RESUMO: O objetivo do presente artigo é, a partir de uma breve análise de alguns dos dispositivos da parte especial do Código Penal Brasileiro, fazer observações com fulcro de distinguir aqueles tipos penais que se assemelham em alguns pontos, mas que, na prática, deve-se atentar para determinados aspectos, evitando, assim, eventual confusão. Busca-se, pois, com base em uma análise doutrinária e jurisprudencial, comentar alguns aspectos do texto legislativo que hoje temos em vigor no ordenamento jurídico brasileiro, sempre com escopo primordial de destacar as diferenças e as semelhanças entre os tipos penais em comento.
Palavras-chave: Delitos patrimoniais – Furto – Roubo – Extorsão – Apropriação indébita – Estelionato
ABSTRACT: The objective of this article is, from a brief analysis of the Brazilian Penal Code, to make observations with the aim of distinguishing criminal types that are similar in some points, but which, in practice, must be pay attention to certain aspects, avoiding possible confusion. Therefore, based on a doctrinal and jurisprudential analysis, this article is going to comment on some aspects of the legislative text that we have in force today in the Brazilian legal system, always with the primary scope of highlighting the differences and similarities between the criminal types os this study.
Keywords: Property crimes – Theft – Robberty – Extortion – Misappropriation – Fraud
INTRODUÇÃO
Em um cenário de constante reação legislativa, em que o Congresso Nacional atua como alopata dos casos concretos – e não como homeopata, na busca de prevenção – os tipos penais vem sofrendo constantes alterações, muitas vezes, inclusive, por lobby de alguns dos mais influentes setores do país.
É por esse ciclo sempre em movimentação que se faz imprescindível ter consolidados os aspectos basilares dos tipos penais mais comuns na prática, os quais são também, os que apresentam maiores discussões em âmbito doutrinário. Nesse cenário, torna-se de extrema relevância o papel da jurisprudência, que coloca os “pontos finais” – mesmo que de forma temporária, ante possibilidade de reação legislativa – nas divergências apresentadas pela doutrina.
Nesta perspectiva, o presente trabalho tem por objetivo trazer tais discussões, ainda que de forma breve, para reafirmar temas sob os quais ainda pairam discussões válidas, temas em que não mais cabe discussão, diante do entendimento consolidado nos Tribunais Superiores, e, por fim, aqueles outros em que ainda não estão bem esclarecidas as divergências, mas que podem ser objeto de novos debates.
A partir dessa análise, parte-se, ao final, para breves comentários acerca das importantíssimas alterações nos tipos penais do furto e do roubo no ano de 2018 – o que só veio a confirmar a grande influência de certas classes e setores econômicos no âmbito legislativo brasileiro.
1.FURTO E ROUBO
Os tipos penais do furto e roubo, ao mesmo tempo que se assemelham, tem também seus aspectos distintivos muito bem delineados. Sabe-se que ambos tutelam o patrimônio, havendo diferentes correntes doutrinárias no que toca à abrangência dessa proteção.
Enquanto para uns protege-se tão somente a propriedade, para outros, protege-se também a posse, e há, por fim, uma terceira corrente, a qual entende que se tutela não só a propriedade e a posse, mas também a mera detenção.
No que concerne ao roubo, subsiste a discussão referente à abrangência da proteção patrimonial, mas, por ser classificado como crime pluriofensivo, entende-se que a objetividade jurídica do tipo penal também abrange a incolumidade física.
Dessa forma, em uma primeira análise dos tipos previstos no caput do art. 155[1] e art. 157[2] do Código Penal, depreende-se que a distinção primordial entre eles reside no trecho “mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência”, o qual não está previsto no furto, embora seja elementar do roubo.
Afora a análise dos caputs, importante perceber que os parágrafos do art. 155 e do art. 157 do Código Penal se aproximam em alguns aspectos, mas não são iguais, o que deve ser bem estudado, para que sejam evitadas possíveis confusões.
Sendo assim, o parágrafo 1o do furto prevê uma causa de aumento de pena pelo repouso noturno, fundamentado na maior precariedade da vigilância. O parágrafo 2o, por sua vez, traz a modalidade privilegiada ou mínima, que, em verdade, é causa de diminuição de pena, de compatível cumulação com qualificadoras de caráter objetivo. Já o parágrafo 4o traz a forma qualificada em quatro incisos, tendo a Lei no 13.654/2018 introduzido, ainda, o parágrafo 4o-A, prevendo, além dos parágrafos 5o a 7o, mais uma modalidade qualificada de furto.
O tipo penal do roubo, entretanto, apresenta logo no caput, duas espécies de violência, própria e imprópria, característica distintiva do tipo do art. 155, Código Penal.
A violência própria consiste na violência física, propriamente dita. Por outro lado, há violência imprópria é caracteriza no caso em que o agente se vale de outros meios para afastar a capacidade de resistência da vítima.
Da análise do restante do dispositivo legal, vale comentar que o art. 157 prevê em seu parágrafo 1o a figura do roubo impróprio, o qual também é considerado espécie de roubo simples. Esse ocorre quando o agente, logo depois de subtrair a coisa, emprega violência ou grave ameaça contra pessoa, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
Quanto ao tema, tanto doutrina como jurisprudência já consolidaram o entendimento de que, quando o dispositivo legal trabalha a violência no roubo impróprio, essa somente é admitida na modalidade violência própria. Em outras palavras, não existe no ordenamento jurídico brasileiro a tipificação da figura do roubo impróprio praticado mediante violência imprópria.
Os parágrafos 2o e 2o-A do referido artigo, com redação dada pela recente Lei no 13.654/18, traz as hipóteses de roubo majorado ou circunstanciado, enquanto que a modalidade qualificada está prevista no parágrafo 3o.
Discutiu-se em doutrina, por algum tempo, se a intenção do legislador foi, de fato, minorar a pena do roubo quando praticado com uso de arma branca, ou se, em verdade, tratou-se de descuido legislativo a edição de causas de aumento com frações mais significativas para armas de fogo enquanto, em um mesmo momento, se afastou o aumento pela arma branca.
À época, o Superior Tribunal de Justiça, diante do princípio da presunção de legalidade e constitucionalidade que paira sobre as leis do ordenamento jurídico, aplicou a novel legislação, e os juízos foram obrigados a reconhecer e aplicar a novatio legis in mellius, ainda que para réus condenados, como decorrência do art. 5o, XL, da Constituição Federal.
Embora tenha havido vozes no sentido de que a legislação que revogou o art. 157, parágrafo 2o, inc. I, do Código Penal fora editada em desrespeito ao processo legislativo, tem sido inclusive adotada essa interpretação em alguns julgados, de forma incidental, o Supremo Tribunal Federal não acatou a fundamentação.
Assim, a tese de Repercussão Geral no 1.012, a qual foi recentemente retificada a partir da oposição de Embargos de Declaração, restou assim fixada:
Decisão: O Tribunal, por maioria, acolheu os embargos de declaração a fim de, suprindo a omissão apontada, retificar a tese fixada no presente tema de repercussão geral, nos seguintes termos: "Em respeito ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, quando não caracterizado o desrespeito às normas constitucionais, é defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria interna corporis”, nos termos do voto do Ministro Gilmar Mendes, Redator para o acórdão, vencidos os Ministros Dias Toffoli (Relator), Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes. Plenário, Sessão Virtual de 23.6.2023 a 30.6.2023.
Para tanto, uma parte da doutrina passou a defender, então, que fosse aplicado um aumento na pena base nos crimes de roubo praticados com armas brancas, como facas, por exemplo, como forma de diminuir os danos gerados pela revogação do inciso em análise, e em atenção ao princípio da individualização da pena.
A referida tese foi acolhida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. DELITO DE ROUBO. EMPREGO DE ARMA BRANCA. LEI N. 13.654/2018. REVOGAÇÃO DO INCISO I, DO §2º, DO ART. 157, DO CÓDIGO PENAL - CP. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. NÃO CONFIGURAÇÃO DE CAUSA DE AUMENTO. USO DO FUNDAMENTO PARA ALTERAÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. TRANSPOSIÇÃO VALORATIVA OU DETERMINAÇÃO NESSE SENTIDO. IMPOSSIBILIDADE. DISCRICIONARIEDADE DO JULGADOR. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. NÃO CONTRARIEDADE AOS ENTENDIMENTOS EXTERNADOS. DESPROVIMENTO DO RECURSO. FIRMAMENTO DAS TESES. RECURSO DESPROVIDO.
1. Esta Corte há muito definiu que, com o advento da Lei 13.654/2018, que revogou o inciso I do artigo 157 do CP, o emprego de arma branca no crime de roubo deixou de ser considerado como majorante, sendo, porém, plenamente possível a sua valoração como circunstância judicial desabonadora, quando as circunstâncias do caso concreto assim justificarem.
1.1. O grau de liberdade do julgador não o isenta de fundamentar o novo apenamento ou de justificar a não realização do incremento na basilar, mormente neste aspecto de abrangência, considerando que a utilização de "arma branca" nos delitos de roubo representa maior reprovabilidade à conduta, sendo necessária a fundamentação, nos termos do art. 387, II e III, do CPP, 2. Este Superior Tribunal de Justiça também definiu que não cabe a esta Corte Superior compelir que o Tribunal de origem proceda à transposição valorativa dessa circunstância - uso de arma branca - para a primeira fase, em razão da discricionariedade do julgador ao aplicar a novatio legis in mellius.
2.1. Ressalta-se que a afetação esteve restrita à possibilidade de determinação para que o Tribunal de origem refizesse a dosimetria da pena, transpondo o fundamento do uso de arma branca no crime de roubo para a primeira fase da dosimetria. Ocorre ser necessária a extensão da discussão, considerando existirem também julgados nesta Corte que sustentam a impossibilidade de que essa nova valoração seja feita por este Superior Tribunal de Justiça, na via do especial, em vista da discricionariedade do julgador.
2.2. A revisão das sanções impostas só é admissível em casos de ilegalidade flagrante, consubstanciadas no desrespeito aos parâmetros legais fixados pelo art. 59, do CP, sem a necessidade de maior aprofundamento no acervo fático-probatório dos autos, que está intimamente atrelado à avaliação do melhor juízo, àquele mais atento às peculiaridades do caso concreto, sob pena de incidência da Súmula n. 7/STJ.
2.3. No caso concreto, como o Tribunal de Justiça afastou a obrigatoriedade do novo apenamento, justificando-a, em razão da inexistência de lei nesse sentido, verifico o não descumprimento aos entendimentos antes externados.
Delimitadas as teses jurídicas para os fins do art. 543-C do CPC, nos seguintes termos: 1. Em razão da novatio legis in mellius engendrada pela Lei n. 13.654/2018, o emprego de arma branca, embora não configure mais causa de aumento do crime de roubo, poderá ser utilizado como fundamento para a majoração da pena-base, quando as circunstâncias do caso concreto assim justificarem. 2. O julgador deve fundamentar o novo apenamento ou justificar a não realização do incremento na basilar, nos termos do que dispõe o art. 387, II e III, do CPP. 3. Não cabe a esta Corte Superior a transposição valorativa da circunstância para a primeira fase da dosimetria ou mesmo compelir que o Tribunal de origem assim o faça, em razão da discricionariedade do julgador ao aplicar a novatio legis in mellius.
3. Recurso especial desprovido.
(REsp n. 1.921.190/MG, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em 25/5/2022, DJe de 27/5/2022.)
Somente com o chamado Pacote Anticrime (Lei no 13.964/2019), publicado em 24 de dezembro de 2019, é que o roubo com arma branca voltou a constar dos incisos do parágrafo 2o do art. 157 do Código Penal, sanando toda essa discussão gerada a partir de abril de 2018.
Outro importante tema a ser mencionado refere-se ao princípio da insignificância ou bagatela, o qual é amplamente aceito no cenário do furto, mas não no âmbito de aplicação do roubo.
Isso porque o roubo, como visto, é crime pluriofensivo, o que afasta sua aplicação, principalmente pelo fato de haver, necessariamente, violência empregada para sua configuração.
No que concerne ao furto, embora afastado qualquer tipo de violência para sua consumação, o Supremo Tribunal Federal vem exigindo os seguintes requisitos para sua configuração: (i) reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; (ii) ausência de periculosidade social da ação; (iii) inexpressiva lesão jurídica; (iv) ofensividade mínima da conduta.
Cabe comentar, ainda, que o princípio da bagatela, em regra, não se aplica ao acusado reincidente, salvo situações excepcionais, não gerando a atipicidade material da conduta. Ademais, o STF e o STJ não vêm reconhecendo a insignificância em se tratando de furto qualificado, por seu caráter de maior reprovabilidade. Senão vejamos:
“PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. FURTO DUPLAMENTE QUALIFICADO. INSIGNIFICÂNCIA. VALOR DA COISA SUPERIOR A 10% (DEZ POR CENTO) DO SALÁRIO-MÍNIMO. RELEVANTE LESÃO AO BEM JURÍDICO. WRIT NÃO CONHECIDO.
(...) 2. O "princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. (...) Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público." (STF, HC 84.412-0/SP, Rel. Ministro CELSO DE MELLO, DJU 19/11/2004.) 3. O princípio da insignificância baseia-se na necessidade de lesão jurídica expressiva para a incidência do Direito Penal, afastando a tipicidade do delito em certas hipóteses em que, apesar de típica a conduta, ausente dano juridicamente relevante. Sobre o tema, de maneira meramente indicativa e não vinculante, a jurisprudência desta Corte, dentre outros critérios, aponta o parâmetro da décima parte do salário mínimo vigente ao tempo da infração penal, para aferição da relevância da lesão patrimonial. 4. Nos termos do acórdão impugnado, considerando o valor do prejuízo, avaliado em R$ 150,00 - o que corresponde a 24,11% do salário mínimo em 2012 - resta superado o critério jurisprudencialmente adotado de 10% do salário-mínimo à época do fato, como requisito da inexpressividade da lesão ao bem jurídico. 5. O furto de que tratam os autos é qualificado pelo concurso de pessoas e rompimento de obstáculo, o que confirma a incompatibilidade da conduta com o princípio da insignificância, porquanto atesta sua maior reprovabilidade. 6. Habeas corpus não conhecido.(HC 417422/RS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, 5a turma, j. 12/12/2017, v.u.).” (grifo nosso).
São esses alguns dos principais aspectos distintivos dos tipos penais ora analisados.
2. EXTORSÃO E EXTORSÃO MEDIANTE SEQUESTRO
2.1 – Extorsão
O delito de extorsão está tipificado no art. 158 do Código Penal[3], referindo-se à tutela do patrimônio, da liberdade e da integridade física e psíquica, sendo, portanto, crime pluriofensivo.
O crime tem por núcleo “constranger”, isto é, forçar alguém a algo, fazendo uso de violência (própria) ou grave ameaça à pessoa ou ao patrimônio.
No que concerne à vantagem obtida, elemento subjetivo específico, não há, nesse caso, divergência quanto à necessidade desta ser ou não econômica, uma vez que a lei expressamente assim prevê, delimitando o conteúdo patrimonial.
O Superior Tribunal de Justiça entende, conforme consolidou no Enunciado de Súmula no 96[4], que tal tem natureza de crime formal, ou de resultado cortado, sendo, assim, a vantagem obtida considerada mero exaurimento.
Importa dizer que, o crime em análise distingue-se do roubo, já que nesse, a conduta é subtrair, isto é, tomar o bem para si, sendo, pois, a colaboração da vítima dispensável para que o agente logre vantagem de natureza patrimonial. Naquele, o verbo nuclear é “constranger”, e, nesse caso, é indispensável a colaboração da vítima para que o agente finalize a consumação do crime. Em outras palavras, significa dizer que, em não havendo ação por parte da vítima, restará configurada a tentativa.
2.2– Extorsão Mediante Sequestro
O art. 159 do Código Penal[5] traz delito distinto, conhecido como “extorsão mediante sequestro”. Não se confunde esse com o previsto no parágrafo 3o do art. 158, a qual é figura qualificada, conhecida como “sequestro relâmpago”, desdobramento do crime de extorsão, que se diferencia da modalidade simples pelo modus operandi.
Na extorsão mediante sequestro, o crime é permanente, prolongando-se no tempo, devendo a vítima necessariamente ser pessoa (excluindo-se, por exemplo, a restrição da liberdade de animais), caracterizando-se como crime complexo pela junção dos tipos penais de extorsão e sequestro, art. 158 e 148[6], respectivamente, do Código Penal.
Importa salientar que é tranquila a jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de ser inadmissível o reconhecimento da continuidade delitiva do crime de roubo com outros delitos, em especial com os crimes de extorsão, extorsão mediante sequestro e latrocínio, por não serem crimes da mesma espécie.
Nesse sentido, confira-se o julgado do STJ:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ROUBO E EXTORSÃO. REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 231 DO STJ. CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE OS DELITOS. INEXISTÊNCIA. CONCURSO MATERIAL. INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. O entendimento desta Corte Superior é uníssono acerca da incidência da Súmula n. 231 do STJ na segunda etapa da dosimetria da pena, de forma que a reprimenda, nesse momento, não pode ser reduzida a patamar inferior ao mínimo previsto em lei para o delito em questão. 2. A jurisprudência desta Corte Superior e do Supremo Tribunal Federal é firme em assinalar que se configuram os crimes de roubo e extorsão, em concurso material, se o agente, após subtrair, mediante emprego de violência ou grave ameaça, bens da vítima, a constrange a entregar o cartão bancário e a respectiva senha, para sacar dinheiro de sua conta corrente. 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 323.029/DF, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe 12/9/2016 grifo nosso).
Feita a análise das espécies de extorsão e suas distinções, passa-se ao estudo de outros dois tipos penais no item subsequente, os quais, igualmente, comportam importantes discussões.
3.APROPRIAÇÃO INDÉBITA E ESTELIONATO
3.1 – Apropriação Indébita
Partindo-se para a análise do delito previsto no art. 168 da Lei Penal, é certo dizer que esse tem por objeto a coisa alheia móvel de que o agente já tem a posse ou a detenção. A grande particularidade desse tipo reside no fato de que o sujeito ativo recebe legitimamente a coisa, e, apenas em um segundo momento é que passa a se comportar como dono, praticando ato de disposição ou se recusando a devolvê-la.
Dessa forma, percebe-se que a entrega é voluntária, pois o agente ativo, de fato, recebe a coisa de boa-fé, e, em seguida, mantém a posse ou a detenção desvigiada, para, ao final, inverter o animus da posse em domínio. Portanto, há dolo atual em relação à conduta, porém dolo subsequente em relação ao recebimento da coisa.
Ainda analisando-se a posição topográfica do tipo penal em comento, verifica-se que o parágrafo 1o prevê as causas de aumento, enquanto o art. 170 faz referência à figura privilegiada.
Destaca-se, dessa maneira, que a principal diferença entre apropriação indébita e o furto é que nesse, o agente subtrai a coisa da vítima, enquanto que naquele o bem é recebido legitimamente, para, só posteriormente, haver inversão do ânimo da posse. Frise-se, ainda, que quando a mesma conduta é praticada por um funcionário público, existe crime mais específico, qual seja, peculato (art. 312, CP[7]).
3.2 - Estelionato
O estelionato, por sua vez, é previsto no art. 171 do Código Penal, e é caracterizado pelo emprego de fraude, com o dolo de enganar a vítima para que essa entregue, espontaneamente, a vantagem pretendida pelo agente. Sendo assim, já há cristalina distinção com outros tipos penais, por não estar presente qualquer tipo de violência, ameaça ou coação.
Com base na falsa percepção da realidade, o agente obtém qualquer tipo de benefício patrimonial. Convém ressaltar que, nesse ponto, o estelionato distingue-se, por exemplo, do crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345, CP[8]), tipo, inclusive, segundo o qual, entende-se que o móvel da pretensão do agente não precisa efetivamente ser legítimo, bastando que para ele, internamente, assim o seja.
A hipótese trazida no parágrafo 1o trata do estelionato privilegiado, e o parágrafo 2o traz figuras equiparadas.
Tema importante relacionado diz respeito à consumação do delito de estelionato. O Superior Tribunal de Justiça proferiu importante entendimento no que toca a configuração ou não de crime impossível nesse âmbito. Veja-se:
RECURSO ESPECIAL. PENAL. ESTELIONATO. IDONEIDADE DA FRAUDE EMPREGADA. CRIME CONSUMADO.VANTAGEM INDEVIDA OBTIDA PELO RÉU. ATIPICIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. Se o meio empregado para a prática de estelionato é suficiente para que o resultado ocorra, isto é, para que se obtenha vantagem ilícita, não há como considerá-lo inidôneo ou ineficaz para a produção do resultado pelo simples fato de o agente haver atingido seu intento delituoso. Tal circunstância é suficiente para afastar qualquer dúvida acerca da idoneidade do meio empregado para consecução do delito.
2. Recurso provido para determinar que o Tribunal de origem prossiga no julgamento do recurso de apelação. (STJ – Resp: 1640749, Relator Min. Sebastião Reis Júnior, Data de Julgamento: 21/09/2917).
Extrai-se, portanto, o entendimento de que não configura crime impossível quando se atinge o resultado almejado pelo estelionatário.
Outra controvérsia, dessa vez de cunho doutrinário, diz respeito à punição do agente pelo delito de estelionato no caso de haver “torpeza bilateral”. Majoritariamente entende-se que, a despeito da má-fé do ofendido, isto é, mesmo que esse também tenha finalidade torpe, configura-se o crime de estelionato diante da conduta fraudulenta do agente.
Por fim, vale diferençar as condutas ora analisadas, caracterizadoras da apropriação indébita e do estelionato quanto ao momento em que é despertado o animus no agente. Enquanto a primeira tem dolo de apropriação posterior, isto é, apenas depois de já estar o agente na posse da coisa, na segunda, a vontade de se assenhorar é antecedente à posse.
CONCLUSÃO
Da breve análise de alguns dispositivos da parte especial do Código Penal, depreende-se que, apesar de haver algumas aproximações entre os tipos penais estudados, eventual confusão pode ser sanada diante de conceituações mais profundas e, principalmente, com auxílio da jurisprudência dos Tribunais Superiores.
Evidencia-se, portanto, que os crimes da parte especial, apesar de terem sido pensados pelo legislador de 1940, ainda hoje podem ser considerados atuais, em sua maioria.
Entretanto, diante da influência de teorias e doutrinas alienígenas, alguns pontos de semelhança geram, em muitos casos práticos, como foi visto no presente artigo, dúvida quanto a subsunção da norma, tendo sido esse o escopo do presente trabalho, saná-las, ao menos por ora.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MASSON, Cleber. Direito Penal – volume 2, ed. Método, 7a edição, 2017.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Especial, ed. Saraiva, 14a edição, 2017.
JESUS, Damásio. Direito Penal – Parte Especial, ed. Saraiva, 35a edição, 2015.
BRASIL. Código de Penal, 1940. Disponível em: www.planalto.gov.br. Acesso em 20/07/2023.
Site do Superior Tribunal de Justiça - http://www.stj.jus.br/SCON/. Acesso em 20/07/2023.
[1] Furto
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.
§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.
Furto qualificado
§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.
§ 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
§ 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)
§ 6o A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração. (Incluído pela Lei nº 13.330, de 2016)
§ 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
[2] Roubo
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.
§ 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade: (Redação dada pela Lei nº 13.654, de 2018)
I – (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.654, de 2018)
II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;
III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.
IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior; (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)
V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996)
VI – se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
§ 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
§ 3º Se da violência resulta: (Redação dada pela Lei nº 13.654, de 2018)
I – lesão corporal grave, a pena é de reclusão de 7 (sete) a 18 (dezoito) anos, e multa; (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
II – morte, a pena é de reclusão de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)
[3] Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar de fazer alguma coisa:
Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.
§ 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.
§ 2º - Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior.
§ 3o Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2o e 3o, respectivamente.
[4] Súmula 96, STJ – O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida.
[5] Art. 159 - Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 (Vide Lei nº 10.446, de 2002)
Pena - reclusão, de oito a quinze anos.. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
§ 1o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha. Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90 (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - reclusão, de doze a vinte anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
§ 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90
Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
§ 3º - Se resulta a morte: Vide Lei nº 8.072, de 25.7.90
Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos. (Redação dada pela Lei nº 8.072, de 25.7.1990)
§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 9.269, de 1996)
[6] Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado:
Pena - reclusão, de um a três anos.
§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;
II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias.
IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;
V – se o crime é praticado com fins libidinosos.
§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.
[7]Art. 312 - Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:
Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa.
§ 1º - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
Peculato culposo
§ 2º - Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
§ 3º - No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.
[8] Art. 345 - Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Parágrafo único - Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.
Pós-graduada em Direito e Advocacia Pública pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Graduada no curso de Direito pela Universidade Federal Fluminense – UFF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEITE, Sophia de Moura. Análise Comparativa e Principais Discussões Acerca de Crimes Contra o Patrimônio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 ago 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62771/anlise-comparativa-e-principais-discusses-acerca-de-crimes-contra-o-patrimnio. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.