BEATRIZ TORATTI[1]
(coautora)
RESUMO: Propõe-se, no presente trabalho, examinar as iniciativas de inteligência artificial desenvolvidas e implementadas pelo Supremo Tribunal Federal até o momento, a fim de verificar, principalmente, sua capacidade de solucionar os problemas a que se propõem. Para atingir este objetivo, parte-se da análise do histórico da utilização de tecnologia pelo Poder Judiciário brasileiro. Em seguida, são trazidas noções preliminares de inteligência artificial, incluindo seu conceito, funcionamento, vantagens, desafios e atuação nos Tribunais brasileiros. O trabalho prossegue com a efetiva análise das ferramentas de inteligência artificial implementadas pelo Supremo Tribunal Federal até o momento, quais sejam, o Projeto Victor e a RAFA 2030, modelos com grande potencial de otimizar o trabalho da Corte. Serão analisadas suas principais características e funcionamento, os problemas que buscam solucionar e se efetivamente vêm cumprindo as expectativas do Supremo Tribunal Federal. Finalmente, conclui-se o trabalho com a síntese do quanto exposto, constatando-se que a tendência de que as referidas ferramentas sejam consolidadas na Corte e cada vez mais aprimoradas, abrindo caminhos ao desenvolvimento de novas iniciativas de inteligência artificial com potencial de tornar o Supremo Tribunal Federal cada vez mais eficiente.
Palavras-chave: Tecnologia. Inteligência artificial. Poder Judiciário. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral. Agenda 2030. Projeto Victor. RAFA 2030.
O presente trabalho pretende se ocupar das iniciativas de inteligência artificial desenvolvidas e implementadas pelo Supremo Tribunal Federal até o momento, a fim de verificar, principalmente, sua capacidade de solucionar os problemas a que se propõem.
Com efeito, nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal vem mergulhando em iniciativas tecnológicas com a finalidade de aumentar a eficiência e a transparência da Corte, além de expandir o acesso à justiça e colaborar com um desenvolvimento sustentável.
Na figura de instituição central e mais alta Corte do país, o Supremo Tribunal Federal vem incentivando outros Tribunais a desenvolverem sistemas de inteligência artificial, também a fim de resolver, ou ao menos mitigar, o problema da ineficiência causado pela sobrecarga e morosidade no trâmite processual.
As ferramentas implementadas pelo Supremo Tribunal Federal até o momento, quais sejam, o Projeto Victor e a RAFA 2030, são modelos altamente competentes e com grande potencial de otimizar o trabalho da Corte – e, de fato, como se verá, os resultados preliminares são bastantes satisfatórios.
Inicialmente, antes de se adentrar à análise efetiva dos referidos sistemas de inteligência artificial, traçaremos um breve histórico da utilização de tecnologia pelos Tribunais brasileiros, a começar pela digitalização dos processos, até chegar no desenvolvimento e implementação de iniciativas de inteligência artificial – situação que já é realidade em mais da metade dos Tribunais, atualmente considerada como requisito essencial ao desenvolvimento das atividades do Poder Judiciário.
Ato contínuo, sem pretensão de esgotar temas, traremos noçõe preliminares e essenciais de inteligência artificial e como essa tecnologia vem sendo aplicada pelo Poder Judiciário brasileiro, além dos desafios que a sua utilização traz consigo. Busca-se, com isso, tecer um panorama geral do tema e estabelecer uma base para investigar as iniciativas de inteligência artificial desenvolvidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Finalmente, examinaremos as minúcias do Projeto Victor e da RAFA 2030, a fim de verificar suas principais características e funcionamento, os problemas que buscam solucionar e se efetivamente vêm cumprindo as expectativas do Supremo Tribunal Federal.
2. A tecnologia e os Tribunais brasileiros: breve histórico.
Antes de adentrar à análise da utilização de inteligência artificial pelo Supremo Tribunal Federal, escopo deste trabalho, faz-se mister traçar um breve histórico da utilização da tecnologia pelos Tribunais brasileiros.
Desenhando um panorama geral, é possível afirmar que a justiça brasileira passou por três importantes marcos no que diz respeito à utilização de tecnologia nos Tribunais, quais sejam, a digitalização dos processos, a desmaterialização dos procedimentos e a automação das tarefas por meio da inteligência artificial.[2]
A primeira etapa foi marcada pela digitalização dos processos que passaram do formato físico para o digital e eletrônico, com a promessa de trazer maior celeridade e eficiência ao trâmite processual, bem assim de possibilitar o mapeamento de dados.
A referida etapa teve início com a promulgação da Lei n.º 11.419 em 19 de dezembro de 2006, a qual dispõe sobre a informatização do processo judicial e permitiu o desenvolvimento de sistemas eletrônicos de processamento de ações,[3] em consonância com o momento vivido pela sociedade, no qual o acesso à internet se popularizava e o desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação crescia de forma exponencial, alterando as relação interpessoais.
Alguns anos depois, em 2009, o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho da Justiça Federal, em conjunto com os Tribunais Regionais Federais, firmaram o Termo de Acordo de Cooperação Técnica n.º 073/2009, a fim de desenvolver sistema de processo judicial eletrônico a ser utilizado em todos os procedimentos judiciais. Posteriormente, em 2013, a Resolução n.º 185 do Conselho Nacional de Justiça instituiu o Sistema Processo Judicial Eletrônico - PJe como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais, estabelecendo os parâmetros para sua implementação e funcionamento.
A partir de então houve um aumento significativo da digitalização dos processos, o que trouxe maior celeridade e tornou o Poder Judiciário brasileiro mais produtivo e menos custoso, além de que contribuiu deveras para o acesso à justiça.[4]
Ato contínuo, a segunda etapa consistiu na desmaterialização ou digitalização dos procedimentos, permitindo, por exemplo, a realização de audiências e despachos com os magistrados por meio de videconferência.
Nessa linha, o Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu em seu art. 193 que “os atos processuais podem ser total ou parcialmente digitais, de forma a permitir que sejam produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico, na forma da lei”, visando estimular a substituição dos meios físicos de produção dos atos do processo para atos eletrônicos.[5]
Finalmente, o terceiro momento é marcado pela automação das tarefas por meio da aplicação de inteligência artificial - cujo conceito será melhor abordado mais adiante -, e já é uma realidade no Poder Judiciário do Brasil: cerca de metade dos Tribunais brasileiros possuem projetos de inteligência artificial em desenvolvimento ou já implantados, na sua maioria, pela própria equipe interna dos Tribunais.[6]
Atualmente, a utilização de inteligência artificial pelo Poder Judiciário é considerada verdadeiramente essencial diante dos benefícios que traz à prática do direito, especialmente a maior agilidade e precisão na realização de tarefas, considerando a sobrecarga existente em nosso sistema.[7]
Com efeito, em estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (2022), sob a coordenação do Ministro Luis Felipe Salomão, acerca da tecnologia aplicada ao Poder Judiciário brasileiro, foi constatado o seguinte:
O número crescente de projetos que incorporam aspectos de IA já implementados ou em desenvolvimento demonstra a busca por maior eficiência dentro do Poder Judiciário brasileiro. Tais iniciativas têm se mostrado inevitáveis para manter a capacidade do sistema de absorver números cada vez maiores de ações judiciais, combinado à necessidade de redução de custos de pessoal, e de ampliar a transparência no trâmite dos processos.
De fato, a ineficiência do Poder Judiciário, causada pela sobrecarga e consequente morosidade no trâmite processual,[8] pode ser considerada como o principal incentivo para a busca e desenvolvimento de tecnologias que pudessem ser implementadas nos Tribunais, em um esforço para se modernizar, empregar eficiência na tramitação dos processos e observar a garantia fundamento da razoável duração do processo, prevista no inciso LXXXVIII do art. 5º da Constituição Federal.[9]
Acerca da sobrecarga do Poder Judiciário brasileiro, o Conselho Nacional da Justiça apurou que, em 2021, tramitavam 77,3 milhões de processos, dos quais 15,3 milhões encontram-se suspensos, sobrestados ou em arquivos provisórios. Além disso, foram 27,7 milhões de casos novos em apenas 12 meses, de modo que houve um crescimento de 10,4% em relação a 2020.[10]
Outro incentivo ao desenvolvimento e implementação de tecnologias no Poder Judiciário foi a pandemia da COVID-19, que impôs restrições sanitárias e medidas de distanciamento social e, consequentemente, impossibilitou a realização de diversas tarefas nos Tribunais, fazendo surgir uma necessidade de modificação do seu funcionamento e procedimentos.[11]
Houve, portanto, uma potencialização do uso da tecnologia e da inteligência artificial nesse período, na medida em que os Tribunais tiveram de desenvolver soluções digitais para dar continuidade ao seu trabalho à distância e minimizar os impactos da pandemia.
Dentre essas soluções podem ser citados o Juízo 100% Digital, instituído pela Resolução CNJ n. 345/2020, o qual estabelece que todos os atos processuais serão praticados exclusivamente de modo remoto, sem necessidade de as Partes ou mesmo seus advogados comparecerem fisicamente aos fóruns/tribunais, e o Balcão Virtual, regulamentada por meio da Resolução CNJ n. 372/2021, que tem o objetivo de disponibilizar no sítio eletrônico de cada Tribunal uma ferramenta de videoconferência que permita imediato contato com o setor de atendimento de cada unidade judiciária durante o horário de atendimento ao público.[12]
Nota-se, pois, que o Poder Judiciário brasileiro já percorreu um longo caminho no que diz respeito ao desenvolvimento e implementação de tecnologias para garantir sua eficiência, começando pela digitalização dos processos até chegar nos projetos de inteligência artificial. E isso inclui a mais alta Corte do país, o Supremo Tribunal Federal, que já conta com duas ferramentas de inteligência artificial, a saber, o Projeto Victor e a ferramenta RAFA 2030, as quais buscam resolver ou mitigar os desafios pertinentes a uma maior eficiência e celeridade processuais na Corte, bem como expandir o acesso à justiça e aumentar a transparência do Tribunal.
Antes, todavia, de se adentrar à análise dos projetos desenvolvidos pelo Supremo Tribunal Federal, compete fazer uma análise introdutória acerca da inteligência artificial e sua aplicação no Poder Judiciário.
3. Noções preliminares sobre inteligência artificial e sua aplicação no Poder Judiciário.
A expressão inteligência artificial (IA – sigla da expressão em inglês artificial intelligence) surge, pela primeira vez, em meados da década de 1950,[13] subdividindo-se em duas correntes conceitualmente distintas, quais sejam, sistemas que buscam imitar o comportamento humano e sistemas que visam reproduzir o pensamento racional.[14]
Enquanto a primeira corrente “foca no aspecto externo, o comportamento, não sendo relevante o meio pelo qual se alcance resultado que imite satisfatoriamente o comportamento humano”, a segunda corrente “se preocupa em construir sistemas que tomem decisões de forma racional, razão pela qual o meio utilizado para tanto é de extrema relevância” (AZEREDO, 2014, p. 18).
No que diz respeito ao conceito de inteligência artificial, embora se trate de tarefa difícil[15] e não haja unanimidade, é possível bem defini-la como o “conjunto de tecnologias que combina dados, algoritmos e poder computacional, capaz de comportar-se de forma similar à inteligência humana para alcançar um determinado objetivo específico, geralmente a solução de uma questão” (MAGRANI; GUEDES, 2021, p. 78).
Na mesma linha, “a definição segundo a qual a inteligência artificial consiste no desenvolvimento de sistemas que reconhecem o ambiente à sua volta e tomam medidas para alcançar os seus objetivos, tem o mérito de concatenar de forma direta os principais elementos constitutivos da ciência” (AZEVEDO, 2014, p. 27).
Daí se extrai que a inteligência artificial é tecnologia que não se limita a executar os comandos definidos pelo programador, tal como os sistemas informatizados, mas sim que é capaz de captar e colher informações para adotar condutas que vão além da programação inicialmente definida pelo programador e encontrar soluções aos problemas que lhe são propostos, reproduzindo o pensamento humano.
E isso se dá por conta da chamada machine learning, que “é um ramo da ciência da computação, pertencente ao campo da Inteligência Artificial, que possui o objetivo de criar generalizações aplicáveis para casos novos a partir de casos anteriores” (HöFLING, 2022, p. 72). Uma das técnicas da machine learning é a deep learning, “composta por uma rede neural artificial, uma versão matemática de como uma rede neural biológica funciona, composta de camadas que se conectam para realizar tarefas de classificação” (SHINOHARA, 2018, p. 41).
Nota-se, pois, que os sistemas de inteligência artificial têm plena capacidade de serem aplicados em campos altamente complexos,[16] tal como no direito, a fim de apresentar soluções práticas aos operadores do direito a partir de seu aprendizado de máquina e oferecer maior agilidade e precisão na realização de diversas atividades.
Apesar do seu alto potencial benéfico, a inteligência artificial traz consigo questões desafiadoras, que podem levar a problemas éticos e jurídicos substanciais[17] – razão pela qual se faz necessária a implementação de princípios éticos e regulamentações para o uso da inteligência artificial.
Um dos principais desafios consiste na problemática dos vieses algorítmicos. Inicialmente, o algoritmo pode ser definido como “uma sequência de instruções codificadas que ensinam a um computador, passo a passo, o que fazer” (CABRAL, 2020, p. 84). Essa programação, como não poderia deixar de ser, é feita por um ser humano, de modo que a inteligência artificial parte do municiamento, ao robô/computador, de inputs e dados determinados pelo programador.
Essa circunstância nos leva a indagar: será que os sistemas de inteligência artificial são interamente isentos e imparciais, considerando que dependem de uma atividade humana preliminar para funcionarem?
Não há como negar a possibilidade de que o indivíduo programador torne a máquina e as soluções por ela propostas enviesadas, uma vez que inevitavelmente refletirá as crenças, entendimentos, escolhas e prioridades do sujeito que as desenvolve.[18] Esse viés pode, muitas vezes, não acarretar nenhuma complicação ao funcionamento do sistema,[19] mas também é passível de causar graves problemas, tais como a reprodução de padrões discriminatórios.
Um exemplo emblemático é o caso do Programa COMPAS (Correctional Offender Management Profiling for Alternative Sanctions), software desenvolvido pela empresa Northpointe nos Estados Unidos, cujo algoritmo era utilizado, dentre outras finalidades, para determinar a probabilidade de reincidência de réus em processos criminais.[20] Em 2016, um estudo constatou que o algoritmo era racialmente enviesado, de maneira preconceituosa, de modo que seria duas vezes mais suscetível a imputar alto índice de potencial reincidência a réus negros, sendo que o que se observou na prática foi menor reincidência por esses réus.[21]
Tem-se, portanto, que “não se pode ignorar, assim, a impossibilidade de isenção completa, até mesmo ao se falar de inteligência artificial e de sistemas que, muitas vezes, são tratados como universais e ‘desenviesados’, porquanto o ponto de partida é sempre uma atividade humana de seleção de informações e dados, os quais refletem, também, o contexto social de quem os produziu” (NUNES; MARQUES, 2018, p. 425).
Outro desafio, específico da área do direito, consiste na atribuição de função decisória às máquinas sem qualquer supervisão humana, posto que “se os códigos-fonte dos programas de computador responsáveis pela confecção das decisões judiciais não forem corretamente desenhados, poderão produzir resultados equivocados, enviesados (biased) ou que tenham desconsiderado aspectos relevantes da controvérsia” (CABRAL, op. cit., p. 88), além de que é quase missão impossível impugnar a decisão desconhecendo o algoritmo e seu funcionamento.[22] Sendo assim:
Conforme já sinalizado anteriormente, por ora, a automação da tomada de decisões judiciais é limitada pela complexidade técnica de se traduzir o Direito em linguagem computacional, mas também pela desconfiança sobre a segurança dos resultados de uma tecnologia ainda muito recente, a impor a precaução como um princípio para a adoção dessa tecnologia em setores tão importantes como a prolação de decisões judiciais. Poucos são aqueles que confiariam a uma máquina o julgamento de uma demanda judicial de que são parte, preferindo que seja decidida por um juiz, apesar da característica falibilidade humana.
Há também que se considerar que o aumento da automação das atividades poderá alterar substancialmente a estrutura dos Tribunais, posto que muitas das atividades que antes eram realizadas por servidores passarão a serem realizadas por máquinas – o que poderá levar a uma relevante redução de pessoal.[23]
Apesar dos desafios, a inteligência artificial não deixa de ser um ativo precioso ao Poder Judiciário brasileiro, considerando os benefícios que pode trazer às suas atividades, relacionados à eficiência, celeridade, redução de custos, dentre diversos outros.
Bem por isso que os sistemas de inteligência artificial estão sendo amplamente adotados pelos Tribunais, sendo que, de acordo com Fábio Ribeiro Porto (2019, p. 40), podemos destacar as seguintes atuações:
(a) auxiliando o Magistrado na realização de atos de constrição (penhora on line, Renajud e outros); (b) auxiliando o Magistrado a identificar os casos de suspensão por decisões em recursos repetitivos, IRDR, Reclamações e etc., possibilitando que o processo seja identificado e suspenso sem esforço humano maior do que aquele baseado em confirmar o que a máquina apontou; (c) auxiliar o Magistrado na degravação de audiências, poupando enorme tempo; (d) auxiliar na classificação adequada dos processos, gerando dados estatísticos mais consistentes; (e) auxiliar o Magistrado na elaboração do relatório dos processos, filtrando as etapas relevantes do processos e sintetizando o mesmo; (f ) auxiliar na identificação de fraudes; (g) auxiliar na identificação de litigante contumaz; (h) auxiliar na identificação de demandas de massa; (i) auxiliar na avaliação de risco (probabilidade/impacto de algo acontecer no futuro); (j) auxiliar na gestão relativa à antecipação de conflitos a partir de dados não estruturados; (k) auxiliar o Magistrado na avaliação da jurisprudência aplicada ao caso; (l) possibilitar uma melhor experiência de atendimento ao usuário: sistemas conversacionais, “chat bot” (atendimento para ouvidoria e Corregedoria); (m) identificar votos divergentes na pauta eletrônica; (n) auxiliar na gestão cartorária, identificando pontos de gargalos, processos paralisados, servidores com menor/maior carga de trabalho; (o) identificar e reunir processos para movimentação em lote, e (p) auxiliar o Magistrado na elaboração de minutas de despachos, decisões e sentenças.
Especificamente, de acordo com o já mencionado estudo realizado pela Fundação Getúlio Vargas (2022), “em sua maioria, tanto os projetos já implantados quanto os que estão em desenvolvimento, concentram-se em tarefas de estruturação de dados, cujo objetivo é aumentar a eficiência do Judiciário. Dentre tais tarefas, destacam-se fluxos de categorização e triagem de processos, automação de fluxos de trabalho, e recuperação e extração de informações”.
O que se tem, portanto, é que os Tribunais brasileiros vêm utilizando os sistemas de inteligência artificial com a principal finalidade de aumentar sua eficiência e resolver a problemática da sobrecarga, seja por meio da execução de tarefas mais simples, como a análise de dados, seja por meio de tarefas mais complexas, como a produção de minutas de decisões.[24]
A propósito, é curioso notar que a maior parte das iniciativas de inteligência artificial foram tomadas pelos Tribunais localizados na região Centro-Oeste do país, especialmente em Brasília.[25]
No que diz respeito ao Supremo Tribunal Federal, até o momento, foram desenvolvidas duas importates iniciativas de inteligência artificial: o Projeto Victor e a ferramente RAFA 2030, que passarão a ser analisados a seguir.
4. A utilização de inteligência artificial no Supremo Tribunal Federal.
Como mencionado, o Supremo Tribunal Federal já desenvolveu e implementou duas iniciativas de inteligência artificial até o momento, e tem como plano de investimento em tecnologia para os próximos anos transformar a Corte em 100% digital e pavimentar caminhos para prospectar outras iniciativas de inteligência artificial.[26]
A primeira iniciativa de inteligência artificial desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal foi implementada há mais de dois anos, ainda em 2020. Trata-se do chamado Projeto Victor – nome atribuído em homenagem ao ex-ministro Victor Nunes Leal, que foi pioneiro na sistematização da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.[27]
Muito embora tenha sido implementado em 2020, o Projeto Victor começou a ser desenvolvido pelo Supremo Tribunal Federal em parceria com a Universidade de Brasília (UnB) anos antes, no final de 2017, durante a gestão da ministra Cármen Lúcia na presidência da Corte.
O problema que o Projeto Victor busca solucionar é simples: por meio da aplicação de métodos de aprendizado de máquina (machine learning) e contando com uma base de dados com cerca de 10 milhões de documentos,[28] a ferramenta objetiva indicar os temas de repercussão geral presentes em recursos submetidos ao Supremo Tribunal Federal.
Nesse contexto, em poucas palavras, o funcionamento do Projeto Victor pode ser assim descrito: “os autos processuais dos feitos recursais remetidos ao STF são submetidos ao modelo, que identifica a presença de um ou mais temas de repercussão geral” (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2022, p. 56).
Mais detalhadamente, seu funcionamento se dá da seguinte maneira:
Utilizando-se da aprendizagem profunda de máquina, a pesquisa viabiliza a automação de análises textuais de processos jurídicos, a partir do uso de algoritmos na identificação de temas de repercussão geral. Isso ocorre baseado em dois modelos de redes neurais: Rede Neural Convolucional (Convolutional Neural Network – CNN) e Modelo Bidirecional de Memória de Longo Prazo (Bidirectional Long Short-Term Memory).[29]
A utilidade da ferramenta é notória, visto que a identificação de temas de repercussão geral é justamente o que delimita a atuação do Supremo Tribunal Federal no julgamento de recursos extraordinários, inclusive com agravo.[30]
Como se sabe, a necessidade de repercussão geral da questão constitucional, para apreciação pelo Supremo Tribunal Federal nos recursos extraordinários, foi introduzida em nosso ordenamento por meio da Emenda Constitucional 45/2004, de modo que o art. 102, § 3°, da Constituição Federal passou a ter a seguinte redação:
Art. 102 (...) § 3º No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) .
Posteriormente, o referido instituto foi regulamentado pela Lei n.º 11.418/2006, que incluiu os arts. 543-A e 543-B no Código de Processo Civil de 1973. Já no Código de Processo Civil de 2015, a repercussão geral é regulamentada no art. 1.035:
Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não tiver repercussão geral, nos termos deste artigo.
§ 1º Para efeito de repercussão geral, será considerada a existência ou não de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.
§ 2º O recorrente deverá demonstrar a existência de repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal.
§ 3º Haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão que:
I - contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal;
II – ( Revogado ); (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)
III - tenha reconhecido a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, nos termos do art. 97 da Constituição Federal .
§ 4º O relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado, nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
§ 5º Reconhecida a repercussão geral, o relator no Supremo Tribunal Federal determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional.
§ 6º O interessado pode requerer, ao presidente ou ao vice-presidente do tribunal de origem, que exclua da decisão de sobrestamento e inadmita o recurso extraordinário que tenha sido interposto intempestivamente, tendo o recorrente o prazo de 5 (cinco) dias para manifestar-se sobre esse requerimento.
§ 7º Da decisão que indeferir o requerimento referido no § 6º ou que aplicar entendimento firmado em regime de repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos caberá agravo interno. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016) (Vigência)
§ 8º Negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica.
§ 9º O recurso que tiver a repercussão geral reconhecida deverá ser julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus .
§ 10. ( Revogado ). (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)
§ 11. A súmula da decisão sobre a repercussão geral constará de ata, que será publicada no diário oficial e valerá como acórdão.
A repercussão geral como requisito de admissiblilidade do recurso objetiva não só delimitar a atuação do Supremo Tribunal Federal, mas também uniformizar a interpretação da Constituição Federal sem que a Corte tenha que analisar e decidir múltiplos casos idênticos.
Muito embora o referido instituto tenha abrandado o problema da sobrecarga do Supremo Tribunal Federal, fato é que não o solucionou, de modo que a Corte continua sobrecarregada. Em consulta realizada ao site do Supremo Tribunal Federal em novembro de 2022,[31] é possível verificar que 824 processos tiveram a repercussão geral reconhecida, sendo que 643 tiveram o mérito julgado.
Nesse contexto, o Projeto Victor foi desenvolvido justamente com a intenção de conferir celeridade à análise da repercussão geral e garantir maior eficiência ao procedimento – tanto que, ao ser anunciada, em 2018, foi consignado que a ferramenta poderia realizar, em 5 segundos, o mesmo trabalho que um servidor faria em 3 horas, de modo que o Projeto Victor poderia gerar a redução de dois anos ou mais de tramitação na fase de reconhecimento de repercussão geral.[32]
Ainda não foi realizado o mapeamento dos resultados da utilização da inteligência artificial no Supremo Tribunal Federal, visto que o sistema ainda se encontra em fase de análise para consolidar o uso em produção.[33]
Todavia, no que diz respeito ao atual estágio dos resultados, foi constatado que a performance inicial da ferramenta é satisfatória, mas carece de aprimoramento para contemplar uma quantidade mais expressiva de temas e aumentar a precisão, além de que a taxa de acerto para temas recentes foi considerada baixa.[34]
A fim de aprimorar a ferramenta, faz-se necessário um acompanhamento detalhado dos resultados obtidos, assim como publicidade e transparência no que diz respeito à alimentação do sistema, especialmente para possibilitar o processo de distinguishing. Sobre o tema:
Determinada a Suspensão Nacional em tema de Repercussão Geral, é possível a realização de processo de distinguishing. O Projeto Victor possui ferramenta para suspensão das ações em território nacional, devendo a distinção ser protocolada mecanicamente, a fim de que seja analisado cada caso concreto e determinada a diferenciação deste com o tema de repercussão geral. Contudo, para isso, é necessário o conhecimento do motivo da determinação da repercussão, pois como critério subjetivo de determinação, a repercussão geral é encargo do julgador. Sendo realizada pelo sistema artificial, ausentes os algoritmos e critérios utilizados para definir a repercussão, dificulta o processo de defesa da diferenciação, interferindo no Princípio do Devido Processo Legal. [35]
Evidente, portanto, a importância do Projeto Victor para o exercício das atividades do Supremo Tribunal Federal, ainda que algumas de suas funcionalidades careçam de aprimoramento, posto que tem potencial para tornar a Corte cada vez mais eficiente e resolver – ou ao menos mitigar – o problema da sobrecarga e da morosidade.
A segunda iniciativa de inteligência artificial desenvolvida pelo Supremo Tribunal Federal, em um esforço que envolveu diversas áreas da Corte, é a ferramenta RAFA 2030 (Redes Artificiais Focadas na Agenda 2030), esta mais recente, lançada em 2022.[36]
A referida ferramenta de inteligência artificial tem como principal finalidade classificar de maneira padronizada as ações judiciais de acordo com os 17 (dezessete) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), de modo que os processos submetidos ao Supremo Tribunal Federal passam a ser classificadas não sob a ótica objetiva do campo do direito, mas sob a ótica do direito humano protegido pela Constituição Federal.
Aqui cabe abrir parênteses para esclarecer em que consiste a Agenda 2030, consistente em um plano de ação que estabelece metas com o objetivo de fomentar desenvolvimento sustentável. De acordo com o Supremo Tribunal Federal[37]:
A Agenda 2030 da ONU é um plano global para atingirmos em 2030 um mundo melhor para todos os povos e nações. A Assembleia Geral das Nações Unidas, realizada em Nova York, em setembro de 2015, com a participação de 193 estados membros, estabeleceu 17 objetivos de desenvolvimento sustentáveis. O compromisso assumido pelos países com a agenda envolve a adoção de medidas ousadas, abrangentes e essenciais para promover o Estado de Direito, os direitos humanos e a responsividade das instituições políticas.
A Agenda 2030 estabeleceu 169 metas universais e 17 (dezessete) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) interconectados, quais sejam: erradicação da pobreza, fome zero e agricultura sustentável, saúde e bem-estar, educação de qualidade, igualdade de gênero, água potável e saneamento, energia acessível e limpa, trabalho decente e crescimento econômico, indústria, inovação e infraestrutura, redução das desigualdades, cidades e comunidades sustentáveis, consumo e produção responsáveis, ação contra a mudança global do clima, vida na água, vida terrestre, paz, justiça e instituições eficazes, parcerias e meios de implementação.[38]
A concretização dos objetivos supracitados, no Brasil, depende da atuação de todos os poderes da República, inclusive do Poder Judiciário e certamente do Supremo Tribunal Federal, na figura de instituição central e mais alta Corte do país. Nas palavras do atual Presidente do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux[39]:
O alinhamento entre a governança do Supremo Tribunal Federal e os objetivos e metas da Agenda 2030 poderá aprimorar o método de identificação das controvérsias jurídicas submetidas ao Supremo Tribunal Federal e o consequente melhoramento da metodologia de classificação, agrupamento e organização dos processos. Dessa forma, poderão ser priorizados os julgamentos de ações sob a sua competência capazes de impactar positivamente os objetivos e as metas da Agenda 2030. Trata-se não só de avanço na internacionalização da Corte como na própria humanização de seus processos institucionais internos.
Foi nesse contexto que se desenvolveu a ferramenta RAFA 2030, não somente como mais um dos passos adotados pelo Supremo Tribunal Federal com a intenção de criar uma Corte 100% digital e, consequentemente, expandir o acesso à justiça, a transparência e a eficiência do Tribunal, mas também como uma das primeiras iniciativas para dar cumprimento aos objetivos propostos na Agenda 2030.[40]
Como visto, a RAFA 2030 utiliza inteligência artificial para classificar os processos de acordo com os objetivos e metas da Agenda 2030. A ferramenta executa suas tarefas por meios dos já mencionados processos de machine learning e deep learning,[41] de modo que adquire aprendizado sem necessidade de programação contínua, utilizando redes neurais profundas e customizadas para tanto.[42] Desta maneira, consegue identificar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 em textos de acórdãos ou de petições iniciais em processos submetidos ao Supremo Tribunal Federal, procedendo com sua classificação a partir daí.
Mais especificamente, a RAFA 2030 executa duas principais tarefas relacionadas à classificação dos processos:
Atualmente, a RAFA se concentra em duas tarefas específicas relacionadas à classificação de processos em ODS da Agenda 2030: classificação automática de grandes conjuntos (lotes) de processos judiciais via aprendizagem de máquina e deep learning e apoio visual e estatístico para classificação individual de processos judiciais. Ambas estão em período de testes atualmente e contam com a curadoria de servidores da área jurídica. A primeira tarefa consiste em utilizar algoritmos de aprendizagem de máquina e deep learning para classificar automaticamente lotes de processos judiciais em ODS da Agenda 2030. O fluxo em si é bastante simples. A área jurídica do tribunal indica conjuntos de peças jurídicas - que podem ser os processos autuados mais recentemente, por exemplo - e a RAFA utiliza textos já etiquetados para treinar e etiquetar as novas entradas. A entrega, neste caso, são as classificações que resultam dos algoritmos ajustados. A segunda tarefa é centrada no desenvolvimento de um aplicativo para apoiar a decisão de classificar uma nova entrada (processo) em ODS da Agenda 2030. Este app conta com diversos gráficos utilizados em processamento de linguagem natural (NLP), além de contagem de palavras-chave e busca de determinadas palavras e leis no contexto da peça jurídica. A entrega, neste caso, é a possibilidade de ajudar o servidor a classificar mais processos jurídicos em menos tempo e com maior qualidade.[43]
A partir da referida classificação, os processos em trâmite perante o Supremo Tribunal Federal passam a ser etiquetados da seguinte maneira: ODS 1 para processos relacionados a erradicação da pobreza; ODS 5 para processos relacionados a igualdade de gênero, sempre em consonância com os 17 (dezessete) Objetivos supracitados.[44]
Dentre as vantagens trazidas pela ferramenta RAFA 2030 pode se citar, além da maior celeridade e eficiência na execução da tarefa de análise e classificação dos processos, a capacidade de padronização da informação. Além disso, a classificação das ações de acordo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 permite a célere identificação de processos prioritários e sua inclusão em pauta de julgamento com maior agilidade.
De acordo com nota divulgada pelo Supremo Tribunal Federal em fevereiro de 2022,[45] após a realização de diversas rodadas de testes, a ferramenta RAFA 2030 apresentou um grau de acurácia elevado, acima de 90% (noventa por cento), a evidenciar seu potencial de contribuir profundamente com a Corte.
De qualquer forma, “a iniciativa não se presta a substituir a análise dos classificadores, mas antes visa combinar a inteligência humana e a artificial para uma classificação acurada e aderente à Agenda 2030 da ONU”.[46]
Nesse contexto, é certo que a classificação apontada pela RAFA 2030 será revisada e validada por seres humanos, a fim de evitar classificações equivocadas ou enviesadas. A partir desta validação humana dos resultados obtidos pela inteligência artificial é que se pode verificar os ajustes que devem ser feitos na ferramenta.
Por meio do presente trabalho, buscamos analisar as iniciativas de inteligência artificial desenvolvidas e implementadas pelo Supremo Tribunal Federal até o momento, a fim de verificar, principalmente, sua capacidade de solucionar os problemas a que se propõem.
Com este objetivo, examinamos os principais e mais relevantes aspectos da utilização de tecnologia pelo Poder Judiciário brasileiro, bem como noções preliminares de inteligência artificial e sua aplicação nos Tribunais, até chegar na análise minuciosa das iniciativas desenvolvidas pelo Supremo Tribunal Federal, a saber, o Projeto Victor e a RAFA 2030.
No que diz respeito à modernização dos Tribunais, foi possível verificar que a justiça brasileira passou por três importantes marcos no que diz respeito à utilização de tecnologia, quais sejam, a digitalização dos processos, a desmaterialização dos procedimentos e a automação das tarefas por meio da inteligência artificial.
Também foi possível concluir que o principal incentivo para a busca e desenvolvimento de tecnologias pelos Tribunais brasileiros foi justamente a ineficiência do Poder Judiciário, causada pela sobrecarga e consequente morosidade no trâmite processual. Nesse contexto, restou evidente que os Tribunais vêm empregando esforços para se modernizar, justamente a fim de garantir maior celeridade e eficiência na tramitação dos processos e observar a garantia fundamento da razoável duração do processo.
Ademais, também verificamos que outro incentivo ao desenvolvimento e implementação de tecnologias no Poder Judiciário foi a pandemia da COVID-19, que fez com que os Tribunais tivessem de desenvolver soluções digitais para dar continuidade ao seu trabalho à distância e minimizar os impactos da pandemia.
Em síntese, verificamos que o Poder Judiciário brasileiro já percorreu um longo caminho no que diz respeito ao desenvolvimento e implementação de tecnologias para garantir sua eficiência, começando pela digitalização dos processos até chegar nos projetos de inteligência artificial - e isso inclui o Supremo Tribunal Federal.
A partir desse ponto, traçamos noções preliminares de inteligência artificial, a fim de tecer um panorama geral do tema e estabelecer uma base para investigar as iniciativas de inteligência artificial desenvolvidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Nesse contexto, foi possível verificiar que a inteligência artificial é tecnologia que não se limita a executar os comandos definidos pelo programador, tal como os sistemas informatizados, mas sim que é capaz de captar e colher informações para adotar condutas que vão além da programação inicialmente definida pelo programador e encontrar soluções aos problemas que lhe são propostos, reproduzindo o pensamento humano.
Também concluímos que, apesar do seu alto potencial benéfico, a inteligência artificial traz consigo questões desafiadoras, que podem levar a problemas éticos e jurídicos substanciais, tal como a problemática dos vieses algorítmicos, segundo a qual as máquinas jamais serão inteiramente isentas, posto que reproduzem padrões estabelecidos por seus desenvolvedores.
De qualquer forma, concluímos que a inteligência artificial não deixa de ser um ativo precioso ao Poder Judiciário brasileiro, considerando os benefícios que pode trazer às suas atividades, relacionados à eficiência, celeridade, redução de custos, dentre diversos outros.
Bem por isso que o Supremo Tribunal Federal, com atitude pioneira, já desenvolveu e implementou duas iniciativas de inteligência artificial: o Projeto Victor e a ferramente RAFA 2030.
Com relação ao Projeto Victor, verificamos que trata-se da primeira iniciativa da Corte, a qual tem como objetivo indicar os temas de repercussão geral presentes em recursos submetidos ao Supremo Tribunal Federal por meio da aplicação de métodos de aprendizado de máquina (machine learning) e contando com uma base de dados com cerca de 10 milhões de documentos.
Também verificamos que o Projeto Victor foi desenvolvido com a intenção de conferir celeridade à análise da repercussão geral e garantir maior eficiência ao procedimento, de grande importâcia para a atuação correta do Supremo Tribunal Federal.
Muito embora ainda não tenha sido realizado o mapeamento completo dos resultados, posto que o sistema ainda se encontra em fase de análise e aprimoramento, já foi possível constatar que a performance inicial do Projeto Victor é satisfatória, de modo que tem grande potencial para tornar a Corte cada vez mais eficiente e resolver – ou ao menos mitigar – o problema da sobrecarga e da morosidade.
Já com relação à ferramenta RAFA 2030 (Redes Artificiais Focadas na Agenda 2030), verificamos que tem como finalidade classificar de maneira padronizada as ações judiciais de acordo com os 17 (dezessete) Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU), de modo que os processos submetidos ao Supremo Tribunal Federal passam a ser classificadas não sob a ótica objetiva do campo do direito, mas sob a ótica do direito humano protegido pela Constituição Federal.
Foi possível concluir que a RAFA 2030 traz diversas vantagens ao Supremo Tribunal Federal, tais como maior celeridade e eficiência na execução da tarefa de análise e classificação dos processos e capacidade de padronização da informação, além de permitir a célere identificação de processos prioritários e sua inclusão em pauta de julgamento com maior agilidade.
No que diz respeito aos resultados, após a realização de diversas rodadas de testes, a ferramenta RAFA 2030 apresentou um grau de acurácia elevado, acima de 90% (noventa por cento), a evidenciar seu potencial de contribuir profundamente com o trabalho da Corte e com o cumprimento das metas estabelecidas na Agenda 2030.
Nota-se, pois, que as iniciativas de inteligência artificial desenvolvidas pelo Supremo Tribunal Federal têm altíssimo potencial para melhorar a eficiência da Corte, conferindo maior celeridade, transparência e precisão às atividades desenvolvidas, podendo se considerar que as ferramentas vêm efetivamente solucionando os problemas que lhe são propostos, especialmente se verificado que os resultados preliminares apurados até o momento são plenamente satisfatórios.
A tendência, portanto, é que as ferramentas sejam consolidadas na Corte e cada vez mais aprimoradas, abrindo caminhos ao desenvolvimento de novas iniciativas de inteligência artificial com potencial de tornar o Supremo Tribunal Federal cada vez mais eficiente.
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[1] Graduada em Direito pela PUC-SP. Mestranda em Direito pela FADUSP
[2] FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Tecnologia Aplicada à Gestão Dos Conflitos No Âmbito Do Poder Judiciário Brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2022. Disponível em: https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_ia_2fase.pdf . Acesso em: 20.11.2022.
[3] “Bem se vê que a intenção latente da Lei n. 11.419/06 é acelerar o procedimento judicial, conferindo a ele maior celeridade e eficácia. Ou seja, o legislador tentou tornar o método de trabalho mais dinâmico, adequando-o aos avanços tecnológicos, de modo a agilizar o procedimento” (LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Duração razoável e informatização do processo nas recentes reformas. In: Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP, v. 6, n.6, 2010. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/21583/15586).
[4] SALDANHA, Alexandre Henrique Tavares; MEDEIROS, Pablo Diego Veras. Processo judicial eletrônico e inclusão digital para acesso à justiça na sociedade da informação. In: Revista de Processo. Vol. 227/2018, p. 541/561. Mar/2018.
[5] CARVALHO FILHO, Antônio. Os atos processuais eletrônicos no CPC/2015. In: Revista de Processo. vol. 262/2016, p. 469 – 481. Dez/2016.
[6] FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. Tecnologia Aplicada à Gestão Dos Conflitos No Âmbito Do Poder Judiciário Brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2020. Disponível em: https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/estudos_e_pesquisas_ia_1afase.pdf. Acesso em: 29.10.2022.
[7] NUNES, Dierle; MARQUES, Ana Luiza Pinto Coelho. Inteligência artificial e direito processual: vieses algorítmicos e os riscos de atribuição de função decisória às máquinas. In: Revista de Processo. Vol. 285/2018, p. 421/447. Nov/2018.
[8] Sobre o tema, Paulo Lucon ensina que “é senso comum que a efetividade do processo está estreitamente relacionada com o seu tempo de duração. Mais ainda: a efetividade do próprio direito material também depende da efetividade do processo.” (LUCON, op. cit., p. 4).
[9] “Essa norma insere-se no denominado Direito Constitucional Processual, consubstanciado num conjunto de normas processuais contidas no texto constitucional. A razoável duração do processo representa um acréscimo em relação ao princípio do acesso à justiça. Isso porque não basta simplesmente dizer que é garantido aos cidadãos o acesso à justiça se ela não for justa e eficaz e a justiça e a eficácia estão, como acima demonstrado, diretamente relacionadas com o tempo de duração do processo. Difícil não é garantir, em relação aos órgãos jurisdicionais estatais, a porta de entrada, mas a porta de saída, com uma solução justa e célere.” (Ibidem, p. 4).
[10] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2022. Brasília: CNJ, 2022. Disponível em https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/. Acesso em 20.11.2022.
[11] “À medida que esse quadro epidemiológico, até então desconhecido, avançou, as rotinas de funcionamento dos tribunais tiveram que ser rapidamente modificadas e, dessa forma, houve impactos inevitáveis no curso dos processos.” (DIAS, Victor Massante. A Covid-19 e seus impactos no processo civil: uma análise sobre o motivo de força maior como ensejador da suspensão do processo e dos prazos, bem como de efeitos obstativos à preclusão. In: Revista de Processo. v. 308, p. 351-368, out.-2020).
[12] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2022. Brasília: CNJ, 2022. Disponível em https://www.cnj.jus.br/pesquisas-judiciarias/justica-em-numeros/. Acesso em 20.11.2022.
[13] “O termo Inteligência Artificial foi cunhado por John McCarthy, Marvin Minsky, Nathaniel Rochester e Claude Shannon em documento datado de 31 de agosto de 1955, intitulado A Proposal for the Dartmouth Summer Research Project on Artificial Intelligence. Trata-se da proposta de realização do primeiro evento científico sobre tema, ocorrido no verão de 1956 no Dartmouth College, que é considerado o marco inaugural do estudo da Inteligência Artificial, organizando-se, a partir daí, como uma ciência autônoma.” (MEDINA, José Miguel Garcia; MARTINS, João Paulo Nery dos Passos. A era da inteligência artificial: as máquinas poderão tomar decisões judiciais? In: Revista dos Tribunais, vol. 1020/2020, p. 311-338, Out/2020).
[14] RUSSELL, Stuart J.; NORVIG, Peter. Artificial Intelligence: A Modern Approach. 2a ed. New Jersey: Prentice Hall, 2003. p. 4.
[15] “Definir inteligência artificial não é fácil. O campo é tão vasto que não pode ficar restrito a uma área específica de pesquisa; é um programa multidisciplinar. Se sua ambição era imitar os processos cognitivos do ser humano, seus objetivos atuais são desenvolver autômatos que resolvam alguns problemas muito melhor que os humanos, por todos os meios disponíveis. Assim, a IA chega à encruzilhada de várias disciplinas: ciência da computação, matemática (lógica, otimização, análise, probabilidades, álgebra linear), ciência cognitiva sem mencionar o conhecimento especializado dos campos aos quais queremos aplicá-la. E os algoritmos que o sustentam baseiam-se em abordagens igualmente variadas: análise semântica, representação simbólica, aprendizagem estatística ou exploratória, redes neurais e assim por diante.” (VILLANI, Cédric. Donner uns sens à li’intelligence artificielle: pour une stratégie nationale et européenne. 2018. Disponível em: https://www.aiforhumanity.fr.
[16] Não obstante, a inteligência artificial também está cada vez mais presente em tarefas simples do dia a dia: “Atualmente, a tecnologia e a inteligência artificial deixaram de ser exclusividade das grandes indústrias para se tornarem produtos disponíveis à maior parte da população, às vezes até sem custos diretos de aquisição, como no caso das redes sociais – Facebook e Instagram –, e é cada vez maior o uso de ferramentas digitais de automatização para a execução de tarefas que até então necessitavam de um agente humano” (NUNES; MARQUES, op. cit., p. 423).
[17] “Danos e violações de direitos fundamentais, sejam imediatos ou potenciais, já são uma realidade resultantes dessas ferramentas, a exemplo da falta de transparência e explicação de resultados, exposição de usuários a violações injustificadas de privacidade e proteção de dados, manipulação inconsciente de comportamento e discriminação.” (MAGRANI; GUEDES, op. cit., p. 79).
[18] “Essas escolhas, portanto, fazem com que sempre haja pontos cegos nos algoritmos, os quais refletem os objetivos, prioridades e concepções de seu criador, de modo que os modelos são, a todo tempo, permeados pela subjetividade do sujeito que os desenvolve” (NUNES; MARQUES, op. cit., p. 424).
[19] O’NEIL, Cathy. Weapons of math destruction: how big data increases inequality and threatens democracy. New York: Crown Publishers, 2016, p. 28.
[20] PROPUBLICA. Machine Bias – There´s Software Used across the Country to Predict Future Criminals. And it´s Biased Against Black. Disponível em: www.propublica.org/article/machine-bias-risk-assessments-in-criminal-sentencing. Acesso em 26.11.2022.
[21] Ibidem.
[22] NUNES; MARQUES, op. cit., p. 428.
[23] “De um lado, tornará ociosa grande parte da força de trabalho de servidores públicos que auxiliam os juízes na produção das decisões e gestão de procedimentos. Isso já tem sido sentido, no Brasil, em relação à atividade-meio dos juízes: a informatização e disseminação de processos eletrônicos faz com que os atos ordinatórios (de movimentação processual) tenham passado a ser elaborados automaticamente pelos sistemas de computador” (CABRAL, op. cit., p. 91).
[24] FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. Tecnologia Aplicada à Gestão Dos Conflitos No Âmbito Do Poder Judiciário Brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2022. Disponível em: https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_ia_2fase.pdf Acesso em: 26.11.2022.
[25] Ibidem, p. 253.
[26] Ibidem, p. 58.
[27] BRAGANÇA, Fernanda; BRAGANÇA, Laurinda Fátima da F. P. G. Revolução 4.0 no Poder Judiciário: Levantamento do Uso de Inteligência Artificial nos Tribunais Brasileiros. In: Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro, [S.l.], v. 23, n. 46, p. 65-76, nov. 2019. ISSN 2177-8337. Disponível em: http://lexcultccjf.trf2.jus.br/index.php/revistasjrj/article/view/256. Acesso em: 26.11.2022.
[28] Apesar do volume relevante da base de dados, ainda são identificados problemas relacionados a peças sem conteúdo textual, peças agrupadas em volumes e qualidade da digitalização (FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS, 2022, p. 57).
[29] ANDRADE. Mariana Dionísio. Inteligência artificial para o rastreamento de ações com repercussão geral: o projeto VICTOR e a realização do princípio da razoável duração do processo. In: Revista Eletrônica de Direito Processual, n. 21, v. 1, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/view/42717. Acesso em 27.11.2022.
[30] De acordo com Rodolfo de Camargo Mancuso: “A exigência da demonstração da repercussão geral da questão constitucional, advinda com a EC n. 45/2004 (§ 3º do art. 102), parece antes vocacionada a operar em sentido excludente, já que sem ela o recurso extraordinário não é admitido (ou, na dicção do art. 543-A, caput, do CPC/73 e do art. 1.035, caput, do CPC/15, ele não é conhecido; ou ainda, cf. o art. 322, caput, do RISTF, à míngua de tal preliminar, tal recurso é recusado)”. (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. In: BUENO, Cassio Scarpinella (coord.). Comentários ao Código de Processo Civil. Volume 4 (Arts. 926 a 1.072). São Paulo: Saraiva, 2017, p. 526).
[31] Disponível em: https://transparencia.stf.jus.br/extensions/repercussao_geral/repercussao_geral.html. Acesso em 27.11.2022.
[32] ANDRADE, op. cit., p. 18.
[33] FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS. Tecnologia Aplicada à Gestão Dos Conflitos No Âmbito Do Poder Judiciário Brasileiro. 2 ed. Rio de Janeiro: FGV, 2022, p. 58 Disponível em: https://ciapj.fgv.br/sites/ciapj.fgv.br/files/relatorio_ia_2fase.pdf Acesso em: 26.11.2022.
[34] Ibidem, p. 57.
[35] ANDRADRE, op. cit., p. 18.
[36] Inteligência artificial permitirá classificação dos processos do STF sob a ótica dos direitos humanos. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 17 de maio de 2022. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=487134&ori=1. Acesso em: 26.11.2022.
[37] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/hotsites/agenda-2030/. Acesso em 27.11.2022.
[38] Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em 27.11.2022.
[39] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/hotsites/agenda-2030/. Acesso em: 27.11.2022.
[40] “Etiquetar processos judiciais de acordo com Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU é um importante passo para incluir a própria Agenda no cotidiano do tribunal, uma vez que tais ODS são citados em votos dos Ministros e podem, no futuro, gerar precedência para temas de maior impacto social”. Disponível em: https://agenda2030rafa.github.io/rafa_documentacao/. Acesso em 27.11.2022.
[41] Como visto, machine learning “é um ramo da ciência da computação, pertencente ao campo da Inteligência Artificial, que possui o objetivo de criar generalizações aplicáveis para casos novos a partir de casos anteriores” (HöFLING, 2022, p. 72), sendo que uma das técnicas da machine learning é a deep learning, “composta por uma rede neural artificial, uma versão matemática de como uma rede neural biológica funciona, composta de camadas que se conectam para realizar tarefas de classificação” (SHINOHARA, 2018, p. 41).
[42] Inteligência artificial permitirá classificação dos processos do STF sob a ótica dos direitos humanos. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 17 de maio de 2022. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=487134&ori=1. Acesso em: 26.11.2022.
[43] Disponível em: https://agenda2030rafa.github.io/rafa_documentacao/. Acesso em 27.11.2022.
[44] Os processos já etiquetados com ODS estão relacionados e disponíveis em https://portal.stf.jus.br/hotsites/agenda-2030/. Acesso em 27.11.2022.
[45] STF desenvolve Inteligência Artificial aplicada à Agenda 2030 da ONU. Supremo Tribunal Federal, Brasília, 18 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=481995&ori=1. Acesso em: 27.11.2022.
[46] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/hotsites/agenda-2030/. Acesso em 27.11.2022.
Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP. MBA em seguros pela FUNENSEG. Mestrando em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUCSP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MATHEUS DE MELLO ADãES, . A utilização de inteligência artificial pelo Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jul 2023, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62212/a-utilizao-de-inteligncia-artificial-pelo-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
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