INTRODUÇÃO
Cuida o presente artigo de trazer um apanhado histórico acerca dos direitos fundamentais e o impacto da recente decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da execução provisória da pena.
Para tanto, é importante compreender a evolução dos direitos ao longo do tempo, que indubitavelmente ocorreu em meio a cenários de revolução e guerra, primeiramente numa intervenção estatal mínima para logo em seguida passar o Estado a provedor dos chamados direitos sociais.
Por fim e ainda hoje, privilegiam-se os chamados direitos referentes à fraternidade humana, consubstanciados em desenvolvimento, meio ambiente saudável e paz, dentre outros afins, visando garantir direitos para si e para o próximo, no presente e para as futuras gerações.
Nesse ínterim, a Constituição Federal de 1988 é tardia historicamente falando, se comparada às constituições do México (1917) e da Alemanha (1919), porém não menos garantista na questão dos direitos fundamentais, aos quais inclusive é vedado o retrocesso e tão somente permitida a ampliação, motivo pelo qual a inédita decisão do STF interpretando o princípio da presunção de inocência no sentido de que é possível a execução provisória da pena, ou seja, ainda antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, merece análise criteriosa.
O trabalho se divide nos seguintes temas: a Constituição enquanto diretriz do sistema jurídico do país e sua supremacia, bem como a forma de mutação constitucional, as gerações de direitos, os direitos fundamentais e a vedação ao retrocesso (efeito cliquet) e, ainda, breves considerações acerca da decisão da Suprema Corte permitindo a pena de prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal.
1 EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CONSTITUIÇÃO E SUA HIERARQUIA PERANTE O ORDENAMENTO JURÍDICO
Um primeiro pensamento a ser abordado antes de adentrar no tema é os vários conceitos de constituição. Nesse sentido, Paulo (2015, p. 4) entende que “A constituição, objeto de estudo do Direito Constitucional, deve ser entendida como lei fundamental e suprema de um Estado, que rege a sua organização político-jurídica”.
A despeito do tema, a fim de uma melhor compreensão, é necessário fazer uma incursão histórica a respeito das principais escolas que se propuseram a estudar esse conteúdo.
Ferdinand Lassalle, expoente da escola sociológica compreendia que a Constituição advinha de um fato social, e não precisamente de uma norma. Assim, a positivação do texto constitucional seria o reflexo da sociedade em determinado momento histórico. Convém trazer à baila o entendimento de Lenza (2010, p. 65):
Valendo-se do sentido sociológico, Ferdinand Lassalle, em seu livro “Qué es uma Constitución?”, defendeu que uma Constituição só seria legítima se representasse o efetivo poder social, refletindo as forças sociais que constituem o poder. Caso isso não ocorresse, ela seria ilegítima, caracterizando-se como uma simples “folha de papel”. A constituição, segundo a conceituação de Lassalle, seria, então, a somatória dos fatores reais do poder dentro de uma sociedade.
Noutra vertente, em sentido político, Carl Schmitt acreditava que a Constituição de um país era o resultado de uma decisão política emanada pelo poder constituinte, podendo ser o povo ou o monarca. Para Puccinelli Júnior (2013, p. 36), “a Constituição seria o resultado da decisão política fundamental de um povo, que recai sobre a estruturação dos poderes estatais, o regime político adotado, a forma de governo, a amplitude dos direitos fundamentais etc”.
Finalmente, Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, aborda o sentido jurídico da Constituição. Para essa conceituação, a Norma Constitucional é pura, sendo fundamental ao Estado e aos preceitos jurídicos de um país, além disso, é parâmetro de validade de todo ordenamento jurídico. Resumidamente, a Constituição, para Kelsen, é um composto de diretrizes jurídicas.
Soa repetitivo, porém importante destacar as palavras de Paulo (2015, p. 7):
Segundo a visão de Hans Kelsen, a validade de uma norma jurídica positivada é completamente independente de sua aceitação pelo sistema de valores sociais vigentes em uma comunidade, tampouco guarda relação com a ordem moral, pelo que não existiria a obrigatoriedade de o Direito coadunar-se aos ditames desta (moral). A ciência do Direito não tem a função de promover a legitimação do ordenamento jurídico com base nos valores sociais existentes, devendo unicamente conhecê-lo e descrevê-lo de forma genérica, hipotética e abstrata.
Além dessa linha de raciocínio, cumpre ressaltar que Kelsen entendia existir uma hierarquia entre as normas do ordenamento jurídico. Para ele, a Constituição seria a Lei Suprema, com objetivo de ser parâmetro para as demais instituições/leis, bem como referência para o convívio social.
Visualmente, o ordenamento jurídico tem forma de uma pirâmide. Com a Constituição no topo, e as demais normas logo abaixo. Dessa forma, uma vez contrariada a Carta Magna se estará diante de uma inconstitucionalidade. A isso, porém, voltaremos mais tarde.
Tendo em vista que a Constituição é a fundamentadora de todos os atos jurídicos inferiores a ela, é necessário que haja formas especificas para a mutabilidade de seu texto. Em termos práticos isso significa que o processo de alteração da Carta Magna não pode/deve ser igual ao método das leis por ela fundamentada.
Assim, a classificação das formas de variabilidade da Constituição leva em consideração o grau de dificuldade para alterá-la. Em suma, quanto maior a estabilidade da Carta Magna, mais dificultoso será o processo de maleabilidade. Essa é a explicação sintética para a Lei Basilar do ordenamento jurídico ser classificada como rígida, flexível ou semirrígida (ou semiflexível).[1]
A respeito do assunto, Puccinelli Júnior (2013, p. 49) proclama o seguinte:
No Brasil, à exceção do texto de 1824 (semiflexível), todos os demais foram rígidos, como o da Constituição atual que prevê um rito mais trabalhoso para modificação de suas normas. Com efeito, a iniciativa para reforma constitucional é restrita (CF/88, art.60), enquanto para elaboração de leis ordinárias ou complementares é geral (CF/88, art. 61). Ademais, as emendas constitucionais são votadas em dois turnos em cada casa congressual e aprovadas por 3/5 de seus membros (CF/88, art. 60, §2º), ao passo que as leis ordinárias (CF/88, art. 47) e complementares (CF/88, art. 69) são aprovadas respectivamente por maioria simples e absoluta em turno único nas duas casas legislativas.
A Constituição Federal de 1988, portanto, é classificada quanto ao seu processo de modificação como sendo rígida, ou seja, cujo procedimento de alteração é diferenciado quando comparado com a legislação ordinária. Para uma mutação constitucional através de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) é necessário quorum de votação qualificado e em dois turnos em cada Casa Legislativa.
Alexandre de Moraes vai além e classifica a CF/88 como super-rígida, porque entende que, não bastasse uma mutação mais rigorosa de seu texto, a Carta Maior possui normas imutáveis, que são as cláusulas pétreas. Segundo ele,
a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como superrígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, § 4º - cláusulas pétreas). (MORAES apud MASSON, 2016, p. 37).
Contudo, em que pese tal entendimento, a doutrina majoritária entende a CF/88 como rígida, nos termos supramencionados. As cláusulas pétreas são a expressão maior na Constituição Federal quando se trata da proteção dos direitos e garantias individuais presentes no artigo 5º e em outras passagens do texto constitucional.
Prevê o artigo 60, em seu § 4º, inciso IV, que não será objeto de deliberação a PEC tendente a abolir direitos e garantias individuais. Conforme doutrina pacificada, de acordo com Nathalia Masson, (2016, p. 126), a expressão “tendente a abolir” contida no referido texto, só se aplica ao núcleo essencial do tema protegido pelo constituinte originário. Sobre este assunto, ademais, voltaremos a tratar posteriormente.
2 O FENÔMENO DA (IN)CONSTITUCIONALIDADE – A SUPREMACIA DA CONSTITUIÇÃO
Uma vez entendidas as razões acima impostas, vale destacar as palavras de Barroso (2011, p. 33), que de forma brilhante ilustra a supremacia da Constituição, vejamos:
Uma das grandes descobertas do pensamento moderno foi a Constituição, entendida como lei superior, vinculante até mesmo para o legislador. A supremacia da Constituição se irradia sobre todas as pessoas, públicas ou privadas, submetidas à ordem jurídica nela fundada. Sem embargo, a teoria da inconstitucionalidade foi desenvolvida levando em conta, destacadamente, os atos emanados dos órgãos de poder e, portanto, públicos por natureza. As condutas privadas violadoras da Constituição são igualmente sancionadas, as por via de instrumentos diversos dos quais são aqui considerados.
E prossegue o referido autor:
A Constituição como norma fundamental do sistema jurídico, regula o modo de produção das leis e demais atos normativos e impõe balizamentos a seu conteúdo. A contrariedade a esses mandamentos deflagra os mecanismos de controle de constitucionalidade aqui estudados.
A fim de ratificar as lições de Barroso, imperioso se faz ressaltar o preceito apresentado por Lenza (2010, p. 195):
Trata-se do princípio da supremacia da constituição, que, nos dizeres do Professor José Afonso da Silva, reputado por Pinto Ferreira com “pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito político”, “significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que conferi validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas”. Desse princípio, continua o mestre, “resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a constituição. As que não forem compatíveis com ela são inválidas, pois a incompatibilidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores.
A partir dessa percepção convém esclarecer, portanto, que a rigidez da Constituição Federal a coloca acima de todos os outros atos de direito. Em síntese, como já explicado, a Carta Magna é o parâmetro que vincula as demais áreas do ordenamento jurídico.
Fixada essa diretriz, em torno dela gravita a necessidade de um controle acerca da real harmonização das normas colocadas em vigência no mundo do direito com a Lei Maior. O esquema desenhado sugere, então, a existência de momentos em que será feita essa análise.
A priori, o controle de constitucionalidade é feito antes de a norma entrar em vigor. O objetivo desse controle, denominado repressivo, é evitar que um ato normativo que claramente contraria a Constituição Federal entre em vigor e, por conseguinte, crie efeitos concretos.
Soa repetitivo, porém, importante apontar a lucidez no discurso de Barroso (2011, p. 67):
Controle prévio ou preventivo é aquele que se realiza anteriormente à conversão de um projeto de lei em lei e visa a impedir que um ato inconstitucional entre em vigor. O órgão de controle, nesse caso, não declara a nulidade da medida, mas propõe a eliminação de eventuais inconstitucionalidades. É, como visto, o modo típico de atuação do Conselho Constitucional francês, sendo também adotado em Portugal. No Brasil há, igualmente, oportunidade pelo controle prévio, de natureza política, desemprenhado:
E continua o autor supramencionado:
(i) pelo Poder Legislativo, no âmbito de comissões de constituição e justiça, existentes nas casas legislativas em geral, que se manifestam, usualmente, no início do procedimento legislativo, acerca da constitucionalidade da espécie normativa em tramitação.
(ii) pelo Poder Executivo, que poderá apor seu veto ao projeto aprovado pela casa legislativa, tendo por fundamento a inconstitucionalidade do ato objeto de deliberação, impedindo, assim, sua conversão em lei (como regra, uma lei nasce com a sanção, isto é, com a ausência do Chefe do Executivo ao projeto aprovado pelo Legislativo).
O ordenamento jurídico reconhece e proclama, ainda, a existência de um controle repressivo realizado pelo Poder Judiciário. Como muito bem ilustrado por Paulo (2015, p. 794):
Há, também, uma hipótese de controle preventivo realizado pelo Poder Judiciário, nos casos de mandado de segurança impetrado por parlamentar com o objetivo de sustar a tramitação de proposta de emenda à Constituição ou de projeto de lei ofensivos à Constituição Federal.
De outra feita, a posteriori, ocorre controle de constitucionalidade quando a norma já adentrou no ordenamento jurídico. Nesse caso, o órgão responsável por analisar a compatibilidade do ato com a Carta Magna é o Judiciário. Essa forma de contenção não visa evitar a entrada de uma aberração jurídica em vigência, aqui ela já entrou em vigor, e o que se busca é a paralisação de seus efeitos.
Acerca do tema tratado, cabe mencionar que existem duas formas de controle constitucional a serem realizadas pelo Judiciário. A primeira é chamada de controle difuso, e a segunda controle concentrado[2]. Uma forma não exclui a outra, sendo que cada uma tem início e formas diferentes de execução.
Além disso, o modo como é realizada essa análise de constitucionalidade da norma divide-se em via incidental (concreto), e via principal (abstrata).
Assim, quando se está diante de um controle por via incidental o objeto da ação é um caso concreto, mas que para ser pacificado é necessário avaliar a compatibilidade de um ato jurídico com a Carta Magna. Outrossim, com relação ao controle abstrato, o que se busca, de fato, é verificar a validade da lei em si, portanto, não há litígio entre partes.
Como bem preceitua Barroso (2011, p. 72) resumidamente em uma frase: “Não se cuida de mecanismo de tutela de direitos subjetivos, mas de preservação da harmonia do sistema jurídico, do qual deverá ser eliminada qualquer forma incompatível com a Constituição”.
Acrescenta-se, por outro lado, que com a Emenda Constitucional nº 03/1993, foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro uma nova espécie de controle concentrado, a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). O objetivo dessa demanda é afastar toda e qualquer dúvida sobre a (in)compatibilidade do ato com a Constituição Federal.
Tal instituto demonstra que as leis e os atos normativos não possuem presunção de validade absoluta. Podem, portanto, serem analisadas através de questionamentos judiciais. Acerca do tema, assevera Paulo (2015, p. 904):
Nessa ação, o autor apenas comparece perante o Supremo Tribunal Federal para pedir que este declare a constitucionalidade de determinada lei ou ato normativo. O seu objetivo é, portanto, abreviar o tempo – em que muitos casos podem ser longo – para obtenção de uma pronúncia do STF sobre a constitucionalidade de certo ato, que esteja originando dissenso nos juízos inferiores, consubstanciando um verdadeiro atalho para encerrar a controvérsia sobre a sua legitimidade.
De acrescentar-se, além disso, que no sistema jurídico brasileiro, existe a possibilidade de alteração do sentido do texto constitucional, sem que haja mudança na letra da Lei Maior. Isso ocorre por conta do fenômeno denominado mutação constitucional.
Em outra vertente, o legislador ordinário no momento de elaboração da Constituição Federal levou em consideração os fatores que influenciavam a sociedade na época. Todavia, o conglomerado social está em constante mudança. O que era considerado normal há 20 (vinte) anos, hoje já não tem o mesmo conceito. É justamente por isso que informalmente os Poderes Legislativos Executivo e, principalmente, o Judiciário, têm o poder de dar nova interpretação ao texto Constitucional.
Nesse sentido, de extrema importância transcrever as lúcidas palavras de Paulo (2015, p. 611):
Sendo um processo informal, paulatino e difuso de modificação, virtualmente todos os atores da comunidade política, sejam os agentes do Estado-poder, sejam os do Estado-comunidade, desempenham um papel mais ou menos relevante nessa obra de alteração silenciosa da Constituição. Por óbvio, merecem maior destaque na efetivação dessas lentas transformações os diversos órgãos encarregados de interpretar e concretizar a Constituição. (Poder Judiciário, Legislativo, Executivo), os quais, entretanto, forçosamente atuam sob influência das pressões oriundas dos grupos organizados da sociedade, das opiniões e construções dos estudiosos da ciência jurídica, das novas aspirações e anseios decorrentes da constante evolução cultural, econômica, politica etc.
[...]
Além da rigidez constitucional, outro fator que favorece sobremaneira a mutação constitucional informal é o caráter altamente abstrato e a textura aberta de grande parte das normas constitucionais. Essa característica das normas constitucionais deixa um razoável espaço de atuação aos agentes densificadores e concretizadores da Constituição, que têm a possibilidade de, sem deturpar ou afrontar a letra do Texto Maior, conferir-lhe sentido não previsto na ocasião da sua elaboração, porém condizente com as modificações da realidade que desde então se verificam.
Apresentados todos esses contornos, cabe trazer à tona que em 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal, STF, julgou, por maioria dos votos, em sede de HC 126.292 a possiblidade de início do cumprimento da reprimenda após a confirmação da condenação em segunda instância. Fica evidente, portanto, que a Corte Máxima do Judiciário brasileiro se utilizou do fenômeno da modulação da Carta Magna.
Em outra vertente, o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal aduz: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Entretanto, após a decisão do STF, aqueles que forem condenados em segunda instância, mesmo que recorram, isto é, ainda que não tenha ocorrido o trânsito em julgado da decisão, poderão iniciar o cumprimento de pena.
Nessa linha de abordagem, após a decisão prolatada pela Corte Suprema, gerou-se uma instabilidade muito grande na esfera de execuções penais. Dessa forma, o Partido Nacional Ecológico (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), pediram a concessão de medida cautelar e, por conseguinte, a suspensão da execução antecipada da pena dos acórdãos proclamados em segunda instância.
O Supremo Tribunal Federal manteve o entendimento de que não fere o Texto Constitucional o início do cumprimento da reprimenda sem ao menos ter transitado em julgado da decisão.
Acerca do tema, o site do STF traz uma síntese do voto do Ministro Fachin:
Fachin destacou que a Constituição não tem a finalidade de outorgar uma terceira ou quarta chance para a revisão de uma decisão com a qual o réu não se conforma e considera injusta. Para ele, o acesso individual às instâncias extraordinárias visa a propiciar ao STF e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) exercer seus papéis de uniformizadores da interpretação das normas constitucionais e do direito infraconstitucional. Segundo ele, retomar o entendimento anterior ao julgamento do HC 126292 não é a solução adequada e não se coaduna com as competências atribuídas pela Constituição às cortes superiores. Por fim, afastou o argumento de irretroatividade do entendimento jurisprudencial prejudicial ao réu, entendendo que tais regras se aplicam apenas às leis penais, mas não à jurisprudência.
Imprescindível se faz ponderar que a decisão do STF no HC decorreu do controle difuso de constitucionalidade. E mais, com a ADC 43 e 44 (controle concentrado), ocorreu uma nova interpretação da Lei Maior, ou seja, modulação.
Conquanto a decisão do STF tenha resguardo no ordenamento jurídico, deve-se ponderar que no direito brasileiro todo e qualquer raciocínio jurídico está obrigado a utilizar-se da hermenêutica. Quer dizer, não se pode isolar um dispositivo e ignorar todo o resto.
Como é sabido, a Constituição Brasileira outorga várias direitos e garantias fundamentais. E, por determinação da própria Carta Magna, o STF é o guardião de seu texto. Em que pese todos esses fatores, a decisão do Supremo Tribunal Federal merece ser analisada mais profundamente, juntamente com as possíveis formas de alteração no texto constitucional.
O que se depreende, até então, é o questionamento: o STF tornou uma interpretação inconstitucional constitucional através desses julgamentos?
3 DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA EVOLUÇÃO
É preciso entender, antes de qualquer coisa, que os direitos fundamentais tiveram um longo processo de formação para chegar ao que são hoje. Levando isso em consideração, presume-se que a sua evolução sempre será continua. O desenvolvimento da sociedade, de um modo geral, alavanca o (des)aperfeiçoamento os direitos e garantias individuais e coletivos.
Dito isso, é importante determinar que a doutrina costuma classificar a evolução dos direitos fundamentais em gerações. Destaca-se, nesse ponto, que atualmente os estudiosos do direito vêm utilizando a expressão dimensão, tendo em vista que esta traz uma abrangência maior e mais completa ao que se estuda.
Dessa forma, cabe frisar que a primeira dimensão é intitulada de direito negativo ou liberdade negativa. O marco desse ciclo foi a Carta Magna de 1215, apesar de na época existirem outros documentos tão importantes quanto, assinada pelo Rei “João Sem Terra”. No documento foi a primeira vez na história em que se ouviu falar em habeas corpus, devido processo legal e, principalmente, direito de propriedade. Fica evidente, portanto, que os direitos negativos visavam diminuir (ou anular por completo) a interferência do Estado na sociedade, num ideal de liberdade.
Já o estopim da segunda dimensão de direitos é a Revolução Industrial europeia, no século XIX. A partir de então várias outras reivindicações e movimentos eclodiram. O objetivo principal dessas demandas era diminuir a desigualdade social provocada pelo sistema, dentre todas as causas, destacam-se as péssimas condições de trabalho, bem como a falta de estrutura primária de uma sociedade. O que se buscava e, consequentemente, se estabeleceu, eram o direitos sociais, privilegiando a igualdade material.
Finalmente, após a Segunda Guerra Mundial, a comunidade internacional sofreu mudanças gigantescas. Houve uma massificação da sociedade, avanços tecnológicos e científicos, etc.. Junto com o crescimento descontrolado de todo o contexto social surgem novos problemas[3], tais como a dificuldades nas relações de consumo e o preservacionismo ambiental.
Nessa época surge o termo globalização, pois o mundo passava a se conectar como nunca antes e, com isso, é necessário montar um sistema capaz de intermediar essas relações. Surgem os chamados direitos difusos e coletivos. Contextualizando tudo em uma frase, Lenza (2010, p. 740) aduz: “O ser humano é inserido em uma coletividade e passa a ter direitos de solidariedade”.
Mostra-se oportuno e conveniente apresentar as lições de Sarlet (2009, p. 45):
Desde o seu reconhecimento nas primeiras Constituições, os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, tanto no que diz com seu conteúdo, quanto no que concerne à sua titularidade, eficácia e efetivação. Costuma-se, neste contexto marcado pela autêntica mutação histórica experimentada pelos direitos fundamentais, falar da existência de três gerações de direitos, havendo inclusive, quem defenda a existência de uma quarta e até mesmo de uma quinta e sexta gerações. Num primeiro momento é de se ressaltarem as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo gerações por parte da doutrina alienígena e nacional. Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementariedade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões” dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por partilhar, na esteira da mais moderna doutrina. Neste contexto, aludiu-se, entre nós, de forma notadamente irônica, ao que se chama de “fantasia das chamadas gerações de direitos”, que, além da imprecisão terminológica já consignada, conduz ao entendimento equivocado de que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo, não se encontrando em permanente processo de expansão, cumulação e fortalecimento. Ressalta-se, todavia, que a discordância reside essencialmente na esfera terminológica, havendo, em princípio, consenso no que diz com o conteúdo das respectivas dimensões e “gerações” de direitos.
O que se pretende demonstrar, feita essa apuração, é que os direitos fundamentais elencados na Constituição Federal de 1988 passaram por um longo e lento processo de formação que ainda não acabou e crê-se que não findará. Deve-se ressaltar que a Carta Magna foi elaborada após um período ditatorial e é justamente por isso que ela é prolixa e, por conseguinte, com mutações mais rigorosas (classificada como rígida).
Adentrando neste contexto, os denominados direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro são considerados cláusulas pétreas. Isso significa que, em hipótese alguma, esses direitos podem ser diminuídos ou retirados do texto constitucional. Todavia, é possível ampliá-los.
Quando se fala especificamente do artigo 5º, inciso LVII, da Lei Maior – “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória” – estamos falando de um direito fundamental, fruto de um longo processo histórico e político e, consequentemente, de uma cláusula pétrea.
3.1 As cláusulas pétreas na jurisprudência e a mutação constitucional
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 2024/DF, cujo relator foi o ministro Sepúlveda Pertence, entendeu que
as limitações materiais ao poder constituinte de reforma que o art. 60, § 4º, da CF enumera não significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e institutos cuja preservação nelas se protege.
Por outro lado, é plenamente possível que as cláusulas pétreas poderão ser objeto de emenda no intuito de ampliar o seu alcance. Nesse sentido a lição de Nathalia Masson, quando afirma que
não menos importante, vale lembrar que as cláusulas pétreas poderão, obviamente, ser objeto válido de emendas constitucionais quando estas possuírem o intuito de ampliar ou sofisticar os assuntos relacionados no § 4º, art. 60, CF/88. [...] o que nos comprova que uma emenda pode sim ter por objeto direitos individuais (ou qualquer outra cláusula pétrea), desde que não tenha a pretensão de abolir ou reduzir o núcleo essencial do tema (2016, p.127)
Como visto, a Constituição Federal, enquanto Lei Maior do País, visa, com um procedimento mais denso de mutação e com a existência de cláusulas pétreas, evitar que os direitos fundamentais sejam minimizados por meio de projetos de emenda que venham, porventura, a diminuir ou suprimir direitos e garantias.
Contra essas reformulações que visam lesionar as cláusulas pétreas contidas na CF/88, o Judiciário pode ser acionado para que, através de controle judicial preventivo de constitucionalidade, analise a constitucionalidade do projeto de emenda.
Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial, conforme se extrai do julgamento das ADI 2.356 MC e ADI 2.362 MC, cujo relator foi o ministro Ayres Britto:
A eficácia das regras jurídicas produzidas pelo poder constituinte (redundantemente chamado de "originário") não está sujeita a nenhuma limitação normativa, seja de ordem material, seja formal, porque provém do exercício de um poder de fato ou suprapositivo. Já as normas produzidas pelo poder reformador, essas têm sua validez e eficácia condicionadas à legitimação que recebam da ordem constitucional. Daí a necessária obediência das emendas constitucionais às chamadas cláusulas pétreas.
No caso de propostas de emenda à Constituição, a doutrina ressalta que o texto constitucional expressa essa possibilidade de controle prévio, no caso das emendas, afinal, “se não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir as cláusulas pétreas, é porque sequer poderá ser discutida uma proposta que ocasione (ou tencione) ocasionar referida abolição” (MASSON, 2016, f. 127).
3.2 A vedação ao retrocesso ou efeito cliquet
Nessa toada, convém lembrar a existência da denominada teoria da proibição ou vedação ao retrocesso, ou o efeito cliquet, que, na lição de Nathalia Masson, foi acolhida pelo Direito Constitucional pátrio para “impedir a edição de qualquer medida tendente a revogar ou reduzir os direitos sociais já regulamentados e efetivados sem que haja a criação de algum outro mecanismo alternativo” compensatório (2016, p. 326).
Canotilho, no mesmo sentido, afirma que sem a criação de meios compensadores dos direitos não há como julgar constitucional qualquer medida que tenda a revogar direitos já regulamentados (2002, p. 336).
4 O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA NA CF/88 E DOCUMENTOS INTERNACIONAIS
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, em seu inciso LVII, trata da presunção de inocência entre o rol de direitos e garantias fundamentais, ou, nas palavras de Eugênio Pacelli de Oliveira (apud MOREIRA ALVES, 2016, p. 38), da situação jurídica de inocência, já que esta é presumida desde que o indivíduo nasce e deve persistir até que haja o trânsito em julgado da sentença condenatória.
Ainda, tal direito está amparado pela Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), bem como está presente na Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Nesse ínterim, Cesare Beccaria, conforme relembra Renato Brasileiro de Lima em sua obra (2016, p. 43), afirma que “um homem não pode ser chamado réu antes da sentença do juiz e a sociedade só lhe pode retirar a proteção pública após ter decidido que ele violou os pactos por meio dos quais ela lhe foi outorgada”.
Lima conceitua o princípio da presunção de inocência, ou não-culpabilidade, como sendo o
direito de não ser declarado culpado senão mediante sentença transitada em julgado, ao término do devido processo legal, em que o acusado tenha se utilizado de todos os meios de prova pertinentes para sua defesa (ampla defesa) e para a destruição da credibilidade das provas apresentadas pela acusação (contraditório) (2016, p. 43).
O autor pontua que a Constituição Federal “é claríssima” quando estabelece que o estado de inocência só poderá deixar de ser quando do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e que inclusive a Lei Maior do país é mais abrangente que o texto oriundo do Pacto de São José da Costa Rica, este pontuando que a presunção de inocência poderia deixar de ser aplicada antes do trânsito em julgado.
Tal princípio está insculpido em três pilares, segundo Moreira Alves (2016, p. 38), quais sejam, o de que o ônus da prova cabe a quem acusa, à excepcionalidade das prisões cautelares e, assim como nessas, toda medida que restrinja os direitos individuais deve ser decretada apenas como ultima ratio, nos termos da nova redação dada ao artigo 282, § 6º, do Código de Processo Penal por meio da Lei 12.403/11. Na mesma linha o artigo 283 do CPP.
4.1 O posicionamento majoritário do STF no julgamento do HC 126.292
Na data de 17 de fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 126.292/SP, o qual, em síntese, buscava afastar mandado de prisão expedido pelo TJ/SP no caso de um ajudante-geral condenado a 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão pelo cometimento do crime de roubo qualificado em sentença de primeiro grau decidiu, de forma inédita, pela constitucionalidade da execução provisória de pena privativa de liberdade.
Após negado o pedido liminar em HC apresentado ao STJ, foi impetrado HC no STF, cuja defesa do paciente considerou a expedição de mandado de prisão sem o trânsito em julgado da sentença condenatória como uma afronta à jurisprudência da Corte e ao princípio de presunção de inocência.
Sem dúvida alguma, o mais importante fundamento que levou o Pretório Excelso a acolher este posicionamento foi a celeridade processual. É que, no entender deste Tribunal, a imensa demora no julgamento dos recursos especial e extraordinário por parte, respectivamente, do STJ e do STF, fazia com que houvesse o indesejado retardo na formação da coisa julgado, o que, por seu turno, atrasava o cumprimento da pena de prisão e, muitas vezes, até mesmo impedia tal cumprimento, já que era frequente a incidência da prescrição. Assim, levando em consideração que nenhuma garantia constitucional é absoluta, a presunção de inocência, a ampla defesa e o próprio acesso ao duplo grau de jurisdição não poderiam servir como obstáculos para o cumprimento de uma pena já confirmada em grau recursal (segunda instância) (ALVES, 2016, p. 39-40).
Em síntese, em tal julgamento, cujo relator foi o ministro Teori Zavascki, sete dos onze ministros do Supremo decidiram que o princípio da presunção de inocência não é comprometido pela execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que caibam os recursos especial ou extraordinário.
A decisão contraria o pensamento da Corte emitido no julgamento do HC 84.078 em 2009, de que “enquanto não houver o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, não é possível a execução da pena privativa de liberdade, ressalvada a hipótese de prisão cautelar do réu, cuja decretação está condicionada à presença dos pressupostos do art. 312 do CPP” (LIMA, 2016, p. 46).
4.2 Ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44 e a interpretação conforme a CF
Após a primeira decisão da Corte, em fevereiro de 2016, o Partido Ecológico Nacional (PEN) e a OAB, por meio de seu Conselho Federal, ajuizaram as Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44 visando declarar constitucional o artigo 283 do Código de Processo Penal, cuja redação foi renovada com o advento da Lei 12.403/2011.
Referido artigo do CPP possui redação semelhante à constante no artigo 5º, quanto à prisão somente ser decorrente de sentença condenatória transitada em julgado ou, se for o caso, advinda de flagrante ou mesmo as cautelares, que acontecem durante a investigação ou na fase processual, sempre como ultima ratio, considerando que ninguém é culpado até que uma sentença definitiva o diga. Tais ações levantaram o seguinte questionamento: houve realmente uma interpretação conforme a Constituição do artigo 283 do CPP? Ou a interpretação levou em conta outros parâmetros que não o teor do texto constitucional?
Cabe, ainda, outra reflexão acerca do papel do Judiciário, em especial do Supremo Tribunal Federal enquanto guardião da Constituição, na interpretação mais recente do princípio da presunção de inocência.
O STF, ao exercer o controle de constitucionalidade no julgamento do referido HC e, assim, vincular o Judiciário e demais poderes a essa decisão, realmente agiu considerando a Constituição enquanto Lei Maior do Estado Brasileiro? Ou o fez pelo clamor público, o que ele mesmo já decidiu não ser motivo ensejante para a prisão preventiva, por exemplo?[4]
A influência do clamor popular restou comprovada no voto da ministra Cármen Lúcia, quando afirmou que “a comunidade quer uma resposta, e quer obtê-la com uma duração razoável do processo”, ou ainda no voto do relator, ministro Teori Zavascki, ao ressaltar que “a dignidade defensiva dos acusados deve ser calibrada, em termos de processo, a partir das expectativas mínimas de justiça depositadas no sistema criminal do país”.
Por outro lado, ao lado dos votos vencidos, o ministro Celso de Mello defendeu claramente a vedação ao retrocesso, quando afirmou que a revisão da jurisprudência firmada em 2009 “reflete preocupante inflexão hermenêutica de índole regressista no plano sensível dos direitos e garantias individuais, retardando o avanço de uma agenda judiciária concretizadora das liberdades fundamentais”.
O assunto voltou à pauta do Supremo no mês de outubro de 2016, quando os ministros cujos votos foram maioria afirmaram que o texto contido no artigo 283 do CPP não impede a execução provisória da pena. Do mesmo modo, no início do mês de novembro de 2016, quando decisão semelhante foi tomada na análise do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 964246, com repercussão geral reconhecida.
O posicionamento recebeu crítica relevante, além dos já citados PEN e OAB e outros, do jurista Lenio Luiz Streck, que em artigo de opinião levantou o fato de que, em nenhum momento, os ministros afirmaram a inconstitucionalidade do artigo 283 do CPP, contudo falaram de interpretá-lo conforme a Constituição, mas há uma dissonância, considerando que ambos os textos têm o mesmo teor.
Como visto, apesar de decisão da maioria dos ministros da Corte, a execução provisória da pena, antes da sentença transitar em julgado, ainda será objeto de muitos debates, dentro e fora do Plenário. Se por um lado há quem veja tal decisão como moralizante e que há de pôr fim a recursos intermináveis, por outro há aqueles que considerando o artigo 5º, inciso LVII, da CF/88 e o artigo 283 do CPP, os veem exatamente como são, uma arma contra decisões desarrazoadas, contra a prisão em qualquer situação, que gera condenação prévia de, em alguns casos, inocentes, e a superlotação nas cadeias brasileiras.
Conforme divulgado pelo CNJ, o anuário Justiça em Números 2016 mostrou que em 2015, quase o dobro de penas privativas de liberdade começaram a ser cumpridas no País: de 148 mil em 2009, passaram a 281.007 em 2015. O Brasil tem a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 600.000 presos, que custam individualmente ao Estado mais do que um estudante, este ao custo mínimo ao ano de R$ 2.739,80, segundo o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação). Da forma como o entendimento do STF ‘avança’, a tendência é que esse número aumente.
Como visto, é muito claro que o Supremo Tribunal Federal interpretou como constitucional uma inconstitucionalidade. De tudo o que até agora se expôs, resta claro que a presunção de inocência, no ordenamento jurídico brasileiro, é uma cláusula pétrea, portanto, não admite retrocesso, somente uma ampliação, o que não ocorreu no caso em tela. A decisão do STF, enfim, significa uma regressão em todo o sistema penal brasileiro e uma afronta à Constituição enquanto cume da pirâmide normativa.
CONCLUSÃO
Quando se trata de Constituição, se trata de norma fundamental, cume da pirâmide normativa de um país, devendo a Lei Maior ser o parâmetro para a feitura e interpretação de todas as demais legislações pátrias.
A Constituição Federal de 1988, a qual possui uma de suas classificações como rígida – inclusive com autor defendendo uma super-rigidez da Carta, devido à existência de cláusulas pétreas -, tem como um de seus princípios a presunção de inocência ou da não-culpabilidade, ou seja, até que haja uma sentença penal definitiva não há que se falar em culpado ou execução da pena.
Esse era o entendimento do Supremo Tribunal Federal até 2009, quando a Corte afirmou que não era permitida a execução provisória da pena, sendo a prisão somente admitida na forma cautelar. Em fevereiro de 2016, contudo, o STF mudou o entendimento e passou a admitir a prisão do acusado quando já houver decisão de 2ª instância, ainda que os recursos não se tenham esgotado.
Desse modo, ainda que sob a égide de interpretar a Constituição, no que se denomina interpretação conforme, a Corte vai de encontro ao progresso dos direitos, ignorando a vedação ao retrocesso, tão em voga nos tempos modernos em que se busca a defesa de minorias e dos direitos humanos como um todo.
No mais, como visto, o STF, a pretexto de interpretar, não o fez conforme o princípio constitucional e não respondeu ao que se questionava, no tocante à constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Civil, já que este diz exatamente o que está no princípio insculpido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal de 1988.
Ao que parece, a Corte sucumbiu ao clamor popular que muitas vezes ela mesma criticou e, como resposta a uma legislação e execução penal que deixa a desejar aos olhos da sociedade, muitas vezes mal ou equivocadamente informada pela mídia brasileira, resolveu punir àqueles que ainda respondem a um processo penal, mas não receberam uma decisão condenatória terminativa.
Em tempos de ódio gratuito nas redes sociais e nas ruas e de grave crise nos Poderes constituídos, especialmente no Executivo e no Legislativo, a nova jurisprudência veio como mais um motivo para a insegurança jurídica dos direitos de fraternidade proclamados como sendo de terceira geração por Norberto Bobbio. Fraternidade para quê e para quem?
REFERÊNCIAS
ALVES, Leonardo Barreto Moreira. Processo penal: parte geral. Coleção Sinopses para Concursos. 6ª ed. rev. e atual. Salvador: Juspodivm, 2016.
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[1] Em síntese, as Constituições podem ser, no que diz respeito a sua mutabilidade: rígidas, flexíveis e semirrígida (ou semiflexível). Paulo (2015, pág. 17), aduz que a constituição rígida demanda um processo legislativo mais complexo que as demais normas para ter seu texto alterado. Outrossim, a Carta Magna flexível é tão maleável quanto as demais normas do ordenamento jurídico, isto é, o texto constitucional pode ser alterado com a mesma simplicidade que uma lei ordinária. Finamente, a Carta Política semirrígida (ou semiflexível) possui características das duas formas apresentadas; em outras palavras, em parte de seus dispositivos a Lei Maior exige um processo mais intrincado, e nos demais artigos, ela aceita um método mais trivial.
[2] No que diz respeito a definição dos controles difusos e concentrada é essencial realçar as lições de Barroso (2011, pág. 69): “Do ponto de vista subjetivo ou orgânico, o controle judicial de constitucionalidade poderá ser, em primeiro lugar, difuso. Diz-se que o controle é difuso quando se permite a todo e qualquer juiz ou tribunal o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma e, consequentemente, sua não aplicação ao caso concreto levado ao conhecimento da corte. [...]
No sistema concentrado, o controle de constitucionalidade é exercido por um único órgão ou por um número limitado de órgãos criados especificamente para esse fim ou tendo nessa atividade sua função principal. É o modelo dos tribunais constitucionais europeus, também denominado sistema austríaco”.
[3] Na realidade, todos esses problemas já existiam. Todavia, tornaram-se causa de demanda apenas nessa época.
[4] “O CLAMOR PÚBLICO NÃO CONSTITUI FATOR DE LEGITIMAÇÃO DA PRIVAÇÃO CAUTELAR DA LIBERDADE. O estado de comoção social e de eventual indignação popular, motivado pela repercussão da prática da infração penal, não pode justificar, só por si, a decretação da prisão cautelar do suposto autor do comportamento delituoso, sob pena de completa e grave aniquilação do postulado fundamental da liberdade.
O clamor público - precisamente por não constituir causa legal de justificação da prisão processual (CPP, art. 312) - não se qualifica como fator de legitimação da privação cautelar da liberdade do indiciado ou do réu, não sendo lícito pretender-se, nessa matéria, por incabível, a aplicação analógica do que se contém no art. 323, V, do CPP, que concerne, exclusivamente, ao tema da fiança criminal. Precedentes.” (RTJ 187/933-934, Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgamento em 10/03/2009).
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário da Grande Dourados (UNIGRAN) e especialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CRUZ, Felipe Augusto da. Interpretação (in)constitucional: uma análise da execução provisória da pena frente ao efeito cliquet Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 ago 2023, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62448/interpretao-in-constitucional-uma-anlise-da-execuo-provisria-da-pena-frente-ao-efeito-cliquet. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Nathalia Sousa França
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
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Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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