ponto de vista do equilíbrio ecológico.
O meio ambiente, como entidade autônoma, é considerado bem de uso comum do povo, isto é, não pertence a um indivíduo exclusivamente, mas a uma coletividade indistinta, pertence a todos e de todos é o dever de preservá-lo.
É um bem essencial à sadia qualidade de vida, de forma que sem respeito a ele não se pode falar em qualidade de vida, nem no presente nem no futuro.
Com isto foi criado para o Poder Público um dever constitucional geral e positivo, representado por verdadeiras obrigações de fazer, vale dizer, de zelar pela defesa e preservação do meio ambiente, não é apenas uma mera faculdade do Poder Público, mas sim um dever. Esta atuação que antes era discricionária, agora passa a ser vinculada, o que significa que o Poder Público a partir da Constituição de 1.988, não atua porque quer, mas porque assim lhe é determinado pelo legislador maior.
Por outro lado, o cidadão deixa de ser mero titular (passivo), de um direito ao meio ambiente equilibrado e passa a ter titularidade de um dever, qual seja o de defendê-lo e preservá-lo.
Fica, portanto, estabelecido claramente uma relação jurídica, que em doutrina é denominado "função.
E por último os titulares do bem jurídico meio ambiente, não são apenas os cidadãos do país, as presentes gerações, mas também por igual aqueles que ainda não existem, bem como os que poderão existir, as futuras gerações.
5.3 RESPONSABILIZAÇÃO CUMULATIVA DAS CONDUTAS E ATIVIDADES LESIVAS AO MEIO AMBIENTE.
A Constituição Federal de 1988, impõe ao poluidor medidas de caráter reparatório e punitivo. Preceitua o artigo 225, § 3°, de referido estatuto que as "condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" (Constituição Federal, 1988).
Como se vê o dano causado ao meio ambiente provoca uma tríplice reação da ordem jurídica, certo que um único ato pode gerar a imposição de sanções penais, administrativas e civis.
As medidas de caráter punitivo são de natureza administrativa ou penal. Em sede administrativa, as aplicações das sanções independem de investigação de dolo ou culpa, segundo a regra geral imperante nesta seara, em que a responsabilidade é objetiva.
Ao contrário disto, a persecução penal decorre da culpa lato senso, que pressupõe a aferição da vontade do autor, enquadrando-a nos parâmetros do dolo - consciência e vontade livre de praticar o ato - ou da culpa em sentido estrito, violação do dever de cuidado, atenção e diligência com que todos devem pautar-se na vida em sociedade.
5.4 O MINISTÉRIO PÚBLICO E A TUTELA DO AMBIENTE
O Ministério Público, nos termos da definição contida no artigo 127 da Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1.988, é considerado instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, ficando, portanto, incumbida constitucionalmente a esta instituição a defesa do meio ambiente.
Cabendo inclusive, ao promotor de justiça celebrar acordos extrajudiciais em matéria ambiental, com força de título executivo, cuja finalidade é desafogar o tão saturado aparelho judiciário.
Trata-se, mais que tudo, de uma notável transformação, que coloca o Brasil como um dos países pioneiros no mundo de uma nova função do Ministério Público, fazendo com este se firmasse como a instituição melhor credenciada para a tutela dos interesses sociais, difusos e coletivos, entre os quais se encontra o Direito Ambiental atuando na área criminal para repressão dos crimes ecológicos. Vê-se, portanto, que com a Constituição Federal de 1.988, o Ministério Público teve sua área de atuação abrangida, cabendo ao mesmo a tutela ambiental para atuar na repressão dos crimes ambientais, cujas garantias constitucionais lhe conferem autonomia funcional, e tornam o Promotor de Justiça imune a pressões políticas e econômicas.
6 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA E O DIREITO BRASILEIRO
Os progressos sociais intensificaram neste século, uma constante relação de "acontecer" a que muitos chamam de Modernidade.
A reconstrução teórica da realidade social brasileira, por meio de um modelo ideal típico de comportamento social, decorrente dessas transformações, aponta para a tensão entre o que mudou e entre o que não mudou. Qualquer análise jurídico-social deve ser testada em face das condições descritas no modelo preexistente e naquele que está por lhe suceder.
Tais questões que no momento são discutidas, são, de alguma forma, relacionadas com o problema crucial de se estabelecerem condições para manter uma análise crítica dos institutos jurídicos até então vigentes. O debate sobre o tema não pode ser dissociado da ideia de que as modificações normativas devem ser concebidas e testadas nas condições da sociedade a qual se pretende que elas sejam aplicáveis.
Assim, as propostas de soluções para os problemas apontados, particularmente no que concernem ao direito brasileiro, decorrentes das transformações vivenciadas no país, precisam ser discutidas e amadurecidas em função de um quadro que descreva as condições relevantes que caracterizam essa realidade social e jurídica.
Diante disso, a Constituição Federal brasileira de 1.988, em seus artigos 173, § 5°, e 225, § 3°, outorgou ao legislador ordinário poderes para instituir a responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Essa atitude do legislador constitucional brasileiro não deve ser considerada estranha, seja do ponto de vista dogmático, seja do criminológico e do político-criminal, pois esta é a tendência mundial. O legislador ordinário, por seu turno, seguiu a direção que lhe foi sinalizada pela Constituição, tanto é, que na Lei de Crimes Contra o Meio Ambiente, estabeleceu, de forma plena esta responsabilidade.
Sendo assim, para justificar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, do ponto de vista criminológico, basta dizer que estas assumiram, no mundo econômico, uma importância tão grande, que uma decisão de aumento de preços, por exemplo, numa grande cadeia de supermercados ou em uma importante fábrica de veículos possui relevância social muitas vezes maior que a esmagadora maioria de nossas leis municipais, além disso, as pessoas jurídicas por seu poder econômico, são socialmente muito mais perigosas que qualquer indivíduo e criam uma atmosfera, um clima que facilita e incita os indivíduos a cometer delitos em seu seio.
Ademais, em face da intrincada forma de administração e ao fato de sua vontade ser consequência de atos subjetivamente complexos, as pessoas jurídicas permitem encobrir a responsabilidade individual, fazendo com que esta, de regra, recaia sobre os mais vulneráveis.
6.1 TEORIAS SOBRE A RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA
Há duas teorias que tratam da responsabilidade da pessoa jurídica, quais sejam a teoria da ficção, defendida por Saviny, e a teoria da realidade da personalidade real ou orgânica, esta, defendida por Otton Gierke.
No que se refere a primeira teoria, a pessoa jurídica é pura ficção e assim sendo, inadmissível sua responsabilidade penal, isto porque, a pessoa jurídica tem existência fictícia, irreal ou de pura abstração devido a um privilégio lícito da autoridade soberana, portanto incapazes de delinquir, pois carece de vontade de ação. Sendo possível apenas, responsabilizar seus dirigentes.
Esta teoria tem suas raízes no direito romano, e por conseguinte adotou o princípio individualíssimo, consubstanciado na expressão largamente divulgada societas delinquere non potest. Nos termos postos por esta teoria só o ser humano pode delinquir, posto que somente ele é dotado de capacidade para dirigir essa vontade no mundo exterior, ou, como do princípio jus naturalístico, em todo direito subjetivo existe a causa da liberdade moral, que se encontra ínsita em cada homem.
Portanto, como pôs a calvo o próprio Saviny, só o homem, individualmente considerado, é dotado pela natureza de capacidade para ser sujeito de direitos e de personalidade.
Por outro lado, na contramão dessa corrente, de acordo com Gierke, a pessoa jurídica é uma realidade, diversificando de seus dirigentes, admitindo-se, via de consequência, a sua responsabilidade penal. A teoria da realidade ou orgânica, baseia-se em pressupostos totalmente diversos.
Para esta teoria a pessoa jurídica é um ser real, cuja vontade não é a somatória das vontades de seus associados ou de seus diretores e administradores. Em verdade, possui uma vontade própria, que segundo Aquiles Mestre, atua sobre as coisas, e vai constituir o poder do grupo, poder que o Estado, às vezes, vem limitar e sancionar em nome do direito, com o reconhecimento da personalidade do grupo.
Ainda, segundo a teoria da realidade, a pessoa moral não é um ser artificial, criado pelo Estado, é sim um ente real (vivo e ativo), independente dos indivíduos que a compõem. Atua do mesmo modo que a pessoa física, ainda que mediante procedimentos diferentes, podendo, por conseguinte, atuar mal, delinquir e ser punida. Ou seja, possui personalidade real, vontade própria com capacidade de agir e praticar atos, sejam lícitos ou ilícitos.
Destarte, embora a teoria da realidade tenha sido muito criticada, é visível que a pessoa jurídica não é uma ficção, pois, é ela um verdadeiro ente social, que surge da realidade concreta e que não pode ser desconhecido pela realidade jurídica.
Neste contexto, aplicando-se tais conceitos ao direito penal, isto é, adotando-se tal pensamento, há de se constatar que a pessoa jurídica é sim perfeitamente capaz de vontade.
7 RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS
Com o advento da Lei nº 9.605/98, foi regulamentado a responsabilização penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais, dispondo sobre as sanções penais e administrativas derivadas das condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. As infrações descritas nesta lei referem-se aos crimes contra a fauna, contra a flora, contra a poluição e outros crimes ambientais, crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural e crimes contra a administração ambiental (Karla Rafael Dutra, 2007).
Esta lei contém 82 artigos que são divididos em oito capítulos, o Capítulo V trata dos crimes contra o meio ambiente e se divide nas seguintes seções: Seção I cuida da conduta dos crimes contra a fauna, seção II dos crimes contra a flora, seção III da poluição e outros crimes ambientais, seção IV dos crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural e por último, seção V dos crimes contra a Administração Ambiental.
No que diz respeito a responsabilização propriamente dita, dispõe o artigo 3º da referida lei:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade (Brasil, 1998).
Em análise, entende-se que a pessoa jurídica somente poderá ser penalmente responsabilizada nos casos em que a infração seja cometida mediante ordem de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, em seu interesse ou benefício. Ou seja, a identificação das pessoas físicas responsáveis diretamente pelo delito ambiental é requisito obrigatória para aja a responsabilização da pessoa jurídica.
Não obstante, conforme prevê o parágrafo único do referido artigo, a responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato (Brasil, 1998). Ou seja, a lei de crimes ambientais adota a teoria da dupla imputação, onde a pessoa física juntamente com a jurídica é indiciada pelo delito.
Tal responsabilidade visa garantir a proteção ambiental para esta e futuras gerações, de forma ainda fazer valer um entendimento constitucional previsto no artigo 225, § 3º, que dispõe: “[...] § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”
A Lei 9.605/98 ainda prevê em seu artigo 4º a desconsideração da pessoa jurídica, caso sua personalidade seja um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
7.1 APLICAÇÃO DA PENA ÀS PESSOAS JURÍDICAS
A Lei Ambiental em seu artigo 21, estabelece três modalidades de pena a serem aplicadas à pessoa jurídica: Multa; Restritiva de Direitos; Prestação de Serviços à Comunidade, podendo ser aplicadas isoladas, cumulativas ou alternativamente.
Seguindo, os artigos 22 e 23 descrevem quais as possibilidades de pena para cada modalidade:
Art. 22. As penas restritivas de direitos da pessoa jurídica são:
I - suspensão parcial ou total de atividades;
II - interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade;
III - proibição de contratar com o Poder Público, bem como dele obter subsídios, subvenções ou doações.
§ 1º A suspensão de atividades será aplicada quando estas não estiverem obedecendo às disposições legais ou regulamentares, relativas à proteção do meio ambiente.
§ 2º A interdição será aplicada quando o estabelecimento, obra ou atividade estiver funcionando sem a devida autorização, ou em desacordo com a concedida, ou com violação de disposição legal ou regulamentar.
§ 3º A proibição de contratar com o Poder Público e dele obter subsídios, subvenções ou doações não poderá exceder o prazo de dez anos (Brasil, 1998).
Art. 23. A prestação de serviços à comunidade pela pessoa jurídica consistirá em:
I - custeio de programas e de projetos ambientais;
II - execução de obras de recuperação de áreas degradadas;
III - manutenção de espaços públicos;
IV - contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas. (Brasil, 1998).
Por fim, o artigo 24 da lei ambiental trata da possibilidade de liquidação forçada das empresas nos casos em que a pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, permita, facilite ou oculte a prática de crime definido em lei. Nestes casos, o patrimônio será considerado instrumento do crime e como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional (Brasil, 1998).
A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra o meio ambiente, é fato, é uma realidade que não pode ser ignorada. Tampouco deve sofrer restrições embasadas em teorias ultrapassadas. Isto porque o bem que se procura tutelar é um patrimônio da humanidade, é a vida em todas as suas formas, visa não só o presente como também o futuro, e nada mais justo do que buscar-se no Direito Penal esta proteção quando o que se vê é que todos os institutos colocados à disposição para exercer esta proteção fracassaram em seu papel. Ademais, é função do Direito Penal tutelar os interesses mais importantes da sociedade.
Criticar a lei ambiental é admitir que o Direito é estático, que o Direito não evolui, e isto é o que de mais absurdo pode acontecer, pois o Direito caminha de mãos dadas com a sociedade, evoluindo e se adaptando as necessidades de cada era.
E foi isto o que aconteceu quando da edição da Lei n° 9.605/98, que nada mais fez do que ouvir o clamor de justiça que existia em nome da natureza, ao regulamentar o artigo 225, parágrafo 3° da Constituição Federal, de 1988, que já previa esta responsabilização penal do ente moral.
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graduanda em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PERUCA, Beatriz Santana. Responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes contra o meio ambiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jul 2023, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61985/responsabilidade-penal-da-pessoa-jurdica-nos-crimes-contra-o-meio-ambiente. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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