ALEX LOPES APPOLONI
(orientador)
RESUMO: O presente estudo pretende discorrer sobre o impacto das novas tecnologias na sociedade globalizada, no que tange a intensificação dos delitos. A nova realidade tecnológica trouxe novos paradigmas ao legislador brasileiro, que deve se moldar para atender os anseios e garantir uma política criminal assecuratória aos direitos humanos. Nessa perspectiva, buscou-se compreender os principais problemas envolvendo a criminalidade no mundo virtual, os delitos correlacionados e a jurisprudência correlata.
Palavras-chave: Dignidade Sexual. Cibercrime. Tecnologias.
ABSTRACT: This study intends to discuss the impact of new technologies on globalized society, with regard to the intensification of crimes. The new technological reality has brought new paradigms to the Brazilian legislator, which must be molded to meet the expectations and guarantee a criminal policy that guarantees human rights. From this perspective, we sought to understand the main problems involving crime in the virtual world, related crimes and related jurisprudence.
Keywords: Sexual Dignity. Cybercrime. Technologies.
Neste momento, a sociedade tem vivenciado um constante processo tecnológico que também tem produzido influxos na seara criminal. O aumento com as preocupações globais oriundas da disseminação de um novo estilo de vida, com facilidades, antes imagináveis, reflete-se em uma expansão do direito penal, como mero custo inevitável. Dessa forma, preocupa-se o modo que a sociedade, e sobretudo o ordenamento jurídico brasileiro, se posiciona ante as inovações decorrentes, de forma que a proteção desses interesses não sobressaia a interesses sociais fundamentais, como as garantias de humanidade, conquistadas desde as revoluções iluministas. Assim, é crucial entender o contexto da inserção das tecnologias no meio social, e os impactos decorrentes.
A sociedade contemporânea, fortemente influenciada pelo processo de globalização, é altamente integrada, e sua perspectiva está totalmente ligada as tecnologias. Neste cenário, ocorreu a popularização em massa da internet, sobretudo com o advento da banda larga e dos dispositivos móveis, e consequente crescimento das redes sociais, em que o compartilhamento de dados pessoais é quase uma necessidade humana, sendo que a esfera da privacidade ocupa segundo plano. Um efeito colateral negativo do compartilhamento desenfreado de dados é a exposição a maior vulnerabilidade do indivíduo, sobretudo no que diz respeito as técnicas da denominada Engenharia Social, aumentando os riscos de que ocorra o uso indevido destes dados, inclusive por criminosos digitais, também conhecidos como criminosos cibernéticos.
Uma tendência observada dos aplicativos e redes sociais atuais indica que, quanto mais divertidos forem, mais exigirão dados pessoais dos usuários em troca. O objetivo é combinar, manipular e até mesmo vender os dados, como forma de financiar o serviço prestado. Empresas como Facebook e Google já fariam isto com as informações dos seus usuários. As técnicas de Engenharia Social buscam desviar as pessoas da racionalidade. Deste modo, os criminosos cibernéticos ganham a confiança dos indivíduos para obter, por exemplo, suas senhas bancárias ou outras informações confidenciais e sigilosas. (PERIN, 2016).
Além disso, muito preocupa-se a proliferação de delitos como bullying, chantagem, calúnia, assédio, intimidação, extorsão, plágios, pornografia infantil, terrorismo e discriminação. Nesse sentido insurge questionamentos acerca da liberdade de expressão e quais seus limites. De acordo com a Lei 5.250, de 1967, que regula a liberdade de manifestação do pensamento e de informação, “é livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou ideias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer”. Nesta seara, o anonimato gera sensação de impunidade ao criminoso, que crê cegamente que não será responsabilizado por utilizar-se de um perfil falso.
O uso desmedido do universo virtual pelas pessoas traz à tona não apenas a questão do comportamento, mas também situações mais preocupantes como a exposição à pornografia, a divulgação indevida da imagem e dados pessoais, a divulgação de boatos, bem como a pedofilia e o uso da Internet para incitar a violência.
Nessa perspectiva, com o aumento qualitativo e quantitativo da criminalidade, divulgado a exaustão pelos meios de comunicação de massa, a sociedade tem reclamado por uma postura mais firme do estado, com a pretensão que, por meio do direito penal, forneça respostas. Vive-se a denominada Sociedade de risco, na linha do sociólogo Ulrich Beck.
Nessa perspectiva, insurge a necessidade de estudar as legislações atinentes ao tema. O direito brasileiro está em constante evolução, e deve modificar paradigmas para melhor abarcar as transformações da sociedade. Nessa perspectiva, os crimes cometidos em âmbito do universo virtual, típicos da sociedade pós-moderna, são preocupações relativamente recentes, e trazem consigo e o déficit em torno do sistema jurídico brasileiro e principalmente do Código Penal envolvendo a culpabilidade das condutas ilícitas praticadas no ambiente virtual, além da ineficiência da Lei nº 12.737/12.
Dessa forma, torna-se necessário adentrar na legislação brasileira, compreendendo a gama de proteção existente, e se é necessária para o contexto, e quais esforços são necessários para superar tais entraves.
2 - MUDANÇA DE PARADIGMA: INSERÇÃO DA INTERNET NA SOCIEDADE
De tempos em tempos a sociedade passa por transformações que modificam o jeito de viver e trazem facilidades as populações, mas que inevitavelmente traz consigo efeitos colaterais inevitáveis. Por exemplo, a Revolução Industrial, processo de grandes transformações sociais e econômicas que começou na Inglaterra no século XVIII, sendo de crucial importância, vez que os produtos deixaram de ser manufaturados e passaram a ser maquino faturados, o permitiu uma produção em massa, permitindo assim colocar mais e mais produtos no mercado e a preços muito mais atrativos. Por outro lado, entretanto, teve interface negativa no que tange a objetificação do ser humano, como mero instrumento de trabalho, além dos impactos ambientais degradantes. Algo análogo aconteceu com a internet, que provocou profundas alterações na sociedade, encurtando distâncias, proporcionando conhecimentos e facilidades, mas que se tornou, pelo mau uso, instrumento de prática de delitos.
Conforme evolui o conhecimento humano, juntamente a sociedade tem a seu dispor ferramentas que facilitam sua vida. A capacidade intelectiva humana faz com que as ciências tomem importante papel, melhorando a forma como os homens interagem e permitindo que se aproveite melhor os recursos, dentre eles o tempo. Exemplificativamente, regressemos 50 anos na história e a ciência era incapaz de prever catástrofes climáticas com a precisão que hoje trazem os satélites; regressemos 30 anos e exames como a tomografia eram inconcebíveis, levando doentes a diagnósticos tardios ou imprecisos; regressemos 5 anos e tecnologias sem fio eram perspectivas ideais. (SYDOW, 2009).
A concepção de uma rede interligada foi concebida, inicialmente, como decorrência das diferenças ideológicas e políticas entre as nações. Em 1957, os Estados Unidos e a União Soviética protagonizavam a Guerra Fria, um embate em termos ideológicos, econômicos, políticos, militares e, é claro, tecnológicos. Devido ao conflito, os Estados Unidos estavam interessados em encontrar uma maneira de proteger suas informações e comunicações no caso de um ataque nuclear soviético. As inovações que tentaram resolver esse problema levaram ao que conhecemos hoje como Internet. Acerca desse fato, pontua-se:
A Internet foi criada nos anos 60 nos EUA, como um projeto militar que buscava estabelecer um sistema de informações descentralizado e independente de Washington, para que a comunicação entre os cientistas e engenheiros militares resistisse a um eventual ataque à capital americana durante a Guerra Fria. (ALMEIDA, 1998).
Após a ameaça da Guerra Fria, a Universidade da Califórnia herdou da força militar um computador, o qual passou a permitir que essa universidade se interligasse, via backbone3 , com a Universidade da Califórnia de Santa Bárbara, a Universidade de Utah e o Instituto de Pesquisa de Stanford, criando assim um grupo de trabalho que autodenominaram de Network Working Group – NWG. Esse grupo, posteriormente, se interligou aos computadores das agências governamentais e militares norte-americanas, incluindo a NASA, aos do Reino Unido e aos da Noruega. Tudo isso só foi possível por causa do lançamento da principal atividade desenvolvida na comunidade virtual ARPANET, o correio eletrônico (ROSSINI, 2004, p. 26).
Rapidamente outros locais começaram a ver as vantagens das comunicações eletrônicas. Muitos desses locais começaram então a encontrar formas de ligar as suas redes privadas à ARPANet. Isso levou a necessidade de ligar computadores que eram fundamentalmente diferentes entre si. Nos anos 70, a ARPA desenvolveu uma série de regras chamadas protocolos, que ajudaram a que está comunicação fosse estabelecida. (REMOALDO, 1995).
Dessa forma, a internet popularizou-se cada vez mais, sendo cada vez mais abrangente e necessária a ordem do coletivo. O que era através da internet discada começou a ser utilizada a banda larga e conexão através do celular através da criação da rede 3G (e hoje a criação da rede 4G), hoje em dia a internet acabou virando uma necessidade diária tanto para o uso empresarial, quanto para o uso doméstico. Pontua-se:
A Internet é um sistema global de rede de computadores que possibilita a comunicação e a transferência de arquivos de uma máquina a qualquer outra máquina conectada na rede, possibilitando assim, um intercâmbio de informações sem precedente na história, de maneira rápida, eficiente e sem a limitação de fronteiras, culminando na criação de novos mecanismos de relacionamento.
E, na mesma linha:
A Internet é vista como um meio de comunicação que interliga dezenas de milhões de computadores no mundo inteiro e permite o acesso a uma quantidade de informações praticamente inesgotáveis, anulando toda distância de lugar e tempo. (PAESANI, 2000, p. 25).
No Brasil, a internet surgiu em 1988, quando o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), no Rio de Janeiro, conseguiu acesso à Bitnet, 12 através de uma conexão de 9600 bits por segundo estabelecida com a Universidade de Maryland (HISTÓRICO DA INTERNET, 2016). Sendo assim, se passaram dois meses e a Fundação de Amparo à Pesquisa do estado de São Paulo se conectou a Bitnet. Após várias universidades começaram a se conectar também. Uma das universidades que se destacou foi a Universidade Federal do Rio de Janeiro. A internet, no Brasil, foi progredindo a passos lentos. Somente no final do ano de 1994 o governo brasileiro, que até o momento não tinha investido na internet, anunciou, juntamente com o Ministério de Ciência e Tecnologia e do Ministério das Comunicações, a intenção de fazer um investimento nessa tecnologia, porque esta apresentava um crescimento muito importante fora do país, e no Brasil estava estagnada sem objetivos maiores. O primeiro passo para a exploração comercial da internet ficou de responsabilidade da Embratel (ORÇAMENTO..., 2012).
Participaram do comitê membros do Ministério das Comunicações e do Ministério de Ciência e Tecnologia, representantes de provedores e prestadores de serviços ligados à internet e representantes de usuários e da comunidade acadêmica. Mesmo com todos esses procedimentos de criar regras, comitês de análises e com a internet pedindo passagem no Brasil, o processo continuou lento por todo o ano de 1995. Um dos maiores problemas foi que a Embratel e o Ministério das Comunicações dificultaram as iniciativas das empresas privadas, o que começou a gerar revolta nas empresas privadas, o que fez com que o andamento do processo fosse tomando rumo certo, e não demorou muito. Questão de um ano (1996) melhorou os serviços prestados pela Embratel, e com o crescimento natural do mercado, a internet no Brasil crescia tanto em número de usuários quanto de provedores e de serviços prestados através da rede de computadores (HISTÓRICO DA INTERNET, 2016).
Um fato que marcou o avanço da internet no Brasil foi o lançamento de uma música do cantor e compositor Gilberto Gil, mais precisamente no dia 14 de dezembro de 1996, em que o mesmo cantou uma versão acústica da música ao vivo (HISTÓRICO DA INTERNET, 2016).
Dessa forma a quebra de paradigma é evidente. Antes as opções de propagar a imagem de uma marca eram mais reduzidas, por exemplo: jornais, revistas, rádio e televisão, algo que até os dias de hoje têm um custo maior comparado à mídia internet, pois em muitos casos a internet pode até ser praticamente gratuita. Hoje é possível se dirigir a um público específico que desejamos atingir com ferramentas do Google, tais como o Google Ads, é possível divulgar produtos e serviços para o país inteiro e ainda mais, para o mundo inteiro. O contato dos vendedores com o consumidor final antes era limitado e um tipo de divulgação custava dinheiro ou muita criatividade, as vendas de porta em porta eram frustrantes para muitos vendedores e precisavam de muita habilidade interpessoal, ou seja, era necessário muito esforço para uma quantidade pequena dos consumidores que podia ser atingida. (SCHACHTER Steven, De porta em Porta, 2002).
Em 2021, o número de domicílios com acesso à internet no Brasil chegou a 90,0%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Em termos absolutos, são 65,6 milhões de domicílios conectados, 5,8 milhões a mais do que em 2019. A Pesquisa tem como objetivo principal o levantamento de informações conjunturais sobre as tendências e flutuações da força de trabalho brasileira. Esses dados demonstram o impacto que os meios tecnológicos têm na vida das pessoas. Nessa perspectiva, todos os fatos sociais perpassam pela tecnologia, trazendo problemas a ser decorridos nos próximos tópicos.
3- CRIMES CIBERNÉTICOS
Com a intensificação dos meios de comunicação de massa, a informática tornou-se campo de estudo autônomo e imprescindível para o cidadão, pressuposto para se situar no mundo, perpassando até pelas atividades cotidianas mais banais. Nessa perspectiva, a tecnologia tornou-se verdadeira aliada para a compreensão do mundo, auxiliando a criação de gráficos e tabelas, no pagamento de constas, conversas com amigos a distância, dentre outras possibilidades. Conquanto o desenvolvimento obtido, grandes desenvolvimentos trazem consigo novas responsabilidades e novos riscos.
A tecnologia fez com que prescindíssemos de uma boa gama de elementos materiais, levando, pois, a uma ruptura de valores da sociedade e à criação de outros. Conjuntamente à praticidade trazida pela tecnologia, vieram também os sacrifícios a ela aliados. O ser humano aumentou seu tempo sozinho, relacionando-se e comunicando-se virtualmente, precipuamente diante de uma tela. A presença física (átomos) foi substituída pela “presença virtual”, em que computadores se comunicam, sob administração de seus usuários. Protegidos pelas telas, pessoas físicas passam a representar usuários anônimos num universo virtual sem fronteiras. Bens compostos por bits, também, passam a existir e ser atingidos, graças às novas tecnologias. Segredos industriais, direitos autorais, dinheiro, bancos de dados entre tantos outros valores passam a existir na forma imaterial. Como resposta à Revolução Digital, mostrou-se o ambiente eletrônico permeado por falhas e constantemente sujeito a ataques por conta de brechas de programação, falhas de segurança, técnicas de sobrepujamento, engenhosidade social e até mesmo inventividade de sujeitos por vezes mal-intencionados, por vezes simplesmente visando superar desafios. (SYDOW, 2009).
Restou a sociedade tecnológica atribuir significação a novos bens jurídicos, ou ressignificar os então existentes, por meio de legislações de combate as práticas criminosas no âmbito virtual. No entanto, os delitos informáticos, por serem recentes, ainda permanecem atrás de um véu de incompreensão.
As legislações ainda não avançaram no trato do tema em relação as novas práticas, que aparecem numa velocidade superior. O Brasil, apesar de não ser um país com maior aparato tecnológico do mundo, é um dos que mais ocorre ataques cibernéticos. Curioso notar que apesar de o Brasil ser pouco desenvolvido no tocante à popularização informática, os dez grupos de crackers mais ativos do mundo estão aqui, demonstrando que nosso país possui um avançadíssimo potencial para o ciberdelito. Some-se a isso o fato de que em 2002, o Brasil figurou como o 2º país do mundo[1] vítima de ataques cibernéticos, somente atrás dos EUA. (SYDOW, 2009).
Nesse contexto de maior insegurança digital, e na falta de uma legislação que ampare toda a complexidade dos fatos decorrentes, insurge a criminalidade digital. Nesta seara, o cibercrime:
Embora o conceito seja antigo, o termo “cibercrime” surgiu somente no final da década de 90, em uma reunião do G-8 que se destinava à discussão do combate a práticas ilícitas na internet de forma punitiva e preventiva. Desde então, o termo passou a ser usado para designar infrações penais praticadas online. (D’URSO, 2017).
Entretanto, a progressiva mutação tecnológica dificulta o combate a esses crimes, que estão em constante alinhamento com as novas tecnologias. Assim, com o uso incontido e indiscriminado da internet, alguns indivíduos com conhecimento em informática passaram a se aprimorar e utilizar esses conhecimentos roubar informações criptografadas, como já havia sendo feito há muito tempo, para obter proveito econômico ou ainda, por mera diversão. (JESUS e MILAGRE, 2016).
Os crimes cibernéticos ocorrem em ciberespaços, que são locais de não são de fácil definição, e autores diversos se esmeram na tentativa da conceituação. Na definição de Gibson:
Uma alucinação consensual vivida diariamente por bilhões de operadores autorizados, em todas as nações, por crianças aprendendo altos conceitos matemáticos.... Uma representação gráfica de dados abstraídos dos bancos de dados de todos os computadores do sistema humano. Uma complexidade impensável. Linhas de luz abrangendo o não-espaço da mente; nebulosas e constelações infindáveis de dados. Como marés de luzes da cidade. (GIBSON, 2003, p.67).
Para Silvana Drumond Monteiro:
Ciberespaço é definido como um mundo virtual porque está em presente potência, é um espaço desterritorializante. Esse mundo não é palpável, mas existe de outra forma, outra realidade. O ciberespaço existe em um local indefinido, desconhecido, cheio de devires e possibilidades. Não podemos, sequer, afirmar que o ciberespaço está presente em nossos computadores, tampouco nas redes, afinal onde fica o ciberespaço? Para onde vai todo esse “mundo” quando desligamos nossos computadores? É esse caráter fluido do ciberespaço que o torna virtual. (MONTEIRO; 2004).
Diante a ausência de uma legislação específica que abordasse a temática, cabe ao ordenamento penal vigente julgar aquele que comete crime cibernético. De acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo site Safernet, entre os principais crimes cibernéticos, estão: pirataria, pornografia infantil, calunia, difamação, injúria, estelionato, entre outros (SANTOS; MARTINS; TYBUCSH, 2017).
Os crimes virtuais impróprios mais recorrentes do mundo digital são velhos conhecidos dos ordenamentos jurídicos, tais como crimes contra a honra, discriminação, ameaça, fraude, falsidade ideológica entre outros, sendo que, agora, existem mais ocorrências dos mesmos. No caso da internet a possibilidade do anonimato estimula o descumprimento de regras, pois gera maior certeza de impunidade (PINHEIRO, 2014).
Já dentro dos crimes virtuais próprios, segundo o Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Segurança do Brasil (cert.br), que atende as redes brasileiras conectadas à internet, foram registradas, no Brasil, no ano de 2016, mais de 647.112 notificações de incidentes de segurança a envolvendo redes conectadas à internet. Dessas notificações, as maiores ocorrências, de 59,33%, corresponderam ao chamado “scan”, classificados como notificações de varreduras em redes de computadores, com o intuito de identificar quais computadores estão ativos e quais serviços estão sendo disponibilizados por eles, permitindo associar possíveis vulnerabilidades aos serviços habilitados em um computador (CERT.COM, 2016).
4- LEGISLAÇÃO APLICADA
A partir do momento que a criminologia percebeu que a internet se tornou um novo foco de criminalidade, foi necessária a criação de teorias para definir os crimes virtuais, bem como entender por qual razão eles ocorrem (JAISHANKAR, 2007).
Nesse contexto, o direito penal é o instrumento de controle social mais eficaz, embora seja considerado a última ratio, para fornecer respostas as circunstâncias lesivas a bens jurídicos, tutelados dada a sua importância, como é a segurança digital, pois consegue lesionar interesses sociais de forma muito mais imponente e ágil. Para Leal (2004, p. 39): “o direito penal é o conjunto de normas jurídicas que definem as condutas humanas consideradas criminosas (tipos penais) e cominam aos infratores uma sanção específica (pena ou medida de segurança)”. Nessa seara, o crime é alvo de todo enfoque da ciência jurídica, e seu conceito deve se adaptar as novas realidades, promover a defesa dos direitos e interesses mais relevantes socialmente. Para Damásio de Jesus (2014, p. 45), “o fato social que se mostra contrário à norma de Direito forja o ilícito jurídico [...]. Contra a prática desses fatos, o Estado estabelece sanções, procurando tornar invioláveis os bens que protege”.
Para Zaffaroni e Pierangeli (2013, p. 347):
A parte da ciência do direito penal que se ocupa de explicar o que é delito em geral, isto é, quais são as características que devem ter qualquer delito. Esta explicação não é um mero discorrer sobre o delito com interesse de pura especulação; contrariamente atende ao cumprimento de um propósito essencialmente prático, consistente em tornar mais fácil a averiguação da presença, ou ausência, do delito em casa caso concreto.
O artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto Lei nº 3.914/1941) , por sua vez, define delito como:
Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. (BRASIL, 2018).
A doutrina mais atual valora o crime pelo viés da teoria tripartida, Bruno (2005, p. 177), que entende o crime como “uma ação a que se juntam os atributos da tipicidade, da antijuridicidade e da culpabilidade, donde o conceito analítico do crime como ação típica, antijurídica e culpável”. Segundo Motta (2009, p. 17-19):
O conceito analítico define o delito como uma conduta típica, ilícita (antijurídica) e culpável. Assim, o crime exige necessariamente a presença de três elementos: tipicidade, ilicitude (antijuridicidade) e culpabilidade, sendo que o posterior pressupõe lógica e necessariamente o anterior.
Nessa perspectiva, é crucial entender o crime ocorrido na esfera digital, pois preenche todos os critérios de materialidade para se enquadrar como delito. No Código penal vigente não há nenhum artigo específico para enquadramento típico de alguém que cometeu um delito por meio do computador. Cabe assim, o enquadramento típico por meio de analogia a outros delitos já existentes, e de acordo com a carga axiológica já construída dentro da linhagem histórica do direito penal. Pontua-se:
Comportamentos informáticos (com o auxílio de hardware ou software) são ou deveriam ser objeto de legislação penal e não as técnicas ou armas usadas pelo comportamento. Como enunciado, necessita-se sim analisar se as técnicas empregadas estão ou não contidas no comportamento. No Brasil, há mais de 12 anos, busca-se desenfreadamente legislar sobre crimes digitais, de forma errônea e inconsequente. Os primeiros legisladores buscavam punir técnicas ou armas, como visto, um erro, pois as técnicas, artefatos e as armas cibernéticas se modificam. Posteriormente, passaram a definir dezenas de comportamentos, uns até mesmo que coincidiam com outros, gerando uma redundância criminal. Em um terceiro estágio, onde fora possível a aprovação das Leis de Crimes Informáticos, objeto do presente livro (Leis n. 12.735/2012 e n. 12.737/2012), chegou-se ao acordo de dar relevância penal apenas a comportamentos considerados intoleráveis ou recorrentes na sociedade. Comportamentos (ou condutas) são relacionados a potenciais crimes próprios, onde a informática é o bem jurídico agredido. Logicamente, não se enumera os comportamentos que ofendem outros bens jurídicos, e que podem ser realizados por intermédio da informática, como, por exemplo, encartados nos delitos de pornografia infantil, contrafação, pirataria de software, a ameaça, a injúria, dentre outros. Para estes, o Código Penal é suficientemente claro. (QUEIROZ,2021).
Segundo Antônio Chaves, cibernética é a “ciência geral dos sistemas informantes e, em particular, dos sistemas de informação” (CHAVES, Antônio apud SILVA, Rita de Cássia Lopes. Direito Penal e Sistema Informático, p. 19). Os crimes cibernéticos podem ser cometidos de diversas formas, se entrelaçando com os delitos já existentes, e aprimorando-os. Dessa forma, o espaço digital surgiu como facilitador para o cometimento de delitos, verdadeiro instrumento, que se mal utilizado, acarreta na violação de diversos direitos. Acerca disso, Rodrigo Guimarães Colares nos ensina que:
Crime contra a segurança nacional, preconceito, discriminação de raça-cor e etnias, pedofilia, crime contra a propriedade industrial, interceptação de comunicações de informática, lavagem de dinheiro e pirataria de software, calúnia, difamação, injúria, ameaça, divulgação de segredo, furto, dano, apropriação indébita, estelionato, violação de direito autoral, escárnio por motivo de religião, favorecimento da prostituição, ato obsceno, incitação ao crime, apologia ao crime ou criminoso, falsa identidade, inserção de dados em sistema de informações, falso testemunho, exercício arbitrário das próprias razões e jogo de azar (2002, p. 02).
Didaticamente, os crimes virtuais podem ser classificados em próprios e impróprios. Os primeiros, segundo Marco Túlio Viana “são aqueles em que o bem jurídico protegido pela norma penal é a inviolabilidade das informações automatizadas (dados)” (VIANA, 2003 apud CARNEIRO, 2012). Aliando a esse entendimento Damásio de Jesus preceitua:
Crimes eletrônicos puros ou próprios são aqueles que sejam praticados por computador e se realizem ou se consumem também em meio eletrônico. Neles, a informática (segurança dos sistemas, titularidade das informações e integridade dos dados, da máquina e periféricos) é o objeto jurídico tutelado. (DAMÁSIO, 2003 apud CARNEIRO, 2012, [n.p.]).
Ainda cabe citar o entendimento de Fabrício Rosa (2002 apud SCHMIDT, 2014, [n.p.]), acerca da conceituação do crime de informática:
A conduta atente contra o estado natural dos dados e recursos oferecidos por um sistema de processamento de dados, seja pela compilação, armazenamento ou transmissão de dados, na sua forma, compreendida pelos elementos que compõem um sistema de tratamento, transmissão ou armazenagem de dados, ou seja, ainda, na forma mais rudimentar; 2. O ‘Crime de Informática’ é todo aquele procedimento que atenta contra os dados, que faz na forma em que estejam armazenados, compilados, transmissíveis ou em transmissão; 3. Assim, o ‘Crime de Informática’ pressupõe does elementos indissolúveis: contra os dados que estejam preparados às operações do computador e, também, através do computador, utilizandose software e hardware, para perpetrá-los; 4. A expressão crimes de informática, entendida como tal, é toda a ação típica, antijurídica e culpável, contra ou pela utilização de processamento automático e/ou eletrônico de dados ou sua transmissão; 5. Nos crimes de informática, a ação típica se realiza contra ou pela utilização de processamento automático de dados ou a sua transmissão. Ou seja, a utilização de um sistema de informática para atentar contra um bem ou interesse juridicamente protegido, pertença ele à ordem econômica, à integridade corporal, à liberdade individual, à privacidade, à honra, ao patrimônio público ou privado, à Administração Pública, [entre outros].
Já os denominados impróprios são aqueles realizados com a utilização do computador, ou seja, através da máquina que é utilizada como instrumento para realização de condutas ilícitas que atinge todo o bem jurídico. (QUEIROS,2021). Damásio E. de Jesus. In verbis:
Já os crimes eletrônicos impuros ou impróprios são aqueles em que o agente se vale do computador como meio para produzir resultado naturalístico, que ofenda o mundo físico ou o espaço “real”, ameaçando ou lesando outros bens, não-computacionais ou diversos da informática. (DAMÁSIO, 2003 apud CARNEIRO, 2012).
Por derradeiro, é cabível dizer que os crimes cibernéticos são considerados de natureza formal, isso é, se consumam no momento de sua prática, independente da ocorrência de resultado naturalístico. O jurista Vicente de Paula Rodrigues Maggio (2013, online) classificou os crimes cibernéticos:
Trata-se de crime comum (aquele que pode ser praticado por qualquer pessoa), plurissubsistente (costuma se realizar por meio de vários atos), comissivo (decorre de uma atividade positiva do agente: “invadir”, “instalar”) e, excepcionalmente, comissivo por omissão 18 (quando o resultado deveria ser impedido pelos garantes – art. 13, § 2º, do CP), de forma vinculada(somente pode ser cometido pelos meios de execução descritos no tipo penal) ou de forma livre (pode ser cometido por qualquer meio de execução), conforme o caso, formal (se consuma sem a produção do resultado naturalístico, embora ele possa ocorrer), instantâneo (a consumação não se prolonga no tempo), monossubjetivo (pode ser praticado por um único agente), simples (atinge um único bem jurídico, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada da vítima).
Dessa forma, avalia-se que, apesar da mudança de paradigma proveniente das inserções das tecnologias e dos meios de comunicação de massa, a legislação não se desenvolveu na mesma medida, valendo-se de velhos preceitos para resolver questões novas. É fato que a internet trouxe alterações nas relações sociais, e sobretudo na forma de se cometer crimes, sendo um facilitador. Por isso, emerge-se a necessidade de legislações que abarque toda a complexidade decorrente. Nessa perspectiva, é importante estudar os principais delitos cometidos na rede mundial de computadores, a fim de propiciar um conhecimento mais aprofundado sobre o tema.
4.1 – CRIMES CONTRA A HONRA
A honra é um valor étnico-moral muito caro ao ser humano, verdadeira expressão de sua dignidade. Por isso é um direito tutelado com exaustão nas diversas legislações brasileiras, sendo, pelo Código Civil, congruente a disposição do artigo 20, tutelado como um direito da personalidade. Ainda, soma-se a importante proteção constitucional, conforme preceitua o art. 5º, inciso X, da Constituição da República, declarado como um direito fundamental. No direito penal, por sua vez, a proteção se volta nas tipificações do Capítulo V, do Título I, do Estatuto Repressivo nacional (os crimes contra a honra).
Dessa forma, a defesa da honra no ordenamento jurídico brasileiro cria uma ponderação de interesses com a previsão da liberdade de expressão, limitando a manifestações de conteúdos ofensivos, ainda que verdadeiros, ou de conteúdos falsos que denigrem a honra objetiva (o que terceiros pensa sobre o indivíduo) e subjetiva (o que o indivíduo pensa sobre si mesmo). Dessa forma, a liberdade discursiva perpassa pela consciência de não ofensa a valores constitucionalmente protegidos, não sendo ilimitada.
Os direitos fundamentais surgiram com o liberalismo, sendo posteriormente transpostos para as constituições de alguns países. Podem ser de dois tipos: direitos, liberdades e garantias ou direitos econômicos, sociais e culturais. Estes últimos necessitam da intervenção do estado para os concretizar dado que depende das possibilidades financeiras de cada estado. Por sua vez, os direitos fundamentais do primeiro tipo são inerentes à existência do homem, protegendo o cidadão mesmo em relação ao Estado. São normas de aplicação imediatas – é o exemplo do direito à vida, à liberdade de expressão, de informação e do direito a honra. (RAMOS, 2014, p.9)
Não obstante, a defesa da honra não se escora na proteção penal. Há casos que a tutela advinda do direito civil é justa e suficiente para sanar os efeitos negativos decorrentes. Pontua-se:
A régua com que se mede a esfera de incidência legítima do direito criminal é significativamente menor do que aquela que se presta a delinear os possíveis âmbitos de tutela do direito civil e isso é fundamental para se notar não só que a criação de determinadas proibições penais é injustificada, como também para chamar a atenção para o fato de que muitas vezes ali onde o sistema repressor do Estado não deve ser convidado a se imiscuir podem sobrar razões para se autorizar alguma espécie de atuação do direito privado.(BERNARDES, 2018).
Nesta seara, considerando a realidade de uma democracia, a qual o Brasil se insere, todo ser humano tem como garantia suprema a defesa de sua dignidade. Nas sociedades democráticas contemporâneas, por conseguinte, os indivíduos partilham um status moral igualitário – frise-se, todos são considerados como sujeitos de direitos e deveres equitativos –, o que levou a doutrina jurídica a entender que a honra é um desdobramento dessa condição humana fundamental. (BERNARDES, 2018, pag.33).
Assim, com o rompimento das barreiras geográficas e aproximação entre as pessoas, ainda que seja em uma realidade meramente digital, têm-se presenciado um aumento quantitativo e qualitativo da proliferação de crimes contra a honra. Em verdade, a internet é verdadeiro catalizador, que encoraja a pessoas ofender umas às outras, não se preocupando com os efeitos decorrentes, sobretudo no que tange acerca da saúde mental e depressão, que o destinatário de tanto ódio perpassa.
A cultura do cancelamento, de igual forma, se circunstância no linchamento virtual de uma pessoa por fato que desagradou a opinião pública. Tal fato está interligado a uma realidade do mundo digital, a busca pela fama. Com a disseminação das redes sociais, e o compartilhamento de informações a alta velocidade, as pessoas buscam se aparecer a todo custo. Dessa forma, a busca incansável pela fama, somado pela alta exposição a que se submetem, são fatores que colaboram para esse tipo de prática. André Dória, psicólogo psicanalista da Holiste Psiquiatria (Holiste excelência em saúde mental, matéria online, 2021), relata:
A psicanálise já nos ensinou que, muitas vezes, precisamos eleger um mestre imaginário para justamente poder destruir a relação com ele. Há uma forma de satisfação perversa nesse movimento: quando aquele, ou aquela, que elejo como referência não satisfaz às minhas projeções, eu elimino. Cancelo. Como as redes sociais são uma profusão de ídolos para todos os ideais, trazem também a profusão do efeito reverso: o ódio pelo ideal frustrado.
Os discursos de cancelamento, nesta seara, versam contra valores inerentes na sociedade, como racismo, homofobia, intolerância religiosa etc. No entanto, se convertem, no mundo digital, para questões de aparência, relacionamentos e atitudes da vida íntima. Dessa forma, as pessoas acompanham personalidades pelas redes sociais e, de acordo com suas atitudes, criam expectativas, que quando frustradas se convertem em discursos de ódio.
Logo, o discurso de ódio espalhado nas redes sociais está conectado a uma maneira de satisfação maléfica que transforma a admiração em ódio. Quando os usuários das redes sociais tornam uma celebridade, criam expectativas e acreditam nos seus princípios e ideais, tornando-os uma espécie de representantes da geração cibernética. Contudo, nem sempre esses representantes vão ter condutas exemplares, podem errar como todos os seres humanos e, com isso, vem o sentimento de frustração dos seus seguidores e, devido a esta conduta, são julgados e penalizados pelo “tribunal da internet”, termo utilizado pelos indivíduos que utilizam as redes sociais.(LIMA, Maria. FREITAS, Cássia. SOUZA, Éverson 2021).
Acerca dos crimes contra a honra contidos no Código Penal, temos os mais relevantes e frequentes no mundo digital:
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.
§ 2º - É punível a calúnia contra os mortos.
Exceção da verdade
§ 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo:
I - Se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;
II - Se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141;
III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Exceção da verdade
Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.
Injúria
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I - Quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II - No caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião ou origem: (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997)
§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
Pena - reclusão de um a três anos e multa. (Incluído pela Lei nº 9.459, de 1997).
Caluniar é, exatamente, imputar falsamente a alguém fato definido como crime. A difamação, por sua vez, se define como a imputação a alguém de fato não criminoso, porém ofensivo a sua reputação e, por fim, a injúria, diferente das outras condutas de “imputarão”, determinada pela atribuirão de qualidades negativas ou defeitos (NORONHA, apud CUNHA, 2014).
Arrematando o tema, o professor Rogério Sanches Cunha (2014) explica que na calúnia e na difamação tem-se a presença de uma conduta específica de imputar a alguém um fato concreto e ofensivo, necessariamente falso e definido como crime no caso da calúnia – requisitos não exigidos na difamação. A injúria, por sua vez, trata-se de uma imputação genérica, uma má qualidade, um defeito ou algo que menospreze a vítima. Nas duas primeiras, exige-se que a frase desonrosa chegue ao conhecimento de terceiro, o que é desnecessário para a última. (SOUZA, 2018, pag. 12).
Mais recentemente surgiu o cyberbullying que consiste no mesmo tipo de agressão, porém praticada por meios tecnológicos (eletrônicos, virtuais), ou seja, por intermédio de computadores ou outros recursos (exemplos: tablet, celular, smartwatch, redes sociais, aplicativos de comunicação etc.). Essas ofensas podem ser praticadas pelas formas mais variadas e, uma das principais características, é a rápida disseminação pela rede, ou seja, em pouco tempo são disponibilizadas em uma infinidade de sites, redes sociais, blogs e grupos do Whatsapp. Dificilmente a vítima consegue extirpar a informação de todos os locais aonde se encontra. (JORGE, 2021).
Assim, os crimes contra a honra merecem destaque no que tange ao mundo digital, porque muitas vezes é cometido por cidadãos comuns, que sequer consegue concretizar os efeitos do seu discurso de ódio. A internet não deve ser um escudo para a manifestações de opiniões ofensivas, perpassando pela barreira da impunidade.
Precisa-se, dessa forma, de esforços legislativos para abarcar a complexidade das questões atinentes. É preciso considerar, portanto, que a maior parte dos crimes cibernéticos sequer são investigados. Primeiro pela possibilidade de grande massa cometer instantaneamente, segundo pela facilidade de se esconder a identidade, por meio de perfis falsos e ocultação da verdadeira personalidade.
4.2 CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
A nota basilar de que o direito penal deva abarcar conteúdos éticos-morais, é essencial para a ampliação da repressão e prevenção dos delitos contra a dignidade sexual. Afinal, essa referida dignidade não é uma preocupação relativamente nova, perpassando por toda a história da humanidade, sendo, em determinados períodos, tida como aceitável e manobra de poder, e em outros, já desvinculadas dessa objetificação, mas sem evoluir plenamente, considerado crime contra os costumes. Acerca da figura feminina em crimes sexuais, no caminhar histórico da sociedade:
As mulheres estereotipadas como desonestas do ponto de vista da moral sexual, inclusive as menores e, em especial as prostitutas, não apenas não são consideradas vítimas, mas podem ser convertidas, com o auxílio das teses vitimo lógicas mais conservadoras, de vítima em acusadas ou rés num nível crescente de argumentação que inclui ter „consentido‟, „gostado‟ ou „tido prazer‟, „provocado‟, forjado o estupro ou „estuprado‟ o pretenso estuprador, especialmente se o autor não corresponder ao estereótipo de estuprador, pois, corresponde-lo, é condição fundamental para a condenação.(ANDRADE, 2005, p.1).
Apesar de ser incompreensível o modo como o legislador passado tratava a dignidade sexual, leva-se em consideração que a legislação penal que positivava a dignidade sexual fora promulgada numa sociedade patriarcal, na qual a mulher tinha um papel inferior. (QUEIROZ,2014).
A evolução e a conquistas de direitos se deu a passos lentos. No Código Penal de 1940, a moral sexual foi inserida no Título VI, os denominados “Crimes Contra os Costumes”, que visavam proteger a honra, a moralidade e ofensas públicas ao pudor. Tal nomenclatura, no entanto, reforçava todo o histórico de inferioridade e descaso acerca do tema. Segundo Cezar Roberto Bitencourt (2010, p. 3), já não era bem aceita na época, pois “não correspondia aos bens jurídicos que pretendia tutelar, violando o princípio de que as rubricas devem expressar e identificar os bens jurídicos protegidos em seus diferentes preceitos”.
É importante destacar aqui que somente o homem, segundo o Código Penal de 1940, poderia ser sujeito ativo do delito de estupro, pois o que o configura o delito é a efetiva conjugação carnal, sob pena de configurar outro delito ou apenas tentativa, no entanto, não poderia o homem figurar como sujeito passivo do delito, haja vista que o tipo penal previa a vítima mulher. (QUEIROZ, 2014).
Para a sociedade brasileira mudar de posicionamento e tratar com o devido respeito à dignidade sexual, em especial da mulher, foram necessários anos e anos de muita luta, pois o que se busca, em todo ordenamento jurídico, é a evolução da sociedade pelo respeito dos princípios constitucionais, de modo específico, do princípio da dignidade da pessoa humana. (QUEIROZ, 2014). Nesse sentido, no contexto atual, foi necessária total mudança de paradigma, a fim o respeito da total integridade física do ser humano, sem amarras do preconceito. A Lei nº 11.106/05 traz mudanças importantes em questões dos crimes sexuais, demonstrando a necessidade de a legislação evoluir em proporcionalidade com os valores sociais. Rogério Grego ensina:
As modificações ocorridas na sociedade trouxeram novas e graves preocupações. Em vez de procurar proteger a virgindade das mulheres, como acontecia com o revogado crime de sedução, agora, o Estado estava diante de outros desafios, a exemplo da exploração sexual de crianças. (GREGO, 2012, p.40).
Dessa forma, preservar a autonomia sexual é preservar a dignidade do ser humano, importante valor, que no contexto de um Estado Democrático de Direito, a qual o Brasil se insere, é de natureza inegociável. De acordo com Kant, a dignidade humana encontra-se na capacidade de autonomia, ou seja, no fato de o homem ser a única criatura capaz de se submeter livremente às leis morais, que são reconhecidas como oriundas da razão prática. (QUEIROZ, 2014). Maria Garcia (2010, p. 300) diz que:
A dignidade da pessoa humana tem como essência e base, portanto, a liberdade de dar-se uma lei a si mesmo (no sentido do imperativo categórico kantiano), pela vontade racional. Sendo a razão um atributo do humano – todo ser humano (que tenha a qualidade do humano) detém essa dignidade. Daí poder-se afirmar que a dignidade humana corresponde à compreensão do ser humano na sua integridade física e psíquica, como autodeterminação consciente, garantia moral e juridicamente. [...] E reporta-se à formulação de G. Durig, em face da Constituição da Alemanha, para quem a dignidade da pessoa humana poderia ser considerada atingida sempre que a pessoa concreta (o indivíduo) fosse rebaixado a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa.(GARCIA, 2010).
No que diz respeito aos crimes sexuais a dignidade pode ser compreendida:
[...] um sentido de conformidade entre duas grandezas próprias das relações sociais, que bem podem ser a pessoa humana, de um lado, e o respeito que lhe devem as demais, de outro. Daí ter-se como inadmissível a dúvida acerca de poder o profissional do sexo ser vítima dos crimes contra a dignidade sexual, por ter acaso perdido a dignidade; cuidando-se de atributo absoluto, que decorre da simples existência humana, essa qualidade acompanha necessariamente o sujeito, ainda que ele mantenha uma vida reprovável; por idêntica razão, o criminoso, por mais desfigurado socialmente que possa ser, mantém pelo menos esse mínimo de dignidade, que o faz merecedor de reconhecimento pelos demais; em situação diversa, mas igualmente digno, é o alienado mental, incapaz de raciocinar e avaliar uma ofensa, mas também merecedor de respeito alheio.(MARCÃO E GENTIL, 2011, p.34).
Dessa forma, percebe-se como a dignidade sexual é um valor caro para a sociedade. No cenário contemporâneo, sobretudo no contexto digital, novas formas de violações a esse bem jurídico ascenderam, necessitando de ampla visibilidade para a superação dos entraves dispostos.
As principais legislações que versam sobre a matéria de crimes virtuais são: Lei 12.735 e a Lei 12.737, ambas de 2012, sendo está última popularmente conhecida como Lei Carolina Dieckmann, visam tipificar as condutas praticadas por meios digitais; Lei 12.965/14, conhecida como o Marco Civil da internet, visando regular o uso da internet no Brasil; Lei 13.718/18, que alterou o Código Penal e inseriu o artigo 218-C que tipifica a divulgação não consentida de conteúdo sexual; e, por fim, recentemente, a Lei 14.155/21, que aumentou as penas dos crimes praticados pelos meios virtuais.(SILVA, 2021, p.12)
As condutas realizadas através dos meios digitais e que versam sobre a dignidade sexual podem ser conhecidas como: sexting (sexo por mensagem de texto), revenge porn ou pornografia de vingança, sextorsão, estupro virtual, além da disseminação de pornografia infantil. (SILVA, 2021, p.12).
Em linhas gerais o sexting se adjetiva como sendo uma modalidade, onde pessoas plenamente capazes compartilham fotos de nudez, a princípio sem cometer nenhum delito. Entretanto, de tal prática, pode ocasionar lesões de difícil reparação ao bem jurídico dignidade sexual, com o vazamento de dados. É o caso da pornografia de vingança, ou também denominada revenge porn, que se traduz na divulgação de conteúdos íntimos sem autorização, como forma de atribuir castigo ou perseguir determinada pessoa.
Outra modalidade comum é a extorsão sexual, em que busca vantagem econômica em troca da não exposição de conteúdos sexuais do indivíduo. Está, por sua vez, não possui previsão legal específica, o que, via de consequência, gera uma insegurança jurídica no momento de punir a conduta. (SILVA, 2012, p. 12).
Nesse sentido, também é de relevância citar a pornografia infantil, que além dos valores de dignidade sexual entrelaça-se com os direitos da infância. Tanto é verdade que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi a primeira legislação brasileira a se adequar a esse novo modus operandi de práticas comumente realizadas no mundo fático, mas que passaram a se difundir também nos meios digitais, ligados ou não à rede. (SILVA,2012, p. 52). Para isso, acrescentou e modificou diversos artigos através da Lei 11.829, de 25 de novembro de 2008, visando a proteção integral da criança e do adolescente por meio do aprimoramento e combate da produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet (BRASIL, 1990; BRASIL, 2008).
Em virtude do largo acesso aos meios digitais, crianças e adolescentes passaram a ser figuras constantes em sua utilização, seja para lazer e entretenimento, seja para buscar informação como forma de adquirir conhecimento, entretanto, a grande questão é que o conteúdo que pode chegar aos internautas não se limita àquilo efetivamente pesquisado, pois, facilmente, é possível o redirecionamento a sites com conteúdos maliciosos e material pornográfico e, uma vez que uma criança ou adolescente se depara com esse tipo de prática, graves consequências podem surgir no seu desenvolvimento psicológico e social (HAMADA; SANCHEZ, 2007, p. 10).
5. JUDICIALIZAÇÃO DOS CRIMES SEXUAIS
Os Tribunais Superiores, em decorrência das últimas transformações decorridas com a expansão dos meios tecnológicos, precisaram repensar acerca das práticas virtuais, a fim de mudar os paradigmas legislativos, para abarcar as novas modalidades advindas. Importante ressaltar que mesmo antes das legislações específicas sobre o tema, os Tribunais já caminhavam para o reconhecimento legal das práticas virtuais, de forma singular. O julgamento do Tribunal Regional Federal, da lavra do Desembargador Federal Tourinho Neto, datado de 06 de agosto de 2008, ou seja, muito antes, inclusive, da primeira legislação que trata sobre o tema, denota essa ideia:
PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME POR COMPUTADOR. CRIME DE INFORMÁTICA COMUM. TRANSFERÊNCIA FRAUDULENTA VIA INTERNET DE DINHEIRO PARA CONTA DO AGENTE OU DE LARANJA. CRIME DE FURTO QUALIFICADO. CONSUMAÇÃO. JUÍZO COMPETENTE. 1. O crime de informática comum é aquele em que o agente se utiliza do sistema de informática, que não é essencial, como meio para perpetração de crime tipificado em lei penal. 2. No crime de furto mediante fraude, o agente age ardilosamente para capturar a senha, a fim deter acesso ao banco. De posse da senha, pratica o furto, agindo, já agora, de forma adequada e normal para o computador, apresentando-se como se fosse o próprio cliente, usuário habilitado, ou se tivesse sido por ele autorizado, e, assim, opera a transferência de valores (CP, art. 155, § 4º, inciso II – furto qualificado). O computador não age por erro, pois, aceita a senha correta. Não é a vítima, na hipótese, quem transfere o dinheiro para o agente, nem quem autoriza a transferência. O dinheiro é subtraído contra a vontade, expressa ou presumida, do cliente, a vítima. 3. Consumando-se o crime de furto com a subtração da coisa, momento em que é ela retirada da esfera de disponibilidade da vítima, sem seu consentimento - atente-se que a transferência do dinheiro da conta do correntista, vítima, para a do agente ou a do laranja, se deu imediatamente, instantaneamente -, a competência para processá-lo e julgá-lo é do juízo do lugar onde se deu a consumação, o do lugar, no caso, de onde o dinheiro foi subtraído, obedecendo-se a regra disposta no art. 70 do Código de Processo Penal. (TRF-1 - CC: 30092PA2008.01.00.030092-6, Relator: DESEMBARGADOR FEDERALTOURINHO NETO, Data de Julgamento: 06/08/2008, SEGUNDASEÇÃO, Data de Publicação: 25/08/2008 e-DJF1 p.289). (Grifo meu).
Além da punição penal, outras esferas do direito, buscando ampla integração, está reconhecendo a ilicitude de tais condutas, dispondo de punições. É o caso do direito civil, que já reconhece prestação pecuniária para reparar os efeitos das práticas, sobretudo no que tange a delitos como pornografia de vingança. Senão vejamos:
APELAÇÃO CÍVEL – DANOS MORAIS – PRELIMINAR – DE OFÍCIO – FALTA DE INTERESSE RECURSAL – DIVULGAÇÃO DE FOTOS ÍNTIMAS – DANOS MORAIS INCONTESTES – CULPA CONCORRENTE NÃO DEMONSTRADA – REDUÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO – INDEFERIMENTO – GRATUIDADE DE JUISTIÇA – COPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔNIMA – BENEFÍCIO DEFERIDO – Considerando que a análise de parte da matéria devolvida não provocará nenhuma melhora prática em favor do recorrente, evidencia-se a falta de interesse recursal o que impõem o não conhecimento parcial do recurso. Não comprovada a culpa concorrente, o valor fixado a título de indenização por danos morais não deve ser reduzido. No tocante ao valor a ser fixado a título de reparação pelos danos morais, este deve ser suficiente para servir de exemplo e condenação para a parte ré, sem, entretanto, se tornar fonte de enriquecimento para a parte autora, servindo-lhe apenas como compensação pela dor sofrida. Comprovada a hipossuficiência de recursos, deve ser deferida a assistência judiciária gratuita. (TJ-MG – AC: 10499170017929001 MG, Relator: Juliana Campos Horta. Data do julgamento: 27/05/2020. Data de Publicação: 16/06/2020). (Grifo meu).
E na seara criminal:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ART. 218-C, DO CP. TRANSMISSÃO DE IMAGEM COM CENA DE NUDEZ E 33 PORNOGRAFIA SEM PERMISSÃO DA VÍTIMA, COM QUEM O AUTOR HAVIA MANTIDO RELAÇÃO ÍNTIMA DE AFETO. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Comete o delito previsto no art. 218-C, do CP, aquele que transmite registro audiovisual contendo cena de nudez ou pornografia sem a permissão da vítima, com quem havia mantido relação íntima de afeto. 2. No caso, a própria confissão do acusado, aliada às provas, oral e documental, coligida aos autos, é suficiente para amparar a sentença condenatória. 3. Recurso conhecido e desprovido. (TJ-DF 00001040820198070017 - Segredo de Justiça 0000104- 08.2019.8.07.0017, Relator: JESUINO RISSATO, Data de Julgamento: 23/07/2020, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no PJe: 04/08/2020. Pág: Sem Página Cadastrada). (Grifo meu).
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIMES DE ESTUPRO E ESTELIONATO (CONSUMADO E TENTADO). (ART. 213, EM CONTINUIDADE DELITIVA, POR DUAS VEZES E ART. 171, EM CONTINUIDADE DELITIVA, POR DUAS VEZES; MAIS ART. 171 C/C ART. 14, II, TODOS DO CÓDIGO PENAL, NA FORMA DO ART. 69, DO MESMO CODEX). APELANTE SENTENCIADO À PENA DEFINITIVA DE 18 ANOS, 01 MÊS E 10 DIAS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO, E 30 DIAS-MULTA. PLEITOS ABSOLUTÓRIOS. COM ESPEQUE NO ART. 386, INCISOS I, II, III, V E VII DO CPP. IMPOSSIBILIDADE. O conjunto fático-probatório é claro e não deixa qualquer sombra de dúvida acerca dos crimes cometidos contra as cinco vítimas [...] II. No que concerne a autoria dos crimes de estupro, os autos revelam que o acusado constrangeu e praticou sexo anal contra a vontade de uma das vítimas e constrangeu o outro ofendido a praticar atos libidinosos, por chamada de vídeo, para satisfação da sua própria lascívia, ambos através de ameaças de mal injusto e grave pela divulgação de fotos e vídeos das vítimas nuas a terceiros, obtidos mediante fraude pelo perfil falso “fake-Raphaela” e depois diretamente pelo perfil e contato pessoal do próprio réu. III. É preciso consignar que, em relação à falta de contato físico com a segunda vítima, na prática do crime de estupro virtual, de acordo com o novel entendimento consagrado pela 5ª Turma do STJ, no habeas corpus de nº 70.976, da Relatoria do Min. Joel Ilan Paciornik, “contemplação lasciva configura o ato libidinoso constitutivo dos tipos previstos nos arts. 213 e 217-A do Código Penal, sendo irrelevante, para a consumação dos delitos, que haja contato físico entre ofensor e ofendido”. [...] APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA (TJ-BA – APL: 03013921420188050079, Relator: Jefferson Alves de Assis, Segunda Câmara Criminal – Primeira Turma. Data de publicação: 21/08/2020). (Grifo meu).
HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. QUALQUER ATO DE LIBIDINAGEM. CONTATO FÍSICO DIRETO. PRESCINDIBILIDADE. CONTEMPLAÇÃO LASCIVA POR MEIO VIRTUAL. SUFICIÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. É pacífica a compreensão, portanto, de que o estupro de vulnerável se consuma com a prática de qualquer ato de libidinagem ofensivo à dignidade sexual da vítima, conforme já consolidado por esta Corte Nacional. 2. Doutrina e jurisprudência sustentam a prescindibilidade do contato físico direto do réu com a vítima, a fim de priorizar o nexo causal entre o ato praticado pelo acusado, destinado à satisfação da sua lascívia, e o efetivo dano à dignidade sexual sofrido pela ofendida. 3. No caso, ficou devidamente comprovado que o paciente agiu mediante nítido poder de controle psicológico sobre as outras 58 duas agentes, dado o vínculo afetivo entre eles estabelecido. Assim, as incitou à prática dos atos de estupro contra as infantes (uma de 3 meses de idade e outra de 2 anos e 11 meses de idade), com o envio das respectivas imagens via aplicativo virtual, as quais permitiram a referida contemplação lasciva e a consequente adequação da conduta ao tipo do art. 217-A do Código Penal. 4. Ordem denegada. STJ – HC: 478310 PA 2018/0297641-8, Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz. Data de Julgamento: 09/02/2021, T6 – Sexta Turma. Data de Publicação: DJe 18/02/2021). (Grifo meu).
Nesse sentido, percebe-se que a jurisprudência é forte aliada para o reconhecimento e alterações advindas das novas conjunturas sociais. Nesta seara torna-se imprescindível a atenção do legislador para o combate das novas práticas criminosas, ressignificando e dando nova roupagem as práticas então existentes, podendo fornecer assim, tratamento digno e adequado as vítimas.
A jurisprudência, nesse sentido, ocupa lugar imprescindível, pois o Direito não é capaz de acompanhar o ritmo frenético com que se desenvolve o mundo virtual, razão pela qual, em algum momento, haverá uma lacuna legislativa que deverá ser suprida sob a exegese da legislação disponível à época, de acordo com o caso concreto, buscando a melhor e mais justa solução fazendo uso da analogia, dos costumes e dos princípios gerais de direito.(SILVA,2012, pag.58).
6. CONCLUSÃO
Os avanços tecnológicos trouxeram muitos benefícios a vida cotidiana das pessoas, em todo território nacional, encurtando distâncias, auxiliando nas atividades cotidianas e servindo de entretenimento e lazer. Todavia, trouxe novos desafios e responsabilidades, visto que o poder dos meios tecnológicos é alto, podendo trazer prejuízos de difícil reparação.
Nessa perspectiva, aos usuários da rede, ao revés, pois na mesma proporção e velocidade, surgem condutas ilícitas, denominados crimes virtuais, ou crimes cibernéticos, que tem influências que transcendem a realidade virtual, trazendo consequências no mundo naturalístico.
Os delitos concernentes a realidade virtual pode ser de diferentes ordens. O estudo de todas, entretanto, não se restringe ao objeto desse trabalho, que, por delimitações, esmerou-se a estudar os delitos contra a honra e os delitos contra a dignidade sexual.
São delitos contra a honra, entre outros, a calúnia, a difamação e a injúria. A calúnia, se circunstância na imputação negativa e mentirosa acerca de fato que constitui crime. Já a difamação, é a imputação de fato desonroso que não constitui crime. Por último, a injúria, se consuma na ofensa a dignidade ou decoro de uma pessoa. O meio tecnológico favorece a prática de tais delitos, gerando falsa sensação de impunidade, com a proliferação dos discursos e ódio e da cultura do cancelamento.
Já no que tange aos delitos contra a dignidade sexual, são os mais comuns, o sexting, a pornografia de vingança ou revenge porn, a sextorsão, o estupro virtual e a pornografia infantil. A legislação, nesta seara, desenvolve-se para abarcar de maneira cada vez mais completa e ágil, as transformações decorridas das mudanças de paradigmas sociais.
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[1] “Brasileiros lideram Ranking Mundial de Hackers” - artigo disponível no site: http://www.bbc.co.uk/portuguese/ciencia/020823_hackerscg.shtml Acesso em 14.08.08 às 18:14hs. Também em “Brasil lidera ranking de ataques a contas bancárias por hackers” em http://www.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=15343&sid=18. Acesso em 24.05.23 às 12:20hs
Graduanda em Direito pela Universidade Brasil - Fernandópolis - SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Emili Vitória dos Santos da. O avanço da tecnologia e da legislação brasileira sobre crimes virtuais. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 ago 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62796/o-avano-da-tecnologia-e-da-legislao-brasileira-sobre-crimes-virtuais. Acesso em: 23 dez 2024.
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