EDUARDO CURY[1]
(orientador)
RESUMO: Este artigo discorre sobre um compilado de estudos e análises feitas sobrea reprodução de preconceito racial nas decisões aplicadas pelo Poder Judiciário brasileiro e como ele é introduzido dentro delas, além de apresentar o histórico do país sobre esse assunto. Para a realização desse artigo científico, foi utilizado dados documentais, artigos, sites e pesquisas bibliográficas. Esse trabalho deixa claro o desacato que os magistrados do Estado que exercem esse tipo de conduta totalmente desrespeitosa têm com a população negra. Diante de todas as pesquisas e análises, desde a colonização do Brasil, é mostrado como a vida da população negra sempre foi desvalorizada, sendo evidente dizer que existe o preconceito racial dentro do Judiciário, inclusive é mostrado como esse grande obstáculo que atrapalha a ordem pública, economicamente e socialmente, dentro da democracia e igualdade racial, que na maioria das vezes é tirado os direitos de todas as pessoas que estão envolvidas nesses casos.
Palavras-chave: Preconceito racial. Poder Judiciário. Direitos. Estado.
ABSTRACT: This article discusses a compilation of studies and analyzes carried out on the reproduction of racial prejudice in the decisions applied by the Brazilian Judiciary and how it is introduced within them, in addition to presenting the country's history on this subject. To carry out this scientific article, documentary data, articles, websites and bibliographic research were used. This work makes clear the contempt that state magistrates who exercise this type of totally disrespectful conduct have towards the black population. In the face of all research and analysis, since the colonization of Brazil, it is shown how the life of the black population has always been devalued, it is evident to say that there is racial prejudice within the Judiciary, it is even shown as this great obstacle that hinders public order, economically and socially within democracy and racial equality, which most of the time is taken away from the rights of all the people who are involved in these cases.
Keywords: Racial prejudice. Judicial Power. Rights. State.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição define e defende que todas as pessoas tenham os mesmos direitos, independente de cor ou raça, porém, na prática, não é bem assim, em vista da cultura histórica do nosso país, levando em consideração, principalmente, quando o problema envolve uma das grandes elites do poder público brasileiro, o Poder Judiciário.
Ele é garantidor dos direitos de todas as pessoas que passam por ele, no entanto, muitas vezes acaba sendo o responsável de uma grande reprodução de preconceito racial, que além de ser uma apologia ao racismo, retira muitas vezes o direito da pessoa envolvida, deixando à vista uma grande negligência diante dessa grande massa que representa a população negra.
Este artigo tem como intuito mostrar como acontece na prática a disseminação do racismo na sociedade, além de discutir as políticas públicas que estão mais próximas para diminuir o tamanho desse obstáculo, mirando na apresentação das maiores dificuldades encaradas pelo Estado em sua eficiência ao aplicar as penas e argumentando os casos de racismo que geram debates no sistema penal brasileiro.
A princípio, neste artigo, foi apresentada a problemática diante do tema, destacando que por muitas décadas, até hoje, não houve muitas mudanças sobre o tema dentro da nossa sociedade. Portanto, o primeiro texto deixa claro que há necessidade de debates e estudos para as políticas públicas que entra na educação básica como impulsos automáticos e essenciais para mudanças no social, começando principalmente no ensino público escolar.
Posteriormente, são apresentados casos específicos e concretos de racismo dentro do Poder Judiciário brasileiro, apresentando a realidade da população negra diante dos tribunais. Ademais, é demonstrado como acontece os casos de racismo, que inúmeras vezes são consideradas apenas em forma de injúria simples e não na forma de preconceito racial.
Por fim, é apresentado o assunto de hiper encarceramento da população negra que está relacionada diretamente na desigualdade racial dentro do sistema prisional, fica evidente que, pelos dados estatísticos gritantes, comprova-se que a população que predomina a superlotação dos presídios é a negra.
A pesquisa trata-se da evidência de que há de se combater todo e qualquer tipo de preconceito, aqui em específico o racismo, problema que está incrustado em julgamentos desleais e decisões discriminatórias, que ferem diretamente o princípio da igualdade e imparcialidade do juiz, previstos em nossa Constituição Federal. Ademais, o estudo tem grande relevância social, uma vez que diversas pessoas são atingidas pela problemática abordada. Estas são as pessoas que de alguma forma chegam ao judiciário buscando um tratamento igualitário e saem discriminados.
2 RACISMO DO BRASIL NA HISTÓRIA E NO PRESENTE
Com a chegada dos portugueses, iniciou a concretização de uma grande exploração de nativos e de recursos daquela vasta terra, com o intuito de civilizar o local, escravizar os povos e lucrar por meio de extração de recursos naturais.
Diante disso, ao se observar que se encontravam poucos indígenas para cumprir os trabalhos para uma gigante área de terreno, os portugueses passaram a comercializar tribos africanas e escraviza-los. Estes eram usados como ferramentas para realizar o trabalho, sendo tratados como animais. Negros e indígenas não tinham direito algum e eram reconhecidos como a escória da sociedade.
Em 1888, a Lei Áurea surgiu com o intuito de abolir a escravidão que ocorria no território brasileiro. Porém, mesmo com a conquista da promulgação da legislação, o efeito surtido não foi conforme esperado, vez que os negros e indígenas não foram integrados dentro da sociedade, sendo notório que ainda existem sequelas do racismo e da escravidão que as políticas públicas não conseguirão reparar. Mesmo diante de leis, campanhas e incentivos, o racismo está distante de ser abolido no Brasil. Ele continua sendo um grave problema dentro da sociedade, principalmente na ruptura dos Direitos Humanos e no âmbito jurídico.
Em uma pesquisa feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), restou demonstrado que numa análise feita com amostra de 11,3 mil magistrados, sendo 62.5% do total que está na ativa atualmente no Brasil, do total entrevistado, 80% se declarou brancos, 18,1% negros e 1,6% asiático. Entre os negros, 16,5% disseram se considerar pardos e apenas 1,6% pretos, o que demonstra a perpetuação do racismo estrutural entre os cargos de grande poder.
O racismo estrutural sempre foi enraizado na cultura do Brasil, muitas vezes escondendo e deixando de lado para que não pareça racismo. Já o racismo institucional, nada mais é que a diferença de tratamento de ambas as etnias dentro das instituições, demonstrando como o preconceito racial é manifestado dentro delas nos serviços de seus agentes.
É de grande importância compreender como funciona o Racismo Institucional diante de análises do Poder Judiciário, pois sempre houve uma habilidade em obstruções que escondem o acesso aos direitos quando se fala em grupos vulneráveis, o que deixa evidente os resultados desiguais produzidos para pessoas de raças diferentes.
Por efeito de todo um processo que contém uma grande história, a população negra é diariamente relacionada à criminalidade, tendo um entendimento que, pessoas de pele escura têm maiores possibilidades de entrarem para a vida do crime por conta da cor. Em razão do racismo estrutural, estereótipos são enraizados ao lado da população negra.
3 A QUESTÃO DO PRECONCEITO EM CASOS DO JUDICIÁRIO
Quando se trata de preconceito racial no Brasil, é preciso salientar que ainda há vestígios da nossa cultura colonial. Sabendo a condição de vivência dos negros no tocante ao trabalho de mão de obra pesada e salários baixos, ninguém é questionado por acharem socialmente um costume normal. Já quando se fala em trabalhos considerados de alta valorização e boa remuneração, na maioria das vezes é questionado o motivo desse acontecido.
De acordo com a Constituição Federal (BRASIL, 1988):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
O Poder Judiciário tem o papel de garantir esses direitos de forma igualitária e justa, porém, o que se vê na prática é totalmente diferente da teoria. Quando se fala em casos de racismo, o Judiciário resiste em reconhecer casos graves e acaba executando decisões de forma injusta e prejudicial à vítima, ou seja, o povo negro.
O artigo 3º da Constituição Federal (BRASIL, 1988) diz:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Um bom exemplo retira-se do caso em que a magistrada Inês Marchelek Zarpelon, da 1º Vara Criminal da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba, no ano 2020.Na determinação da sentença de Natan Viera da Paz, Inês cita injustificadamente a cor de pele do réu com relação ao acontecido.
Na sentença, a juíza diz: “Sobre sua conduta social nada se sabe. Seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente.”.
Natan Viera da Paz foi condenado a três anos e sete meses, de acordo com o texto da sentença, a pena foi elevada por causa da conduta social.
O caso foi denunciado três vezes pelo Conselho Nacional de Justiça, porém, a Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), no dia 28/09, por unanimidade, decidiu arquivar o processo disciplinar aberto contra a magistrada Inês Marchelek Zarpelon.
Outro caso ocorrido trata-se da magistrada Lissandra Reis Ceccon, da 5ª Vara Criminal de Campinas, que em seu texto escrito, discorreu: "Vale anotar que o réu não possui o estereótipo padrão de bandido, possui pele, olhos e cabelos claros, não estando sujeito a ser facilmente confundido".
Segundo a juíza, o réu suspeito de latrocínio não tinha aspectos físicos de um bandido por ele ser branco de olhos claros. A frase dita pela juíza Lissandra Reis não está de acordo com os ideais específicos entregue pela Lei Orgânica da Magistratura. O ministro Humberto Martins determinou o arquivamento do caso, colocando fim nesse acontecido, em agosto de 2019.
Em uma pesquisa feita por Gislaine Aparecida dos Santos (2015), intitulada “Nem crime, nem castigo: o racismo na percepção do judiciário e das vítimas de atos de discriminação”, foi afirmado que é de suma importância destacar como os casos de racismo são tratados no Brasil pelo judiciário. Ela apresentou a forma em que os casos de racismo que integram nas amostras dos processos jurídicos acontecidos em São Paulo, entre o ano de 2003 e 2011, foram captados pelo judiciário e pelas vítimas.
A autora diz que, na primeira etapa do processo, a pesquisa foi feita com base nos dados do Tribunal de Justiça do Tribunal de São Paulo (TJSP). Contudo, como apresenta a escritora, os estudos ocorreram diante dos inquéritos e os processos da primeira instância nos sistemas eletrônicos abertos e nas bases de consulta de entrada restrita. Portanto, Gislaine afirma que (2015, p. 187):
Nossos parâmetros foram buscar por: apenas os crimes contra pretos e pardos (negros); apenas os crimes de racismo ou injúrias raciais; apenas os casos de Primeira Instância (ou seja, não analisamos os recursos para um julgamento em Segunda Instância); apenas os casos arquivados; casos ocorridos de 2003 a 2011; que não estivessem em segredo de justiça; somente aqueles ocorridos na cidade de São Paulo.
É evidente que a partir destas análises foi verificado que um número significante de casos envolvia brigas sobre racismo entre vizinhos e eram definidos apenas como injúria simples, deixando explícita a certeza do judiciário que não havia preconceito racial.
Com isso, conclui-se que existem muitas parcialidades dentro do judiciário, o que contribuem com a reprodução do preconceito dentro deste poder da união.
4 O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO EM RAZÃO DO HIPERENCARCERAMENTO DA POPULAÇAO NEGRA
Segundo pesquisa realizada pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada em junho de 2022, 820.689 pessoas estão inseridas no sistema carcerário brasileiro, dentre estes, 67,4% são negros, o que é demonstra que mais da metade da população carcerária é negra.
Com esse dado é fácil constatar que o sistema prisional brasileiro precisa ser modificado, vez que o processo de encarceramento se deu em virtude de uma cultura de maior rigor penitenciário, entretanto, é claro que a população mais pobre, qual seja, os negros, são vítimas de um aprisionamento forte. Para a mudança do sistema prisional, contudo, necessita iniciar as mudanças em políticas públicas de educação, saúde e moradia, para que esses direitos fundamentais consigam chegar às classes menos favorecidas.
Já conforme Paulo Bruno (2020), mencionado na matéria “Dia da Consciência Negra: Por que os negros são maioria no sistema prisional?” feita por Tatiane Vargas, na era colonial, o sistema jurídico visava mais penas variadas e rigorosas para serem aplicadas nos ex-escravos e escravos.
De forma muito severa, era feito marcação com ferro em brasa, mutilação física, açoites, morte por meio de enforcamentos ou esquartejamento. Todas essas penas não se aplicavam para fidalgos, doutores ou qualquer membro da elite financeira ou qualquer branco, ou seja, o aprisionamento e todas as formas de controle social deixavam claro a que a população negra tinha prioridade.
Para Raísa Alves da Silva Almeida, mestranda da Pós-Graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas (Sotepp), do Centro Universitário Tiradentes (Unit Alagoas):
A Lei Áurea não pode ser entendida como um ato de generosidade, bondade ou ‘favor’. Pelo contrário: ela está mais próxima de um ato de medo em relação à imagem negativa que pairava sobre os países que ainda permaneciam no sistema escravocrata. A princesa imperial regente, atendendo muito mais aos interesses políticos e econômicos da elite da época, do que à pressão popular, fez editar a lei que pôs um fim formal à escravidão no Brasil. Entretanto, não poderia Isabel conferir a liberdade, pois ela já é inata a qualquer indivíduo, a lei editada apenas confirmou um direito inerente à população negra da diáspora.
Esta espécie de “má-vontade” do poder vigente à época se depreende do número de artigos presentes na Lei n.º 3.353: apenas dois. O primeiro apenas declarava extinta a escravidão no Brasil desde a promulgação desta lei, e o segundo revogava todas as disposições em contrário. “Deste modo, a lei apenas impedia que pessoas negras continuassem a ser desumanizadas mediante a escravização. Não foram contemplados meios de reparação às agressões sofridas ou de garantia de direitos básicos. A Lei Áurea não é uma lei reparadora, apenas pôs fim a escravidão e abandonou a população negra à pobreza, à marginalização e à ausência de liberdade tangível”, define Raísa.
Apesar disso, atualmente, o tratamento com negros ainda continua se exercendo de forma ruim, segundo Tatiane Vargas (2020):
As prisões no país se reafirmam, ano a ano, como um lugar para negros. No Brasil, se prende cada vez mais pessoas negras. Existe, dessa forma, forte desigualdade racial no sistema prisional, materializada não somente nos números e dados apresentados, como pode também ser percebida concretamente na maior severidade de tratamento e sanções punitivas direcionadas aos negros. Aliadas a isso, as chances diferenciais e restritas aos negros na sociedade, associadas às condições de pobreza que enfrentam no cotidiano, fazem com que se tornem os alvos preferenciais das políticas de extermínio e encarceramento do país.
Principalmente no cenário do sistema carcerário brasileiro, os prisioneiros são na maioria negros. A média nas prisões brasileiras, o percentual de raça, cor e etnia negra, chega a 67%. No Amapá, Acre, Amazonas e Bahia, a cada dez, nove são negros. É constatado que, mesmo na região Sul, tendo média dos cidadãos negros correspondente de dois em cada dez, o percentual de encarceramento da população negra é maior.
São notórios os acontecimentos e circunstâncias vistas no poder do Estado, segundo a pesquisadora filiada do fórum, Amanda Pimentel, mencionada por Acayba e Reis (2020), ela deixa claro que, entre os motivos que os negros são mais presos, está também a diferença de tratamento que são recebidos pelo judiciário na maioria dos casos.
As prisões dos negros acontecem em razão das condições sociais, não apenas das condições de pobreza, mas das dificuldades de acesso aos direitos e a vivência em territórios de vulnerabilidade, que fazem com que essas pessoas sejam mais cooptadas pelas organizações criminosas e o mundo do crime. Mas essas pessoas também são tratadas diferencialmente dentro do sistema de justiça. Réus negros sempre dependem mais de órgãos como a Defensoria Pública, sempre têm números muito menores de testemunhas. Já os brancos não dependem tanto da Defensoria, conseguem apresentar mais advogados, têm mais testemunhas. É um tratamento diferencial no sistema de justiça. Os réus negros têm muito menos condições que os réus brancos.
Assim, é certo que o sistema judiciário contribui para a perpetuação do racismo na nossa sociedade, vez que são os responsáveis pelas prisões da sociedade negra.
5 RACISMO X INJURIA
5.1 Injuria Racial
A Injúria Racial tem como elemento subjetivo do “dolo de injuriar”, que nada mais é que ofender a honra da vítima de forma subjetiva, valendo-se de elementos como a raça, cor, cultura, etnia religião, sendo esta, a espécie da injúria preconceituosa.
Insta salientar que a injúria não pode ser emaranhada com os crimes da Lei n. 7.716/89, pois possuem bens jurídicos completamente distintos, uma vez que o bem jurídico da injúria está ligado a honra subjetiva da vítima e o bem jurídico da Lei 7.716/8912 é a igualdade.
Posto isso, de forma a diferenciar o racismo e o crime de injúria racial, ressalta-se que o crime de racismo é imprescritível e a injuria encontra sua prescrição em oito anos, a contar da data do fato. Outra diferenciação é que o juiz poderá conceder a liberdade provisória mediante fiança nos casos de injúria, conforme estabelecido no Código de Processo Penal.
Em setembro de 2009, houve uma alteração no parágrafo único do Art.145, do Código Penal, pois antes da alteração o crime de injúria era de ação penal privada e após a modificação passou a ser ação penal pública.
5.2 Racismo
Já o racismo nada mais é que o discurso de segregação de raças, que define que uma raça é superior à outra por algum motivo discriminatório. Trata-se de um fenômeno de discriminação sistemática. São os preconceitos, estereótipos e discriminações que fazem parte da dinâmica do racismo.
O racismo, ainda, pode ser manifestado de várias formas e por vários tipos, como o estrutural, institucional, individual, cultural, recreativo e ecológico. O racismo estrutural é aquele camuflado, geralmente presente em sociedades que construíram a sua história e cultura sobre conceitos racistas, como nossa própria sociedade. O racismo institucional está presente nas medidas do estado, empresa, ou instituições, e o racismo individual é aquele direcionado a uma pessoa em específico. Já o racismo cultural se relaciona a uma ideia que uma cultura seja superior a outra; o racismo ecológico acontece quando um grupo marginalizado tem o acesso ou a manutenção de um ambiente saudável negado ou negligenciado, devido a sua cor ou etnia; e, por fim, o racismo recreativo é aquele que se apresenta no entretenimento.
6 DESAFIOS DA IMPARCIALIDADE PARA MAGISTRADOS
Acerca da imparcialidade, Alessandro Baratta comenta:
Pesquisas empíricas têm colocado em relevo as diferenças de atitude emotiva e valorativa dos juízes, em face de indivíduos pertencentes a diversas classes sociais. Isso leva os juízes inconscientemente, a tendência de juízos diversificados conforme a posição social do acusado. (...). Em geral pode-se afirmar que existi uma tendência por parte dos juízes de esperar um comportamento conforme a lei dos indivíduos pertencentes os estratos médios e superiores, o inverso ocorre com os indivíduos proveniente dos estratos inferiores.
Dessa forma, no inconsciente dos magistrados, na maioria dos casos, é sempre levado em consideração a classe e posição social, do cidadão acusado e isso acontece tanto na análise do delito, quanto a avaliação do caráter do acusado.
Para exemplificar o que a pesquisa quer dizer, basta analisar sobre as sanções pecuniárias e detentivas, vez que é clarividente que existe uma inclinação dos magistrados para aplicar a pena de detenção para os condenados das camadas sociais mais baixas. Esta tendência se justifica porque é menos comprometedor para o seu status social já baixo, e porque entra na imagem normal do que frequentemente acontece a indivíduos pertencentes a tais grupos sociais.
A ausência de parâmetros legais possibilita uma ampla margem de discricionariedade ao juiz, a exemplo do que ocorre com a definição de tipos penais abertos, como os crimes culposos e os omissivos impróprios, ou ainda com a individualização e a fixação da pena. As diferenças sociais também constituem um fator interveniente na atividade judicial no âmbito da discricionariedade legal.
Para Vera Andrade:
[...] a eficácia dos mecanismos de seleção se manifesta na atividade jurisdicional ao longo da multiplicidade de decisões que incumbem aos juízes e tribunais. Seja na fixação dos fatos, na sua valoração e qualificação jurídico-penal, individualização, escolha e quantificação da pena. Igualmente se tem colocado como relevo que em todos estes momentos decisórios intervêm muitas assimetrias relativas não apenas às desigualdades ancoradas nas estruturas sociais [de que se alimentam os estereótipos], mas também relativas ao poder de interação, comunicação e expressividade e aos níveis de credibilidade dos diferentes participantes.
Conforme já salientado, o juiz tem sua visão de mundo, carregada de valores e preconceitos próprios do meio social de onde ele provém. Quando o juiz diz que não tem valores e que seu julgamento é neutro, na verdade ele está assumindo uma postura conservadora, pois, a exemplo de todo ser humano, cultiva seus próprios valores e visões de mundo, os quais se refletem na sentença. Nada mais é, para simplificar, que um reflexo do racismo estrutural, que infelizmente já está perpetuado na sociedade brasileira.
Assim, ou ele assume uma postura crítica quanto a seus próprios valores, ou opta por assumir o risco de prolatar uma sentença que, marcada pela sua visão de mundo, pode contribuir para a manutenção ou a criação de situações de injustiça.
7 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Antes da Constituição Federal de 1988, as revoluções liberais continham o princípio da igualdade com um viés de aplicação formal, com o objetivo da igualdade jurídica e não da igualdade de condições. Essa igualdade do direito se divide em três aspectos, sendo eles: igualdade do direito, uniformidade de tratamento e proibição da discriminação.
Para igualdade de direitos, tem se a premissa de que a lei deve ser a mesma para todos. Já a uniformidade de tratamento nada mais é que um princípio que reclama o tratamento dos iguais e dos casos iguais, o que tecnicamente se faz pela generalidade da lei.
Por sua vez, a proibição da discriminação consiste na vedação de diferença de tratamento que resulte em situação jurídica pior, mais restritiva ou onerosa, em razão de características pessoais. A Carta Imperial de 1824 foi importante para o surgimento desse princípio, pois nela encontramos um pouco do conceito tratado, qual seja: “Art. 179. XIII. A Lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.”.
Já em 1988, com a criação da Constituição Federal de 1988, deu-se o surgimento do princípio da igualdade através do artigo 5°, onde é transcrito que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.”.
Para Joaquim Barbosa esse conceito de igualdade veio para dar sustentação jurídica ao Estado liberal burguês, já que a lei deve ser igual para todos, sem distinções de qualquer espécie. Segundo ele:
Abstrata por natureza e levada a extremos por força do postulado da neutralidade estatal (uma outra noção cara ao ideário liberal), o princípio da igualdade perante a lei foi tido, durante muito tempo, como a garantia da concretização da liberdade. Para os pensadores e teóricos da escola liberal, bastaria a simples inclusão da igualdade no rol de direitos fundamentais para que a mesma fosse efetivamente assegurada no sistema constitucional.
Sendo assim, é possível constatar que a Constituição da República Federativa de 1988 trouxe consigo de forma expressa esse princípio, objetivando conceder a todos o mesmo tratamento sem que sofram discriminação. Entretanto, mesmo com tantas leis que configuram este princípio, é possível notar que até hoje a sociedade brasileira não conseguiu aplicá-lo nas dinâmicas do dia a dia, razão pela qual ainda existem tantos casos de racismo.
8 CONCLUSÃO
Diante da colonização dos portugueses no Brasil, iniciou-se o histórico racista no nosso país, sendo desenvolvido um sistema de escravidão criado diretamente pelas pessoas de pele clara contra a população negra e indígena, tida por eles como “minorias”.
Apesar da publicação da Lei Áurea de 1888, não aconteceu a integração da população negra na sociedade, no qual, foi tornado em um grande aumento de preconceito racial, pois todas as pessoas de pele escura eram tratadas e reconhecidas como criminosos, propagando-se um destino perpétuo na sociedade, que se tornou um grande obstáculo social, educacional e econômico para a população de pele negra.
É claro dizer que a abolição ocorreu somente na teoria, pois dentro do núcleo jurídico ainda existe uma ruptura sobre os direitos humanos em cima dos desfavorecidos. É notória a reprodução desse preconceito, que evidencia o atraso sofrido pelos negros no sistema jurídico, enraizado pelo racismo estrutural, resultando, muitas vezes, injustiça na punição dessa população.
O tema proposto evidenciou um problema estruturado e latente no nosso poder judiciário, mostrando que o crime não é um privilégio do preto, mas a punição parece sê-lo. A luta é para que um dia tenhamos um sistema judiciário imparcial no todo e que respeite o princípio da isonomia e igualdade.
Sendo assim, é de extrema importância afirmar que o poder judiciário tem de garantir os direitos de cada cidadão de uma forma justa e igualitária. Entretanto, a realidade é que o judiciário resiste ao reconhecer os casos de racismo e determinam decisões injustas diante da população negra, o que acarreta graves falhas, constatando que é de extrema urgência adotar medidas que acabem com os hábitos que geram desigualdade.
REFERÊNCIAS
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Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul - UNIFUNEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LELAS, Leonardo Henrique. Mecanismo histórico de preconceito racial no poder judiciário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 set 2023, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/62949/mecanismo-histrico-de-preconceito-racial-no-poder-judicirio-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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