RESUMO: Trata-se de artigo jurídico no âmbito do direito processual civil, consistente na análise doutrinária e jurisprudencial sobre a natureza jurídica do interesse de agir e da legitimidade ad causam, a luz do Novo Código de Processo Civil. Utilizou-se, para tanto, da pesquisa bibliográfica, com consultas a livros, legislação e decisões judiciais pertinentes. Objetivou-se com o trabalho a sistematização crítica da doutrina, a fim de fomentar as várias discussões acadêmicas acerca do tema.
Palavras chaves: Interesse. Legitimidade. Condição da Ação. Pressuposto Processual.
1- INTRODUÇÃO
Com a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, positivado pela Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, diversos institutos jurídicos foram revistos, o que despertou intenso debate na comunidade jurídica. Nesse contexto, inserem-se o interesse de agir e a legitimidade ad causam.
Na égide do Código de Processo Civil de 1973, o interesse e legitimidade, ao lado da possibilidade jurídica do pedido, eram compreendidos como condições da ação, conforme se nota do art. 267, VI, do aludido digesto processual. Contudo, com advento do Novo Código de Processo Civil, não há menção expressa nesse sentido. Isso despertou certa divergência doutrinária a respeito da natureza jurídica desses institutos.
Nessa toada, a justificativa do trabalho cinge-se justamente na compreensão doutrinária e jurisprudencial sobre o tema. Assim, o presente trabalho propõe sistematizar os principais pontos doutrinários e decisões sobre a temática, com os devidos apontamentos.
O artigo abordará num primeiro momento a compreensão das condições da ação, na égide do Código de Processo Civil de 1973. Depois, análise crítica dos elementos do interesse e da legitimidade na conformidade do Novo Código de Processo Civil. Ao fim, as considerações finais.
2 - PANORAMA DAS CONDIÇÕES DA AÇÃO SOB A ÉGIDE DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
O Código de Processo Civil de 1973, conforme anota a doutrina, sofreu forte influência do doutrinador italiano Enrico Tullio Liebman[1], sobretudo em relação à compreensão do direito de ação. Desta feita, entendeu-se a ação como sendo: “o direito público, subjetivo, autônomo, abstrato, condicionado e instrumental de provocar a atividade jurisdicional”[2].
Contudo, o exercício do direito de ação não era totalmente abstrato. Era preciso o preenchimento das condições da ação, para seu efetivo exercício: possibilidade jurídica, legitimidade das partes e interesse processual, sob pena extinção do processo sem resolução do mérito, conforme previsto no art. 267, VI, do Código de Processo Civil de 1973[3].
Isso se deu em razão da adoção da teoria eclética, idealizada por Libeman e defendida por seus discípulos, na chamada “Escola Paulista do Processo Civil”, sendo que o “direito de ação surge como direito a uma resposta de mérito”[4], deferindo ou indeferido a pretensão formulada.
Apesar do brilhantismo da doutrina de Libeman, a teoria foi alvo de críticas[5]. Nesse contexto, parcela da doutrina defendia que tais elementos fossem analisados ou como pressupostos processuais ou como mérito[6], ou seja, seriam examinados pela ótica do binômino pressupostos processuais-mérito, sendo que o conceito de condição da ação “seria eliminado”[7].
Nessa senda, a teoria de Libeman foi revista pelo próprio doutrinador italiano, na 3ª Edição da sua obra Manual de Direito Processual Civil, tendo excluída a possibilidade jurídica como condição de ação autônoma[8], tendo-a incluída no conteúdo do interesse de agir. Assim, na ausência da possibilidade jurídica do pedido, a ação continuaria sendo extinta sem resolução do mérito, mas agora “por falta de interesse de agir”[9].
3- Interesse e Legitimidade, sob a égide do Código de Processo Civil de 2015 (Lei Nº 13.105/2015): pressuposto ou condição da ação
3.1- Interesse e Legitimidade como pressupostos processuais
Diferente do Código de Processo Civil anterior (1973), o atual Código de Processo Civil não trouxe a expressão “condição da ação” de forma expressa. Eis o texto do art. 17 do novo diploma processual: “Para postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”.
Nesse contexto, parte da doutrina passou a entender que o atual texto processual não teria adotado a teoria de Liebman, consistente na existência de condições da ação para o exercício do direito de ação, com destaque para o Professor Fredie Didier Júnior[10]. Todavia, teria adotado tais elementos como pressupostos processuais.
Considera-se pressuposto processual, conforme orientação de Didier, como sendo “todos os elementos de existência, os requisitos de validade e as condições de eficácia do procedimento, que é ato-complexo de formação sucessiva”[11]. Já Marcus Vinícius Rios Gonçalves aponta que “o processo deve preencher requisitos, para que possa ter um desenvolvimento regular e válido”[12], devendo primeiro Juiz examinar dos pressupostos processuais e depois das condições da ação[13].
Voltado aos ensinamentos de Didier, mesmo na antiga legislação processual, a existência das condições da ação já era alvo de crítica da doutrina. Para Didier, citando Cândido Dinamarco, deveria se adotar um binômio de “questões: admissibilidade e mérito”, onde “Tais questões serias examinadas ou como questões de mérito (possibilidade jurídica do pedido e legitimidade ad causamI ordinária) ou como pressupostos processuais (interesse de agir e legitimação extraordinária)”[14].
Com efeito, Didier alega que há pelo menos duas razões para não se aceitar interesse e legitimidade como condições de ação. A uma, em razão da inexistência da possibilidade jurídica do pedido, que passar a examinada como “hipótese de improcedência liminar do pedido”[15]. A duas, pela ausência da “expressão carência de ação”[16].
3.2 - Interesse e Legitimidade como condições da ação
Se por um lado, parcela da doutrina entende pela inexistência de condições da ação para o exercício do direito de ação. Por outro lado, outra parcela ainda aponta pela sua atual existência, como requisito para proferimento de uma decisão de mérito.
Sobre o ponto, Alexandre Freitas Câmara afirma: “O exercício do direito de ação será regular se preenchidos dois requisitos, tradicionalmente conhecidos como “condição da ação”: legitimidade e interesse (art. 17)”[17]. E não é o único a dizer isso.
Nessa mesma esteira, Marcus Vinícius Rios Gonçalves entende, “ainda que a expressão “condição da ação”, de fato, não seja utilizada, (...) a lei processual continua adotando a teoria abstrativista eclética, mantendo a exigência do preenchimento das condições da ação”[18].
Note-se que Rios Gonçalves rebate a posição de Didier, consistente na inexistência da expressão “condição da ação”, pois os elementos interesse e legitimidade continuam presentes no atual Código de Processo Civil, tal como era no Código de Processo Civil anterior, de autoria de Alfredo Buzaid, inspirada na doutrina italiana de Liebman.
Esse ponto é fundamental para fundamentação da existência de condições da ação no Novo Código de Processo Civil. Diga-se isso, pois, incialmente, Liebman havia desenvolvido três condições a ação (interesse, legitimidade e possibilidade jurídica do pedido). Posteriormente, o Professor Italiano altera sua doutrina, para apontar a existência de apenas duas condições ação (interesse e legitimidade). Justamente, conforme está previsto no art. 17 do Novo Código de Processo Civil. Ou seja, houve a manutenção do pensamento de Liebman, com sua teoria eclética do direito de ação.
Nessa linha de pensamento, Daniel Amorim Assumpção Neves doutrina que “o Novo CPC permite a conclusão de que continua a consagrar a teoria eclética”[19]. Aponta Assumpção Neves que os institutos como “a legitimidade e o interesse de agir dificilmente podem ser enquadrados no conceito de pressupostos processuais, pois demandam análise da relação jurídica de direito material alegada pelo autor”[20].
Ainda nessa mesma temática, em linha de reforço, não há como confundir pressuposto processual como as condições da ação. Isso porque os pressupostos processuais seriam requisitos para validade do processo, enquanto que as condições da ação se colocam no “plano da eficácia da relação processual”[21].
É posição adotada por Humberto Theodoro Júnior:
Os pressupostos processuais são dados reclamados para análise de viabilidade do exercício do direito de ação sob o ponto de vista estritamente processual. Já as condições da ação importam o cotejo do direito de ação concretamente exercido com a viabilidade abstrata da pretensão de direito material. Os pressupostos, em suma, põem a ação em contato com o direito processual, e as condições de procedibilidade põem-na em relação com as regras do direito material[22].
Na jurisprudência, há precedente exemplificativo da adoção ainda da teoria italiana de Liebaman, conforme decisões do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios[23] , o que induz que os Tribunais ainda adotam a teoria eclética da ação.
Portanto, a conclusão a que chega da corrente doutrinária, que ainda defende a teoria eclética, é que, mesmo na ausência da nomenclatura “condição da ação” no presente Código de Processo Civil, ainda sem mantém sua existência. Isso porque para o exercício do direito de ação, há de haver interesse de agir e legitimidade ad causam.
4.- CONCLUSÃO
O tema condições da ação sempre foi assunto que despertava divergência da doutrina ainda na época do Código de Processo Civil de 1973, embora houvesse previsão expressa da nomenclatura.
Com o Novo Código de Processo Civil, a controvérsia sobre aumentou. Diga- se mais: com mais razão, pois a expressão “condição da ação” restou ausente. Contudo, há quem a defenda a existência das condições da ação representados pelo interesse e legitimidade, assim como era no diploma processual anterior.
Nesse ponto, não obstante o posicionamento diverso, esse parece ser o entendimento ainda prevalecente. Isso porque a ausência, por si só, da expressão “condição da ação” não justifica o seu desaparecimento, pois seus elementos continuam presentes (interesse e legitimidade).
Além disso, o desparecimento do instituto da possibilidade jurídica do pedido também é insuficiente para fundamentar a inexistência do direito de ação, pois ainda na égide do Código de Processo Civil, Liebman já havia alterado seu posicionamento a respeito. Finalmente, no amparo da doutrina de Theodoro Júnior, pressuposto processual e condição da ação tem características distintas.
Portanto, embora a controvérsia esteja longe de ser pacificada, deve-se seguir o entendimento da existência de condições da ação, representados pelo interesse e legitimidade, para o exercício o direito de ação.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BRASIL. Congresso Nacional. Código de Processo Civil, Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
BRASIL. Congresso Nacional. Código de Processo Civil, Lei 13.105, de 16 de março de 2015.
Brasil. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação. Acórdão 1252321, 07295722420198070001, Relatora: MARIA IVATÔNIA, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 27/5/2020, publicado no DJE: 17/6/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada. Disponívelem:<https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj>.Acesso em 07 de agosto de 2021.
BUZAID, Alfredo. A Influência de Liebman no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista da Faculdade de Direito, Universidade De São Paulo, 72(1), 131-152. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/66795>. Acesso em: 05 de agosto de 2021.
CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2020.
DIDIER JR, Fredie. Curso de Processo Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 22. Salvador: Juspodivm, 2020.
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2020,
MOUZALAS, Reinaldo. Processo Civil: volume único. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2012.
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Processo Civil: volume 1. 60. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
[1] BUZAID, Alfredo. A Influência de Liebman no Direito Processual Civil Brasileiro. Revista Da Faculdade De Direito, Universidade De São Paulo, 72(1), 131-152. Disponível em: < https://www.revistas.usp.br/rfdusp/article/view/66795>. Acesso em: 05 de agosto de 2021.
[2] MOUZALAS, Reinaldo. Processo Civil: volume único. 5. ed. Salvador: JusPodivm, 2012, p. 61.
[3] BRASIL. Congresso Nacional. Código de Processo Civil, Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
[4] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 262.
[5] DIDIER JR, Fredie. Curso de Processo Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 22. Salvador: Juspodivm, p. 399.
[6] Ibidem, p. 399.
[7] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 60.
[8] GONÇALVES, op. cit., p. 275.
[9] Ibidem, p. 275.
[10] DIDIER JR, Fredie. Curso de Processo Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 22. Salvador: Juspodivm, p. 398.
[11] Ibidem, p. 404.
[12] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 304.
[13] Ibidem, p. 305.
[14] DIDIER JR, op., cit., p. 399.
[15] DIDIER JR, Fredie. Curso de Processo Civil: Introdução ao Direito Processual Civil, Parte Geral e Processo de Conhecimento. 22. Salvador: Juspodivm, p. 400/401.
[16] Ibidem, p. 400.
[17] CÂMARA, Alexandre Freitas. O Novo Processo Civil Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 37.
[18] GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Direito Processual Civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2020, p. 264.
[19] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 60.
[20] Ibidem, p. 60.
[21] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Processo Civil: volume 1. 60ª. Rio de Janeiro: Forense, 2019, p. 248
[22] Ibidem, p. 248.
[23] Brasil. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação. Acórdão 1252321, 07295722420198070001, Relatora: MARIA IVATÔNIA, 5ª Turma Cível, data de julgamento: 27/5/2020, publicado no DJE: 17/6/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada. Disponível em:<https://pesquisajuris.tjdft.jus.br/IndexadorAcordaos-web/sistj>. Acesso em 07 de agosto de 2021.
Bacharel em Direito pela Uniceplac - Centro Universitário do Planalto Central Apparecido dos Santos. Pós-Graduação em Direito, Estado e Constituição e em Processo Civil, ambos da Universidade Cândido Mendes. Servidor Público do Tribunal de Justiça do Distrito Federal – TJDFT (Assessor Criminal)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Marcelo Rocha de. Interesse e legitimidade no novo Código de Processo Civil: pressupostos ou condições da ação? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62635/interesse-e-legitimidade-no-novo-cdigo-de-processo-civil-pressupostos-ou-condies-da-ao. Acesso em: 22 nov 2024.
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